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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Cultivando um vício


Mais uma vez apelando ao antigo Imitação de Cristo, achei que seria útil discutir um pequeno trecho desse livro à luz da Bíblia.

Para quem perdeu postagens anteriores, o Imitação de Cristo é um livro formado por 4 manuscrito feitos provavelmente entre 1220-1240 por João Gersen, abade do mosteiro de S. Estevão, em Vercelli (Itália). Os manuscritos originais foram depois organizados por Tomás de Kempis no séc. 15. Ele foi usado em larga escala para o ensino religioso em toda Europa, como uma espécie de “código” dos mosteiros, de onde as cidades se refizeram após o esfacelamento de Roma, e de onde ocorreu a cristianização da Europa. Pode-se dizer que boa parte do que conhecemos por Cristianismo está associado a esse livro.

cap IX, parágrafo 4
“Se cada ano extirpássemos um só vício em breve seríamos perfeitos. Mas agora, pelo contrário, muitas vezes experimentamos que éramos melhores, e nossa vida mais pura, no princípio da nossa conversão que depois de muitos anos de profissão. O nosso fervor e aproveitamento deveriam crescer, cada dia; mas, agora, considera-se grande coisa poder alguém conservar parte do primitivo fervor. Se no princípio fizéramos algum esforço, tudo poderíamos, em seguida, fazer com facilidade e gosto.”

Poderíamos discutir a questão do “primeiro amor”de que João fala em Apocalipse 2. No entanto, eu gostaria de abordar algo mais prático, que é justamente o que o início do parágrafo aborda: seria possível evitarmos os vícios, ou hábitos que nos afastam de Deus. No entanto, isso é coisa a que raramente se dá atenção e mais raro ainda se aborda de forma sistemática, apesar da famosa pregação “Sede santos, porque eu sou santo” (1ª Pedro 1.16). De fato, Pedro ainda repete a instrução dada a Moisés muito antes: “Portanto santificai-vos, e sede santos, pois eu sou o Senhor vosso Deus” (Levítico 20.7). Nos tendo feito a sua imagem e semelhança, Deus parece querer continuar a Se ver em nós!

Vício (do latim "vitium", que significa "falha" ou "defeito"). Contrário de virtude. É um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao viciado e aos que com ele convivem.

Jesus também abordou a necessidade de um “comportamento correto” de sua forma terrivelmente intimista e prática:

Eu falo do que vi junto de meu Pai, e vós [Fariseus] fazeis o que também vistes junto de vosso pai. Responderam, e disseram-lhe: Nosso pai é Abraão. Jesus disse-lhes: Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. Mas agora procurais matar-me, a mim, homem que vos tem dito a verdade que de Deus tem ouvido; Abraão não fez isto. Vós fazeis as obras de vosso pai.
...
Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira. Porque vos digo a verdade, não me credes. (João 8.38-45)

Na prática, somos tentados a acreditar que as regras sociais de “bom comportamento” são aquelas a que a Bíblia se refere: usar roupas longas e de cores sóbrias, não beber, não ouvir rock, não fazer tatuagem, não furar fila, não falar palavrão, ir à igreja, etc. O que proponho aqui é vasculhar a Bíblia atrás do que realmente é posto como degenerador do ser humano. Eis que reuni alguns, para que pensemos em fazer como recomenda a Imitação de Cristo. Ou seja, combatê-los sistematicamente em nós mesmos, começando pelos que cada um tiver em maior conta.

A variedade de nomes e palavras aqui reflete as variedades de tradução para o português. Organizei os vícios em 6 grupos de acordo com uma similaridade que percebi examinando os textos onde são citados, e que explicarei abaixo.

