Jardin do Éden, Jan Brueghel & Peter Paul Rubens, 1617
Qual brasileiro reparou nas aves das árvores?
Qual brasileiro reparou nas aves das árvores?
Gn 2.8. E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, do lado oriental; e pôs ali o homem que tinha formado. E o SENHOR Deus fez brotar da terra toda a árvore agradável à vista, e boa para comida; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal. E saía um rio do Éden para regar o jardim; e dali se dividia e se tornava em quatro braços. O nome do primeiro é Pisom; este é o que rodeia toda a terra de Havilá, onde há ouro. E o ouro dessa terra é bom; ali há o bdélio, e a pedra sardônica. E o nome do segundo rio é Giom; este é o que rodeia toda a terra de Cuxe. E o nome do terceiro rio é Hiddekel [Tigre]; este é o que vai para o lado oriental da Assíria; e o quarto rio é o Eufrates. E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar.
bdélio: resina aromática obtida da planta Commiphora wightii, ou Guggul, semelhante à mirra; essa resina é amplamente extraída e comercializada até hoje no Paquistão e Índia.
pedra sardônica: termo obscuro que provavelmente se refere ao ônix, um cristal de óxido de silício (quartzo) cuja cor pode variar do negro ao castanho avermelhado.
Por alguma razão bem difícil de entender, desde que Adão e Eva foram expulsos do Éden, ou jardim de Deus, têm havido grandes tentativas para retornar. A razão mais provável para isso é constatar que o homem convive com o mal, sofre com as injustiças e dificuldades da vida, acabando por imaginar um lugar livre de tudo isso. Logo no início da Bíblia está ela bem ali descrita: Éden, o lugar perfeito, antes de todo mal. Quem não gostaria de ir para lá? Jesus menciona que “Na casa de meu Pai há muitas moradas; se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar. E quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também” (Jo 14.2-3). Não há referências se isso seria o Éden, onde o Senhor passeava no horário da brisa, mas o fato de Deus ter colocado querubins com espada para guardar o Éden do retorno de Adão queria dizer algo. Ele sabia que Sua criação tentaria voltar!
Há forte conotação espiritual do início de Gênesis, onde o homem escolhe experimentar o bem e o mal ao invés de seguir as instruções de Deus. Essa ruptura é delimitada com a expulsão de Adão e Eva do Éden, onde o homem só poderia viver sem experimentar do bem e do mal, onde só ficaria se escolhesse confiar plena- e infantilmente em Deus ao invés de testar por si mesmo, sem saber sequer que estava nu. No entanto, o texto bíblico não fala de um Éden espiritual, mas localiza-o geograficamente no encontro de rios bem conhecidos da humanidade, nas fronteiras do império assírio (que se formou em cerca de 2500 a.C.) e onde sabe-se que povos habitam desde muitos milênios. Ali perto se obtinham bdélio (produto de comércio abundante) e ouro (obtido da mineração)... ou seja, havia pessoas habitando o local.
A busca para localizar o local exato do Jardim do Éden bíblico e os quatro rios quase rivaliza com a busca para a localização da lendária Atlântida, de Platão. A Bíblia diz que um único rio flui “para fora" do Éden e, em seguida, faz algo que a maioria dos rios não faz: dividide-se em quatro rios distintos. Quase todos os rios começam a partir de uma única fonte (ex. uma montanha) ou são alimentados por fontes múltiplas (afluentes). Este padrão observado na natureza é exatamente o oposto do que a Bíblia descreve sobre o rio do Éden. Por essa razão, ninguém foi capaz de olhar para os mapas modernos das regiões mencionadas em Gênesis e descobrir exatamente onde o Jardim do Éden era. Apenas um dentre os 4 rios é conhecido pelo mesmo nome nos tempos modernos. O Eufrates nasce nas montanhas da Turquia e termina juntando-se ao rio Tigre (o animal tigre é a tradução de Hiddekel) perto da região de fronteira com o Iraque / Kuwait. Nessa região floresceram os povos da antiga Suméria (5000-2300 a.C.), depois a Assíria (2500-600 a.C., relatada no texto bíblico), abrigando o reino babilônico e o reino persa (650 a.C - 1500 d.C.). Essa sempre foi uma região desejada pelos povos, pela fertilidade das terras!
Figura mostrando as áreas férteis (em verde) e desérticas (em amarelo) na região conhecida como Mesopotâmia (literalmente: entre os rios).
