tag:blogger.com,1999:blog-10917269800699000102024-03-13T00:04:01.376-04:00Lounge Cuiabáo Cristianismo merece ser discutidoLounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.comBlogger420125tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-344329566353448982024-01-05T22:40:00.011-04:002024-01-06T22:10:59.528-04:00SOBRE A BENÇÃO AOS CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS<div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEi3XVpo6PedT9h-waLIgMAUL-b1wWSAoSRUzJrTUMxGWtKdzSpeM0DVqVOhIDp72788wPAjpc0QCJoERboQsyCxBUGiDdCFCqzs1y5Q6VMa9Dh7Z6Ti9d8zXQq0F8wgsYMYu7t5o7SWWUq-H37z56Pr9ggDJNElLfQahWViM7cd3UmCOOEtXvTByUQmZYt0" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;">
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</div><br></div><div><b>R</b>ecentemente, muito falatório circulou sobre a determinação do papa Francisco I sobre a benção aos casais homossexuais. Em geral, trataram-se de teorias sobre a Igreja Católica estar abrindo mão de uma exclusão antiga aos casamentos de pessoas do mesmo sexo - não no sentido de preconceito ou afastamento dos locais sagrados (como ocorre nas igrejas Protestantes / Evangélicas) - mas no sentido de não reconhecer uniões homossexuais.</div><div><br></div><div><b>O LADO DA LEI</b></div><div><br></div><div>No Brasil, a união civil de pessoas do mesmo serviço foi possibilitada pelo Projeto de Lei 580/07, do ex-deputado Clodovil Hernandes, onde a única condição imposta era de que as pessoas fixassem em contrato seus patrimônios. Sem haver ainda a anexação à Constituição, entretanto, a bancada Evangélica / Bolsonarista luta contra tal resolução através de outros projetos de lei, um do ex-deputado Capitão Lucínio Castelo de Assumção (PL) e outro do deputado pastor Francisco Eurico da Silva (também PL / Assembléia de Deus). Entre os argumentos contra a possibilidade de casamento homoafetivo estão que “a relação homossexual não proporciona à sociedade a eficácia especial da procriação" e a alegação de que o banimento da homossexualidade do catálogo de transtornos mentais (lá nos idos de 1973) foi uma intervenção político-ideológica na ciência.</div><div><br></div><div>Sinceramente, num planeta com 8 bilhões de pessoas, é difícil sustentar o valor inestimável da reprodução humana. Além disso, nenhum cientista (geralmente depreciados que são pela Igreja) apoia, hoje em dia, o tratamento medicinal da homossexualidade.</div><div><br></div><div><b>O LADO RELIGIOSO</b></div><div><br></div><div>A posição da Igreja como hostil aos homossexuais descende dos escritos moralistas de Paulo, lá nos anos 50 d.C.</div><div><br></div><div><b>Carta aos Romanos 1.19-32</b></div><div><i>Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou.</i></div><div><i>Porque as Suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o Seu eterno poder, como a Sua divindade, se entendem, e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis.</i></div><div><i><br></i></div><div><i>Tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem Lhe deram graças. Antes, em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. E mudaram a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem corruptível, aves, quadrúpedes e répteis.</i></div><div><i><br></i></div><div><i>Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si.</i></div><div><i>Mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais a criatura do que o Criador, que é bendito eternamente. Amém.</i></div><div><i><br></i></div><div><i>Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza.</i> S<i>emelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro.</i></div><div><i><br></i></div><div><i>Como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm. Estando cheios de toda a iniqüidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade; sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães; néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia.</i></div><div><i><br></i></div><div><i>Conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.</i></div><div><br></div><div>A rejeição aos homossexuais aparece no antigo sistema dos Fariseus (lá no Antigo Testamento), o que direciona para esse lado de maior rejeição as igrejas Evangélicas, junto com Testemunhas de Jeová e Mórmons. Os Protestantes Tradicionais/Históricos, Católicos, Muçulmanos e Judeus estão no meio do caminho, enquanto os Budistas e religiões Africanas situam-se no extremo de maior aceitação. Muitas vezes, os homossexuais são associados ao comportamento social da antiga cidade de Sodoma,destruída "devido a seus pecados" (Gênesis 19.1-11), sobre a qual o profeta Ezekiel escreveu:</div><div><br></div><div><b>Ezekiel 16.49</b></div><div><i>Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã [irmã de Gomorra, ambas incendiadas]: Soberba, fartura de pão, e abundância de ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado.</i></div><div><br></div><div>No texto de Levítico, parte do longo código ditado a Moisés), os homossexuais estão excluídos daqueles aceitos por Deus (Levítico 18.22 e 20.13). Em sua 1ª Carta aos Coríntios, Paulo também listou os homossexuais entre aqueles que não entrarão no Reino de Deus, junto com idólatras, bêbados, ladrões e avarentos (1ª Coríntios 6.9). No mais atual Catecismo da Igreja Católica (1992, papa João Paulo II), a homossexualidade aparece descrita como "ato intrinsecamente desordenado", "contrário à lei natural porque fecha o ato sexual ao dom da vida", "em caso algum podendo ser aprovado". Ao contrário das igrejas mais Pentecostais, que atribuem a homossexualidade à possessão demoníaca ou afastamento do Espírito Santo, dentro da Igreja Católica apenas o ato sexual e os trejeitos são vistos como pecaminosos. Ao mesmo tempo em que a Igreja Católica afirma ser contra titular os homens por seu comportamento sexual, aos homossexuais ("dentro do armário") é prescrita a castidade eterna como forma de evitar o pecado que lhes tenta.</div><div><br></div><div><b>UM PAPA DESAFIADOR?</b></div><div><br></div><div>Diante desse posicionamento da Igreja Católica como hostil à união homossexual (hostilidade defendida fervorosamente pelos papas João Paulo II e Bento XVI), a declaração de Francisco I com relação à benção de homossexuais causou forte alvoroço. Cinco cardeais direcionaram ao "Dicastério para a Doutrina da Fé" uma carta contendo 5 "dubias", ou questionamentos acerca do posicionamento do papa. Trata-se de um novo nome para a "Suprema e Sacra Congregação do Santo Ofício", também já chamada "Suprema e Sacra Congregação da Inquisição Universal da Idade Moderna". <b>O mesmo orgão que comandava as queimas de hereges e bruxas na Idade Média.</b> Essa perguntas eram: (1) se devemos reinterpretar a Divina Revelação com base nas mudanças culturais e antropológicas; (2) se a prática de bênção das uniões com pessoas do mesmo sexo estaria de acordo com a Revelação; (3) se o Sínodo dos Bispos (assembléia que ajuda o papa nas diretrizes do Concílio Vaticano II, de aproximar a Igreja das comunidades desasistidas) é um órgão constitutivo da Igreja; (4) se a teologia da Igreja mudou e mulheres poderão ser sacerdotes; (5) se o perdão é um direito humano e o arrependimento não seria necessário para receber a benção.</div><div><br></div><div>Francisco I não apenas respondeu publicamente as questões no dia seguinte, mas juntou seus pareceres em forma detalhada no documento “Fiducia supplicans” (Confiança do Suplicante) publicado pelo Vaticano. Nas respostas e no texto, o papa abordou com "luvas de pelica" e admirável diplomacia a questão dos homossexuais. No fim, seu pronunciamento foi muito menos chamativo do que as teorias levantadas a respeito:</div><div><br></div><div><b>1)</b> <b>Não há nenhuma intenção da Igreja Católica em consentir ou abençoar uniões homossexuais.</b> O casamento continua entendido como um sacramento da união de homem e mulher para a procriação. Assim, a união homossexual nem mesmo é considerada um "casamento" pela Igreja Católica.</div><div><br></div><div><b>2) A Igreja afirma não ter qualquer poder sobre relações que fogem ao prescrito na Bíblia</b>. Isso se estende a todas as relações sexuais diferentes do casamento.</div><div><br></div><div><b>O ponto de Francisco I foi simplesmente estender o conceito de benção para um propósito da Igreja em aproximar os homens de Deus</b>. A benção, segundo ele, é uma ferramenta para essa aproximação, pois Jesus abençoou as crianças, assim como os apóstolos no momento de sua Ascenção. Sem analisar nenhum dos dois grupos a respeito de sua retidão moral. Criticando uma postura elitista da Igreja ao requerer perfeição moral prévia das pessoas para aplicar aquilo que foi concedido gratuitamente por Jesus, o papa retratou a benção como algo que deve ser concedido a todos aqueles buscando a ajuda de Deus, independente de sua condição.</div><div><br></div><div>Mas também os homossexuais? Sim, a todos os homens que aceitam sua condição imperfeita e pedem a ajuda de Deus. As bênçãos têm como destinatários as pessoas, objetos de culto e devoção, imagens sagradas, lugares de</div><div> vida, de trabalho e de sofrimento, os frutos da terra e do trabalho humano. No entanto, <b>Francisco I ressaltou a diferença entre benção e sacramento, ou ato oficioso da entidade Igreja</b> em aprovar e fortalecer algo. A benção gratuita não deve em momento algum se assemelhar a um sacramento: nem nos momentos em que esse é aplicado (como um casamento), nem com as mesmas roupas ou significados. Então os homossexuais podem ser abençoados, mas não se trata de estender o sacramento do matrimônio a uma união entre pessoas do mesmo sexo.</div><div><br></div><div><b>DETALHANDO AS COISAS</b></div><div><br></div><div>É interessante observar que a referência bíblica sobre a condenação dos homossexuais (e isso significa algo vago, que se estende na prática desde a perseguição e imposição de uma "cura gay pela fé", até afastamento dos espaços religiosos ou direcionamento à castidade) parte das cartas de Paulo, enquanto a determinação do que seria uma benção parte dos Evangelhos narrando a vida de Jesus. Até antes de Francisco I, as duas coisas pareciam inconciliáveis. Assim como em muitas outras situações, essa "rachadura interna" advém da origem fragmentada do Cristianismo: Marcos reproduziu o que ouviu de Pedro; Mateus "super-heroidizou" Jesus; Lucas recolheu narrativas das pessoas; João escreveu algo talvez mais idealizado, que construiu das andanças de Jesus por entre os Samaritanos; Paulo misturou elementos Fariseus e Gregos para satisfazer a um Espírito Santo de perfeição moral.</div><div><br></div><div>Jesus não pareceu se importar com perfeição moral em qualquer um dos quatro diferentes Evangelhos. Entre Seus escolhidos, estavam pessoas comuns, cheias de conflitos e defeitos: um acreditava em luta armada, o outro em salvar a própria pele, etc. Justamente daí vinha seu conflito frequente com os Fariseus, que associavam perfeição e privilégio moral / social / político com a proximidade de Deus. No arrebanhamento da Igreja por Roma, as cartas de Paulo (e talvez muitas delas não escritas por ele) tiveram maior peso sobre a teologia Cristã do que o próprio Jesus. Como reflexo disso, hoje vemos pregações nas igrejas Cristãs que ressaltam muito mais a morte de Jesus como Sacrifício Vivo do que elementos da Sua vida; <b>Jesus se tornou alguém para reverenciar e não para imitar</b> - o que devemos imitar é a perfeição moral que Paulo extraía do Espírito Santo.</div><div><br></div><div>Nesse caminho que o Cristianismo tomou, os homossexuais (e mais ainda sua união religiosa) estão bem longe de serem aceitos. Obviamente existem excessões bem mais aparentadas com o Jesus que pregava aos pescadores e Samaritanos do que com o Paulo Fariseu Romano. Dentro dessas esferas mais altas das instituições, a Igreja Católica deu um pequeno passo, entendendo os homossexuais (institucionalmente falando) como dignos de benção.