1. Falta de amor a Deus; idolatria; feitiçaria; imoralidade sexual; fornicação; orgias; falta de fé

O amor a Deus é o 1º Mandamento da Lei ditada a Moisés, e também o 1º dos Mandamentos proferidos por Jesus. Ao procurar na Bíblia um significado exato para o que seria “não amar a Deus”, o que encontramos é justamente a substituição do culto a Jeová/Javé por outros deuses como Apis (o boi), Baal, Asherá, Qemosh/Camos, Moloque, Astarte/Astarote, etc, aos quais os israelitas em algum momento creditaram a fertilidade da terra, sua liberdade ou a vitória sobre os povos vizinhos.

Os deuses rivais eram entidades pagãs, deuses ou forças “da natureza”. Quando os israelitas foram absorvidos por potências como a Babilônia ou Roma, eles também encontraram imperadores se nomeando como deuses e exigindo culto a sua pessoa, estátuas suas ou mesmo tronos. Os profetas se opuseram diretamente a outro culto que não o de Javé, mas repetidas vezes o povo foi punido por se desviar e seguir deuses pagãos ou os imperadores.

O culto dos deuses pagãos parecia estar sempre ligado à fertilidade da terra… que era celebrada ou evocada através de atos sexuais e prostituição nos templos. Tratavam-se de sexo ritual entre homem-mulher e entre homens, em duplas ou coletivamente. A cidade de Sodoma, por exemplo, parecia ser adepta dos cultos orgíacos. Dessa forma, inevitavelmente ficaram associados o sexo (público) ao culto pagão, a ponto de o sexo ser considerado pecado! Curiosamente não haveria outra forma de produzir cada ser humano sobre a Terra.

Desde o século 18, os deuses pagãos foram substituídos terrivelmente pelo individualismo e pelo não-culto. Assim, hoje somos muito mais tentados a creditar nossos sustento, nossas virtudes e nossa liberdade ao dinheiro (Mamon) ou ao próprio merecimento, ao governo (no caso dos países desenvolvidos), ao status social (para quem o tem), a algum conhecido influente, etc. São deuses que não requerem agradecimento algum, e de fato nos abençoam tanto quanto Baal aos seus profetas, quando foram desafiados por Elias! (1ª Reis 18)

2. Falta de amor ao próximo; inimizades; partidos; furtos; ódios; iras; brigas; discórdia; traçar planos perversos; amargura

O “amor ao próximo” foi o ponto crítico da pregação de Jesus, sem o qual - ele explicava repetidamente - a Lei é inútil. Mas não se tratou de uma fala original: Elifaz de Temã, no livro de Jó, já acusava aqueles que não ajudavam aos mais fracos. Vários ítens da lei, como “não matar”, “não roubar”, “não cobiçar a mulher ou o gado alheios”, etc também recaem inevitavelmente nesse ponto em que a nossa sociedade competitiva nos ensina a fazer o contrário do que Deus manda, justamente ajudar aquele para quem podemos perder algo.

Afinal, “amar ao próximo” sempre vai nos condenar a precisar do Pai - e não de nós mesmos ou do apoio social - para vivermos. Quem em sã consciência faria algo assim? Abraão e o rei de Salém* instituíram o dízimo como uma ação “socialista” da Igreja. Salomão já ensinava: “Quem dá aos pobres não passará necessidade, mas quem fecha os olhos para não vê-los sofrerá muitas maldições” (Provérbios 28.27). Malaquias bem nos deixou “Tragam o dízimo todo ao depósito do templo, para que haja alimento em minha casa. Ponham-me à prova", diz o Senhor dos Exércitos” (Malaquias 3.10). João fez isso, Jesus também e ainda aconselhou seus seguidores assim: “O Rei responderá [no Último Dia]: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram’” (Mateus 25.40). Estranha, Judasmente ou capitalisticamente, mesmo a Igreja e nós temos nos esquecido de “dar aos pobres”, mas não de arrecadar a prosperidade oferecida por Deus.