DOIS LUGARES POSSÍVEIS
Especulou-se que o Éden estava localizado em algum lugar na Turquia, onde estão as cabeceiras atuais dos rios Tigre e Eufrates. Outros propuseram que a outra extremidade do rio Eufrates, onde se encontra com o Tigre, pode ser a verdadeira localização. Se fosse possível localizar os outros dois rios na região, seria uma reivindicação que o Jardim do Éden estava perto do Kuwait de hoje.
Os rios Tigre e Eufrates se originam muito próximos um do outro, em terreno montanhoso. A posição do Éden pode então ser a região montanhosa onde esses rios nascem ou [mais provavelmente] onde os rios se juntam para formar um só lençol d’água. A 1ª opção deixaria o Éden nas montanhas da Turquia, a 2ª o colocaria perto do Golfo de Aqaba.
O Eufrates sempre foi muito conhecido e habitado, mas nem o Pison, nem o Giom são mencionados novamente na Bíblia. O rio Hiddekel é citado pelo profeta Daniel:
Dn 10.4. E no dia vinte e quatro do primeiro mês eu estava à borda do grande rio Hiddequel.
Esta referência de Daniel foi feita durante o cativeiro babilônico, o que colocaria Daniel em algum lugar na área do atual Iraque, perto do Golfo de Aqaba. Mas a área geográfica conhecida como "Assíria" não é tão fácil de definir: embora o governo Assírio tenha ficado centrado perto de Nínive, o império se estendeu para o que também é atualmente Síria e Palestina. A proximidade entre o Éden e a Assíria é evidenciada de certa forma por Ezequiel, que compara os cedros no jardim de Deus aos da Assíria (Ez 31).
EM BUSCA DE HAVILÁ
Quanto aos demais rios, faltam Pisom e Giom. A Bíblia diz: "Pisom : este é o que rodeia toda a terra de Havilá, onde há ouro". Há um rio-fóssil que se estende desde as montanhas do oeste da Arábia Saudita em direção Kuwait, terminando no Golfo de Aqaba. Esse rio seco é facilmente detectado por imagens de satélite, e hoje sabe-se que ali houve realmente um rio, de fluxo bastante lento a partir das montanhas a leste do Mar Vermelho. Tal rio secou com as mudanças do terreno e clima ocorridas em 3500-2000 a.C., mas pode ter sustentado a vida em Havilá (atual Arábia Saudita) no tempo em que a estória de Gênesis foi gerada.
Provável curso do rio Pison
A terra de Havillah (hoje desértica) é citada como tendo sido parte da habitação dos Amalequitas e é entendida como sendo literalmente as montanhas Hijaz, onde há depósitos de ouro e até hoje crescem as plantas de onde se extrai o bdélio. Milênios atrás, a pluviosidade na região devia ser bem maior, dados os vários rios fósseis encontrados ali. Possivelmente, Havihah (que literalmente significa “círculo”) era uma palavra mais genérica para “terras montanhosas”, onde andavam os Amalequitas, uma tribo nômade e feroz até nomeada por Balaão como “a mais antiga da terra” (Nm 24.20).
A Bíblia diz que um evento geológico aconteceu 101 anos após o dilúvio: A "Terra foi dividida". A descrição sugere o que foi, provavelmente, atividade tectônica / vulcânica nos dias de Abraão, com a destruição de Sodoma e Gomorra “em uma fornalha” (Gn 19:28). As imagens de satélite do Mar Morto indicam que, noutros tempos, esse mar simplesmente fez parte do curso do rio Jordão.
Se este era realmente o rio Pison, a Turquia e suas proximidades está descartada como localização do Éden. Mas o problema não termina aí: falta o rio Giom, “o que rodeia toda a terra de Cuxe”. A Bíblia do Rei James (séc. 17) traduziu Cuxe (ou Gush) como Etiópia, uma região do extremo oeste Africano. E então muitos passaram anos procurando um rio africano que se unisse aos rios desaguando em Aqaba. De fato, o mesmo nome Cush foi usado pelo povo etíope (mencionado diversas vezes na Bíblia, como uma raça poderosa) e por um povo norte da arábia, que convivia com os assírios. Eis a confusão!