</div><div><br></div><div>Certamente nada incomodaria mais ao Criador das galáxias, nebulosas e tudo o que é vivo ou morto do que alguém com preferências pelo mesmo sexo satisfazer suas preferências em uma relação duradoura com quem ama.</div><div><br></div><div>---------------------------------</div><div><br></div><div><b>NOS PORÕES QUE NÃO SÃO DO VATICANO</b></div><div><br></div><div>Júnior, J. e Haje, L. <a href="https://www.camara.leg.br/noticias/1006272-comissao-aprova-projeto-que-proibe-o-casamento-entre-pessoas-do-mesmo-sexo/#:~:text=Desd">Comissão aprova projeto que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo</a>. Camara.leg.br, 10/10/2023.</div><div><br></div><div>Brabo, P. Em 6 passos o que faria Jesus. Ed. Garimpo, 2009. Cap. 1.</div><div><br></div><div>Grant, T. <a href="https://religionnews.com/2015/06/30/ranking-churches-on-acceptance-of-homosexuality-plus-their-reactions-to-scotus-ruling/">Ranking religions on acceptance of homosexuality and reactions to SCOTUS ruling</a>. religionnews.com, 30/06/2015.</div><div><br></div><div><a href="https://docs.google.com/leaf?id=0B9A1ZUvz04ZbYzFjM2U0M2QtNzljZi00MDdkLThhMmUtMGE0MTBhZmEyNmEw&sort=name&layout=list&num=50">Catecismo da Igreja Católica</a>, 1992.</div><div><br></div><div><a href="https://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2023/12/18/0901/01963.html#en">Dichiarazione “Fiducia supplicans” sul senso pastorale delle benedizioni del Dicastero per la Dottrina della Fede</a>. Press.vatican.va, 18/12/2023.</div><div><br></div><div>Sbardelotto, M. Papa responde às "dubia" de cinco cardeais. Ihu.unisinos.br, 03/10/2023. <a href="https://www.ihu.unisinos.br/categorias/632889-papa-responde-as-dubia-de-cinco-cardeais">https://www.ihu.unisinos.br/categorias/632889-papa-responde-as-dubia-de-cinco-cardeais</a></div><div><br></div><div>Ratzinger, J. <a href="https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19861001_homosexual-persons_en.html">Letter to the bishps of the catholic church - on the pastoral care of homosexual persons</a>. Vatican.va, 01/10/1986.</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-14758364556173352062023-12-27T20:11:00.009-04:002024-01-06T22:11:36.170-04:00Em que dia Jesus nasceu<div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjX1rSMUicYdz_AzlPN0y7KPjQ-aU1-aJKZAVb-bS8e2q9V0FlBxb2-rkseBLrJOQ8GTSIATl7EvVQs5bMGcpvFdUYpAct7rHit61K77rA8EO-Vu6wBKjJ2XdM8suCYdp9JDWaOxe78YmbQExwLhiId-dR4tfaFgus24WE8GNSfgcQCv_IJsf_M7qSwoaky" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;">
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</div><br></div><div><i>Peguei uma imagem do Carlos Ruas. Impossível descrever melhor o drama. Na esquerda Deus/Javé, no meio Zeus/Júpiter, na direita Odin/Anthony Hopkins.</i></div><div><br></div><b>F</b>alar sobre o nascimento de Jesus é algo complicado em muitos aspectos. Cronologicamente, temos 3 fontes sobre Jesus: Paulo (que não conviveu com Ele nem Seu grupo, mas foi o 1º a escrever, por volta de 50 d.C.), Pedro (oral) -> Marcos -> Mateus -> Lucas (produzidos nessa ordem, que criam uma narrativa baseada, cada um, na narrativa anterior e mais algo próprio, feitas entre 70 e 100 d.C.) e João (que traça uma nativa própria, isolada das demais (aprox. 150 d.C.). Dentre esses Evangelistas, apenas Mateus e Lucas se preocuparam com o "Natal". Nos demais, Jesus chega ao texto bíblico já adulto.<div><br></div><div><b>UM POUCO DA HISTÓRIA DO NATAL </b></div><div><br></div><div>As duas narrativas que temos sobre o Natal são semelhantes, mas não iguais. Em Mateus, trata-se de cumprir uma profecia de Miquéias sobre a cidade de Belém/Efrata (Miquéias 5.2). Um anjo aparece no sonho de José dizendo que Maria conceberia do Espírito Santo e seu filho deveria ser chamado Jesus e ser conhecido como Emanuel, além de Nazareno. "<i>Uns magos vindos do Oriente</i>" chegam em Jerusalém guiados por uma estrela, e depois rumam para Belém (ao sul), onde encontram o local do nascimento. Os presentes que trazem são ouro, incenso e mirra (esses eram produtos típicos da antiga rota-da-seda, que unia caravanas no curso litoral da China - Índia - Iêmen - Arábia - Palestina e Egito - Turquia - Grécia; quantos eram os magos, não saberemos jamais.</div><div><br></div><div>Em Lucas, o anjo Gabriel aparece ao sacerdote Zacarias para anunciar o nascimento milagroso de seu filho João (o Batista), depois aparece a Maria para anunciar que ela geraria o Filho do Altíssimo. José e Maria seguem de Nazaré para Belém, a fim de participar do Censo de Augusto, imperador Romano. Assim que Jesus nasce, fora da cidade, onde não havia hospedagem, uma multidão de anjos surge aos pastores no campo, convidando-os para ver O Salvador. Não há estrela, nem magos, nem presentes.</div><div><br></div><div>Em 1223, na cidade de Greccio/Itália, o monge Francesco (futuramente São Francisco de Assis) resolve encenar o nascimento de Cristo em praça pública, fazendo uma manjedoura de altar, com um boi e um burro amarrados a uma casinha de madeira e pedras, coberta e forrada com palha. Não havia nenhuma imagem de pessoas. A cena externa e sua pregação sobre um Jesus pobre e desamparado surpreenderam a ponto de ser comentada por muitos escritores e copiada até os dias de hoje.</div><div><br></div><div><b>A DATA NATALINA</b></div><div><br></div><div>O historiador judeu Sextus Julius Africanus (160-240 d.C.) datou a concepção de Jesus (como embrião) em 25/3 (início da Primavera e data em que ele afirmava que o mundo foi criado). Após nove meses no ventre de sua mãe, Jesus nasceria em 25/12. A festa nesse dia foi padronizada em 336 d.C., durante o reinado de Constantino I, quem legalizou o Cristianismo em Roma. Constantino colocou o novo feriado Cristão sobre vários feriados Romanos que coincidiam: (1º) a comemoração do solstício de inverno (no hemisfério norte, 21/12 marca a noite mais longa do ano, quando neva; no hemisfério sul, é o dia mais longo); (2º) era também o aniversário da divindade indo-européia Mitra, associada com a movimentação de todo o Zodíaco (o que hoje chamamos de movimento de precessão da Terra), luz e da lealdade militar; (3º) o Solstício marcava o dia do Solis Invictus, basicamente um culto ao Sol, do qual Constantino I era devoto; (4º) ao feriado se seguia a Saturnalia, festa em honra ao deus Saturno, durante a qual as pessoas festejavam com fantasias, bebiam muito e trocavam presentes).</div><div><br></div><div>Noutras palavras, a data do Natal não tem bases em Jesus propriamente dito, mas apenas se apoveitou de feriados Romano que foram resignificados. Para azar geral, os Evangelhos de Mateus e Lucas não especificam datas. Mas podemos dar um palpite de que 25/12 é o dia errado: considerando o clima da região de Israel, entre novembro e janeiro ocorre uma época bem fria e chuvosa, na qual ninguém (especialmente um casal com uma mulher grávida) seguiria de Nazaré para Belém através dos campos, muito menos receberia visitas de magos viajantes ou de pastores, porque nenhum animal de criação sequer estaria nos campos.</div><div><br></div><div><b>ESTIMANDO O NASCIMENTO DE CRISTO </b></div><div><br></div><div>Os dois relatos bíblicos que temos, se pensarmos que eles de fato contém algo verídico sobre o Natal, por outro lado podem sugerir um momento para o nascimento de Jesus. Mateus cita o evento astronômico da estrela que guiou os magos do Oriente para o Ocidente. Lucas cita o Censo de Augusto, registrado sem ano preciso entre as muitas burocracias Romanas. Ora, o Censo (que não foi um processo rápido, mas um deslocamento de muitas pessoas em muitas regiões a fim de contabilizar uma possível força militar) foi decretado por volta de 8 a.C. e, contabilizando as votações do Senado e sua execução em províncias distantes, deve ter ocorrido em Israel entre 6 e 4 a.C., para encontrar em reinado todas os monarcas citados.</div><div><br></div><div>A pista seguinte é dada pela estrela. Alguns corpos celestes costumam ser bem significativos quanto ao seu brilho. Um deles é Vênus, nosso planeta mais próximo e "estrela" mais brilhante. Vênus é mais próximo do Sol do que a Terra, de forma que, ao anoitecer, ele sempre se mantém no Oeste. Seria uma bússola confiável nos desertos, porém não muito duradoura: Vênus geralmente é visto só até as 20h00. De manhã, Vênus reaparece no lado leste. Outra possibilidade é Júpiter. Trata-se de um astro muito brilhante que, entre 6 e 4 a.C., estava alinhado com a Terra e o Sol, ou seja, aparecendo fortemente durante as noites. Júpiter também se desloca para o Oeste durante a noite, podendo servir de bússola para alguém que fosse nessa direção. Observadores do céu (como eram as nações Persas de então) poderiam ter usado Vênus ou Júpiter como guia para chegar até Belém, mas talvez fosse pouco provável se referirirem a astros "costureiros" como indicativo de algo único em significado.</div><div><br></div><div>Um dos fundadores da astronomia moderna, Johannes Kepler (1571-1630), sugeriu que a Estrela de Belém pudesse ser algo como uma "nova", que é o nome dado a uma estrela explodindo. Nessa situação, pela qual só passam estrelas imensas, uma única delas pode produzir mais luz que toda a galáxia. São eventos raros e muito visíveis: o último foi registrado em 1997. Era uma boa teoria, mas carece de evidências práticas: quando uma estrela explode, ela destrói tudo a seu redor, incluindo outras estrelas, e deixa um imenso anel de poeira, que se expande com o passar dos anos, muitas vezes com um pulsar (o centro da estrela, que permanece emitindo pulsos de rádio). Não há nenhum resquício de nova que pudesse ter ocorrido por volta de 5 a.C. Além disso, os astrônomos Chineses da dinastia Han (206 a.C. - 220 d.C.) eram muito cuidadosos em suas anotações e não deixariam de registrar um novo astro de tal magnitude.</div><div><br></div><div>Isso deixa poucas opções para a tal estrela. Excluindo planetas e uma nova, a opção mais plausível (também pela dificuldade de provas em contrário) é o surgimento de um cometa. São astros às vezes bem notórios, brilhantes e grandes, com uma cauda que sempre aponta na direção do Oeste após o pôr do Sol. Alguns cometas são cíclicos, como o Halley, que se aproxima da Terra a cada 76 anos; outros são errantes e passam uma única vez pelo sistema solar.</div><div><br></div><div><b>COMETA DE BELÉM </b></div><div><br></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
