domingo, 17 de junho de 2018

Criacionismo

detalhe do teto da Capela Sistina (do papa Sixtus IV), pintado por Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni em 1510, onde aparecem Adão e Deus

Um tópico interessante sobre o Brasil (e outros lugares) é o que alguns já chamaram de “superficialidade tecnológica”. Em poucas palavras, esse termo significa fazer uso de ferramentas ou instrumentos sem ter a menor noção de como eles funcionam. Significa usar um computador sem saber o que é um software, ou energia elétrica. O conceito surgiu para ser aplicado em tecnologia, mas serve bem a outras áreas. Por exemplo, os povos europeus que os romanos dominaram eram “tecnologicamente superficiais” quanto às suas construções. Desde a queda de Roma Ocidental (480 d.C.) até por volta do ano 1000, os europeus habitaram ruínas e adoraram estátuas, pinturas, etc como obras de deuses de um outro mundo. Para eles, o latim era um “idioma mágico” (Harry Potter que o diga). Em questões de fé, ser “tecnologicamente superficial” significa, por exemplo, crer que a Bíblia e tudo que ela contém são eventos imediatamente acontecidos (ex. ontem), dentro da própria congregação onde você está ou ainda gravados no papel pelo próprio Deus. Quem já não viu bíblias abertas sobre pedestais, talvez jamais folheadas, como se para emanar algum poder? Quem já não presenciou alguém furioso numa encenação de Páscoa, tentando defender Joaquim-vestido-de-Jesus contra um centurião romano com espada de papelão e capacete de plástico?

A situação fica ainda mais curiosa quando ciência e fé se misturam. E isso não é tão difícil, pois muitos textos bíblicos tratam do cotidiano das pessoas entre talvez 2000 a.C. e o final do séc. 1 d.C. O livro de Levítico proíbe o consumo de “animais imundos” como frutos do mar e porcos. Será que Deus estava raivoso quando criou esses seres? Ou podemos pensar que os 100 Km montanhosos que separam Jerusalém do mar demorassem um tempo para ser percorridos, o suficiente para transformar ouriços e ostras em algo com cheiro muito suspeito. Quanto aos porcos, são famosos transmissores de parasitas humanos. Não duvido que Deus inserisse algumas medidas “sanitárias” para proteger Seu povo das pestilências, como fez com respeito à lepra. E também não duvido que tais medidas possam ser uma fortuita obra humana, associadas a uma revelação divina¹. Seria hilário tentar viver, hoje, estritamente segundo as regras de 1400 a.C., data provável da compilação do Pentateuco segundo Moisés².

Mas a Ciência produz ferramentas para o conforto e para responder questões filosóficas. O uso de agricultura, ao mesmo tempo que proveu mais alimentos para as comunidades, colocou dúvidas sobre a participação divina nos frutos e cereais. Se o cereal não fosse plantado por homens, ele não nasceria! O texto de Levítico conclama ao Senhor todo cereal ou fruto que nasce sem ter sido plantado. Lá por volta de 1000 - 800 a.C. o autor de Eclesiastes também escrevia:

Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas. (Eclesiastes 11.5)

Hoje, invalidamos a 1ª parte dessa sentença. Seria pecaminoso ver a previsão do tempo ou fazer ultrassons pré-natais? O escritor bíblico mentiu? Descobrimos todas as obras de Deus? Não, não e não. O vento era imprevisível na época de Eclesiastes, mas Jesus já cobrava dos homens os seus conhecimentos sobre a agricultura. De forma semelhante, poderíamos seguir para o Gênesis e ver o que Moisés supostamente falou a Criação. 

O RELATO

“Supostamente” não é por falta de fé no texto bíblico: trata-se de um autor desconhecido, que não deve ter assistido (em 3ª pessoa, como observador externo) Deus criando o mundo. Tradicionalmente, diz-se que o texto é de Moisés, que viveu(ram) (ver O Êxodo fora da novela) por volta de 1400 a.C. Mas sabemos, pelo estilo e outros registros, que foi redigido em seu formato final no reinado do rei Josias de Judá, após seus sábios/sacerdotes organizarem manuscritos que encontraram dentro do Templo (ver História do nome de Deus). E temos, daí, um relato onde Deus faz o 1º homem do barro, faz a 1ª mulher de sua carne e, depois de Lhe desobedecerem pela 1ª vez, o Mau invadiu-os e a toda Criação. Deus os tira do Éden para colocar em uma terra onde teriam de trabalhar pelo seu sustento, onde se reproduziram e geraram os 50 bilhões de pessoas que já viveram, além dos quase 8 bilhões atualmente vivos.