3. Impureza; desonestidade; mentiras; calúnias; injustiças; imitar “o mundo”

O que é ser PURO? Biblicamente, essa palavra é usada muitas vezes, com poucas explicações. Aparentemente, a “pureza” é atribuída aquilo que se pode ver através e àquilo que não muda, que é constante. Assim, o indivíduo puro é aquele que nada esconde, e que também é perfeitamente justo ou igualitário. Em outras palavras, estamos falando de um sujeito incapaz de privilegiar a si mesmo ou até um conhecido em desfavor de qualquer outra pessoa.

Estou limpo e sem pecado; estou puro e sem culpa. (Jó 33.9)

Quem subirá ao monte do Senhor, ou quem estará no seu lugar santo? Aquele que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à vaidade, nem jura enganosamente. (Salmos 24.3-4)

Jesus atribui o “domínio desse mundo” a um Príncipe sobretudo mentiroso e injusto (João 14.30), e Paulo aprofunda isso afirmando que a injustiça faz parte do que a nossa carne deseja (Gálatas 5). Seria, portanto, natural às pessoas deixar a pureza e acostumarem-se à injustiça, da qual se tornam praticantes e colaboradoras. Jesus chega a nomear essas pessoas de “filhos do Diabo” (João 8.44).

4. Libertinagem; palavras torpes; gritaria; insujeição; obscenidades

Libertino: aquele que é desregrado em sua conduta; devasso, dissoluto. Pessoa livre da disciplina da fé religiosa; livre-pensador.

Eis aqui o abandono das leis, da moral, de toda regra que confronte a vontade individual e tente fazer as pessoas agirem juntas para algum propósito. É interessante notar que Moisés esmerou-se em produzir um código de leis escritas e constantes, quando outros povos se pautavam na vontade dos reis. Josias resgatou essa Lei, que se perdera na invasão de Jerusalém pelos assírios. Esdras, depois, fez da Lei o símbolo da continuidade de Judá após o cativeiro na Babilônia. Jesus veio quando a Lei estava sendo praticada de forma fria, sem amor a Deus e como um fim em si mesma, fonte de lucro e status ao invés de um auxílio para a vida dos homens.

E se a Lei estabelecia uma forma para os homens agirem entre si, delimitando os limites de cada um, Jesus propunha mais: “Quem quiser ser o maior, seja o menor entre todos” (Lucas 22.26). Não bastava que um deixasse de prejudicar o seu próximo. Era necessário servi-lo, devotar-se a ajudá-lo! Ao invés de uma Lei que exercesse coerção nos homens para moldar seu comportamento, Jesus propunha que a Lei fosse desnecessária porque seu objetivo seria o mesmo no coração das pessoas.

Por outro lado, há algo de terrível na liberdade e que motiva pessoas a uma vida religiosa legalista. Ser livre significa ser responsável pelos seus atos. Estando por detrás de uma doutrina ou lei, os Fariseus mesmo cobiçavam a fortuna, o status e [por isso] eram tidos como “santos”. Quando Jesus disse que a Lei tinha um propósito e não superava as necessidades dos homens, aqueles “santos” que obedeciam a “não matarás” organizaram como Ele seria morto e procuraram alguém [impuro] para fazer isso. E o dinheiro envolvido também não deveria ser ofertado no Templo, para não contaminar a sua pureza. Quem puder ver a superficialidade aí, sinta-se abençoado.

5. Ambição; inveja; ciúme; indignação; olhos altivos

Ambição: motivação dos comportamentos por um desejo forte de recompensa ou superioridade em relação aos demais.

Inveja: ação coercitiva ou agressiva dirigida a um concorrente e motivada por sentimento de posse.

Ciúme: ação coercitiva ou agressiva dirigida a um objeto ou pessoa disputados e motivada por sentimento de posse.

A definição exata dos significados de ambição, inveja e ciúme é necessária aqui, porque não existem comportamentos “de ambição”, “de inveja” ou “de ciúme”. Todos são sentimentos presumidos pela própria pessoa ou por outros que sabem mais do que está sendo mostrado em um discussão irritada, por exemplo. Além disso, embora o Ciúme seja condenado, é traduzido em algumas versões que “o Espírito que em nós habita tem ciúmes” (Tiago 4.5), ou que Deus manifestou ciúmes pelo Templo onde Ezequiel viu colocadas imagens de outros deuses, na porta norte do pátio (Ezequiel 8.3).