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</div><i>Citação de cometas no livro CHINESE MATHEMATICAL ASTROLOGY, de Ho Peng Yoke, 2003, com observações astronômicas antigas. "Po" é um cometa pequeno, pouco visível. "Sui" é um cometa grande.</i><br></div><div><br></div><div>Os astrônomos Chineses registraram um cometa pequeno em 12 a.C. (que confere com nosso conhecido Halley), um cometa gigantesco em 5 a.C. e outro pequeno em 4 a.C., ano em que Herodes I, rei da Galiléia, morreu. Este último pode ser descartado segundo Mateus, pois Jesus estaria então no Egito. O primeiro também pode ser descartado, pois Jesus não era ainda nascido. Justamente o cometa de 5 a C. corresponde às espectativas, sendo um astro novo e que chamou muito a atenção quando foi visto.</div><div><br></div><div>A datação Chinesa é precisa quanto aos dias: o grande cometa foi visto entre 9/março e 4/maio de 5 a.C., coincidente com a época da Páscoa, quando os pastores dormem nos campos mais quentes para proteger os rebanhos de ovelhas contra o ataque de lobos e chacais. O nascimento de Jesus na primavera é consistente com o relato de Lucas sobre uma visita de pastores em Belém, embora Lucas não mencione estrela alguma. Devido ao deslocamento quilométrico entre as terras persas e Jerusalém, isso colocaria o nascimento de Jesus em algum ponto no final de abril.</div><div><br></div><div>O cometa de 5 a.C., além de imenso, segundo a descrição Chinesa, também apareceu quando 3 planetas davam seu show no céu noturno: Marte, Júpiter e Saturno. Para astrólogos persas, isso certamente indicaria um evento grandioso no Oeste. Curiosamente, Johannes Kepler analisou os movimentos dos planetas e calculou seu alinhamento a cada 805 anos: segundo ele, em 1604, ano da Reforma Protestante; em 799 quando Carlos Magno foi coroado rei de toda Europa; em 7-6 a.C. quando Jesus nasceu; em 812 a.C. quando Isaías fez suas previsões; e em 1617 a.C. na época de Moisés. Ele não errou muito nas datas.</div><div><br></div><div><b>DEPOIS DO NASCIMENTO</b></div><div><br></div><div>Segundo Mateus, Herodes I inquiriu os magos sobre onde e quando deveria nascer o Messias. Logo após o nascimento de Jesus, um anjo apareceu nos sonhos de José e o alertou para fugir ao Egito, onde ficou até a morte de Herodes (4 a.C.). Nesse meio tempo, o rei mandou exterminar todos os meninos com menos de 2 anos. Já Lucas contra uma história diferente: não ocorre extermínio de crianças e aos 8 dias de vida Jesus chega ao Templo de Jerusalém para ser circuncidado. Ele volta com os pais todos os anos para a festa de Páscoa (o que parece ter feito diligentemente até seus últimos dias), até o episódio em que fica no Templo aos 12 anos, "<i>ouvindo e questionando os doutores da fé</i>". Já em Lucas 3.23 Jesus reaparece junto de João Batista, com 30 anos.</div><div><br></div><div>São detalhes bem díspares nos dois Evangelhos, sendo que os demais sequer mencionam uma infância de Jesus. Dada a importância que ambos dedicam para a linhagem de Jesus e o tempo em que compuseram seu trabalho (entre 70 e 100 d.C.), podem ser detalhes inventados ou coletados de forma a simplesmente preencher uma lacuna. Ambos os textos cumprem a função de atribuir ares heróicos ou proféticos para o o jovem Jesus, que caberiam a alguém revelando sua importância após os 30 anos. Mateus inclusive reproduz o extermínio de crianças da época de Moisés, enquanto Lucas associa Jesus com profetas em atividade no Templo, como Simeão e Ana bar Fanuel.</div><div><br></div><div>---------------------------------</div><div><br></div><div><b>Manuscritos de escritores vivos</b></div><div><b><br></b></div><div>Britannica - History and Society. <a href="https://www.britannica.com/story/why-is-christmas-in-december">Why Is Christmas in December?</a></div><div><br></div><div>HUMPHREYS, Colin J. The Star of Bethlehem, A Comet in 5 BC and the Date of Christ’s Birth. Tyndale Bulletin, v. 43, n. 1, p. 31-56, 1992.</div><div><br></div><div>VEIGA, E. <a href="https://www.bbc.com/portuguese/articles/cx8v78dg8r8o">O primeiro presépio montado há 800 anos por Francisco de Assis</a>. BBC News Brasil, 19/12/2023.</div><div><br></div><div>FRANCI, J. <a href="https://www.bbc.com/portuguese/articles/clw8gz4vrqgo?at_link_type=web_link&at_campaign_type=owned&at_medium=social&at_link_id=F3607D66-A36B-11EE-9CA0-B32955826ABF&at_bbc_team=editorial&at_campaign=Social_Flow&at_link_origin=BBC_News_Brasil&at_ptr_name=facebook_page&at_format=link&fbclid=IwAR3xp6TbMf_xZGedmmS_Q4e49iNsoD77oMPXroGGnMeNwaIfzBgo8FdheVM">Quem era o Sol Invicto, deus pagão com festa que Igreja usou para celebrar o Natal</a>. BBC News Brasi, 25/12/2023.</div><div><br></div><div>Observadores de cometas. <a href="http://www.observadores-cometas.com/cometas/Star/Visibility_Star.htm">Some Notes on the Visibility of the 5BC Chinese Star</a>.</div><div><br></div><div>RAYMO C. <a href="https://www.sciencemusings.com/do-you-see-what-i-see/">Do you see what I see?</a> Sciencemusings.com, 24/02/2019</div><div><br></div><div><br></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-82226610227801503662023-11-27T00:27:00.005-04:002023-11-27T08:56:54.782-04:00O Fim está próximo <div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEiPZTjct-Ry80RST92SFhrUTvyw8JNEgpvcYI9q3NvRLrckWvUCRcZAd7_1B3vkBqhlkoAuSzNaz-6fmOb4EBOrqdwonGD00IQflerS8bu3aC-af8keXWzyl15MSiq8OnZtHg_FNQuBqpvy0w3PtYLGujrGUR-b4kduj8GZ4qrye_dJJig0Xf81khj3PmHo" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;">
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</div><i>Dilúvio - quadro feito a pena e nanquim pelo ilustrador francês Gustave Doré (1832 - 1883)</i></div><div><br></div>Seguem 4 textos sobre o Dilúvio para serem lidos, antes de tudo.<div><br></div><div><b>1. DILÚVIO ASSÍRIO (Epopéia de Gilgamesh, Uruk, 2000 a.C.)</b></div><div><br></div><div>...</div><div><br></div><div>Gilgamesh então disse a Utnapishtim, o Longínquo: "Olho para ti, Utnapishtim, e vejo que és igual a mim; não há nada estranho em tuas feições. Pensei que fosse encontrar um herói preparado para a batalha, mas aqui estás, confortavelmente refestelado. Conta-me a verdade, como foi que vieste a te juntar aos deuses e ganhaste a vida eterna?" Utnapishtim disse a Gilgamesh: "Eu te revelarei um mistério; eu te contarei um segredo dos deuses."</div><div><br></div><div>Naqueles dias, a terra fervilhava, os homens multiplicavam-se e o mundo bramia como um touro selvagem. Este tumulto despertou o grande deus (Anu). Enlil (o guerreiro) ouviu o alvoroço e disse aos deuses reunidos em conselho: 'O alvoroço dos humanos é intolerável, e o sono já não é mais possível por causa da balbúrdia.' Os deuses então concordaram em exterminar a raça humana. Foi o que Enlil fez, mas Ea, por causa de sua promessa, me avisou num sonho.</div><div><br></div><div>Ele denunciou a intenção dos deuses sussurrando para minha casa de colmo: 'Casa de colmo, casa de colmo! Parede, oh, parede da casa de colmo, escuta e reflete. Oh, homem de Shurrupak, filho de Ubara-Tutu, põe abaixo tua casa e constrói um barco. Abandona tuas posses e busca tua vida preservar; despreza os bens materiais e busca tua alma salvar. Põe abaixo tua casa, eu te digo, e constrói um barco. Eis as medidas da embarcação que deverás construir: que a boca extrema da nave tenha o mesmo tamanho que seu comprimento, que seu convés seja coberto, tal como a abóbada celeste cobre o abismo; leva então para o barco a semente de todas as criaturas vivas.' </div><div><br></div><div>Quando compreendi, eu disse ao meu Senhor: 'Sereis testemunha de que honrarei e executarei aquilo que me ordenais, mas como explicarei às pessoas, à cidade, aos patriarcas?' Ea então abriu a boca e falou a mim, seu servo: 'Dize-lhes isto: Eu soube que Enlil está furioso comigo e já não ouso mais caminhar por seu território ou viver em sua cidade; partirei em direção ao golfo para morar com o meu Senhor Ea. Mas sobre vós ele fará chover a abundância, a colheita farta, os peixes raros e as ariscas aves selvagens. A noite, o cavaleiro da tempestade vos trará uma torrente de trigo.'</div><div><br></div><div>Ao primeiro brilho da alvorada, toda a minha família se reuniu ao meu redor; as crianças trouxeram o piche e os homens todo o resto necessário. No 5º dia eu aprontei a quilha, montei a ossatura da embarcação e então instalei o tabuado. O barco tinha um acre de área e cada lado do convés media 120 côvados, formando um quadrado. Construí abaixo mais 6 conveses, num total de 7, e dividi cada um em 9 compartimentos, colocando tabiques entre eles. Finquei cunhas onde elas eram necessárias, providenciei as zingas e armazenei suprimentos. Os carregadores trouxeram o óleo em cestas. Eu joguei piche, asfalto e óleo na fornalha. Mais óleo foi consumido na calafetagem, e mais ainda foi guardado no depósito pelo capitão da nave. Eu abati novilhos para a minha família e matava diariamente uma ovelha. Dei vinho aos carpinteiros do barco como se fosse água do rio, vinho verde, vinho tinto, vinho branco e óleo. Fez-se então um banquete como os que são preparados à época dos festejos do ano-novo; eu mesmo ungi minha cabeça. No 7º dia, o barco ficou pronto.</div><div><br></div><div>Foi com muita dificuldade então que a embarcação foi lançada à água; o lastro do barco foi deslocado para cima e para baixo até a submersão de 2/3 de seu corpo. Eu carreguei o interior da nave com tudo o que eu tinha de ouro e de coisas vivas: minha família, meus parentes, os animais do campo - os domesticados e os selvagens - e todos os artesãos. Eu os coloquei a bordo, pois o prazo dado por Shamash (o Sol) já havia se esgotado; e ele disse: 'Esta noite, quando o cavaleiro da tempestade enviar a chuva destruidora, entra no barco e te fecha lá dentro.'</div><div><br></div><div>Era chegada a hora. Caiu a noite e o cavaleiro da tempestade mandou a chuva. Tudo estava pronto, a vedação e a calafetagem; eu então passei o timão para Puzur-Amurri, o timoneiro, deixando todo o barco e a navegação sob seus cuidados. Ao primeiro brilho da alvorada chegou do horizonte uma nuvem negra, que era conduzida por Adad, o Senhor da tempestade. Os trovões retumbavam de seu interior, e, na frente, por sobre as colinas e planícies, avançavam Shul-lat e Hanish, os arautos da tempestade. Surgiram então os deuses do abismo; Nergal destruiu as barragens que represavam as águas do inferno; Ninurta, o deus da guerra, pôs abaixo os diques; e os 7 juizes do outro mundo, os Anunnaki, elevaram suas tochas, iluminando a terra com suas chamas lívidas. Um estupor de desespero subiu ao céu quando o deus da tempestade transformou o dia em noite, quando ele destruiu a terra como se despedaça um cálice. Por um dia inteiro o temporal grassou devastadoramente, acumulando fúria à medida que avançava e desabando torrencialmente sobre as pessoas como os fluxos e refluxos de uma batalha; um homem não conseguia ver seu irmão, nem podiam os povos serem vistos do céu. Até mesmo os deuses ficaram horrorizados com o dilúvio; eles fugiram para a parte mais alta do céu, o firmamento de Anu, onde se agacharam contra os muros e ficaram encolhidos como covardes.</div><div><br></div><div>Foi então que Ishtar, a Rainha do Céu, de voz doce e suave, gritou como se estivesse em trabalho de parto: 'Ai de mim! Os dias de outrora estão virando pó, pois ordenei que se fizesse o mal; por que fui exigir esta maldade no conselho dos deuses? Eu impus as guerras para a destruição dos povos, mas acaso estes povos não pertencem a mim, pois fui eu quem os criou? Agora eles flutuam no oceano como ovas de peixe.' Os grandes deuses do céu e do inferno verteram lágrimas e se calaram.</div><div><br></div><div>Por 6 dias e 6 noites os ventos sopraram; enxurradas, inundações e torrentes assolaram o mundo; a tempestade e o dilúvio explodiam em fúria como dois exércitos em guerra. Na alvorada do 7º dia o temporal vindo do sul amainou; os mares se acalmaram, o dilúvio serenou. Eu olhei a face do mundo e o silêncio imperava; toda a humanidade havia virado argila. A superfície do mar se estendia plana como um telhado. Eu abri uma janelinha e a luz bateu em meu rosto. Eu então me curvei, sentei e chorei. As lágrimas rolavam pois estávamos cercados por uma imensidade de água. Procurei em vão por um pedaço de terra. A quatorze léguas de distância, porém, surgiu uma montanha, e ali o barco encalhou.</div><div><br></div><div>Na montanha de Nisir o barco ficou preso; ficou preso e não mais se moveu. No 1º dia ele ficou preso; no 2º dia ficou preso em Nisir e não mais se moveu. Um 3º e um 4º dia ele ficou preso na montanha e não se moveu. Um 5º e um 6º dia ele ficou preso na montanha. Na alvorada do 7º dia eu soltei uma pomba e deixei que se fosse. Ela voou para longe, mas, não encontrando um lugar para pousar, retornou. Então soltei uma andorinha, que voou para longe; mas, não encontrando um lugar para pousar, retornou. Então soltei um corvo. A ave viu que as águas haviam abaixado; ela comeu, voou de um lado para o outro, grasnou e não mais voltou para o barco. Eu então abri todas as portas e janelas, expondo a nave aos quatro ventos.</div><div><br></div><div>Preparei um sacrifício e derramei vinho sobre o topo da montanha em oferenda aos deuses. Coloquei quatorze caldeirões sobre seus suportes e juntei madeira, bambu, cedro e murta. Quando os deuses sentiram o doce cheiro que dali emanava, eles se juntaram como moscas sobre o sacrifício. Finalmente, então, Ishtar também apareceu; ela suspendeu seu colar com as jóias do céu, feito por Anu para lhe agradar. 