domingo, 1 de março de 2020

A Igreja e seus apetrechos

Quadro de Bosch Jeroen van Aken, mais conhecido como Hieronymus Bosch (1450 - 1516), o Jardim das Delícias Terrenas - Céu, Terra e Inferno (pintado por volta de 1500). Os dois painéis laterais se dobram, fechando a pintura como uma janela. Do lado esquerdo, Deus anda entre Adão e Eva. No centro, as pessoas estão nuas, em ações muito curiosas como deitar dentro de uma ostra, viver numa redoma ou dentro de um fruto gigante, etc. No lado direito há a escuridão e muitos demônios ou animais bizarros, geralmente comendo as pessoas.

Existem múltiplos níveis em que a religião influencia o comportamento das pessoas, por isso se trata de um assunto importante. Há o nível moral, a organização social, etc. Mas não é isso que pretendo discutir aqui, ainda. Antes, acredito ser necessário pensar no funcionamento da religião, em especial, do Cristianismo. Sobre isso, há muito tempo, não me lembro onde, li que "a morte de Cristo foi teologicamente muito mais importante que Sua vida". Não deixa de ser assombroso pensar que o Cristianismo pode depender muito pouco de Jesus.

Basicamente, as pessoas clamam a Jesus por auxílio em suas questões humanas: saúde, vida ou morte, trabalho, dinheiro, conflitos. Paulo descreveu Jesus como um "novo Adão" (1ª Coríntios 15), resgatando o bem-querer de Deus pela Humanidade. Mas esse bem-querer resgatado não incluiu o fornecimento abundante de alimentos sem trabalho, a imunidade a doenças, nem a vida eterna. Por isso mesmo, por ainda termos de carpir o sustento, tratar e resistir a enfermidades, envelhecer e morrer, os Cristãos clamam a Jesus por Seu auxílio.

Jesus viveu, morreu, ressuscitou e ascendeu aos Céus fazem uns 2 mil anos. Como então chegar até Jesus? Como atrair Sua atenção e favor? A Bíblia nos ensina que podemos falar ao Divino sem restrições de formato ou lugar, apenas conhecendo-o "em espírito e verdade" (João 4.23,24). Mas alguns elementos sempre foram preferidos para essa comunicação. O batismo, o sacerdote e o espaço sagrado sempre foram necessidades humanas para chegar ao Divino.

BATISMO

O Judaísmo e o Islã praticam a circuncisão dos homens como ritual de iniciação. No Judaísmo, existe também um banho ritual em fonte ou piscina cheia com água das chuvas. O Catolicismo usa este banho ritual, apenas, em crianças, como ritual de consagração. No Protestantismo, assim como no Judaísmo, é requerido que o iniciado seja capaz de compreender os juramentos que profere.

No Catolicismo, o Batismo é irreversível e uma consagração da criança a Deus, pelo resto da vida e após ela. O batismo garante um lugar nos Céus após a morte, com penitência pelos pecados ou não. Mas esse ritual também significou a aliança de monarcas com a Igreja, no passado. Por aliança, entendamos o rei se tornar administrador de terras ou países pertencentes, desde então e por direito, ao Papa¹.

No Protestantismo, trata-se de uma cerimônia onde é firmado um pacto com Jesus. Implicitamente, também costuma significar aceitar a Igreja como reguladora das suas ações, pois muitas igrejas rejeitam o batismo feito pelas demais. Afastar-se do comando da Igreja, a partir de então, torna o fiel um "desviado", uma ovelha perdida a cujo resgate vale todo esforço. No séc. 20, o Batismo assumiu, dentro do Pentecostalismo, uma 2ª versão, o chamado “batismo pelo Espírito Santo”. Esta tem a função de uma aceitação do fiel por Deus, demonstrada por meio do êxtase religioso, choro, murmuração de palavras incompreensíveis e exaltação de Jesus em alta voz (às vezes com auxílio de megafone e caixa de som em volume máximo)².

Em alguns sistemas, o Batismo pode significar a aceitação do fiel em uma comunidade ou no interior dos espaços religiosos sagrados. No Judaísmo, o Mikveh ou banho ritual também tem uma função de purificação, sendo repetido diversas vezes, após a menstruação, após o sexo, após tocar em objetos ou frequentar lugares considerados impuros. Os impuros ou não batizados devem permanecer fora dos círculos de leitura e discussão, que podem ocorrer também fora das sinagogas. No Islã, a permissão de entrar na mesquita para participar das orações é vedada aos Muçulmanos, ou seja, aqueles que já passaram por circuncisão e declaração pública de sua fé em Allah. No Cristianismo, o acesso e participação dos cultos é livre, mas não há permissão de participar da Santa Ceia, cerimônia que Jesus instruiu os apóstolos a fazerem para lembrar seu comprometimento com Ele, em especial com Seu sacrifício.