Mas que espécie de Deus nos recomenda sermos como Ele e nos proíbe o ciúme, quando Ele mesmo o manifesta? Exatamente um Deus QUE NOS POSSUI, e jamais entregaria a outro.

Lembrem-se dos dias do passado; considerem as gerações há muito passadas. Perguntem aos seus pais, e estes lhes contarão... Quando o Altíssimo deu às nações a sua herança, quando dividiu toda a humanidade... Numa terra deserta ele os encontrou, numa região árida e de ventos uivantes. Ele o protegeu [a Seu povo] e dele cuidou... O Senhor sozinho o levou; nenhum deus estrangeiro o ajudou. Mas eles o deixaram com ciúmes por causa dos deuses estrangeiros, e o provocaram com os seus ídolos abomináveis. Sacrificaram a demônios que não são Deus, a deuses que não conheceram, a deuses que surgiram recentemente, a deuses que os seus antepassados não adoraram. (Deuteronômio 32)

Tão ruim quanto é se as pessoas tomam como deuses a si próprios e dizem aos outros “Eu fiz isso”, ou “Eu sou responsável por aquilo”. Comportalmentalmente falando, isso aparece quando alguém recusa ajudas ou reprimendas porque “não estão à sua altura”. Tal orgulho é citado entre as coisas que Deus mais odeia.

6. Conversas tolas; bebedeiras; gracejos imorais; insensatez; falta de exortação; falta de ensino

Sem pestanejar, o Livro de Provérbios atribui muitos adjetivos a isso, mas o principal é INSENSATO, ou TOLO, aquele que não pensa, e cujo destino será a própria destruição. Esse personagem caricato não apenas se afasta dos bons conselhos, mas tenta arrastar outros para sua falta de sabedoria ou loucura. Ele não personifica o mal, nem a obra da maldade, apenas se afasta irresponsavelmente dos ensinos que o Senhor proveu. E jamais ensinará o que é certo aos demais, antes ensinará como bom o que é pior.

Como que atribuindo uma culpa por simplesmente desprezar o ensino do Senhor, esse talvez seja o vício mais gravemente ligado à natureza humana. Para o repetirmos e empoderarmos, basta não nos instruirmos no que Deus ensinou ao longo de 10 mil anos e mais de 300 gerações de sábios, profetas e santos. Basta ignorar, deixar de fazer, rir e esnobar aos outros a própria ignorância como se fosse um tesouro a se guardar. É só não fazer nada...

Certamente muitas pessoas com dificuldades para ser felizes também vão enxergar aí a desculpa perfeita para si mesmos: ao invés de fazer o bem a mim ou qualquer outro, vou me afundar no biblicalismo e recitar para o vento o que há na Bíblia. Jesus fez isso mesmo. Ah, não fez?! Como no começo da frase, a quem isso vai ajudar? Qual faminto será alimentado, qual doente será curado, e qual injustiçado terá ajuda nisso? Não é a Bíblia feita de vidas ao invés de enunciados? Como Ele mesmo disse, “também está escrito...”

O jejum que desejo não é este: soltar as correntes da injustiça, desatar as cordas do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e romper todo jugo? Não é partilhar sua comida com o faminto, abrigar o pobre desamparado, vestir o nu que você encontrou, e não recusar ajuda ao próximo? (Isaías 58.6-7)

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Certamente que cada um de nós pode enxergar nessa lista de desventuras algumas que lhe cabem. Não somos perfeitos, e Paulo mesmo argumenta que a carne nos conduz ao mau. Mas não é sem valor que cada um invista tempo e esforço em fazer como recomenda o pequeno parágrafo lá no início. De pouco em pouco, podemos nos tornar mais próximos ao que agrada Deus.