'Oh, vós, deuses aqui presentes, pelo lápis-lazúli que circunda meu pescoço, eu me lembrarei destes dias como me lembro das jóias em minha garganta; não me esquecerei destes últimos dias. Que todos os deuses se reúnam em torno do sacrifício; todos, menos Enlil. Ele não se aproximará desta oferenda, pois sem refletir trouxe o dilúvio; ele entregou meu povo à destruição.'</div><div><br></div><div>Quando Enlil chegou e viu o barco, ele ficou furioso. Enlil se encheu de cólera contra o exército de deuses do céu. 'Alguns destes mortais escaparam? Ninguém deveria ter sobrevivido à destruição.' Então Ninurta, o deus das nascentes e dos canais, abriu a boca e disse ao guerreiro Enlil: 'E que deus pode tramar sem o consentimento de Ea? Somente Ea conhece todas as coisas.' Então Ea abriu a boca e falou para o guerreiro Enlil: 'Herói Enlil, o mais sábio dos deuses, como pudeste tão insensatamente provocar este dilúvio?</div><div><br></div><div>Inflige ao pecador o seu pecado, </div><div>Inflige ao transgressor a sua transgressão, </div><div>Pune-o levemente quando ele escapar, </div><div>Não exageres no castigo ou ele sucumbirá; </div><div>Antes um leão houvesse devastado a raça humana </div><div>Em vez do dilúvio, </div><div>Antes um lobo houvesse devastado a raça humana </div><div>Em vez do dilúvio, </div><div>Antes a fome houvesse assolado o mundo </div><div>Em vez do dilúvio. </div><div>Antes a peste houvesse assolado o mundo </div><div>Em vez do dilúvio.</div><div><br></div><div>Não fui eu quem revelou o segredo dos deuses; o sábio soube dele através de um sonho. Agora reuni-vos em conselho e decidi sobre o que fazer com ele.'</div><div><br></div><div>Enlil então subiu no barco, pegou a mim e a minha mulher pela mão e nos fez entrar no barco e ajoelhar, um de cada lado, com ele no meio. E tocou nossas testas para abençoar-nos, dizendo: 'No passado, Utnapishtim era um homem mortal; doravante ele e sua mulher viverão longe, na foz dos rios.' Foi assim que os deuses me pegaram e me colocaram aqui para viver longe, na foz dos rios.</div><div><br></div><div>------------</div><div><br></div><div><b>2. DILÚVIO GREGO (Mitos reunidos por Thomas Bulfinch, séc. 6 a.C.)</b></div><div><br></div><div>...</div><div>A mais dura e a pior das idades foi a de Ferro. Uma torrente de crimes eclodiu; a modéstia, a verdade e a honra desapareceram. Em seu lugar vieram a fraude, a dissimulação, a violência e a ambição sem limites.</div><div><br></div><div>Então os marinheiros ergueram suas velas aos ventos, e as árvores foram tiradas das montanhas para servir de quilhas aos navios, que arranharam a face do oceano. A terra, que até agora tinha sido cultivada coletivamente, começou a ser dividida em propriedades. Os homens, não satisfeitos com aquilo que a superfície produzia, resolveram rasgar as entranhas da terra para tirar de lá os minérios e metais. O ferro nocivo e o ainda mais nocivo ouro foram produzidos.</div><div><br></div><div>Estouraram as guerras utilizando-se de ambos como armas; o hóspede já não se sentia seguro na casa de seu amigo; e os genros e sogros, irmãos e irmãs, maridos e esposas não podiam mais confiar uns nos outros. Filhos desejavam que seus pais estivessem mortos, de modo que pudessem receber a herança; o amor familiar caiu prostrado. A terra estava molhada pelo sangue dos massacres, e os deuses a abandonaram, um por um, até restar apenas Astreia (Inocência), que finalmente partiu também.</div><div><br></div><div>Ao ver esse estado de coisas, Júpiter ardeu em fúria. Reuniu os deuses em conselho. Atendendo ao chamado, eles tomaram a estrada para o palácio no céu. A estrada, que qualquer um pode enxergar em noite clara, se estende através da face do céu, e é chamada de Via Láctea. Às margens da estrada erguem-se palácios de deuses ilustres; a plebe celestial vive à parte, de ambos os lados da estrada.</div><div><br></div><div>Júpiter dirigiu-se à assembleia, relatando as condições assombrosas das coisas na terra, e terminou revelando suas intenções de exterminar todos os seus habitantes e de criar uma nova raça diferente da primeira, uma raça que seria mais digna de viver e mais devota aos deuses. Assim dizendo, tomou um raio nas mãos e já estava prestes a lançá-lo para destruir o mundo pelo fogo, mas, lembrando-se do perigo que tal conflagração poderia representar caso o próprio céu se incendiasse, mudou os seus planos e resolveu inundar o planeta.</div><div><br></div><div>O vento norte que espalha as nuvens foi seguro; o vento sul foi enviado, e logo cobriu a superfície do céu com um manto de negra escuridão. As nuvens, carregadas em bloco, ressoaram com grande estrondo; chuvas torrenciais caíram; as plantações foram arrasadas; o trabalho de um ano do agricultor pereceu em uma hora.</div><div><br></div><div>Júpiter, não satisfeito com suas próprias águas, chamou o seu irmão Netuno para ajudá-lo. Este deixou que os rios se derramassem sobre a terra. Ao mesmo tempo, a sacudiu com um terremoto, e trouxe para os litorais o refluxo dos oceanos. Rebanhos, homens e casas foram varridos, e os templos com seus objetos sagrados foram profanados. Se algum edifício permaneceu de pé, foi encoberto pelas águas e suas torres se encontram ocultas sob as ondas. Agora tudo se tornou mar, mar sem litoral.</div><div><br></div><div>Aqui e ali alguns indivíduos sobreviveram sobre o topo das montanhas, e alguns outros em barcos, puxando remos onde costumavam puxar o arado. Os peixes agora nadavam entre as copas das árvores; as âncora presas em um jardim. No lugar em que os graciosos carneirinhos brincavam, as focas desajeitadas fazem malabarismos. O lobo nadava entre as ovelhas, os leões amarelos e os tigres se debatiam na água. A força do javali não mais lhe servia, nem a ligeireza do cervo. Com as asas exaustas, os pássaros caiam dentro da água, sem encontrar terra em que pudessem descansar. Os seres vivos que a água poupara caíram em decorrência da fome.</div><div><br></div><div>De todas as montanhas, apenas o Parnaso ultrapassava a altura das ondas; e ali Deucalião e sua esposa Pirra, da raça de Prometeu, encontraram refúgio - ele, um homem justo, e ela, uma fiel adoradora dos deuses. Júpiter, quando viu que ninguém havia sobrevivido além desse casal e recordando-se da inofensiva vida deles e de sua conduta piedosa, ordenou aos ventos do norte que levassem as nuvens para longe e revelassem os céus para a terra e a terra para os céus. Igualmente Netuno deu ordens a Tritão que soasse a sua concha, provocando o recuo das águas. As águas obedeceram, e o mar voltou aos seus limites, e os rios retornaram aos seus leitos.</div><div><br></div><div>Então Deucalião assim dirigiu-se a Pirra: “Ó esposa, única mulher sobrevivente, unida a mim primeiro pelos laços de parentesco e do casamento, e agora pela experiência de um perigo comum, tivéssemos nós o poder de nosso ancestral, Prometeu, e renovaríamos a raça tal como ele fez a princípio! Mas, como não podemos, vamos àquele templo consultar os deuses sobre o que nos resta a fazer”.</div><div><br></div><div>Eles entraram no templo, deformado que estava, cheio de lodo, e se aproximaram do altar, no qual não ardia fogo algum. Ali caíram prostrados em terra e rogaram à deusa que lhes informasse o modo de reaver sua miserável vida. O oráculo respondeu: “Deixai o templo com a vossa cabeça coberta por um véu e com as vestes abertas, e lançai para trás de vós os ossos de vossa mãe”. Eles ouviram essas palavras com assombro. Pirra quebrou o silêncio: “Não podemos obedecer; não ousamos profanar os restos de nossos pais”. Eles procuraram um lugar seguro na floresta e ali refletiram sobre o que lhes dissera o oráculo.</div><div><br></div><div>Mais tarde, Deucalião disse: “Ou a minha sagacidade me engana, ou devemos obedecer à ordem sem receio. A terra é a grande mãe de todos; as pedras são seus ossos; são essas que devemos lançar para trás; penso que esse é o significado do que nos disse o oráculo. Pelo menos não haverá dano em tentá-lo”. Eles colocaram o véu sobre as faces, abriram as vestes, apanharam pedras e as jogaram atrás de si. As pedras (maravilhosamente) tornaram-se macias e assumiram formas, que, em diferentes graus, se assemelhavam à silhueta humana, como obras inacabadas nas mãos de um escultor. A umidade e o lodo, que estavam próximos, tornaram-se carne; as pedras tornaram-se ossos; os veios tornaram-se veias, mudando o seu uso e mantendo o nome semelhante. As pedras lançadas pelo homem deram origem a homens, e aquelas lançadas pela mulher tornaram-se mulheres. Era uma raça robusta, bem adaptada ao trabalho, tal como somos nós hoje, fato que denuncia claramente a nossa origem.</div><div><br></div><div>------------</div><div><br></div><div><b>3. DILÚVIO JUDEU (Bíblia, Gênesis 6.1 a 8.22, séc. 6 a.C.)</b></div><div><br></div><div>E aconteceu que, como os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas, viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram.</div><div><br></div><div>Então disse o Senhor: Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem; porque ele também é carne; porém os seus dias serão cento e vinte anos. Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama.</div><div><br></div><div>E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente. Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração. E disse o Senhor: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito.</div><div><br></div><div>Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor. Estas são as gerações de Noé. Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus. E gerou Noé três filhos: Sem, Cam e Jafé.</div><div><br></div><div>A terra, porém, estava corrompida diante da face de Deus; e encheu-se a terra de violência. E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra.</div><div><br></div><div>Então disse Deus a Noé: O fim de toda a carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra. Faze para ti uma arca da madeira de gofer; farás compartimentos na arca e a betumarás por dentro e por fora com betume. E desta maneira a farás: De trezentos côvados o comprimento da arca, e de cinqüenta côvados a sua largura, e de trinta côvados a sua altura. Farás na arca uma janela, e de um côvado a acabarás em cima; e a porta da arca porás ao seu lado; far-lhe-ás andares, baixo, segundo e terceiro.</div><div><br></div><div>Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará.</div><div><br></div><div>Mas contigo estabelecerei a minha aliança; e entrarás na arca, tu e os teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo. E de tudo o que vive, de toda a carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca, para os conservar vivos contigo; macho e fêmea serão. Das aves conforme a sua espécie, e dos animais conforme a sua espécie, de todo o réptil da terra conforme a sua espécie, dois de cada espécie virão a ti, para os conservar em vida. E leva contigo de toda a comida que se come e ajunta-a para ti; e te será para mantimento, a ti e a eles. Assim fez Noé; conforme a tudo o que Deus lhe mandou, assim o fez.</div><div><br></div><div>Depois disse o Senhor a Noé: Entra tu e toda a tua casa na arca, porque tenho visto que és justo diante de mim nesta geração. De todos os animais limpos tomarás para ti 7 e 7, o macho e sua fêmea; mas dos animais que não são limpos, dois, o macho e sua fêmea. Também das aves dos céus 7 e 7, macho e fêmea, para conservar em vida sua espécie sobre a face de toda a terra.</div><div><br></div><div>Porque, passados ainda sete dias, farei chover sobre a terra 40 dias e 40 noites; e desfarei de sobre a face da terra toda a substância que fiz.</div><div><br></div><div>E fez Noé conforme a tudo o que o Senhor lhe ordenara. E era Noé da idade de 600 anos, quando o dilúvio das águas veio sobre a terra. Noé entrou na arca, e com ele seus filhos, sua mulher e as mulheres de seus filhos, por causa das águas do dilúvio.