sábado, 14 de abril de 2012

3º livro dos Apócrifos

manuscrito etíope do séc 15
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Porque eu deveria ler livros mais antigos que a bíblia?
Porque são obras de gente como eu e você.
E os da bíblia não são...
São sim, mas eles foram inspirados por Deus.
E estes aqui servem para alguma coisa?
Ajudam a não colocarmos a nossa versão na boca de Deus. São um tipo de contra-exemplo.
Hmmmmm. E tem algum deles na bíblia?

Clicando nos títulos, você lê os textos originais.

Sibilinas, ou Oráculos Sibilinos¹ - são escritos poéticos/proféticos redigidos originalmente em grego e copiando o estilo das obras de Homero. Foram compostos de 140 a.C. (estabelecimento de relações entre protecionistas entre Roma e Israel) até 400 d.C. (começo da desintegração de Roma), quando foram destruídos por ordem de um imperador que viu neles uma afronta ao seu poder. Tais escritos mostram a ampla aceitação de Roma pelas profecias, pois constavam da biblioteca do Senado e do Império para consultas em tempos de crise. Não há qualquer ordem na sua composição, e a mudança freqüente do tema talvez se deva a sua divulgação em caráter privado.

Em sua origem, incluíam "profecias" etruscas, gregas, judaicas e cristãs de conteúdo muito diverso, lembrando acontecimentos anteriores (que contam como antigas previsões), a cidade, imperadores e outros governantes, num contexto de aparente predição do futuro. Tiveram ampla difusão na Roma Cristã e na Idade Média, sendo referência para pensadores e escritores místicos, particularmente em contextos gnósticos e milenaristas. Dada sua popularidade, uma razoável coleção de Sibilinas sobreviveu em várias línguas, contando 12 ou 14 livros (alguns autores subdividem o Livro VIII em três livros). Não se pode determinar o círculo de pessoas para quem foram escritas (o que pode também ser muito diverso) nem seu propósito, exceto a opinião geral de que se trate de propaganda cristã.

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Salmos de Salomão - são textos imitando bem a estrutura dos Salmos, mas que diferem muito quanto à data. Enquanto os Salmos canônicos foram escritos por volta de 1000 a.C. (Salomão reinou entre 970 e 931 a.C.), os Salmos de Salomão foram produzidos entre 70 e 40 a.C., no tempo da invasão de Israel pelos romanos. Criticam duramente os sacerdotes e ricos que entregaram o país ao domínio romano. Além da falsidade quanto à sua autoria, os textos ainda pregam o merecimento do favor divino por obras, o que era uma crença corrente na época dos reis Hasmoneus (que o poder tomaram lutando contra governo grego de Israel).

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Odes de Salomão - assim como os Salmos de Salomão, sua autoria é uma fraude. São textos provenientes de muitos lugares de Roma, em várias línguas e escritos durante a perseguição de Roma aos cristãos, que foram lentamente reunidos. Contém referências cristãs como nascimento virginal, batismo, descida ao inferno e a trindade, mas também referências gnósticas² como exaltação à sabedoria, um salvador que seria salvo por outro e um Pai com seios. A colocação da palavra Aleluia no final de todas as odes, o uso de plural e a descrição de gestos para a oração  (mãos erguidas, separadas, com as palmas para fora) sugere que eram textos de serviços religiosos.

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Apocalipse Siríaco de Baruque (II Baruque)³foi composto em 60 - 100 a.C., logo após a destruição de Jerusalém em 70 d.C.. Apresenta Baruque não como secretário de Jeremias, mas como profeta e bastante superior a este. É um misto de oração, lamentação e visões, com um estilo de escrita próximo a Jeremias. 

Além da falsa autoria, o texto erra logo no início, quando coloca sua data no 25º ano do rei Jeconias, que reinou por 3 meses aos 18 anos de idade. O livro trata da sobrevivência do povo judeu após a destruição do 2º Templo, mostrando um Deus vingativo, que deseja punir seu povo mas é aplacado pela argumentação de Baruque. Esse Deus é quase humano e sua divindade se restringe ao papel comunitário. Apesar disso, Deus explica que Jerusalém foi destruída por anjos e destina um recado a Jeremias, o profeta (porque não falaria em 1ª mão?). Além disso, expõe a destruição de Jerusalém por anjos e não pelos romanos, prevendo uma ressurreição onde os corpos dos mortos voltam da terra preservados, clara referência à ressurreição de Jesus.