*Salém era uma das cidades situadas no terreno fértil às margens do Mar Morto. Numa histórica batalha, os reis de Sinar, Elasar, Elão e Goim se uniram para dominar as outras cidades. Sabendo que seu irmão Ló estava prisioneiro (pois Sodoma era uma das cidades atacadas), Abraão reuniu outros reis para fazer oposição aos primeiros. Entre eles estava o rei de Salém, Melquizedeque, chamado honrosamente de "sacerdote do Deus Altíssimo". Davi freqüentou um tabernáculo em Salém, o que sugere que se tratava de um lugar religioso.

domingo, 23 de outubro de 2011

In vino, veritas?

O texto original é do Clóvis Gonçalves. A culpa não é minha. Só um pouco.

Sou abstêmio convicto, motivado especialmente por caso de alcoolismo na família e por compreender o dano social causado pelo consumo de bebidas alcoólicas. Portanto, este texto não pretende ser uma apologia a nada, exceto talvez ao equilíbrio bíblico, tendo em conta a advertência:

Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, que eu vos mando. (Dt 4:2).

A obediência aos mandamentos começa por não ficar aquém nem ir além de onde a própria Bíblia vai. Fiz uma busca rápida por vinho no Novo Testamento e a encontrei em cerca de 30 versículos. Além disso, o grego e o hebraico usam muitas palavras diferentes associadas a vinho (parece que eles conhecem bem o assunto). Algumas dessas palavras são estudadas a seguir.

OINOS

Esta palavra aparece 33 vezes em 25 versículos (em alguns versículos ocorre repetidamente), e é traduzida “vinho” em todas as ocorrências pela Revista e Atualizada. Que vinho [oinos] contém álcool fica claro na seguinte passagem: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18). A Septuaginta usa oinos para traduzir os hebraicos yayin, chemer, ieqev, sove, asis, shekar, shemer e tirosh, indistintamente. Embora no português vinho seja especificamente uma bebida fermentada, os antigos usavam "vinho" para definir o que era extraído da uva. Assim havia o "vinho" novo, ou suco da fruta, e o "vinho" velho ou fermentado. As palavras Yayin e Tirosh eram usadas especificamente para o vinho novo. Chemer e Asis eram usados para o vinho velho.

Quanto ao vinho usado na última ceia, não é dito de que tipo era, visto que a palavra vinho não ocorre nesse contexto. De qualquer forma, as igrejas apostólicas celebravam a ceia com vinho inebriante. Paulo os repreende afirmando que “ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague” (1Co 11.21). Note que em suas repreensões à forma desordenada na qual a igreja corintiana celebrava a ceia do Senhor, Paulo não inclui o tipo de vinho utilizado.

Interessante notar, também, que Jesus foi acusado de bebedor de vinhos [oinopotes]: “Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!” (Lc 7.34). Em uma passagem da primeira epístola de Pedro, bebedices é tradução de um termo derivado de oinos [oinophlugia]: “Porque basta o tempo decorrido para terdes executado a vontade dos gentios, tendo andado em dissoluções, concupiscências, borracheiras, orgias, bebedices e em detestáveis idolatrias” (1Pe 4.3).

A conclusão é de que o termo mais comumente traduzido vinho no Novo Testamento refere-se a uma bebida capaz de causar embriaguez se consumida em grande quantidade. É possível que o vinho feito por Jesus em Caná e o utilizado na última ceia fossem do mesmo tipo consumido comumente pelos judeus de seus dias, que bebido puro e em grande quantidade era embriagante. No caso da ceia em Corinto, é-nos permitido concluir que a mesmo continha álcool, pois ninguém se embriaga com suco de uva.


GLEUKOS

Em Atos 2.13 a Revista e Corrigida traduz gleukos como mosto, um suco doce de uva espremida: “Outros, porém, zombando, diziam: Estão embriagados!” (At 2.13). Tecnicamente, mosto é o vinho ainda não totalmente fermentado. De qualquer forma, deveria ser embriagante, visto que a Revista e Atualizada traduz “cheios de mosto” como “embriagados”. A própria expressão dos ouvintes requeria que eles estivessem alterados.