Os hebreus entraram em contato com os dois povos Cush em momentos muito distintos, sem usar nomes diferentes para eles, de forma que provavelmente se referiram a eles de acordo com o contato que tinham ou a proximidade do reino mais rico em cada época. Nos tempos de Moisés, o poder estava centralizado nas mãos da Assíria, então as referências provavelmente eram ao Cush árabe. Já nos tempos do cativeiro babilônico até a época de Roma, a Etiópia era uma potência militar, então certamente a referência era ao Cush africano (onde governou a linhagem da rainha Candace - Atos 8.27). Por isso, há motivos para se crer que a Bíblia do Rei James erra ao chamar de Etiópia o reino Cush perto de onde estaria o Éden; certamente o lugar mais correto seria a península árabe, bem mais perto de Aqaba que a Etiópia.
O arqueólogo Juris Zarins e outros até sugeriram que a região de Gush ou Kush deve ser corretamente nomeada como Kashshu e, ainda, que se refere aos Kashshitas, um povo que, em cerca de 1500 a.C. conquistou a Mesopotâmia e prevaleceu até cerca de 900 a.C. Segundo eles, “na época em que os Kashshites controlavam a Mesopotâmia, a nação de Israel estava sendo formada. Os hebreus certamente deve ter encontrado e aprendido as tradições da Mesopotâmia, seus mitos e contos. Eles devem ter ouvido as palavras Éden e Adão".
A teoria proposta por Zarins finalmente indica que o Giom é o rio Karun, que até hoje nasce nas partes altas do Irã e flui para sudoeste, em direção ao golfo de Aqaba.
O posicionamento do Éden é um conto de rica complexidade, começando 30 milênios antes do nascimento de Cristo. Ele fala sobre mudanças climáticas de úmido para árido a úmido outra vez, migrações dos povos em busca de locais de caça e terras para o plantio. Nessa história parecem ter papel fundamental os antigos Ubaids pré-históricos, que construíram cidades, sumérios que inventaram a escrita e os assírios que absorveram a escrita suméria, bem como a sua lenda de uma terra exuberantemente linda, que eles chamaram Dilmun. Finalmente, havia Kashshitas na Mesopotâmia, contemporâneos dos israelitas, que participaram da formação do Estado de Israel.
MIGRANDO ATRÁS DE COMIDA
Em cerca de 30.000 a.C., a transição do Neandertal para o homem moderno deve ter acontecido ao longo da costa oriental do Mediterrâneo, mar Egeu e o Iraque. Naquela época, as calotas polares eram muito maiores e o mar era cerca de 120 metros mais baixo. O Golfo Pérsico então era terra seca assim como todo o caminho até o Estreito de Hormuz. Essa terra provavelmente era irrigada pelo Tigre, Eufrates e ainda Giom, Pison e seus afluentes da Península Arábica e do Irã. Parece razoável que os homens primitivos tenham chamado de paraíso uma terra excelentemente fértil e rica em caça, localizada onde Golfo está agora.
Entre 30.000 e 6000 a.C., o clima mudou. As chuvas diminuíram drasticamente, muitos rios desapareceram e a população paleolítica recuou até a área conhecida por nós como o "Crescente Fértil" (norte ao longo do Tigre e do Eufrates, para o oeste em direção ao litoral úmido do Mediterrâneo, ao sul do Nilo), e também para o leste, até o vale do rio Indus.
Por volta de 6000-5000 a.C., as chuvas voltaram à região do Golfo. O leste e nordeste da Arábia Saudita e Irã tornaram-se verdes e férteis novamente. Populações caçadoras voltaram para onde os quatro rios agora corriam. Ossos de animais encontrados ali indicam que neste período havia caça de cervos abundante. As milhares de ferramentas de pedra encontradas indicam uso intensivo da terra e populações relativamente grandes em aldeias. Essas ferramentas são encontradas até mesmo no terreno conhecido como Rub al-Khali, hoje uma área desértica da Arábia Saudita. E assim, cerca de 6000-5000 a.C. a terra era novamente um paraíso favorecido por uma natureza-Deus tão generosa que grandes populações podiam viver de caça, pesca e coleta. A noção mais antiga de um paraíso bíblico reside justamente aí, na possibilidade de habitar a terra e encontrar sem esforço o seu sustento.