</div><div><br></div><div>Dos animais limpos e dos animais que não são limpos, e das aves, e de todo o réptil sobre a terra, entraram de 2 em 2 para junto de Noé na arca, macho e fêmea, como Deus ordenara a Noé. E aconteceu que passados 7 dias, vieram sobre a terra as águas do dilúvio.</div><div><br></div><div>No ano 600 da vida de Noé, no mês 2º, aos 17 dias do mês, naquele mesmo dia se romperam todas as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus se abriram, e houve chuva sobre a terra 40 dias e 40 noites. E no mesmo dia entraram na arca Noé, seus filhos Sem, Cam e Jafé, sua mulher e as mulheres de seus filhos. Eles, e todo o animal conforme a sua espécie, e todo o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil que se arrasta sobre a terra conforme a sua espécie, e toda a ave conforme a sua espécie, pássaros de toda qualidade. E de toda a carne, em que havia espírito de vida, entraram de dois em dois para junto de Noé na arca. E os que entraram eram macho e fêmea de toda a carne, como Deus lhe tinha ordenado; e o Senhor o fechou dentro.</div><div><br></div><div>E durou o dilúvio 40 dias sobre a terra, e cresceram as águas e levantaram a arca, e ela se elevou sobre a terra. E prevaleceram as águas e cresceram grandemente sobre a terra; e a arca andava sobre as águas. E as águas prevaleceram excessivamente sobre a terra; e todos os altos montes que havia debaixo de todo o céu, foram cobertos. Quinze côvados acima prevaleceram as águas; e os montes foram cobertos. E expirou toda a carne que se movia sobre a terra, tanto de ave como de gado e de feras, e de todo o réptil que se arrasta sobre a terra, e todo o homem. Tudo o que tinha fôlego de espírito de vida em suas narinas, tudo o que havia em terra seca, morreu.</div><div><br></div><div>Assim foi destruído todo o ser vivente que havia sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; e foram extintos da terra; e ficou somente Noé, e os que com ele estavam na arca. E prevaleceram as águas sobre a terra 150 dias.</div><div><br></div><div>E lembrou-se Deus de Noé, e de todos os seres viventes, e de todo o gado que estavam com ele na arca; e Deus fez passar um vento sobre a terra, e aquietaram-se as águas. Cerraram-se também as fontes do abismo e as janelas dos céus, e a chuva dos céus deteve-se. E as águas iam-se escoando continuamente de sobre a terra, e ao fim de 150 dias minguaram. E a arca repousou no 7º mês, no dia 17 do mês, sobre os montes de Ararate.</div><div><br></div><div>E foram as águas indo e minguando até ao 10º mês; no 10º mês, no 1º dia do mês, apareceram os cumes dos montes. E aconteceu que ao cabo de 40 dias, abriu Noé a janela da arca que tinha feito. E soltou um corvo, que saiu, indo e voltando, até que as águas se secaram de sobre a terra. Depois soltou uma pomba, para ver se as águas tinham minguado de sobre a face da terra. A pomba, porém, não achou repouso para a planta do seu pé, e voltou a ele para a arca; porque as águas estavam sobre a face de toda a terra; e ele estendeu a sua mão, e tomou-a, e recolheu-a consigo na arca. E esperou ainda outros 7 dias, e tornou a enviar a pomba fora da arca. E a pomba voltou a ele à tarde; e eis, arrancada, uma folha de oliveira no seu bico; e conheceu Noé que as águas tinham minguado de sobre a terra. Então esperou ainda outros sete dias, e enviou fora a pomba; mas não tornou mais a ele.</div><div><br></div><div>E aconteceu que no ano 601, no 1º mês, no 1º dia do mês, as águas se secaram de sobre a terra. Então Noé tirou a cobertura da arca, e olhou, e eis que a face da terra estava enxuta. E no 2º mês, aos 27 dias do mês, a terra estava seca. Então falou Deus a Noé dizendo: Sai da arca, tu com tua mulher, e teus filhos e as mulheres de teus filhos. Todo o animal que está contigo, de toda a carne, de ave, e de gado, e de todo o réptil que se arrasta sobre a terra, traze fora contigo; e povoem abundantemente a terra e frutifiquem, e se multipliquem sobre a terra. Então saiu Noé, e seus filhos, e sua mulher, e as mulheres de seus filhos com ele. Todo o animal, todo o réptil, e toda a ave, e tudo o que se move sobre a terra, conforme as suas famílias, saiu para fora da arca.</div><div><br></div><div>E edificou Noé um altar ao Senhor; e tomou de todo o animal limpo e de toda a ave limpa, e ofereceu holocausto sobre o altar. E o Senhor sentiu o suave cheiro, e o Senhor disse em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, nem tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz. Enquanto a terra durar, semeadura e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão.</div><div><br></div><div>------------</div><div><br></div><div><b>4. DILÚVIO ISLÂMICO (Alcorão, 11ª Surata 25-49, Hüd, séc. 7 d.C.)</b></div><div><br></div><div>Enviamos Noé ao seu povo: “Eu sou para vocês um admoestador claro. Vocês não adorarão ninguém além de Deus. Senão, temo por vocês a agonia de um dia doloroso.” Os notáveis que descreram entre seu povo disseram: “Não vemos em você nada além de um homem como nós, e vemos que apenas os piores entre nós o seguiram, aqueles de julgamento imaturo. E vemos que você não tem vantagem sobre nós. Na verdade, achamos que você é mentiroso.”</div><div><br></div><div>...</div><div><br></div><div>Eles disseram: “Ó Noé, você discutiu conosco e discutiu muito. Agora traga sobre nós aquilo com que você nos ameaça, se for sincero". Ele disse: “É Deus quem fará isso sobre vocês, se Ele quiser, e vocês não poderão escapar”.</div><div><br></div><div>...</div><div><br></div><div>E foi revelado a Noé: “Ninguém do seu povo acreditará, exceto aqueles que já acreditaram, então não se preocupe com o que eles fazem. Construa a Arca, sob Nossos olhos e com Nossa inspiração, e não se dirija a Mim a respeito daqueles que fizeram o mal; eles serão afogados.”</div><div><br></div><div>Enquanto Noé construía a arca, sempre que alguns do seu povo passavam por ele, zombavam dele. Ele disse: “Se vocês nos ridicularizarem, nós ridicularizaremos vocês, assim como vocês nos ridicularizam. Vocês certamente saberão sobre quem virá um tormento que o humilhará e sobre quem cairá um tormento duradouro.”</div><div><br></div><div>Até que, quando chegou Nossa ordem, e as fontes da Terra jorraram, dissemos: “Embarque um par de cada tipo, e sua família – exceto aqueles contra quem a sentença já foi proferida – e aqueles que acreditaram”. Mas aqueles que acreditaram com Noé foram poucos. Ele disse: “Embarque. Em nome de Deus será a sua navegação e o seu ancoradouro. Seu Senhor é realmente Indulgente e Misericordioso.”</div><div><br></div><div>Assim navegou com eles em meio a ondas como colinas. E Noé chamou seu filho, que havia se afastado: “Ó meu filho! Embarque conosco e não fique com os descrentes.” Ele disse: “Vou me refugiar em uma montanha – ela me protegerá das águas”. Noé disse: “Não há proteção contra o decreto de Deus hoje, exceto para aquele de quem Ele tem misericórdia”. E as ondas surgiram entre eles, e ele estava entre os afogados.</div><div><br></div><div>E foi dito: “Ó terra, engula suas águas” e “Ó céu, limpe”. E as águas baixaram, e o evento foi concluído, e caiu sobre os Judeus, e foi proclamado: “Fora com as pessoas más”. Noé chamou seu Senhor, dizendo “Ó meu Senhor, meu filho é da minha família, e Tua promessa é verdadeira, e Tu és o mais sábio dos sábios”.</div><div><br></div><div>Ele disse: “Ó Noé, ele não é da sua família. É uma ação injusta. Portanto, não Me pergunte sobre algo sobre o qual você nada sabe. Eu o advirto, para que você não seja um dos ignorantes.” Noé disse: “Ó meu Senhor, busco refúgio em Ti, para te perguntar sobre coisas que não tenho conhecimento. A menos que você me perdoe e tenha misericórdia de mim, serei um dos perdedores.”</div><div><br></div><div>Foi dito: “Ó Noé, desembarca com a Nossa paz, com bênçãos sobre você e sobre as comunidades daqueles que estão com você. E a outras comunidades concederemos prosperidade, e então um doloroso tormento nosso cairá sobre elas.”* Estas são algumas histórias do passado que lhe revelamos. Nem você nem seu povo os conheciam antes disso. Então seja paciente. O futuro pertence aos piedosos.</div><div><br></div><div>-----------</div><div><br></div><div>O mistério da própria criação sempre foi tema da mitologia dos povos. Aqui, apresento 4 textos antigos sobre a Gênese do mundo que podemos comparar: um da antiga Assíria (2000 a.C.), um da mitologia Judaica (600 a.C.), outra da Grega (600 a.C.), e um texto Islâmico (700 d.C.). Essas datas, obviamente aproximadas, são referências da última versão oral ou fragmentos que deu origem ao texto escrito que nos chegou. Possivelmente são mais antigas, e talvez descendentes uma da outra. Mas é exatamente sobre isso que desejo falar.</div><div><br></div><div>O evento narrado é o mesmo: o Dilúvio, uma inundação universal que destruiu todos os homens e animais, com exceção de um seleto grupo favorito do(s) deus(es), e do qual todos na atualidade do texto seriam então descendentes. Trata-se de algo mitológico - uma estória que fornece explicações - até onde sabemos. A Terra guarda registros de inundações, secas, extinções em massa, habitações humanas. Assim como a Jericó fortificada não existia mais nos tempos em que os Hebreus chegaram na Palestina, também não há evidências de uma grande inundação quando os homens já eram capazes de fazer embarcações. Apesar disso, entre tantos mitos de cada povo e época, o relato do Dilúvio aparece preservado entre culturas muito diferentes, enquanto centenas de outros mitos não foram compartilhados. Mas o que esse relato explica? Porque justamente ele se manteve?</div><div><br></div><div>Alguns apontamentos merecem ser feitos. Primeiro, todos os textos falam sobre a divindade extinguir os humanos que Lhe irritavam, por motivos vários. No texto Assírio, o era o barulho que não deixava os deuses dormirem; no Judeu, a terra estava corrompida pela maldade e violência; o mesmo motivo aparece no texto Grego; no texto Islâmico, era a descrença no Deus único. Uma vez que a motivação de divindades só pode ser inferida, e geralmente isso é feito de modo a produzir alguma advertência no presente, vemos que cada povo tinha seus ideais. Os Assírios queriam silêncio, os Judeus e Gregos queriam paz, os Muçulmanos queriam monoteísmo. A ameaça de uma catástrofe costuma ser útil para obter comportamentos. E o conto sobre uma catástrofe punitiva costuma desestimular que as pessoas busquem no seu passado a justificativa para seus atos.</div><div><br></div><div>Cada um dos textos também revela detalhes ao leitor sobre a mecânica do mundo, e assim conquista seu interesse. No Assírio, sabemos que os deuses dormem, brigam entre si, podem sentir raiva, medo e tristeza, que alguns controlam grandes reservatórios de água. No texto Judeu, sabemos da ira e do arrependimento de YHWH, assim como seu controle sobre as chuvas e os ventos. Na versão Grega, sabemos da ira e as preocupações de Júpiter, assim como seu parentesco com Netuno e o controle dos raios e águas. No texto Muçulmano, vemos um testemunho do poder de Allah, preocupado com o destino de cada fiel. Esse ensino teológico está contido nas obras maiores onde o conto sobre o Dilúvio foi incrustado para preservar, pela expansão de situações, o pensamento sobre onde perceber a divindade. Nomeando cada personagem e seus poderes, os textos dão ao leitor uma ferramenta para dialogar com quem controla o mundo. Nós não desejaríamos algo assim?