OXOS

Outra palavra traduzida por vinho é oxos: “deram-lhe a beber vinho com fel; mas ele, provando-o, não o quis beber” (Mt 27.34). Era uma mistura de vinho azedo ou vinagre e água que os soldados romanos estavam acostumados a beber. De fato, a palavra só ocorre nos Evangelhos e somente no episódio da crucificação de Jesus (Mt 27:34, 48; Mc 15.36; Lc 23.36; Jo 19.29-30), sendo traduzida mais comumente como vinagre. Logo, este seguramente não era o vinho utilizado na última ceia, na ceia do Senhor da igreja primitiva e nem mesmo o vinho consumido normalmente pelos judeus nos dias de Jesus.


SIKERA ou SHEKAR

É uma palavra traduzida como bebida forte ou intoxicante, citada quando o anjo do Senhor aparece ao profeta Zacarias, anunciando o nascimento de João: “Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho nem bebida forte e será cheio do Espírito Santo, já do ventre materno” (Lc 1.15). Não era exatamente vinho, mas uma bebida feita da uma mistura de ingredientes doces, derivados de grãos ou legumes, ou do suco de frutas (tâmara), ou de uma decocção do mel. Hoje, poderia ser entendida como um tipo de grapa ou licor de uvas.


METHE

A palavra beberrão, bêbado, bebedices, etc, deriva de methe que significa embriaguez, bebedeira, intoxicação: “Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais” (1Co 5.111Co 6.10). Methe e seus derivados estão associados ao consumo excessivo de bebidas. E este excesso é claramente proibido nas Escrituras, como por exemplo Ef 5.18, onde a proibição não é quanto ao consumo de vinho [oinos], mas à embriaguez [methusko], pois como demonstrado acima, Jesus bebia vinho (Lc 7.34, citado acima), mas o irmão beberrão deveria ser evitado (1Co 5.11, citado acima).


Não há uma proibição do tipo “não beberás vinho”. Parece que o ensino bíblico é mais no sentido da moderação. Por exemplo, nas descrições dos requisitos para os oficiais da igreja, a proibição é quanto ao excesso: “É necessário, portanto, que o bispo seja... não dado ao vinho” (1Tm 3.2-3), “semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam... não inclinados a muito vinho”, “quanto às mulheres idosas, semelhantemente, que sejam... não escravizadas a muito vinho” (Tt 2.3).

A proibição geral é quanto ao embriagar-se, não quanto ao consumo em si, feito com moderação. É neste sentido que temos advertências do tipo “não vos embriagueis com vinho” (Ef 5.18), “acautelai-vos por vós mesmos, para que nunca vos suceda que o vosso coração fique sobrecarregado com as conseqüências da... embriaguez” (Lc 21.34),“Andemos dignamente... não em orgias e bebedices” (Rm 13.13), pois “não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam” (Gl 5.21).

Ao lado disso, há a recomendação do experiente Paulo ao jovem Timóteo para que este bebesse um pouco de vinho, devido a seus problemas de saúde. “Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades” (1Tm 5:23). É interessante aqui observar duas coisas, a quantidade e a finalidade. Era para tomar “um pouco” de vinho e “por causa” de seus problemas gástricos, ou seja, com finalidade terapêutica.

Concluindo, se alguém me perguntar o que eu acho sobre o crente beber com moderação, direi que o mesmo deve evitar, pelas razões que expressei na introdução. Mas se alguém me perguntar se a Bíblia proíbe ao crente beber de forma moderada, para ficar em paz com minha consciência, direi que não. Pois de fato ela não o faz. Ela proíbe a embriaguez, mas não o consumo moderado.