Algo novo, entretanto, surgiu nessa época: a agricultura. “Não foi do-dia-para-a-noite, um processo muito gradual, não um evento", Zarins enfatiza. O movimento cresceu ao longo da costa do Mediterrâneo, Irã e Iraque, com grupos de caçadores-coletores aderindo lentamente à moradia fixa e ao cultivo. Como tudo se deu antes da escrita, quase não há registro dos transtornos causados e as perguntas sobre valores tradicionais, estilos de vida e deslocamentos de clãs ou tribos. Zarins postula que isso deve ter sido mais dramático do que a Revolução Industrial. “O que aconteceria a um caçador quando seus vizinhos mudassem as formas de viver ou quando ele encontrasse agricultores fixados em seu território?. E se as tribos de caçadores não pudessem lidar com essa revolução? Poderiam morrer ou juntar aos agricultores mas, o que quer que tenha acontecido, eles teriam sido ofendidos em suas tradições mais sólidas."
ÉDEN, ADÃO E O NASCIMENTO DA ESCRITA
A crise se deu quando caçadores-coletores foram confrontados com homens tecnicamente mais talentosos, que souberam reproduzir e criar animais, fazer cerâmica. Quem eram essas pessoas? Zarins acredita que eles eram um grupo do sul da Mesopotâmia chamado de Ubaid, fundadores do mais antigo assentamento do sul da Mesopotâmia - Eridu - em cerca de 5000 a.C. (mais ou menos nos tempos de Noé). Apesar de Eridu e outras cidades como Ur (de onde saiu Abraão!) e Uruk terem sido descobertos há um século, a presença dos Ubaids ao longo da costa do Kuwait e da Arábia Saudita tem vista reconhecida há pouco mais de uma década, quando vestígios de seus assentamentos, túmulos e potes apareceram.
A palavra EDIN apareceu primeiro na Suméria, na região da Mesopotâmia, que produziu a primeira língua escrita do mundo, 3000 anos após o surgimento da cultura Ubaid. Em sumério a palavra "ÉDEN" significa "planície fértil". "ADÃO" também existia na escrita cuneiforme, significando algo como "assentamento na planície". Nomes sumérios como Ur e Uruk, derivam de um povo pré-sumérios que já tinha nomeado os rios, cidades e até alguns comércios específicos, como o oleiro. O assiriologista Benno Landsberger defende nesse ponto a cultura Ubaid que deve ter existido na foz de Aqaba.
"O Jardim e toda a história do Éden, quando finalmente escrita, poderiam ser vistos como o ponto de vista dos caçadores", Zarins afirma. "Foi o resultado da tensão entre os dois grupos, a colisão de dois modos de vida. Adão e Eva eram herdeiros da generosidade natural de Deus. Eles tinham tudo que precisavam. Mas eles pecaram e foram expulsos. Como eles pecaram? Ao desafiar Deus com seu trabalho manual. Ao fazê-lo, eles representavam os agricultores, os que insistiam em domar a terra com suas próprias mãos, confiando em seu conhecimento e suas competências próprias em vez de Sua graça”.
Não havia historiadores para registrar a tensão, mas o evento não passou despercebido. Tornou-se uma parte da memória coletiva e finalmente ele foi escrito em forma altamente condensada, o Gênesis. Mais tarde, Moisés adicionaria leis e o relato da história hebraica. Depois ainda, Esdras reformaria a passagem para reviver no povo banido de Israel os antigos costumes e a cultura hebraica. Repare que antes de Gn 2.4a há uma descrição da criação... depois de Gn 2.4b há outra descrição! Mas como aconteceu que um povo decidiu perpetuar um mito tornando seus próprios ancestrais em pecadores? Pode ser que os Ubaids -conhecidos por terem navegado pela costa leste da Arábia e colonizado lá - tenham sido absorvidos por povos caçadores-coletores durante a elevação do nível do mar (e conseqüente submersão do Éden no Golfo Pérsico). A evasão das terras foi chamada de expulsão! Os anciãos certamente encontraram conforto na fantasia dos bons velhos tempos, quando a vida era mais doce, mais simples, mais idílico.
SURGE EVA, A "SENHORA DA COSTELA"
O nome de Eva não aparece na Suméria. Segundo o Gênesis, Eva foi criada a partir de uma costela de Adão, que foi feito da terra. Por que uma costela? Em um famoso poema sumério traduzido e analisado pelo estudioso Samuel Noah Kramer, há um relato de como Enki o deus da água provocou a ira da Deusa Mãe Ninhursag comendo oito plantas mágicas que ela havia criado. A Deusa Mãe colocou a maldição da morte sobre Enki e desapareceu, para que não se arrependesse. Quando Enki adoeceu e oito de seus "órgãos" falharam, Ninhursag voltou. Ela convocou oito divindades de cura, uma para cada órgão doente. A palavra suméria para "costela" é "TI", que também pode significar "tornar vivo" Então, a divindade de cura que trabalhou na costela de Enki foi chamada de "Nin-ti" e, num bom jogo de palavras, tornou-se tanto a "senhora da costela" e a "senhora que dá a vida". Este trocadilho sumério não se traduz para o hebraico, em que as palavras para "costela" e "fazer viver" são bastante diferentes. Mas a costela em si foi para o relato bíblico e de repente o nome "Eva" ou "mãe de todos os viventes" poderia ser pronunciado como “a senhora da costela”.