</div><div><br></div><div>A divindade escolheu o afogamento coletivo como meio para purificar Seu povo. Esse é um ponto comum dos textos - a destruição do mundo pela água. Certamente algo familiar a qualquer povoamento que já tenha passado pela inundação incontrolável das chuvas, dos rios ou do mar. Mas porque não outro meio, como a simples morte de todos, ataque de um povo conquistador, pragas, terremotos ou incêndio? O Antigo Testamento apresenta destruições de nações por todas essas formas. Mas, aqui, era essencial salvar uma testemunha ocular. A água parece mais adequada, então. Essa intenção se torna clara quando vemos que, a despeito do plano de destruir tudo, alguém foi detalhadamente instruído sobre a data do desastre e o modo de escapar (com exceção da versão Grega). No texto Assírio, um dos deuses instrui Utnapishtim (futuro imortal) sobre como fazer um grande barco; esse mesmo meio aparece no texto Judeu, com Noé. Igualmente, a divindade dita medidas e instruções precisas. No texto Muçulmano, o personagem também é Noé, um profeta a quem Allah fala, mas não há esse detalhamento. No texto Grego não há barco, mas simplesmente uma grande montanha, o Parnaso, onde morava Deucalião. Outro detalhe: apenas nos textos Assírio e Judeu (povos mais agro-pastoris) há o comando para salvar animais, indicando uma catástrofe universal.</div><div><br></div><div>Foram salvos aqueles mais bem-quistos da divindade. Utnapishtin tinha uma promessa do deus Ea, que o comanda a enganar a população. Não sabemos de onde veio essa promessa. Noé andava com Deus, era justo e perfeito no que fazia (texto Judeu), um "admoestador claro" (texto Muçulmano). Deucalião era da raça de Prometeu, justo e fiel aos deuses do Olimpo (texto Grego). Esses personagens exemplares são o cerne do texto, aqueles em quem o leitor deve se espelhar para não sofrer o castigo divino. E dos quais ele descende - pois todos os outros morreram. Na verdade, o texto Grego aponta que, aqui e ali, alguns outros se salvaram. Assombrosamente, os próprios Gregos seriam filhos das pedras - não deste nobre Deucalião. No texto Muçulmano, mesmo um filho de Noé é tragado pelas ondas, no momento em que creditou a si mesmo a capacidade para escapar.</div><div><br></div><div>Após o Dilúvio, é refeito o pacto entre homens e a divindade. Utnapishtin oferece um sacrifício atraente, os deuses Assírios discutem entre si e Enlil se desculpa abençoando os sobreviventes. Noé também oferece um sacrifício e JHWH diz que não tornará a destruir o mundo. Na versão Muçulmana, Allah abençoa Noé e sugere que nem todos morreram (11.48, marcado com *). No texto Grego, o oráculo de um templo enlameado fala a Deucalião, sinal de seu bem-querer no Olimpo. Esse pacto refeito é o sinal de que há esperança para os viventes que ouvem o texto. Eles são filhos de um homem de fé preservado e de um acordo refeito após o fim de todos os desobedientes. Poderia haver situação que melhor combinasse estímulo e ameaça?</div><div><br></div><div>É nesse sentido que o mito trabalha - moldando seu leitor. Esse mito, que ultrapassou a fronteira entre as culturas, hoje faz haver pessoas assegurando ter encontrado os restos da Arca, em montanhas diferentes pelo mundo. Ele se mostrou amplamente útil ao ensino. Não podemos dizer que todas as versões sejam exatamente parentes: duas versões são politeístas e duas são monoteístas; enquanto uma versão se preocupa em listar descendentes para assegurar a posse de terras no mundo pós-Dilúvio, outra versão nem mesmo nomeia as pessoas salvas; os nomes dos deuses e personagens nas estórias são radicalmente distintos; muitos outros mitos postos nos mesmos livros não foram copiados. Mas o valor do Dilúvio, talvez transmitido como poema ou canção (essa dissonância do contexto fica clara nos textos Assírio e Grego) o colocou como escolhido para ser lembrado, pois diz ao homem atual que ele descende de um servo amado e que todos os não-servos foram afogados (por motivos variados, é verdade). Portanto, que tome cuidado!</div><div><br></div><div>As versões Assíria (onde Utnapishtin de fato se torna imortal) e Judaica vão além, dizendo que todos os animais PERTENCEM ao mesmo povo, pois foram salvos junto com o preferido dos deuses. A versão Grega não é tão exigente; a versão Muçulmana, permeada de outros discursos entre Allah e o Profeta, somente se preocupa com Noé. </div><div><br></div><div>Seria errado dizer que cada povo adaptou o Dilúvio ao seu mundo, com grandes montanhas ou sem elas. Na verdade, parece que cada um fez o seu próprio Dilúvio, com os antecedentes, salvos e pactos que servissem ao propósito educativo do seu próprio mito. Talvez algo tenha vindo de uma versão mais antiga, e muitas partes sejam novas. Mas, uma vez que a estória foi usada, ela moldou pessoas. Os Assírios souberam que um imortal, testemunha dos deuses, habitava a foz dos rios - para o herói Gilgamesh, ele testemunhou que apenas os deuses podiam conceder a imortalidade. Para os Judeus, Noé findou a época dos patriarcas que se dizia viverem milênios ou séculos. Seus filhos também inauguraram 3 raças a colonizar o mundo agora desabitado: Sem deu origem ao povo de Canaã (Semitas), Cam gerou os africanos e Jafé os Persas. Para os Gregos, Deucalião e suas pedras fizeram um povo vigoroso. Para os Muçulmanos, Noé foi um dos muitos que precederam Muhammad em anunciar um Deus único e poderosíssimo. Esse mito também fez alguns mais silenciosos, outros mais tementes aos deuses, ou ao Deus único, e deu a outros uma explicação de porque são fortes. De modos diferentes, o Dilúvio fez a todos que ouviram sobre ele serem mais entrosados com seu mundo espiritual, dentro do medo de que o desastre voltasse a acontecer, cada vez que uma tempestade se formava.</div><div><br></div><div>-------------</div><div><b>O QUE LER NUM BARCO CHEIO DE ANIMAIS</b></div><div><br></div><div><a href="https://drive.google.com/file/d/1D6x-2YHv76ge1IK8zyKiqZbFQLZs-DxD/view?usp=drives">Alcorão</a></div><div><br></div><div><a href="https://docs.google.com/file/d/0BzmFjUvvXnn0VDhxOFRkQ0lUTFU/edit?usp=sharing">A epopéia de Gilgamesh</a>, Ed. Martins Fontes.</div><div><br></div><div>Bulfinch, Thomas. <a href="https://drive.google.com/file/d/1f0_4zRClI2FkykG3oxH3WZVh4TJCOnsh/view?usp=drivesdk">O livro da Mitologia</a>: a idade da fábula - São Paulo: Martin Claret, 2020.</div><div><br></div><div><br></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-29387193742022210982023-11-11T15:26:00.005-04:002023-11-12T18:58:44.546-04:00Em tempos de guerra<div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgE-TzFLtS3S-5UBvaoumBWx8O5pcU1Xhpfdgt1hlQG0YQLaG30Yi1GnDNV6YYBcP14nzw0D1OyolSKXdsWNc7ml0Vz8NnFpvUkqRT8BSuQu3yyVezGqPgmJ5QBWcSuahzOikJb9YWvBTiYF4Hgl-ou-mcFdVrvNhR-j9eDCsOf8kCkD6su_8tYgopgoqk2" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;">
<img border="0" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgE-TzFLtS3S-5UBvaoumBWx8O5pcU1Xhpfdgt1hlQG0YQLaG30Yi1GnDNV6YYBcP14nzw0D1OyolSKXdsWNc7ml0Vz8NnFpvUkqRT8BSuQu3yyVezGqPgmJ5QBWcSuahzOikJb9YWvBTiYF4Hgl-ou-mcFdVrvNhR-j9eDCsOf8kCkD6su_8tYgopgoqk2=w640-h360" width="640">
</a>
</div><div style="text-align: center;">São Porfírio, 20/10/2023</div></div><div><br></div><div><p dir="ltr" id="docs-internal-guid-4ed51c31-7fff-5866-69d0-507c328caa88" style="text-align: justify;">Chegamos em 31 de outubro de 2023 com várias situações trágicas pelo mundo. Afora desastres naturais como secas ou chuvas, calor ou frio afligindo populações inteiras, duas guerras mostram um velho lado sanguinário dos homens.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Seja em Gaza ou na Ucrânia, não se trata de situações simples com um povo "mau" ameaçando im povo "bom". Nem tampouco de situações perdoáveis com povos simplesmente tentando sobreviver ou políticos atrás de interesses financeiros e usando as populações incautas. São desafetos antigos, vinganças, colonizações e massacres resultados de uma história de inimizades e interesses, principalmente acreditados como injustiças, com um povo ou governo possuindo aquilo que não merece ter. Na Ucrânia, trata -se das reservas e dutos de escoamento de gás natural, que abastecem a maior parte da Europa; em Gaza, trata-se da terra provedora de plantas e água que Palestinos e Judeus são incapazes de dividir equitativamente. Citando um velho filme sobre guerras, são pessoas que não haviam nascido quando a divisão foi feita, lutando contra alguém que não era nascido quando houve uma injúria.</p><div style="text-align: justify;">Tanto numa batalha como outra, além dos exércitos, armas, bombas, aviões, mísseis e tudo mais, estão envolvidas as populações residindo no campo de batalha. São homens, mulheres, crianças, velhos e doentes com suas moradias sendo pisoteadas ou demolidas ou incendiadas ou explodidas em nome de expulsar os não-merecedores.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><p dir="ltr" style="text-align: justify;"><b>HISTÓRICO DE AJUDA?</b></p><div style="text-align: justify;">Jesus, em Seu tempo, não conviveu exatamente com isso: embora a Galiléia e a Judéia fossem territórios ocupados por Roma, vigorava a Pax Romana: havia acordos entre o Império e as classes dominantes para evitar lutas armadas. Qualquer ameaça à paz era imediatamente combatida com o deslocamento de legiões. Jesus e Paulo viveram depois das guerras Romans contra os grandes reinos (500-100 a C.), e morreram antes das guerras contra os Judeus (70-140 d.C.). Bem depois de Paulo estar morto, o grande incêndio de Roma em 64 d.C. (os Judeus e Cristãos foram responsabilizados, provavelmente como bode expiatório) foi seguido por rebeliões Judaicas contra o Império entre 66 e 70 d.C. Antes de incendiar Jerusalém e dar fim ao Templo, estima-se que as legiões tenham matado 500 000 Judeus, o que se encaixaria nas previsões apocalípticas dos Evangelhos.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">As vidas humanas nos territórios de disputas geralmente são de muito pouco valor. Na invasão da Ucrânia pela Rússia, estima-se que até agora tenham morrido 500 000 pessoas. Em Gaza, são 9300 Palestinos. Seja nos tempos de Roma, na Ucrânia ou Gaza, não estamos falando de baixas militares em batalha - são cidadãos desarmados com suas famílias que simplesmente estavam no caminho dos exércitos e foram exterminados como demoNstração de força para o inimigo.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Jesus e Paulo não deram testemunhos de atuação Cristã em tempos de guerra, porque viveram, apesar de tudo, em uma época e local de paz. Talvez essa falha de aconselhamento se ligue ao fato de que o Cristianismo nunca foi um bom exemplo de pacifismo, sendo marcado por episódios sanguinários. Podemos lamentar as Cruzadas no final da Idade Média, o extermínio de populações indígenas no séc. 16, a aniquilação dos impérios da África Ocidental nos sécs. 18-19 e até a aliança com os nazi-facistas na 2ª Guerra Mundial.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Pelo menos desde Francisco de Assis (1181-1226), que começou a vida como soldado, entretanto, diversos movimentos dentro do Cristianismo desenvolveram um lado pacifista envolvido com acolhimento, solidariedade, partilha e empatia. É curioso que Francisco de Assis tenha, segundo contam (muito de sua vida é descrita em obras muito posteriores a ele), pedido ao papa Inocêncio III para construir uma igreja abrigadora de sua nova ordem, mas o papa tenha recebido a visão de alguém que viria reconstruir a Igreja. Esse movimento amoroso (e de ligação com os pobres, no caso de Francisco), não vem diretamente dos Evangelhos, mas de se apoderar de algumas palavras de Jesus presentes principalmente nos Evangelhos de Mateus (com relação aos pobres) e João (que é provavelmente de origem Samaritana), além das cartas Joaninas, para falar de um Cristianismo devotado ao amor para com todos. Palavras que Jesus destinou, segundo Mateus, para o cuidado com vizinhos briguentos da Galiléia e os arrasados de uma Jerusalém destruída. E segundo João, para a aceitação dos não-Judeus dentro da nascente comunidade Cristã. Atualmente, o papa Francisco I (cujo nome representa justamente ser o primeiro franciscano nessa função), orienta os fiéis a rezarem pelos migrantes em massa que tentam fugir com suas famílias das regiões de conflito.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">“<i>Conflitos, desastres naturais ou, simplesmente, a impossibilidade de levar uma vida digna e próspera na própria terra natal obrigam milhões de pessoas a partir</i>” <b>(papa Francisco I)</b></div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Migrantes fogem por causa da pobreza, do medo, do desespero. No início da Colonização, o Brasil recebeu milhares de Judeus vindos de Portugal e Espanha, que haviam se abrigado em Portugal e depois foram perseguidos com a união dos dois reinos (1580 - 1640). No início do séc. 20, recebeu centenas de milhares de europeus, semitas e orientais fugidos da 1a Guerra Mundial e da recessão financeira dos anos 1930. Nos anos 1970 e 2000, muitos Sírios chegaram aqui, fugidos das diversas guerras de poder político no Oriente Médio que passaram por sobre o país. Logo depois, o terremoto no Haiti fez muitos percorrerem caminhos enormes entre seu país arrasado até o Brasil que sempre manteve a tradição de pais acolhedor do refugiados.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Segundo dados divulgados na última edição do relatório “Refúgio em Números” (Acnur ou Agência da ONU para Refugiados), cerca de 108,4 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a deixar suas casas. Entre elas estão 35,3 milhões de refugiados. Além de 4,4 milhões de apátridas, pessoas a quem foi negada a nacionalidade e que não têm acesso a direitos básicos como educação, saúde, emprego e liberdade de movimento. Apenas em 2022, no Brasil, foram feitas 50.355 solicitações da condição de refugiado, provenientes de 139 países. As principais nacionalidades solicitantes em 2022 foram venezuelanas (67%), cubanas (10,9%) e angolanas (6,8%).</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Essas correntes migratórias acontecem também em outras partes do mundo, mais recentemente com a Itália recebendo gente que foge da pobreza na Namíbia, arriscando suas vidas para atravessar o Mediterrâneo em barcos despreparados e superlotados, além da Polônia e Alemanha recebendo muitos Ucranianos que </div><p dir="ltr" style="text-align: justify;">fogem da invasão Russa. Ao mesmo tempo em que ficamos felizes de ver países de onde as pessoas fugiram no passado, como Polônia e Itália, agora abrigando os refugiados de outros cantos, é triste ver países um dia formados por refugiados, como Israel, agora atacando terras muito mais pobres como Gaza.</p><div style="text-align: justify;">“<i>Cada qual segundo as próprias responsabilidades e empenho, que começa por nos perguntarmos o que podemos fazer, mas também o que devemos deixar de fazer. Devemos prodigalizar-nos para deter a corrida armamentista, o colonialismo econômico, a pilhagem dos recursos alheios e a devastação da nossa casa comum</i>” <b>(papa Francisco I)</b></div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Esse ponto, como dito anteriormente, é difícil de ser cumprido. Entre tomar posse de campos de petróleo bilionários, comandar o fornecimento de gás e mercadorias marítimas a todo um continente ou controlar fontes de água e terras férteis, é bem simples escolher pela morte ou expulsão dos que habitam lá. O desejo por riquezas ou vantagens facilmente transforma pessoas exatamente iguais a nós em "outros" para com os quais não nos arriscamos a ter empatia. Sequestramos e matamos jovens, adultos, velhos e crianças, ou despejamos mísseis e artilharia aérea sobre bairros residenciais, escolas, hospitais e até campos de refugiados.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Lá no séc. 5 a.C., quando a comunidade Judaica estava se estabelecendo na Palestina, o livro de Levítico trazia instruções como “Se alguém migrar até vocês, e na terra de vocês estiver como estranheiro, não os oprimam. O estrangeiro será para vocês um concidadão. Você o amará como a si mesmo, porque fostes estrangeiros na terra do Egito. Eu sou Javé, o Deus de vocês” (Levítico 19.34-35). No séc. 1 d.C.,Paulo, quase sempre um estrangeiro, tentou resgatar essa tradição, ao mesmo tempo testemunhando que o primeiro ensinamento não produziu o fruto pretendido:</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">"<i>Portanto, vocês dessa forma já não são estrangeiros e forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus</i>” (<b>Efésios 2.19</b>).</div><div style="text-align: justify;"><i><br></i></div><div style="text-align: justify;"><i>Eu, porém, vos digo que qualquer que, sem motivo, se encolerizar contra seu irmão, será réu de juízo; e qualquer que disser a seu irmão: RACÁ (= sem valor), será réu do Sinédrio; e qualquer que lhe disser: 'Louco', será réu do fogo do inferno.</i> (<b>Mateus 5.22</b>)</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Não é simples receber estrangeiros. São pessoas que desistiram de seus lares, de seu povo, para tentar algo melhor bem longe. Mais do que isso, são pessoas que chegam sem laços de apoio, sem parentes ou amigos, sem emprego, sem saber o idioma, sem onde morar, e trazendo consigo uma cultura exótica. Oferecer algo a elas inevitavelmente é perder algo de si. Mas Jesus diz para encontrar o valor dessas pessoas, Paulo lembra que são nossos irmãos e Levítico nos lembra que todos podem ser ou já foram estrangeiros, algum dia.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Ninguém deixa a sua casa, sua história e suas pessoas sem ser por violência, miséria ou desigualdade. Muitos homens, mulheres e crianças acabam morrendo nesse caminho em busca de um sonho, sem chegar ao seu destino final com paz, um lar, um povo. Quão terrível é chegar e ser rechaçado! Quão absurdo é qualquer um temente a Deus expulsar as pessoas de suas casas por etnia, religião ou para tomar seu espaço!</div><div style="text-align: justify;"><br></div><p dir="ltr" style="text-align: justify;"><b>PORQUE AJUDAR?</b></p><div style="text-align: justify;">Nos países em guerra ou assolados por desastres político-financeiros, abundam desabrigados, desaparecidos, feridos e mortos. Nesses lugares, mais do que nunca, a Igreja tem como missão ser o pilar civilizatório. Enquanto Malaquias 3.10 é muito citada nos recolhimentos de dinheiro das igrejas, Deuteronômio 26.12, bem mais antigo, relaciona tais ganhos a haver mantimentos e usar esse dinheiro (ou animais, verduras, etc) para com os estrangeiros, órfãos e viúvas.</div><div style="text-align: justify;"><i><br></i></div><div style="text-align: justify;"><i>Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim nisto, diz o SENHOR dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós uma bênção tal até que não haja lugar suficiente para a recolherdes.</i> <b>(Malaquias 3.10)</b></div><div style="text-align: justify;"><i><br></i></div><div style="text-align: justify;"><i>Quando acabares de separar todos os dízimos da tua colheita no ano terceiro, que é o ano dos dízimos, então os darás ao levita, ao estrangeiro, ao órfão e à viúva, para que comam dentro das tuas portas, e se fartem. </i><b>(</b><b>Deuteronômio 26.12)</b></div><div style="text-align: justify;"><b><br></b></div><div style="text-align: justify;">Boa parte das igrejas, infelizmente, aloca seus recursos como empresas, investindo em canais de comunicação de massa, cantores, templos suntuosos, etc, ao invés de se prestar a um papel nem um pouco lucrativo que é o atendimento dos desabrigados.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><p dir="ltr" style="text-align: justify;"><b>OPINIÃO PÚBLICA </b></p><div style="text-align: justify;">Recentemente, algumas alterações sócio -bíblicas têm acontecido. Por um suposto parentesco com os Judeus (sim, muitas igrejas Protestantes são fortemente judaizadas), várias mega-igrejas têm se colocado favoravelmente a Israel nos recentes embates da Faixa de Gaza. Mesmo aqui no Brasil isso é preocupante, pois tais igrejas possuem políticos atuantes e direcionadores de recursos públicos.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Trata-se de uma situação política (não religiosa) em que Israel está agindo contra um ataque terrorista da mesma forma como os EUA agiram contra o Iraque na Guerra do Golfo, ou seja, usando a tragédia de uns como pretexto para massacrar milhares de outros. Foram 150 israelenses sequestrados numa Rave em Gaza, e isso tem sido justificativa para a morte não acidental de quase 10 mil Palestinos. Não é a primeira vez, só é um pretexto novo. Isso não tem qualquer motivação ou justificativa religiosa.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Como mostrado acima, nem a Torá Judaica nem os Evangelhos dão sustento a genocídios. Não estamos nos temos de Moisés ocupando a Palestina com seu povo fugido da escravidão no Egito - isso foi há 3500 anos. Estamos no tempo de Judeus chegados após a 1a Guerra em um território Palestino estarem massacrando os habitantes mais antigos do local. Até hoje, Israel não reconhece a existência de Gaza e a Cisjordânia como territórios Palestinos.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Apesar dos arroubos de saudosismo do Velho Testamento (600-400 a.C), a Igreja Protestante não possui qualquer parentesco histórico com os Judeus. O Cristianismo tem uma falha educativa em que os Cristãos em geral não conhecem a história Cristã de mais de 2000 anos, nem mesmo a produção intelectual ou teológica que houve, e muitas vezes nem mesmo o texto bíblico. O Protestantismo é uma das vertentes Cristãs (pois há muitas outras) que se popularizou a partir da Alemanha do séc. 16, como uma tentativa de resgate do texto bíblico e protestando contra a tradição Católica. Esse texto é realmente herdado dos Judeus (mas o Protestantismo rejeitou vários livros da Torá, que aparecem nas Bíblias Católicas) e sua parte verdadeiramente Cristã foi construída entre 50 e 150 d.C., com Paulo, seu autor mais antigo, evitando tendências judaizantes assumidas, por exemplo, por Pedro, quem parece ser a fonte da biografia de Jesus.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Várias igrejas Pentecostais passaram por uma "judaização", provavelmente no sentido de incorporar as figuras de profetas do Antigo Testamento, com pastores (nome que remete ao Bom Pastor, figura associada a Jesus) usando barbas longas, túnicas, quipás, cajados, menorás e até arcas com querubins esculpidos encima. Daí para chamar Israel de "nação de Deus" (lembrando que os Judeus estão espalhados pelo mundo) falta pouco. Na verdade, vimos Bolsonaro com um movimento nacionalista que hasteava as bandeiras dos EUA e de Israel (e não me seguro o riso, agora). E quem Israel ataca, mesmo por motivo egoísta e genocida, deve ser "inimigo de Deus".</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Grande parte das igrejas Protestantes e também comunidades Católicas ligadas à extrema direita no Brasil e nos EUA, longe do conflito, infelizmente mantém o apoio a Israel, povo de Deus que defende seu território passando por um justo Colonialismo e expurgação genocida.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><p dir="ltr" style="text-align: justify;"><b>TENSÕES RELIGIOSAS</b></p><div style="text-align: justify;">Na Ucrânia, a Igreja Cristã majoritária é a Igreja Ortodoxa, que funciona mais ou menos como a Protestante, ou seja, com uma liderança descentralizada. Mas nem tanto: há uma hierarquia dos patriarcas dirigentes, com o principal deles na Grécia (Bartolomeu I, patriarcado de Constantinopla). Na Ucrânia, a Igreja Ortodoxa é dividida em Igreja de Epifânio (Ucraniana), Igreja de Onúfrio (Russa) e Igreja Grega, de acordo com o patriarca que as governa. O Mosteiro de Kiev-Petchersk, ou "mosteiro das cavernas" na capital Kiev, é um complexo de prédios subterrâneos históricos e alinhado com o governo Russo. Com a invasão, houve a suspeita de que o mosteiro deu algum suporte aos invasores e ele foi declarado inimigo do Estado, com ordens de evacuação. De fato, o patriarcado russo na Ucrânia tem sido continuamente atacado pelo governo e existe uma cisão entre as igrejas. Apesar disso, os templos do Patriarcado Russo foram os que mais sofreram com a guerra – pelo menos 143 foram destruídos ou transformados em bases militares russas.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">"<i>Mais uma vez, Patriarca Cirilo, você falou da unidade da Santa Rússia. ... O foguete da Federação Russa que você abençoou caiu no altar da catedral na festa dos Santos</i>" (<b>carta aberta do vigário da Catedral da Transfiguração em Odessa</b>)</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Os crentes das igrejas evangélicas na Ucrânia (pentecostais, batistas, adventistas, carismáticos, etc) foram particularmente afetados. Soldados russos ameaçaram repetidamente a destruição dos prédios e execução dos evangélicos, chamando-os de "espiões americanos", "sectários" e "inimigos do povo ortodoxo russo.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><p dir="ltr" style="text-align: justify;"><b>O QUE ESTÁ SENDO FEITO</b></p><div style="text-align: justify;">Existe uma resposta da Igreja nessas situações de conflito. Em muitos locais, as igrejas próximas dos conflitos recrutam mantimentos e fornecem espaços para os refugiados. Nos desastres naturais, os templos religiosos frequentemente são usados como abrigos e hospitais. Quando um desastre ocorre (e aqui trata-se de um desastre humano), a Igreja consegue chegar mais rápido, antes mesmo de agentes de organizações humanitárias ou governamentais. Durante o furacão Mitch, em 1998, uma comunidade de Honduras junto ao rio Choluteca ficou isolada pelas águas por quase duas semanas. Nesse tempo, a igreja local mobilizou alimentos e trabalhadores para reparar as casas, recolher lenha e comida. Também após o furacão Katrina, em 2005, igrejas e templos em Louisiana forneceram abrigo por meses, com serviços hospitalares instalados ali, e mobilizaram 500 mil trabalhadores para reconstruir ou reparar casas destruídas.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Em Gaza, há apenas 2 igrejas Cristãs: São Porfírio (Ortodoxa, na verdade um grande complexo de prédios onde funcionava o Conselho da Igreja Ortodoxa Árabe) e Sagrada Família (Católica). Existem quase mil pessoas abrigadas nesses templos e, recentemente, São Porfírio foi atingida por um míssil israelense. Parte do prédio desabou, matando várias pessoas, mas outra parte ainda resiste como abrigo. Dentro de ambas as tradições, Católica e Ortodoxa, o batismo das crianças assegura seu acesso ao paraíso, caso morram. Por isso, pais Cristãos vão em número a esses locais para batizar seus filhos, com medo do que pode acontecer.</div><div style="text-align: justify;">Construída no meio do séc. 12, São Porfírio recebeu o nome de um bispo de Gaza do sec. 5, quando o Cristianismo Grego chegou à região. Especialmente após a expulsão dos Palestinos do atual território de Israel em 1947, o santuário tem sido abrigo de muitas famílias Muçulmanas em épocas de conflito (essa é a 7ª crise no território). Os ataques israelenses infelizmente não pouparam mesquitas e escolas que abrigavam pessoas cujas casas foram explodidas, e também não pouparam São Porfírio. A Igreja da Sagrada Família, também abrigo de muitos Muçulmanos, recebeu ordens de evacuação imediata, partidas do exército israelense.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Na Polônia, para onde mais de 2 milhões de Ucranianos foram em fuga dos ataques Russos, as igrejas Católicas e missionários Protestantes se juntam em acolhimento a famílias inteiras. Sobretudo no forte inverno da região, a necessidade de espaço, alimentos e calefação é urgente. A maioria dos refugiados é composta de mulheres, idosos e crianças. A principal ajuda vem da organização Cáritas, que já movimentou U$ 20 milhões em ajuda e envolve dioceses, congregações religiosas, paróquias, comunidades e movimentos católicos, assim como muitos voluntários. Os poloneses vinculados estão acolhendo os refugiados da Ucrânia nas suas casas, incluindo os bispos.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">"<i>A primeira coisa era uma refeição quente, começava-se por isto. Depois um banho e dormir. Montamos um armazém para ter ao alcance as coisas mais necessárias, e havia muitos benfeitores da Polónia e do exterior. Perguntávamos às pessoas o que lhes era mais necessário para prosseguirem a viagem. Chegavam muito cansados, nos diziam que não se lavavam há dias. Às vezes, chegavam diretamente dos refúgios</i>". (<b>irmã Ewa Mehal, no mosteiro das Servas da Imaculada Conceição da Bem-Aventurada Virgem Maria de Stary Wieś, cidade polonesa de Przemyśl, perto da fronteira</b>)</div><div style="text-align: justify;"><br></div><p dir="ltr" style="text-align: justify;">----------------------</p><div style="text-align: justify;"><b>NOS ESCOMBROS DE SÃO JOÃO</b></div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Artsyzki V. <a href="https://www.ihu.unisinos.br/categorias/630807-odessa-bombas-abencoadas-na-catedral-artigo-de-victor-artsyzki-e-sviatoslav-shevchuk">Odessa: bombas abençoadas na catedral</a>. Ihu.unisinos.br, 26/07/2023</div><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Câmara B. <a href="https://www.terra.com.br/noticias/a-guerra-nao-conhece-religiao-a-igreja-mais-antiga-de-gaza-abriga-muculmanos-e-cristaos,b9d1ec83d688a7a513858deaff9a97fdyleoecjv.html">A guerra não conhece religião': a igreja mais antiga de Gaza abriga muçulmanos e cristãos,</a> terra.com.br, 16/10/2023.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Dean J. <a href="https://coalizaopeloevangelho.org/article/igrejas-na-polonia-se-desdobram-para-servir-aos-ucranianos/">Igrejas na Polônia se desdobram para servir aos Ucranianos</a>, coalizaopeloevangelho.org, 29/03/2022.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Haidar D. <a href="https://www.bbc.com/portuguese/articles/ceqed11yp7xo">Quem são os cristãos de Gaza, agora abrigados em duas igrejas</a>. BBC.com, 01/11/2023.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Oliveira MJ. <a href="https://observador.pt/especiais/o-dia-em-que-os-judeus-foram-expulsos-de-portugal/">O dia em que os judeus foram expulsos de Portugal</a>, observador.pt, 29/12/2016.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Prezzi L. <a href="https://www.ihu.unisinos.br/categorias/631447-ucrania-as-igrejas-e-os-venenos-da-guerra-artigo-de-lorenzo-prezzi">Ucrânia: as igrejas e os venenos da guerra</a>. Ihu.unisinos.br, 16/08/2023.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Rytel-Andrianik P. <a href="https://omnesmag.com/pt/noticias/ajuda-da-igreja-em-polonia-para-aukrainians/">Como é que a Igreja na Polónia ajuda os ucranianos?</a> Omnesmag.com, 01/94/2022.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Santos C. <a href="https://www.paulus.com.br/portal/migrantes-e-refugiados-um-convite-para-o-exercicio-do-amor-e-da-empatia/">Igreja e Sociedade</a>, Paulus.com.br, 29/09/2023.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Vatican News. <a href="https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2023-02/ucrania-guerra-quase-500-locais-culto-destruidos.html">Quase 500 locais de culto destruídos na Ucrânia em um ano de guerra</a>, 25/02/2023.</p><p dir="ltr" style="text-align: justify;">Veja.abril.com.br. <a href="https://veja.abril.com.br/mundo/ucrania-ordena-que-igreja-ortodoxa-alinhada-com-moscou-deixe-kiev">Ucrânia ordena que Igreja ortodoxa alinhada com Moscou deixe Kiev</a>. 10/03/23.</p></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-75085033589648561702023-09-07T20:48:00.005-04:002023-10-19T00:11:38.815-04:00Guarda noturno<div style="text-align: justify;"><i>Trago aqui uma obra de Mário de Andrade, finalizada em 1914, chamada "Conto de Natal". Vi ela como mais um daqueles cordéis enriquecidos por Ariano Suassuna, que fazem as pessoas verem, naqueles que lhes cercam, justamente as figuras que mais temem.</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br></i></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_imAtRXR4uDJhMuSciUHQuQaXjv72SaxjzEbK2aZuJ8mCV7KbJoANvnEPLrUbQ0KGszqjME7wZwp1lMAaSQ05p9mJLnxw8b_GtR0I_wlDmjfPwwpvB0DcWei-r89W24Sh2-lFJgK08nwgJinxtH0XoLsX1tL5y4V6ExtE1GVdFQSHGrZf6lopjE8w7rMu/s773/Pr%C3%A9dios-do-Conde-Prates-em-1933.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="517" data-original-width="773" height="428" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_imAtRXR4uDJhMuSciUHQuQaXjv72SaxjzEbK2aZuJ8mCV7KbJoANvnEPLrUbQ0KGszqjME7wZwp1lMAaSQ05p9mJLnxw8b_GtR0I_wlDmjfPwwpvB0DcWei-r89W24Sh2-lFJgK08nwgJinxtH0XoLsX1tL5y4V6ExtE1GVdFQSHGrZf6lopjE8w7rMu/w640-h428/Pr%C3%A9dios-do-Conde-Prates-em-1933.jpg" width="640"></a></div><br></div><div style="text-align: center;"><i>Clube Automobilístico, São Paulo, início do séc. 20</i></div><div><br></div><div>--------------------------</div><div><br></div><div style="text-align: justify;">Seriam porventura dez horas da noite...</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Desde muitos dias os jornais vinham polindo a curiosidade pública, estufados de notícias e reclamos de festa. O Clube Automobilístico dava o seu primeiro grande baile. Tinham vindo de Londres as marcas de carros e corria que as prendas seriam de sublimado gosto e valor. Os restaurantes anunciavam orgíacos réveillons de natal. Os grêmios agitavam-se.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Seriam porventura dez horas da noite quando esse homem entrou na praça Antônio Prado. Trazia uma pequena mala de viagem. Chegara sem dúvida de longe e denunciava cansaço e tédio. Sírio ou judeu? Magro, meão na altura, dum moreno doentio abria admirativamente os olhos molhados de tristeza e calmos como um bálsamo. Barba dura sem trato. Os lábios emoldurados no crespo dos cabelos moviam-se como se rezassem. O ombro direito mais baixo que o outro parecia suportar forte peso e quem lhe visse as costas das mãos notara duas cicatrizes como feitas por balas. Fraque escuro, bastante velho. Chapéu gasto dum negro oscilante.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Desanimava. Já se retirara de muitos hotéis sempre batido pela mesma negativa: "<i>Que se há de fazer! Não há mais quarto!</i>"</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Alcançada a praça, o judeu estacou. Pôs no chão a maleta e, recostado a um poste, mirou o vaivém. O povo comprimia-se. Passeavam, maltrapilhos, grupos conversando alto. Os ricos passavam esmerados nos seus trajes. No ambiente iluminado dos automóveis, esplendiam os peitilhos, as carnes desnudadas e os cachos as mulheres-da-vida que roçavam pela multidão, bamboleando-se, olhos pintados, lábios carmim. Boiando no espaço, trilhas de odores sensuais.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">O homem olhava e olhava. Parecia admiradíssimo. Por várias vezes fez o gesto de tirar o chapéu mas a timidez dolorosa gelava-lhe o movimento. Continuava a olhar.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">"Vais ao baile do Clube?" "Não arranjei convite. Você vai?" "Onde irás hoje?" "Como não! Toda São Paulo estará lá." "Ao réveillon do Hotel Sportsman" "Vamos ao Trianon!" "Por que não vens comigo à casa do Marquês? Há lá um Souper-rose." "Impossível." "Por quê?" "Não Posso. Vou ter com a Amélia." "Ah..."</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Tirando respeitoso o chapéu, o oriental dirigiu-se por fim ao homem que dissera “ir ter com a Amélia” e perguntou-lhe com uma voz tão suave como os olhos. Caiam-lhe os cabelos pelas orelhas, pelo colarinho:</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">— O senhor vai sem dúvida para o seu lar...</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Decerto um louco. Não, bêbedo apenas. O outro deu de ombros. Descartou-se:</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">— Não.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">— Mas... e o senhor poderia informar-me... não é hoje noite de Natal?...</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">— