domingo, 25 de setembro de 2016

Edito de Milão - texto completo

Os imperadores do Ocidente e do Oriente

Há muito tempo consideramos que a liberdade de culto não deve ser negada, mas que ao pensamento dos homens deve ser concedido o direito de cuidar de coisas espirituais de acordo como cada um escolher pessoalmente. Portanto, já emitimos ordens de que os Cristãos devem guardar e manter a fé de sua própria confissão e adoração. Mas nessas ordens, pelo qual esse direito foi concedido às pessoas acima mencionadas, muitas e diversas condições claramente pareciam ter sido adicionadas e pode, talvez, ser o caso de algumas dessas pessoas em pouco tempo tornarem-se relutantes em praticar a sua religião e observâncias.

Assim, quando eu, Constantino Augusto, e eu, Licínio Augusto, por sorte encontramos um ao outro em Milão, e tivemos a oportunidade de analisar os assuntos sobre vantagens e bem-estar da comunidade, chegamos à resolução que - como outros assuntos que nos pareceram ser benéficos para a grande maioria, e de fato como o primeiro e mais importante entre essas questões - devemos regular as condições em que o respeito e reverência para com a Divindade dependem. O nosso objetivo, a saber, é conceder tanto aos cristãos como a todos os homens a liberdade de escolha na forma de culto como desejarem, a fim de que, independentemente da Divindade, as coisas celestiais possam ser capazes de favorecer a nós e a todas as pessoas que vivem sob a nossa autoridade. Pelo raciocínio estrito e profundo, resolvemos sobre esta política: a nenhum homem dever ser negado o direito de seguir e escolher a forma de culto dos Cristãos. Todo homem deve ter o direito de dar a sua mente a adoração que ele mesmo achar adequada para si, a fim de que a Divindade [para cujo culto nós livremente prestamos o nosso serviço] possa nos proporcionar seu cuidado habitual e bondade em todas as coisas.

Foi bom significar por um escrito que este era o nosso prazer, de modo que, com a remoção completa de todas as condições em nossas antigas cartas enviadas a Vossa Excelência sobre os Cristãos, também deve ser removido tudo o que parecia ser inteiramente errado e estranho à nossa clemência. De agora em diante, de forma livre e incondicionalmente, todos os que têm o pensamento e propósito de manter o culto dos Cristãos deve fazê-lo sem qualquer lei ou impedimento. Essas coisas nós resolvemos explicar tão profundamente quanto possível a você, nosso servo fiel, a fim de que você possa saber que demos a estes mesmos Cristãos o direito pleno e absoluto de cuidar de sua própria forma de adoração. Além disso, veja que esta concessão foi feita a eles incondicionalmente por nós. Vossa Excelência vai entender que o mesmo direito também foi concedido a outros que desejam seguir a sua própria forma de adoração. Tal concessão se encaixa claramente à paz dos nossos tempos - para que todos sejam iguais e possam ter o direito de escolher e valorizar as formas de culto como preferirem. Isso tem sido feito por nós a fim de que nenhum rito ou forma de culto sofra qualquer diminuição em nossas mãos.

Além disso, nós também resolvemos questões que dizem respeito às construções onde os Cristãos se reuniam. Anteriormente, esses lugares foram objeto de uma regra diferente em carta enviada a Vossa Excelência. Porém, nós agora estabelecemos que se qualquer pessoa tiver adquirido tais lugares, seja da nossa tesouraria ou de outro lugar, deverão restaurá-los para os Cristãos sem receber pagamento ou fazer qualquer pedido de compensação, guardando para si toda a negligência e reclamação. Além disso, se qualquer pessoa tiver se apossado de tais lugares como presente recebido, devem restaurá-los o mais rapidamente possível aos Cristãos. Com esta condição, se os compradores das construções ou aqueles que as receberam por doação proferirem qualquer petição à nossa generosidade, eles devem abordar o prefeito do distrito em que as construções estão, de modo que também possam receber alguma consideração. Todas as  propriedades devem ser entregues de imediato aos Cristãos em causa, sem demora.

Além disso, uma vez que estes mesmos Cristãos não só possuíam os lugares onde se reuniam, mas também outros lugares, que não pertencem a indivíduos entre eles, mas que faziam parte dos direitos do seu Corpo Cristão - isto é, uma entidade coletiva - você tem ordens para a execução da lei que temos estabelecido acima, de que todos esses lugares devem ser restaurados sem qualquer dúvida alguma aos Cristãos - isto é, ao seu Corpo Corporativo. É claro que o método até aqui mencionado seja novamente observado e, portanto, aqueles que restaurarem esses lugares sem receber pagamento podem, como já mencionado, esperar indenização a ser dada por nossa generosidade.

Em todas as coisas você deve se esforçar, com o melhor de seu poder, para a pessoa coletiva dos Cristãos, para que nossos pedidos sejam executados o mais rápido possível, a fim de que aqui, bem como em outros assuntos, seja dada consideração por manter a paz comum e pública. Por esta política, como já dissemos antes, tivemos o favor divino em muitos assuntos e tivemos experiência em muitas questões e em todos os tempos. A fim de que nossa promulgação e sua liberalidade possa ser levada ao conhecimento de todos, é apropriado que o que temos escrito seja estabelecido pelo seu edito, publicado em todos os lugares e levado ao conhecimento de todos, a fim de que nossa liberalidade não passe despercebida por ninguém.

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Esse edito foi assinado em fev / 313 d.C. por Flavius Valerius Aurelius Constantinus Augustus (ou simplesmente Constantino, o grande) e por Gaius Valerius Licinianus Licinius Augustus (ou Licínio I). Roma havia se tornado um império tão grande que fora repartido em 286 d.C. entre duas famílias reais, normalmente entrelaçadas por casamentos. Constantino era o imperador de Roma Ocidental (toda Europa e Norte da África) e Licínio era imperador de Roma Oriental (atuais regiões da Grécia, Turquia, Romênia e Rússia). Isso não impedia eventuais disputas por territórios entre os dois lados: Licínio, por exemplo, era natural do Ocidente e havia recentemente conquistado o trono do Oriente derrotando o antigo imperador Maximin Daia, que se opunha fortemente aos Cristãos. Assim, Licínio fez o possível para apagar do Oriente as ações de Maximin.

Embora o Edito de Milão seja referido às vezes como a institucionalização do Cristianismo em Roma, trata-se de um documento feito para os governadores das províncias do Império Oriental. Constantino já era favorável aos Cristãos (embora sua adesão pessoal fosse questionável) e Roma Ocidental já havia concedido liberdade de culto através do Edito de Tolerância de Galerius em 303 d.C., embora não se houvesse estabelecido a devolução de propriedades confiscadas. Mais do que zelar pela paz comum em "tempos de paz", o Edito de Milão reconhece oficialmente que os Cristãos já haviam formado - por si mesmos - um "Corpo Corporativo" e as propriedades não eram individuais (Atos 4.32), mas de uma empresa ou instituição coletiva que era chamado de Igreja.

O documento original não foi preservado, mas há duas "cópias" dele publicadas pelos historiadores Lactantius (De Mortibus Persecutorum) e Eusebius de Cesaréia (Historia Ecclesiastica).

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