LEMBRANÇAS DO PARAÍSO
Os laços hebreus com mitos sumérios são muito claros. Zarins acredita que, embora os hebreus tinham estreita associação com o Egito, suas primeiras raízes espirituais estavam na Mesopotâmia. "Abraão viajou para o Egito, José viajou para o Egito, a história do Êxodo todo se deu no Egito, mas não há nada de egípcio nos primeiros capítulos de Gênesis", ressalta. "Todos esses relatos antigos estão ligados à Mesopotâmia. Abraão de fato veio de Ur dos Caldeus, ou simplesmente Sumérios. Os escritores de Gênesis quiseram vincular-se com essa história, então tomaram fontes literárias da maior civilização que conheciam, na Mesopotâmia. Ao fazer isso eles se voltaram para o Éden, fazendo de Adão um homem. E uma história de coisas que ocorreram em milênios foi compactada em poucos capítulos".
Muito antes de Gênesis ser escrito, Zarins acredita que o Éden físico já havia desaparecido sob as águas do Golfo. "Os sumérios sempre alegaram que seus antepassados vieram do mar, e eu acredito que eles literalmente vieram", diz Zarins. "Eles se retiraram para o norte da Mesopotâmia quando as águas invadiam do Golfo, onde viviam havia milênios". Seu "Éden" original tinha ido embora, mas a mitologia preservou uma terra de fartura, de vida eterna e paz, que sobreviveu na mente coletiva e em uma área geográfica específica.
Quando o arqueólogo Austen Henry Layard decifrou tabuletas de argila com escrita cuneiforme em Nínive, uma fortaleza assíria no Iraque de hoje, encontrou textos sobre o tráfego de pessoas e bens. Para seu espanto, achou também relatos sobre o Éden, Adão e a "senhora da costela", além de um grande dilúvio e um herói chamado Gilgamesh, em sua busca pela Árvore da Vida. Havia até uma serpente. Gilgamesh partiu da Suméria para a área do Golfo, onde acreditava que iria encontrar uma planta que lhe daria a vida eterna. "O que ele descobriu pode ser coral, que na antiguidade era um símbolo de vida eterna", explica Zarins. "E depois de seus trabalhos ele foi dormir. Uma serpente apareceu e lhe roubou a vida eterna (seu coral?). As descrições de Dilmun são de uma área naturalmente rica, onde as sociedades poderiam existir na vontade e generosidade de Deus, em um belo cenário".
Uma última pergunta deve ser feita. Por que, quando os israelitas aceitaram as histórias antigas da Mesopotâmia, da Arábia, com toda sua carga de lutas, mudanças climáticas, tradições, porque afinal escolheram a palavra Éden, em vez de Dilmun? "Talvez eles nunca tenham ouvido a palavra Dilmun", diz Zarins.
A melhor suposição é que houve uma ruptura linguística no tempo de Alexandre o Grande. O cuneiforme foi substituída pela escrita alfabética dos gregos, um sistema muito mais eficiente. O poder passou do Oriente para o Ocidente, Grécia e Roma. As histórias antigas desapareceram na obscuridade, porque o poder vai para aqueles que detêm a cultura. Até a descoberta das tabuletas em Nínive, as histórias em cuneiforme estavam mortas. O nome e o conceito do Éden não foram transmitidos através da língua suméria, mas através da língua hebraico-helenística, que renomeou Dilmun para Éden.
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Juris Zarins (1945- ) é arqueólogo alemão professor da Universidade Estadual do Missouri. Nos anos 1970 ele serviu o exército no Oriente Médio, onde se especializou em estudos lingüísticos e tribos nômades, tendo descoberto a cidade de Ubar em 1992, uma das mais antigas da humanidade. A teoria de Zarins pareceu pela primeira vez no Smithsonian Magazine, volume 18, nº 2, de maio de 1987.
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Gostei muito e levei.
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