Devemos, entretanto, lembrar que, além da criação do Homem a partir do barro, faziam parte da cosmologia do VT a Terra ser plana como uma moeda, o Sol e a Lua girarem ao redor dela (Josué 10.12,13) e o céu azul ser um imenso oceano (Gênesis 1.7).

A EVIDÊNCIA

A versão científica é radicalmente diferente. Nesta, o homem atual resulta da mistura e extinção de vários outros “humanos”. Trata-se de uma espécie única desde os últimos 100 mil anos, que divergiu dos primatas mais próximos há 3.5 milhões de anos. Espécie única significa que os outros “humanos” morreram até o último indivíduo ou que uma espécie se misturou irreversivelmente com a outra. Os famosos Neandertais, por exemplo, viviam na Europa e tinham crânio e corpo maiores que o homem atual, com pernas bem mais curtas. Essa espécie “humana” usava ferramentas, mas desapareceu (não deixou mais esqueletos) desde 40 mil anos atrás. Comparações de DNA antigo extraído de esqueletos sugerem que se fundiram à espécie Homo sapiens sapiens atual. Ao mesmo tempo, amostras de lugares diferentes indicam que os homens como os conhecemos dominaram o sul do Saara há 3.5 milhões de anos, enquanto outras espécies semelhantes dominaram a Europa e o sul da África na mesma época. É isso que significa divergir evolutivamente: duas raças semelhantes e equivalentemente poderosas dizimam seus concorrentes, cada qual no seu território. Os “homo” sul-saarianos aprenderam a usar ferramentas; os da Europa e do sul africano tornaram-se respectivamente pequenos e ágeis puladores de árvores ou intimidadores macacos terrestres de 300 Kg. “Tornaram-se” também não pode parecer algo mágico - significa que as raças foram divergindo e, passo a passo, uma poderosa dizimou outra um pouco menos dotada.

CIÊNCIA OU BÍBLIA

As evidências da(s) Criação(ões) Bíblica e Científica também são muito diferentes. O texto Bíblico provém talvez de Moisés, ou de uma fonte muito mais antiga. Historicamente, podemos inferir que venha do Egito, onde os hebreus passaram por uma grande modernização cultural. Se bem que o Éden é posicionado, biblicamente, no Mar Vermelho ou no Golfo Pérsico. São relatos orais que, alguma hora, foram transcritos no papel e re-copiados desde então. Na melhor hipótese, podemos supor que sejam fruto de uma revelação divina a um profeta. Já o texto científico tem sua base em um caminhar-para-trás no tempo a partir de suposições testáveis feitas sobre de esqueletos antigos que fornecem anatomia, idade, posição geográfica e restos de DNA. Como ambas são bem diferentes, muita gente já teve de escolher entre uma e outra. Especialmente porque isso tem implicações, e a mais notável é o papel de Jesus nesse mundo.

JUIZ JESUS

Tanto a Ciência quanto o relato bíblico merecem credibilidade. A Ciência, pela metodologia com que investiga, buscando sempre o que é mais correto. O relato bíblico, pelas fontes de que dispõe, isso é, a revelação do próprio Criador passada oralmente e depois escrita, de geração em geração. Quando ambos discordam, temos o clássico dilema policial de acreditar nas evidências ou nas testemunhas. Jesus, ou pelo menos o que os evangelistas escreveram Dele, dá sinais de concordar com o VT. Mas sempre podemos pensar que os evangelistas eram, eles próprios, judeus que tinham a Criação Bíblica como seu conhecimento de base. Em nenhum momento Jesus foi interrogado explicitamente sobre o início do mundo, ou falou abertamente sobre esse assunto, então o que nos resta é analisar figuras de linguagem da narrativa de terceiros.

Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem. Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo. … Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espírito vivificante. (1ª Coríntios 15.21-45)

Além dos profetas, a palavra de Jesus é o testemunho com maior credibilidade que temos. Ele cita Abel, filho de Adão, como um profeta, o que está registrado nos textos de Mateus (Mateus 23.34-36) e Lucas (Lucas 11.49-51). Não podemos imaginar que Jesus tivesse um entendimento limitado ou restrito pela cultura do Seu tempo! Segundo Paulo, Jesus veio à terra para desfazer o castigo da mortalidade imposto sobre Adão e Eva, quando desobedeceram a Deus. Se não temos um Adão e uma Eva (como diz o Gênesis humano científico), então sobre o que Paulo está falando? Ainda que possamos supor que Paulo misturava a iluminação divina com seu conhecimento do 1ª século, Jesus faz uma referência a Adão que não podemos ignorar.

Por outro lado, está bem claro que todos os Cristãos são mortais. Não sabemos sobre João, mas todos os demais apóstolos morreram. Inclusive Pedro, famoso por presenciar milagres. Jesus, então, apesar de ter ressuscitado fisicamente algumas pessoas, incluindo a Si próprio, veio à terra para preparar o Reino de Deus (Mateus 12.28), assinalar o perdão dos homens (Mateus 12.31) e anunciar a Ressurreição ao final dos tempos (Mateus 22:28-30). Ele anunciou um re-nascimento após a morte, que não é exatamente reverter a mortalidade de Adão, mas fazer algo inexistente antes. A mortalidade de todos os demais seres viventes, castigados junto com Adão, não foi sequer abordada por Jesus.

Lembremos que, no VT, o pecado de um pesava sobre o destino de todos. O homem puro teria vida longa, enquanto o pecador morreria, matado por Deus ou outros homens. Sempre terminava com a morte sendo o fim completo e definitivo. No tempo dos gregos (330 - 130 a.C.), introduziu-se o conceito do Hades, um mundo sombrio onde os mortos ficavam depositados, aguardando por toda eternidade. Embora Paulo, o grego, tenha se esforçado em anunciar Adão e Jesus como o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim da Humanidade, precisamos avaliar seriamente se isso era uma revelação dada a ele ou parte de sua retórica figurativa, uma vez que Jesus não colocou tais termos. De fato, a única referência criacionista de Jesus, ainda sob a palavra de Seus narradores Mateus e Lucas, é citar Abel como um profeta (coisa que o VT mesmo não faz).

UMA NÃO-CONCLUSÃO

É significativo que Jesus não tenha abordado esse tema; talvez não fosse uma questão na moda em Sua época, mas seria algo que muitos hoje gostariam de Lhe perguntar. Talvez valha a fala de Jesus: “Quem me constituiu juiz ou árbitro entre vós?” (Lucas 12.14). A misteriosa Carta aos Hebreus diz que não se chega a Deus senão por meio da fé (Hebreus 11.6), o que significa, raciocinando, que provavelmente Deus se faz invisível à Ciência. Ao contrário do que clamam alguns argumentos Criacionistas de que os cientistas são ateus, muitos se debruçam sobre Seu rastro, como mostram as freqüentes notícias eufóricas sobre alguém ter descoberto a “assinatura matemática”, "química" ou “cósmica” de Deus.

Ser “teologicamente superficial”, aqui, significa não se questionar sobre a Criação, aceitar passivamente a opinião mais vantajosa. Cerca de 40% dos estadounidenses acredita na Criação a partir do barro. Outros 40% acreditam numa evolução guiada pela mão divina e, finalmente, 20% fica puramente na Ciência. Entre os escolares brasileiros, cerca de 30% acreditam na Criação a partir do barro, contra 40% que aceitam alguma forma de evolução do Homem (assustadores 30% são indecisos, talvez tentando conciliar as duas teorias). Mas é possível conciliá-las? Sem ferir gravemente a uma delas, somente pensando uma revelação feita a um profeta, na medida do conhecimento da época (2000 a.C., pelo menos), onde Adão e Abel tenham sido, para além da alegoria, pessoas reais, talvez líderes de clãs em algum lugar próximo ao Golfo Pérsico. Esse seria o limite de alcance do relato, ainda que não o início de tudo, mais ou menos como quando alguém lhe pergunta sobre sua lembrança mais antiga.

JESUS SEM ADÃO?

E quanto ao papel de Jesus como Salvador, de um Homem que não surgiu pecando? Talvez devêssemos, aí mesmo, nos perguntar porque os homens se admitem pecadores, carregadores de uma culpa congênita. Lembremos que essa culpa era irremediável (e pouco representativa) no VT. Apesar disso, mesmo os mais seguidores da Lei permaneciam suspeitos da própria pureza (Isaías 6.5).