Soli Deo Gloria

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Esse texto foi colhido de uma parreira de cinco solas das terras de  http://cincosolas.blogspot.com/2010/11/e-pecado-beber-vinho.html, pisado e fermentado em tonéis de cedros do Líbano. Algumas referências foram tiradas ebriamente de http://www.cai.org/files/theme-sheets/en/b/sb0074au.pdf. Agradecemos a preferência.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Comida Cristã !



por Augusto Guedes


Todos os dias nós comemos. Na maioria das vezes, conjuntamente bebemos. Certa ocasião, à mesa para uma refeição cotidiana, me veio à mente uma hipótese no mínimo curiosa. Já imaginou se alguém, ao se converter verdadeiramente ao Senhor Jesus, arrependendo-se de tentar viver a vida de forma independente de Deus, fosse encorajado por outrem a comer, a partir de então, apenas comida cristã? Como seria?

Em que loja de supermercado ou mini-mercado a encontraria? Em que lanchonete ou restaurante teria para se comer a comida já pronta? Que igreja, ou melhor, empresa, a disporia para degustação promocional nas melhores lojas do ramo, ou a promoveria nas rádios, tvs, revistas, enfim, na mídia em geral? Quais seriam as condições ou parâmetros para que tal recomendação pudesse ser praticada? Afinal de contas, o texto de I Coríntios 10:31, é literal ao dizer: "seja comer, seja beber, ou qualquer outra coisa fazer, tudo seja feito para a glória de Deus". Se comida aparece de forma tão explícita, deve existir aquela mais adequada ou exclusiva para ser ingerida para a glória de Deus. Quem sabe, trata-se de um tipo de comida especial, ou talvez cozida por pessoas especiais, talvez de uma família especial. E por que não levantar a hipótese de um ministério também especial para tal, o ministério sacerdotal da culinária ou,os cozinheiros sacerdotes? Aqueles que através da sua arte culinária unem as pessoas a Deus ou que, por meio do seu serviço, ministram aos outros de forma que o alimento que produzem torna-se cheio de uma unção especial e específica: 'a unção da culinária'.

É possível que você até esteja considerando todas as palavras que escrevo. Vamos, então, pensar um pouco mais nessa curiosa hipótese sugerida. Talvez a primeira condição para o reconhecimento de uma comida como cristã fosse a sua composição, o seu conteúdo, os seus ingredientes. Então, quais seriam eles? Que ingredientes seriam os mais adequados ou sagrados? Vegetais, por serem alimento pré-queda do homem e não virem da morte de animais? Animais, porque durante um bom tempo eram oferecidos em sacrifícios? E porque não perguntar sobre a possibilidade de todos os feijões, arrozes, carnes, saladas, e tudo o mais, dependendo apenas da forma e quantidade que se ingere?

Para alguns, certamente o sal seria presença determinante na conceituação de uma comida cristã, pois a própria Bíblia informa sua importância para que o mundo ganhe sabor. Por outro lado, possivelmente o vinho, apesar de provocar um sabor todo especial, não deveria constar, face seu conteúdo alcoólico - embora, para alguns mais 'bíblicos', esse seria o ideal, pois, questionamentos à parte, simplesmente, é bíblico. Mas nem todos gostam de tais ingredientes. E mais, alguns até gostam, porém, não podem ingeri-los por uma questão de saúde. Fatalmente, determinar alguns ingredientes como comestíveis pelo cristão e outros não seria uma aberração,ou algo simplesmente ilógico. Certamente tal decisão não poderia ser tomada a partir do seu conteúdo.

Mas, como, então, identificar o que significa uma comida cristã? Deixando de pensar em relação à sua composição, pensemos, então, na sua aparência. Certos alimentos não têm uma boa apresentação ou são diretamente relacionados às práticas ou aos povos historicamente apegados ao que não vem de Deus. E, enfim, imagem é algo fundamental, sobretudo quando se está à mesa. Aí eu me pergunto: Comemos ou não com os olhos? É muito mais fácil pagarmos mais caro por um delicioso sanduíche fotografado com muita arte e exposto acima da bateria de caixas de um fast-food famoso, do que simplesmente ingerirmos aquele delicioso pirão gosmento em meio a um ambiente barato e simples, servido numa panela machucada de alumínio e, ainda por cima, queimada no fundo por tantos anos de fogão.