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Apocalipse Grego de Baruque (III Baruque)é um texto re-composto de fontes principalmente eslavas (periferia de Roma), contemporâneo de II Baruque e também trata da sobrevivência após a destruição do 2º Templo. Além das influências grega e romano-cristãs (apesar de dizer-se um texto judaico), apresenta diversas referências ao mundo persa, podendo mesmo ter influenciado o surgimento do islamismo.

O texto argumenta que o Templo está preservado no céu, completamente funcional e mantido por anjos, não havendo, portanto, qualquer necessidade de reconstruí-lo aqui na terra. Um anjo consola Baruque pela destruição de Jerusalém, levando-o ao Céu para conhecer segredos de Deus (vide a futura história de Maomé) como a carruagem do sol levada por uma fênix, o arcanjo Miguel levando as obras dos justos perante Deus, a maldição lançada sobre a uva (que foi uma planta secretamente plantada por Satanás no Éden), a punição dos construtores da torre de Babel e da serpente do Éden, até que finalmente chega ao portão do quinto céu, o qual somente Miguel é capaz de abrir.

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Omissões de Jeremias (IV Baruque, ou Paraleipomena Jeremiou) - é aceito como canônico pela Igreja Ortodoxa Etíope. Claramente não foi obra de Baruque, tendo sido muito editado, o que dificulta saber quando cada parte foi escrita.

Ao todo, o texto é uma coleção de fábulas: antes da destruição de Jerusalém, Jeremias manda o eunuco Abimeleque colher figos do pomar do rei Agripa, mas o eunuco adormece no pomar e acorda 66 anos depois. Baruque descreve Jeremias como um tipo de Moisés que enterrou os vasos sagrados e atirou as chaves do Templo na direção do sol durante a tomada de Jerusalém, depois convenceu Nabucodonosor a libertar os judeus, que são instruídos a remover todos os estrangeiros do seu meio. Jeremias lidera os judeus "puros" de volta através do Jordão e oferece sacrifício em Jerusalém pelo dia-do-perdão. Os judeus que ficam com suas esposas pagãs não retornam, fundando depois a cidade de Samaria. Jeremias desmaia enquanto sacrifica, ressuscitando após 3 dias, quando passa a louvar Deus para a redenção através de Jesus Cristo (!). Baruque ainda pega os figos frescos (de 66 anos atrás!) e viaja para a Babilônia com uma águia capaz de ressuscitar homens.

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Assunção de Moisés - foi descoberto como um manuscrito incompleto por Antonio Ceriani na Biblioteca Ambrosiana de Milão, no séc. 19. Embora o autor se diga Moisés e fale em forma profética prevendo o futuro de Israel, o estilo corresponde à forma de escrita dos fariseus da época romana, sendo datado como do séc. 1 a.C.. Depois, novas análises mudaram a data provável para 7-30 d.C., o que mostra que o texto, na verdade, conta a história conhecida e se faz passar por profecia antiga já cumprida.

No cap. 1, antes de morrer, Moisés escolhe Josué como sucessor e deixa os livros que ele deve preservar até o fim dos dias, quando o Senhor vai visitar o seu povo. Os caps. 2-5 contêm uma breve descrição da história judaica até a helenização sob Antíoco IV, narrada na forma de predição. O cap. 6 "prevê" figuras facilmente reconhecíveis como os Hasmoneus e Herodes, o Grande, com seus filhos, seguindo a "previsão" até a destruição parcial do Templo. O cap. 7 é sobre o fim dos dias. O cap. 8 "prevê" a perseguição de judeus pelos hipócritas, provavelmente se referindo às rebeliões antes dos macabeus. No cap. 9, Moisés fala do levita Taxo e seus sete filhos, que se refugiaram das influência grega numa caverna. O cap. 10 conta como Deus  irá punir os gentios e exaltar Israel, e como um mensageiro de Deus já profetizado, com tarefas sacerdotais, irá vingar Israel. Os caps. 11 e 12 concluem o texto com Moisés exortando Josué a não temer, pois a história levará já fora feita por Deus.

Alguns escritores antigos como Gelásio e Orígenes citam a Assunção de Moisés fazendo referência à disputa sobre o corpo de Moisés referida no livro de Judas 1.9, entre o arcanjo Miguel e Satanás. Esta disputa não aparece no manuscrito de Ceriani, podendo se referir a um manuscrito conhecido como Testamento de Moisés, mas também poderia ser explicado pela incompletude de texto (acredita-se que cerca de um terço do texto está faltando).

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Ascensão de Isaias - embora descreva eventos do tempo da captura de Jerusalém pelos babilônicos (séc. 8 a.C.), o livro claramente não data dessa época. O estilo de escrita (grego) corresponde ao período de 100 a.C. a 200 d.C., além disso o texto faz claras referências ao cristianismo e à perseguição de Nero aos cristãos. Acredita-se que o livro seja, de fato, uma reunião de diversos manuscritos menores.

A 1ª parte do livro (caps. 1-5), geralmente referido como "martírio de Isaías", se expande sobre os acontecimentos de 2Rs 21. Isaías adverte o rei Ezequias de que seu herdeiro Manassés não seguirá o seu caminho. Quando Manassés assume e a profecia se cumpre, Isaías e outros profetas vão viver em uma montanha no deserto, mas o demônio Belial inspira o falso profeta Belkira a acusar Isaías de traição. O rei condena Isaías à morte. O método da morte de Isaías (serrado ao meio por Manassés) tem acordo com o Talmude Babilônico e Talmud de Jerusalém e provavelmente é aludido pelo autor da Epístola aos Hebreus (Hb 11.37). Essa parte do livro também é hostil com os samaritanos, que haviam sido deixados para trás quando os judeus foram levados à babilônia.

No meio do livro (3.13-4:22) há um fragmento chamado "testamento de Ezequias", que é um apocalipse descrevendo a vinda de Jesus, a corrupção da igreja cristã, o reino de Belial, e a segunda vinda do Amado. Tudo que é colocado numa espécie de código uma referência à perseguição da Igreja por Nero (37-68 d.C.), e a crença de que Nero era um Anticristo.

A segunda parte do livro (caps 6-11) é chamda "visão de Isaías", e descreve um anjo levando o profeta através dos Sete Céus, antes dos eventos da 1ª parte. A perspectiva é claramente cristão, e o nascimento de Jesus é curiosamente descrito como sendo precedido por Jesus descendo através de cada um dos Sete Céus, onde ele se disfarça como um anjo apropriado para cada um.

O texto existe como um todo em três manuscritos  etíopes dos séculos 15-18, mas fragmentos também sobreviveram em grego, copta, latim e eslavo. Os três textos que o compõem parecem ter sido feitos em grego, mas é possível que o "martírio de Isaías" derive do hebraico ou aramaico original.

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Ainda há outros apócrifos, que nalguma data vamos trazer:
  • O Evangelho segundo os Hebreus (há fragmentos do séc. 2);
  • O Evangelho segundo S. Tiaqo, tratando do nascimento de Maria e de Jesus (séc. 2);
  • Os Atos de Pilatos.(séc. 2);
  • Os Atos de Paulo e Tecla (séc. 2);
  • Os Atos de Pedro (séc. 3);
  • Epístola de Barnabé (fim do séc. 1);
  • Apocalipse de Pedro (séc. 2).
Conclusão

Quase todas as obras consideradas apócrifas foram escritas em épocas de desvalorização da religião ou mesmo perseguição dela. São textos que já foram muito populares e influentes, datando da dominação de Israel pelos romanos, da repressão que ocorreu quando os judeus se rebelaram ou da perseguição romana aos cristãos. Muitos são tentativas de explicar o cristianismo como surgido "naturalmente" entre os judeus, ou re-escrevem as histórias bíblicas aproveitando uns poucos pontos comuns com os textos masoréticos (oficiais). Mediante a opinião de todos os estudiosos que avaliaram a autenticidade dessas obras ou sua inspiração divina, essas obras foram rejeitadas e marcadas como pura criação humana, falha e cheia de erros como deveria ser. Porque as pessoas então fariam tais textos, com a pretensão de os terem como inspirados por Deus?

O autor de Sabedoria de Salomão dá uma dica: "Um pai aflito por um luto prematuro, tendo mandado fazer a imagem do filho, tão cedo arrebatado, honrou, em seguida, como a um deus aquele que não passava de um morto, e transmitiu, aos seus, certos ritos secretos e cerimônias. Este costume ímpio, tendo-se firmado com o tempo, foi depois observado como lei." (Sab 14.15-16). As datas em que os textos foram produzidos também revelam que foram fruto de angústia, feitos por pessoas que conheciam alguns textos sagrados mas não lhes atribuíam dificuldade maior de criação do que elas mesmas podiam produzir, para aplacar o próprio sofrimento. Davi também produziu os salmos em meio a angústias, mas seu conteúdo nega que tenham sido criação dele mesmo.

Os textos mais fantasiosos mostram como os criadores dos apócrifos colocaram na boca de Deus ou de personagens bíblicos tudo aquilo que queriam ouvir, usando o próprio Deus para justificar o que acreditavam. TODOS querem um pai que lhe passe a mão na cabeça, mais raramente aceitando um Pai que lhe force a precisar Dele porque simplesmente fez esse caminho melhor. Lidos com esse entendimento, sem pretender que transmitam verdade maior do que os sentimentos do autor ou ainda que contem eventos conhecidos pelas pessoas da época, os apócrifos são muito valiosos, e talvez isso justifique a sua persistência no conhecimento religioso desde que foram produzidos.

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1. No mundo antigo, os oráculos e profetas eram tidos em grande importância. Tratavam-se de pessoas (chamados Sibilas, que significa vozes) que diziam se comunicar com os deuses e oferecer seus conselhos mesmo aos reis.

1 Sm 9.6. Porém ele lhe disse: Eis que há nesta cidade um homem de Deus, e homem honrado é; tudo quanto diz, sucede assim infalivelmente; vamo-nos agora lá; porventura nos mostrará o caminho que devemos seguir. Então Saul disse ao seu moço: Eis, porém, se lá formos, que levaremos então àquele homem? Porque o pão de nossos alforges se acabou, e presente nenhum temos para levar ao homem de Deus; que temos? E o moço tornou a responder a Saul, e disse: Eis que ainda se acha na minha mão um quarto de um siclo de prata, o qual darei ao homem de Deus, para que nos mostre o caminho (antigamente em Israel, indo alguém consultar a Deus, dizia assim: Vinde, e vamos ao vidente; porque ao profeta de hoje, antigamente se chamava vidente).

Contudo, Jesus alertou sobre os que se dizem profetas:

Mt 7.15. Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores. Por seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos?

2. Os gnósticos são pessoas filiadas a diversas religiões, que em geral acreditam na aproximação de Deus através do conhecimento de revelações profundas e secretas "escondidas" pelo mundo. Dada a diversidade de grupos que se denominam gnósticos, esses conhecimentos passam por doutrinas e história antigas, suposições a respeito de povos extintos ou mitológicos, magia, super-poderes humanos a serem revelados pela evolução, etc.

3. Baruque ou Baraca (as pronúncias no Oriente Médio variam) significa "abençoador". Baruque é descrito como o escriba de Jeremias, deportado a Jerusalém junto com ele em 586 a.C.. Devido ao significado do nome, recebe muitas interpretações como "salvador" em tradições orientais, sendo representado como branco ou negro (etíope), o que sugere ser Baruque um nome correspondente, na verdade, a várias pessoas. Sua presença nos escritos proféticos e os poucos detalhes de sua vida deram origem a muitas criações literárias onde ele aparece como um santo, substitui Jeremias ou torna-se o grande protetor do povo.

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