Segundo Jesus, o pecado reside em (I) não amar a Deus acima de todas as coisas; (II) não amar ao próximo e a si mesmo igualmente (Mateus 22.36-40, 1ª João 4.21). Parecem condições simples, mas são muito abrangentes. Do fim para o começo, “amar ao próximo” significa ter seu prazer no bem estar, na felicidade e no crescimento do outro. É uma construção social de outras espécies também, e pode-se citar muitos animais que defendem o seu grupo às próprias custas. Nos humanos, essa atitude pode ser inata ou não, e fica mais fraca especialmente em grupos grandes. Pode-se até imaginar uma gama de crianças e adultos, homens e mulheres, ricos e pobres, que entra facilmente em pecado II (ou seja, que escolhe pelo dano ao próximo) a menos que seja ensinada não fazer isso.

Paulo falava sobre a Lei ser uma condenação (Romanos 3.19-24). Mas alguém pode aprender a amar o próximo? A parábola do semeador mesmo adverte que apenas uma parte aprende o Evangelho. E isso é talvez diferente de crer em Jesus, pois é uma regra moral (eu posso crer em Jesus e cometer crimes contra meu próximo). Depois de amar inatamente³, imitar o amor de Jesus é, ainda que muitas vezes impossível ou difícil, segundo nos instrui a parábola, o melhor caminho para escapar ao pecado II. Contemos com a interferência divina para isso!

Amar a Deus acima de tudo significa ter prazer proporcionado por Deus, não por meios naturais. Significa que Deus te faz feliz mais do que outras coisas. Pode significar rir de felicidade quando tudo ao seu redor desaba, mas também cria a pergunta: o que é o “estímulo Deus”?

Havendo uma ordem diretiva do Senhor, “amar a Deus” significa obedecer ela. Mas, lembrando, ordens psicóticas têm também essa característica diretiva e com obediência. De fato, a referência religiosa em pessoas delirantes é tão comum que motivou investigações sobre a conexão de religião e insanidade. Apesar disso, em João 3.1-10 o próprio Jesus fala para Nicodemus, fariseu renomado, sobre aquele que é 'nascido de novo' ter instruções diretamente de Deus*.

Não havendo uma ordem diretiva, “amar a Deus” pode significar não desobedecer regras objetivas. Há muitas delas em Êxodo e Levítico, inclusive muitas que criam o pecado II através da punição ou morte de quem faz ou se recusa a fazer algo. Tolerar o prejuízo causado por alguém, ainda que seja socialmente injusto, não parece menos amoroso com o próximo de que matá-lo a pedradas. Jesus mesmo argumentou pelo produto maior das ordens ou da Lei, de forma que elas evitassem o pecado II. Assim, é preciso pensar além do texto, e às vezes flexibilizá-lo muito para não criar outros pecados. Boa parte da literatura rabínica se dedica justamente a isso.

“Amar a Deus” não é uma faculdade animal (pelo menos não parece ser, apesar do "Tudo o que tem vida louve o Senhor" de Salmos 150.6), mas é uma ação muito antiga entre os humanos. Todas as culturas tiveram ou têm seus deuses. Mas não se trata necessariamente do Senhor dos Exércitos de 1000 a.C., YHWH ou o Pai de Jesus. Nesse caso, “amar a Deus” pode depender completamente de entender Jesus como Seu representante, algo ensinado por Ele e não conhecido de outra forma (o que de fato constitui o Cristianismo como religião independente do Judaísmo).

O BOM PASTOR

Resumindo, a colocação “simples” de Jesus sobre o pecado não inclui um Pecado Original, herdado de Adão. Na verdade, ela permite que algumas pessoas escapem naturalmente ao pecado II de não amar ao próximo, mas tornam improvável que alguém escape ao pecado I sem ser um Seu seguidor. Jesus só não arrebanha para Si alguns dentre aqueles que ouvem Deus diretamente, como os profetas.

Independentemente de Adão, a obra de Jesus se concentra sobre livrar os homens do pecado I, o que apenas destoa das teologias mais difundidas. Ele não deixa claro porque precisaria morrer, mas afirma que era seu destino e que salvaria os homens. A conexão entre as duas coisas é teórica, e foi onde Paulo colocou seu ponto. Embora frequentemente se argumente que, sem Adão, não haveria um Pecado Original pelo qual precisasse haver um sacrifício, temos a exposição de Jesus feita na festa de Hanukkah**:

Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas. Mas o mercenário, e o que não é pastor, de quem não são as ovelhas, vê vir o lobo, e deixa as ovelhas, e foge; e o lobo as arrebata e dispersa as ovelhas. Ora, o mercenário foge, porque é mercenário, e não tem cuidado das ovelhas. Eu sou o bom Pastor, e conheço as minhas ovelhas, e das minhas sou conhecido. Assim como o Pai me conhece a mim, também eu conheço o Pai, e dou a minha vida pelas ovelhas. Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor. (João 10.11-16)

Imagens pastoris eram comuns na Judéía e Grécia mas, ao se referir como “o Bom Pastor”, Jesus se apropriou de um símbolo forte dos gregos, associado com Hermes o Salvador. Esse símbolo era usado desde 500 a.C., amplamente conhecido na Judéia e Roma. Isto é, não dá para dizer que Jesus o criou. O texto de João é muito pobre de alegorias, dando a entender que isso também não era uma parábola. Jesus falou claramente em dar sua vida (pois ninguém poderia tomá-la) e depois a recuperar conforme Ele mesmo quisesse. Ele não fala em pagar pelos pecados de Adão, mas que dar Sua vida era a tarefa Dele junto ao Pai. E talvez a ligação com Adão seja só vista por Paulo.

Na simbologia grega, o Bom Pastor dava sua vida para salvar as ovelhas do ataque dos lobos; além do peixe, esse o Bom Pastor (que já era usado na Grécia e Roma) logo se tornou o principal símbolo Cristão. Resta saber a que lobo Jesus se referia; normalmente esse inimigo é identificado com o Diabo.

EU SOU O CAMINHO

É importante que cada povo sinta-se vinculado a sua terra. Geralmente, esse vínculo é feito por mitos da Criação que trazem elementos do povo em questão associados ao surgimento da própria terra. No Cristianismo e no Islamismo, isso se complica pelo fato de serem religiões que valorizam sua exportação a outras terras e povos.

No Islã, o laço com a terra inicial (Meca) é mantido pela obrigatoriedade das peregrinações - embora grande parte do mundo islâmico seja composta por pobres com pouca probabilidade de viajarem até o Oriente Médio. O Catolicismo contornou essa dificuldade criando peregrinações a muitos lugares santos espalhados pelo mundo, mas principalmente na Europa. No Protestantismo, a aversão aos ícones retirou não só as imagens e pinturas dos templos, transformando-os em prédios puramente funcionais, como uma empresa, mas também destituiu de valor todos os lugares sagrados.

Apesar disso, especialmente entre os Protestantes fortaleceu-se a noção da Criação a partir do barro, como relatado no Gênesis, a ponto de pessoas rejeitarem sumária e coletivamente as evidências históricas e científicas em contrário. Num estado de “superficialidade tecnológica”, tudo depende das influências sociais sobre cada pessoa. Afora os artifícios retóricos e desqualificadores de criacionistas e cientificistas, como dito no início desse texto, ambas as teorias - a Criacionista e a Científica - têm seus valores e metodologias diferentes, cabendo inevitavelmente a cada um escolher entre elas, uma vez que sua conciliação é difícil. Como uma velha árvore não guarda vestígios da semente onde germinou, estamos muito longe no tempo desde a Criação para obter algo mais que teorias.

Analisando o principal dilema da teoria Científica, que é a perda do papel de Jesus sem o pecado de Adão, acabamos vendo que Jesus é, dentro do sistema criado por ele próprio, essencial do contato entre os homens e Deus, com ou sem Adão. Ainda que tenhamos antepassados vivendo há milhões de anos que viveu no sul do Saara, não há como chegar a Deus sem a intervenção de Jesus, mesmo se estivermos entre as almas puras e boas que nasceram e permaneceram amando ao próximo.

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¹ Diversos teólogos, desde o séc. 1 d.C., já defenderam Deus como o sentido da razão humana. Esse é justamente o ponto de João 1.1. Os teólogos gregos como Cerinthus separavam Deus, Jesus e a Razão. João afirmava que todos eram uma única identidade, tendo sido seguido nessa filosofia por Policarpo (69-156 d.C.) e Irineu (130-202 d.C.). Segundo eles, e também em parte segundo o livro de Provérbios, o conhecimento em si é uma obra divina, que brota não da experiência humana, mas da concessão de Deus.

² A experiência de Arnold Stephen Jacobs em 2006 talvez seja de grande valia sobre isso. Ele passou 1 ano seguindo à risca o texto bíblico, tal como está escrito. Você pode ler o livro dele, uma reportagem ou uma entrevista dele aqui.

³ Uma observação curiosa sobre esse amor inato, primal e puro aparece no Pastor de Hermas.

* Alguns pesquisadores cognitivistas já consideraram a religiosidade como doença mental. Embora a motivação religiosa de delírios seja comum, o comportamento religiosamente motivado também é, podendo ser encontrado em 35 a 85% das pessoas, sem que isso se reflita na ocorrência de psicopatologias. Também, não há maior interferência da religiosidade com uma patologia mental (ex. Ansiedade) do que com outra (ex. Esquizofrenia). Entre os poucos estudos que abordam de forma metodológica essa ligação de religiosidade e psicopatologias, aparece como indicativo de doenças mentais o entendimento não convencional (ou incomum) de contextos religiosos, como por exemplo, no Cristianismo, receber mensagens de Deus através do rádio/televisão ou sentir-se ordenado a sacrificar alguém para agradá-Lo.

** Em 330 a.C., a Judéia e grande parte do mundo foram anexados ao Império Macedônio por Alexandre o Grande. Alexandre só viveu 12 anos após seus feitos, mas deixou imensos territórios para serem governados por seus generais. Esses generais estabeleceram linhagens reais que logo entraram em guerra umas com as outras, pelo controle de terras. A Judéia ficou inicialmente sob o domínio dos reis greco-egípcios Ptolomai (as famosas Cleópatras são dessa linhagem), enquanto a Síria e territórios a leste ficaram sob os Seleucos. Até cerca de 200 a.C., os Ptolomai deram liberdade de culto aos judeus. No entanto, Antíoco III o Grande, dos Seleucos, expandiu seu território, derrotou Ptolomeu V, e anexou a Judéia. Ele iniciou um período de forte pressão para que os costumes e a religião nativos fossem abandonados em favor dos costumes gregos. Seu filho Antíoco IV Epiphanes (175 a.C.), em especial, saqueou o 2º Templo e destituiu o sacerdócio judeu, o que iniciou a revolta dos Macabeus em 167 a.C. A revolta foi liderada pelo sacerdote Matatias e seus 5 filhos. O 2º líder da revolta, Judas Macabeu, obteve êxito em retomar Jerusalém e o Templo.

Judas e seus irmãos disseram então: Eis que nossos inimigos estão aniquilados; subamos agora a purificar e consagrar de novo os lugares santos. Reunido todo o exército, subiram à montanha de Sião. Contemplaram a desolação dos lugares santos, o altar profanado, as portas queimadas, os átrios cheios de arbustos que tinham nascido como num bosque ou sobre as colinas, os aposentos demolidos. Rasgando suas vestes, eles se lamentaram muito e cobriram as cabeças com cinza, prostraram-se com o rosto por terra, tocaram as trombetas e ergueram clamores ao céu. Então Judas encarregou alguns homens de combater os soldados da cidadela, enquanto purificavam o templo. (1ª Macabeus 4.36-41)

Essa re-dedicação do Templo passou a ser comemorada, nos anos seguintes, com a festa de Hannukah. Tradicionalmente, a festa prossegue por 9 dias, até que todas as velas do Menorah tenham sido acesas, uma por dia.

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TEXTOS CHATOS DEMAIS PARA SEREM LIDOS

Good Shepherd - wikipedia
Hanukkah - wikipedia
Kriophoros - wikipedia
Moss S, Defying Darwin, The Guardian, 17fev2009
Oliveira GS, Estudantes e a evolução biológica: conhecimento e aceitação no Brasil e Itália, tese de doutorado na Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, 2015
Pettit J, God or meaningless morality, notsodeepthoughts.org
Sanderson S, Vandenberg B, Paese P, Authentic religious experience or insanity?, Journal of Clinical Psychology 55(5):607-616, 1999
Valério M, A falsa inerrância científica bíblica, evo.bio.br, jan2004

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