Certamente a comida cristã que procuramos teria uma aparência saudável, "santa, separada", e possivelmente um aspecto mais pautado em outra cultura do que na nossa, principalmente se tivéssemos sido evangelizados por pessoas de outras culturas como os missionários trans-culturais. Aliás, essa é uma grande tendência de alguns povos e também grande mal dos brasileiros, que têm uma gastronomia tão boa, como afirma o famoso chefe de cozinha 'Jun Sakamoto', de origem oriental e que se tornou referência na gastronomia a partir de São Paulo e Nova York: "O brasileiro muitas vezes, ao procurar uma boa comida, pensa primeiro na italiana, francesa, portuguesa, chinesa, japonesa, para depois se referir à brasileira."

Fica claro, então, que além do seu conteúdo, também não se pode definir comida cristã a partir da sua aparência. O que fazer? Por que, então, não partirmos para tentar defini-la em função da sua autoria? Quem a está fazendo? Quem é o cozinheiro ou cozinheira? De que mãos nascem essas saborosas, belas, memoráveis e saudáveis refeições, e por que não dizer, banquetes? Se formos avaliar apenas a partir da sua técnica, seríamos tentados a medir a autenticidade possivelmente com base na formação do seu autor. Que cursos gastronômicos ou de nutrição freqüentou? Qual a sua formação acadêmica? Engenharia de alimentos? Estudou em alguma renomada faculdade do ramo? Qual a sua capacitação técnica para desenvolver tais alimentos? Escreve ou lê receitas? Ou será que ele, ou ela, são capazes de criá-las simplesmente - por possuírem um dom específico na área - independente do tempo de fogão? E por falar em tempo de fogão, certamente a experiência poderia também ser um possível parâmetro. Será que tal cozinheiro possui experiência no assunto? Há quanto tempo ele cozinha? Em que restaurantes trabalhou? É profissional da área, independente da sua formação acadêmica? Com quem já fez parcerias? Ou, para quem cozinhou?

Todos esses questionamentos podem até nos ajudar a identificar uma comida muito bem feita, talvez de boa fama, deliciosa de se consumir, e, até, agradável aos olhos. No entanto, jamais os seus ingredientes, a sua aparência, ou a técnica, a experiência e a capacitação natural do seu autor para desenvolvê-la podem defini-la ou não como uma comida cristã. É óbvio que não existe uma comida cristã. Pode ser que cristão seja aquele que a produz. E você pode até estar achando tudo isso aqui meio ridículo. Mas foi exatamente o que fizeram com a nossa música chama de "cristã". Releia o artigo, substituindo a palavra "comida" por "música", e com algumas pequenas adequações, e constate tal realidade.

Que o Senhor, Pai da Luzes e das Artes, Criador Criativo em tudo, abençoe você ricamente!

Para quem não ler: deseja-se criar uma classificação para música como cristã, muitas vezes baseada no seu conteúdo, na sua aparência ou na técnica, experiência ou talento natural do seu compositor, quando na realidade não existe música cristã propriamente dita, mas sim cristãos que fazem músicas!

Augusto Guedes é pastor, empresário, compositor e músico. Já atuou na Igreja Presbiteriana da Boa Vista, Organização Palavra da Vida NE, Dókimos e Grupo Musical “Novo Viver” (1973–1986). Colaborou com a fundação da Igreja Presbiteriana Nova Jerusalém, foi ministro de adoração e jovens na Igreja Batista Central de Fortaleza, e mais recentemente compôs o colegiado de pastores da Igreja de Cristo na Aldeota. Hoje, com ministério bi-vocacionado, exerce atividades profissionais, e é um dos líderes da Comunidade de Discípulos (igreja nas casas) na mesma cidade.