Existem muitas divergências sobre quem pode batizar. João Batista praticava seu banho ritual de limpeza nas margens do rio Jordão, mas com uma função muito mais poderosa e permanente do que as limpezas usuais. Foi uma cerimônia pela qual Jesus passou. O livro de Atos fala de um dos seguidores de Paulo batizando um eunuco (Atos 8.27-39), o que significava sua designação como Cristão, mas o próprio Paulo afirma ter batizado muito poucos (Crispo, Gaio e a família de Estéfanas, segundo 1ª Coríntios 1.14-16). Livros dos sécs. 1 e 2, como a Didache, parecem instruir sobre juramentos para as solenidades de Batismo. Não há a citação explícita de que um sacerdote precise fazer a cerimônia mas, sendo João a referência mais antiga e havendo o comprometimento com a Igreja, chegamos a esse entendimento. Tradicionalmente, nobres e homens ricos foram batizados por patentes igualmente altas de dentro da Igreja.

SACERDOTE

O sacerdote representa, desde muito tempo atrás, a "voz de Deus". Nas religiões antigas, o sacerdote incorporava o deus, era empoderado por ele e recebia informações privilegiadas sobre o Universo e o futuro. Era o sacerdote quem coroava os reis, e às vezes os derrubava também (vide Samuel e Saul).

Desde a invasão de Israel por Nabucodonosor II (597 a.C.), essa função foi diminuída, pois o grande rei se tornara, no fim, servo de outro rei, com outra religião. Coisa bem paralela ocorreu com os sacerdotes Judeus, quando se estruturou o Sinédrio: os sacerdotes de outras cidades eram subordinados aos sacerdotes de Israel, e todos eles ao sumo-sacerdote. Na época do 2º Templo não pareciam haver templos concorrentes ao templo de Israel, como Shiló havia sido, por exemplo.

Entre estruturas de poder, costumam acontecer disputas. Durante o governo grego na Judéia, os embates entre sacerdotes Judeus e os representantes da família de Seleuco chegaram mesmo a esvaziar por décadas o Templo Reconstruído. O governo Romano, por outro lado, criou laços entre o clero e os reis a partir da ampliação e reforma do Templo por Herodes o Grande. A família de Anás, sumo sacerdote, ficou a partir de então, atada com a representação do Império. Apesar de todo o conflito que havia entre os Judeus e a lei de divindade dos imperadores Romanos, não foi, como sabemos, o corpo de Fariseus e Saduceus ligados ao Sinédrio que movimentou as revoltas contra Roma na metade do séc. 1.

De acordo com sua herança greco-romano-judaica, a igreja Cristã se consolidou numa única estrutura, em escala imperial, com a aliança aos nobres de Roma e ao imperador Constantino, no séc. 4. O sacerdote passou a ser, antes de tudo, a voz da igreja, que era a voz de Deus. Investido de santidade e até poderes sobrenaturais, segundo a crença medieval, os sacerdotes se curvavam a santidades e poderes ainda maiores, ditados pela hierarquia religiosa. Diversos papas e reis chegaram a ser consagrados seres divinos, como os anjos³.

Embora vinculado duplamente a Deus e a Igreja, o sacerdote geralmente tem como crivo de sua ordenação justamente que seja capaz de combinar as duas direções. Quando não o pode fazer, é afastado das funções pela Igreja, a quem jamais cabe questionar; assim como, por tabela, aos poderes políticos.

Podemos ficar felizes com essa posição unificadora da Igreja enquanto lidamos com Estados zelosos da sua população e cultura. No mundo regido pelo capital e mão de obra, entretanto, não faltam exemplos de governos totalitários e defensores de uma minoria aproveitadora, aos quais, infelizmente, a Igreja tem o mal hábito de se associar. Isso se deu largamente no massacre dos povos indígenas pelos Espanhóis em busca de ouro e prata, na exploração dos povos e terras do Oeste Africano, nos governos Fascistas da Europa e, mais recentemente, nas ditaduras militares da América Latina*.

Algumas ordens religiosas não se opõem a atribuição de poderes sobrenaturais ao sacerdote. Como tal aproximação de Deus pode, de fato, tirar o controle da Igreja sobre ele, quase sem exceção essa atribuição sobrenatural recai sobre sacerdotes já mortos ou sobre os líderes máximos de suas ordens religiosas. O sacerdote morto que produz milagres, além de validar a preferência de Deus por seu grupo (coisa que o vivo também faz), ainda permite que outros sacerdotes interpretem suas palavras, necessidades, oferendas, etc. Nesse ponto chegamos em que Jesus, morto, é muito mais útil a uma igreja com múltiplos líderes do que um Jesus vivo capaz de questioná-los (e sabemos que Jesus era bom nisso)**.

A tradição Greco-romana sobrepujou o Judaísmo nos entendimentos sobre a morte: embora venerassem os túmulos de sacerdotes e profetas, os Judeus tinham repulsa às tumbas como locais sagrados. Os necromantes eram proscritos desde os idos do Velho Testamento (até o séc. 3 a.C.). Já os Gregos e Romanos viam nas tumbas os poderes protetores de antepassados cujos ossos estavam ali. Logo no séc. 4 já haviam tumbas sagradas no Cristianismo, algumas delas sendo de Jesus, Paulo e Pedro, sem falar dos mártires.

ESPAÇO SAGRADO

No Judaísmo, o espaço sagrado de oração é entendido como a reunião de pelo menos 10 Judeus, não necessariamente dentro de uma Sinagoga (e não há espaço substituto do Templo de Jerusalém, há muito perdido). Na época do 2º Templo, os Judeus tinham o espaço do Templo como mais próximo de Deus. Isso não fazia com que apenas orassem nas cercanias do prédio, mas aquele era um lugar mais provável de ser ouvido por Deus. Também era o lugar de fazer agradecimentos pelos pedidos e proteção. No Islã, isso é colocado de forma objetivamente matemática: uma oração na mesquita Al-Aqsa (junto ao espaço onde ficava o Templo, em Jerusalém) equivale a 250 orações em qualquer outro lugar; na mesquita an-Nabawi (Medina), construída por Maomé, uma oração equivale a 1.000 orações. Na mesquita sagrada de Meca, uma oração contém a recompensa de 100.000 orações.

No Velho Testamento, são várias as alusões a espaços puros ou profanos usados para os cultos. Havia os altos dos montes, usados para o culto de Baal, deus dos relâmpagos; os bosques e outeiros usados para o culto de Asherah, a deusa das colheitas; e havia a tenda nômade usada para o culto de JHWH, deus único e supremo, inimigo de toda crendice nos demais***. A tenda era o logradouro da Arca, que depois foi transferida ao Templo de Salomão. Com a destruição do Templo, a Arca foi perdida, mas a construção já havia absorvido o sentido sagrado do objeto original. Em parte, a localização era especial: o local onde Abraão fizera seu pacto com Deus. Reconstruído, o Templo passou a ser sagrado. Seu local é sagrado para Judeus e Muçulmanos até hoje, quase 2000 anos após ser demolido pelas catapultas romanas.

No Cristianismo, os espaços sagrados não são vedados aos não-Cristãos, mas isso ocorre em diversas religiões. Esse acesso livre faz parte da aceitação Cristã a "todo aquele que vier", segundo vemos no livro de Atos. Mas ela encontra barreiras, como veremos a seguir, nos preceitos Neo-judaicos de pureza.

Hoje, a maior parte do mundo Ocidental se declara Cristã. Isso liberou muitas das barreiras de acesso ao espaço Cristão. Não há mais Hunos, Vikings ou Celtas para conquistar os espaços Cristãos. Mas se examinarmos a crença medieval sobre tais espaços, eles eram considerados mortais a duendes, espíritos, bruxas e até vampiros, pelo simples fato de que estes não eram Cristãos. Nas invasões da Normandia pelos Vikings, a catedral de Notre Dame foi o abrigo Cristão predileto. Na derrota de Constantinopla pelos Turcos, em 1483, os Romanos refugiaram-se na catedral de Santa Sophia, e não no palácio imperial, pela crença de que aquele espaço seria nocivo aos Islâmicos. Mais recentemente, não são poucos os contos de pessoas expulsas de igrejas não pelos anjos ou uma força invisível, mas pelo sacerdote e os fiéis, na medida em que foram considerados impuros para aquele espaço. Por outro lado, nobres e ricos beneficiadores da Igreja não raro tiveram suas tumbas bem sob o altar, em sinal de sua santidade eterna, ainda que em vida fossem guerreiros, caçadores, mercadores de escravos, etc.

No Cristianismo, o que torna o espaço sagrado especial é a realização dos cultos ali. Mas é possível que o lugar sagrado seja também depósito de algum ícone, como a tenda onde ficava a Arca. Diversas igrejas Cristãs são guardadoras de fragmentos da Coroa de Espinhos, da Cruz, de ossos dos personagens dos Evangelhos, de corpos de pessoas abençoadas. Os mártires Cristãos, religiosos evangelizadores e nobres que lutaram pela Igreja na época das Cruzadas sempre produziram os ícones mais famosos. Os mártires sem nome, cumpridores do preceito de morrer pela fé, enterrados em locais comunitários, foram uma obsessão Cristã nos sécs. 4 a 10, mais ou menos como o profeta desconhecido que é citado no Velho Testamento. Tumbas coletivas facilmente se transformavam em templos de ossadas. No séc. 16, com a destruição de ícones Católicos que Reforma Protestante provocou, algumas dessas tumbas na Europa até ganharam o adorno precioso dos esqueletos com jóias e roupas finas. Alguns desses esqueletos adornados foram postos em tronos ou amarrados em posições de bênção ou oração, curiosamente dando a origem a proto-divindades que jamais existiram, e para as quais foi necessário inventar uma história terrena &.

No lado Protestante, a repulsa aos sinais mundanos do sagrado sofreu um forte revés com os movimentos de Avivamento na Inglaterra, nos EUA e mais recentemente no Brasil. Os templos Protestantes, embora também sagrados, são muito mais "oficiosos" que os Católicos: não há movimentação ali fora dos cultos, nem há pinturas ou esculturas que lembram o sagrado. Às vezes, a arquitetura do prédio é menos única do que a de uma loja de eletrodomésticos. Isso, claro, devota todos os atributos sobrenaturais ao momento de celebração, presidido pelo pastor.

Sem muito raciocinar, podemos supor que tal pessoa desfruta de uma santidade, ou proximidade de Deus, excepcionais, que precisa compensar a quase ausência de outras conexões com o sagrado. Tal condição lhes é exigida da Igreja enquanto instituição, e também praticada pelos fiéis ao pedirem para o pastor (assim como também ao padre) bênçãos especiais, orações de intercessão, etc. Em casos mais extravagantes, dentro do Protestantismo Neopentecostal, temos líderes religiosos sagrados per se, operadores de milagres em sucessão no centro de imensos auditórios, sendo transmitidos todo dia a todo o globo pela televisão%.

REMEXENDO A CAIXA

As figuras do Batismo, Sacerdote e Espaço Sagrado são orientadores poderosos de como a sociedade se atrela ao sagrado. O primeiro como reconhecimento social e via de acesso aos espaços e rituais, o segundo como mediador entre Deus e os homens, o terceiro como demonstrador social do poder religioso.

No Cristianismo, o Batismo nos revela divisões internas e baixa aceitação de uma comunidade pela outra, apesar do grande fluxo de pessoas entre elas. Jesus, embora tenha sido batizado por João antes de iniciar seu ministério, não dedicou (segundo os Evangelhos) nenhuma linha de seu tempo a esse sacramento. Paulo, segundo ele mesmo, pouco fez também. Ao que parece, Ele não favoreceu uma quebra quanto ao Judaísmo, mas insistiu na ideia de uma reforma ou transição gradual, que só ocorreu pelo arrebatamento de muitos Judeus durante a expansão Cristã.

Os sacerdotes revelam uma estruturação vertical da Igreja, coisa que Jesus, como discidente do Sistema, jamais teria. Segundo João Evangelista, em sua última reunião com os discípulos, Jesus teria dado uma lição sobre humildade ao lavar os pés de Pedro.

Embora o sacerdote tenha mantido, e talvez muito mais em alguns grupos do que em outros, a função de intercessor e voz de Deus, hoje ele se enquadra como "funcionário" de uma organização sagrada, que por sua vez se vincula ao poder político. Essa estrutura torna muito difícil que um sacerdote atual desafie governos, mesmo por comando divino ou em defesa das igualdades e pelo amor que Jesus pregava (ver Cristianismo da pobreza). Na verdade, um critério dentro das igrejas para avaliar sua importância sempre foi a medição mais monetária possível de quanto cada comunidade arrecada.

Os espaços religiosos, por fim, descaradamente refletem o poderio econômico da Igreja, além de serem territórios de exclusão e afirmação de poder. Não há como equiparar isso com a preferência de Jesus pelas pessoas com quem mantinha intimidade: nem mesmo os Fariseus questionadores ou Romanos mal vistos eram excluídos dos círculos onde Ele expunha seus ensinos. Ao se juntar a "publicamos e pecadores", Jesus acabava por ceifar o orgulho separatista daqueles que eram Seus. Mais na Igreja Protestante do que noutras vertentes (hoje), os grupos religiosos invertem o mandamento de cada superior servir ao seu inferior, o que afasta a religião da vida cotidiana, colocando o sagrado sob comando desse ou daquele grupo.

Quase 2000 anos de história fizeram a Igreja assumir uma postura pouco ou nada compatível com os ensinamentos de Jesus, ao ponto de vermos intervenções em políticas (e não em favor dos pobres que herdarão o Reino dos Céus), manipulações financeiras em larga escala e até exaltação de governos temíveis. Seria difícil pensar em como a Igreja moderna poderia retornar aos ideais sobre os quais foi construída (pensando que essa fosse uma decisão institucional), sem que isso a fizesse, novamente, uma instituição proscrita. Ouso suspeitar que os fiéis a quem Jesus pregava o amor ao próximo, e que por fim bradaram "Crucifica-o!", também não acolheriam essa mudança.

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² Atos 2 se refere a um evento miraculoso de falar e ser compreendido em várias línguas, assim como realizar profecias. Neste evento, os apóstolos falaram em diversas línguas porque tinham a seu redor uma platéia que falava grego, latim, aramaico, árabe, etc. Recentemente, pronunciar palavras incompreensíveis tem sido entendido como uma réplica desse evento.

³ O gráfico abaixo mostra o nº de papas que morreram em cada século e quantos deles foram aclamados santos, ou divinos, iniciando-se por Simão Pedro, que andou com Jesus.


A imensa maioria dos papas canonizados teve reinados extremamente curtos, de 1 ou 2 anos apenas. Do gráfico, fica claro que a “romanização” da Igreja pelo imperador Constantino I foi importante nesse processo de produzir papas sagrados e, até a queda de Roma Ocidental (aprox. ano 500 d.C.), quase todos os papas mortos foram aclamados como seres celestiais. Após isso, essa ascensão de autoridades religiosas aos Céus entrou em lento declínio, até a época das Cruzadas. Destacam-se o surgimento do Islã, a 4ª Cruzada e a Contra-reforma. O Islã, como sistema de governo baseado no Islamismo, iniciou-se em Meca/Arábia Saudita com Maomé (571-632 d.C.) e logo expandiu-se com grandes conquistas militares a partir do Oriente Médio. A 4ª Cruzada foi caracterizada como um retorno dos exércitos Cristãos que foram dos impérios Europeus para o Oriente Médio e, na volta, saquearam Constantinopla, centro medieval do Cristianismo. A Contra-reforma foi um movimento lançado pela Igreja Católica logo após a descoberta das Américas e a Reforma Protestante. Nesse movimento, a Igreja empenhou a conquista de territórios na América e os tesouros assim conseguidos para fortalecer os reinos Europeus que mantivessem sua lealdade ao papa.


* Sobre o extermínio indígena na América Latina, a Igreja teve o papel horrível de estimular e abençoar os conquistadores Espanhóis, pelo simples motivo que a Espanha era fiel a Roma mesmo durante os movimentos da Reforma Protestante. Em troca dessa fidelidade, a Igreja santificava as conquistas Espanholas e Portuguesas na América e África, sem se importar com os habitantes desses locais. Na verdade, pela lógica vigente no séc. 16, o indígena precisava ser catequizado, conhecer a Cristo. Convertido, ele deveria servir como escravo dos conquistadores, que arrendaram a terra indígena da Igreja, que a recebeu como direito a partir de Pedro, quando Jesus o apontou como cabeça da Igreja. O indígena não convertido era um pagão e, portanto, inimigo de Cristo, que deveria ser morto.

Quando os Espanhóis chegaram no Peru, encontraram uma civilização Inca dividida em impérios rivais. Eles se aproveitaram dessa divisão intervindo nas guerras entre os Incas: ajudava-se um rei a derrotar o outro, depois matava-se o primeiro. Esse foi o caso histórico do rei Atahualpa (1502-1533), governante de Quito que lutou contra seu próprio irmão, rei de Cuzco. Atahualpa derrotou o irmão em batalha e seguiu para Cusco com 80 mil soldados. No caminho, passariam por Cajamarca, onde estavam sediados os Espanhóis. Francisco Pizarro, líder dos conquistadores, negociou um tratado de paz com Atahualpa, que deveria ser celebrado naquela cidade.

Atahualpa levou poucos homens para dentro da cidade, sendo recebido pelo padre Vicente Valverde, que lhe ofereceu um livro de orações em latim e exigiu sua conversão ao Cristianismo, bem como de todo o exército. Atahualpa era analfabeto, quanto mais em latim, e talvez nem soubesse o que era um livro. Ao recusar-se, o rei inca ainda atirou o livro ao chão, o que constituiu motivo para ser declarado maldito e seus homens imediatamente alvejados pelos espanhóis. O rei foi aprisionado e, ao longo de 1 ano, foram exigidos de seus homens diversos resgates em ouro por ele. Parte desse ouro era devido, inclusive, à Igreja.

Atahualpa foi condenado à morte e acabou aceitando ser batizado. Porém, após o batismo, ele foi sumariamente enforcado por Pizarro. O batismo também significava, para os Espanhóis e religiosos, que Atahualpa dava seu reino à Igreja. Seu irmão Túpac Hualpa foi chamado a substituí-lo no trono de Cusco, mas foi envenenado logo depois. Em 1535, Valverde foi nomeado Bispo e Inquisidor de Cuzco. Acabou expulso em 1541 quando as tropas de Pizarro foram dizimadas por outro líder conquistador e, refugiando-se na ilha Puná, foi morto pelos nativos.

** Até onde os Evangelhos permitem inferir sobre Jesus, ele não desafiava abertamente o Judaísmo. Suas pregações acontecerem, várias vezes, em sinagogas e no Templo. O mesmo se deu com algumas das primeiras reuniões Cristãs. Por outro lado, era nítido que Jesus desafiava os mais nobres dos Fariseus (como seu primo João Batista fizera ao rei Herodes Antipas) e quebrava normativas sagradas dos Judeus. O complô do Sinédrio para prender e condenar Jesus - um julgamento no meio da noite, com testemunhas falsas, sem uma acusação sólida - desviando das regras Judaicas, também mostra que Ele não estava separado dos direitos atribuídos aos Judeus.

*** No texto Crônica de uma morte anunciada, o autor Paulo Brabo lança uma interessante pergunta. Deus estabeleceu, no Velho Testamento, uma tenda onde seria adorado no local que Ele desejasse. Os homens queriam um Templo, local fixo e solene. Mas Jesus, muito tempo depois, também não se deteve para ensinar ou orar em um único local, nem mesmo no Templo. Será que o objetivo de Deus é mesmo uma igreja fixa, alta e monumental?

& Um dos mais trágicos e bizarros exemplos desses santos fabricados talvez seja D. Sebastião I, rei de Portugal entre 1554 e 1578. Tratava-se, obviamente, de um rei verdadeiro, mas ele desapareceu durante uma batalha no Marrocos, contra o sultão Abd Al-Malik I. Nos anos seguintes, cresceu em Portugal a lenda de que o rei havia tornado-se um espírito celestial ou algo semelhante, com toda uma estrutura de culto ao redor dele. Em especial, os escravos marroquinos levados para o Brasil nessa época implantaram aqui o culto a D. Sebastião. Em 1816, houve a descrição de cultos a D. Sebastião no sudeste do país. Em Pernambuco, Silvestre José dos Santos, conhecido como “Mestre Quiou”, liderou um movimento sebastianista na Serra do rodeador, que terminou com um massacre por tropas do governo imperial. Em 1836, João Antônio dos Santos e seu irmão João Ferreira dos Santos lideraram outro grupo sebastianista, em Pedra Bonita, que tentou ressuscitar D. Sebastião com o sacrifício de dezenas de crianças. O ataque das forças imperiais também massacrou os adultos que pertenciam ao culto. Entre 1893 e 1897, o Arraial de Canudos também manteve o culto de D. Sebastião, liderado por Antônio Conselheiro. Tanto a formação quanto a destruição de Canudos são detalhadas no romance “Os Sertões”, de Euclides da cunha.

% Alguns nomes famosos (pelo aparecimento espetacular na mídia e pelas fortunas também) são Benny Hinn, Kerney Thomas, Robert Tilton, Temitope Balogun (T.B.) Joshua, Peter Popoff, Todd Bentley, Joel Osteen, Josh Duggar, etc.

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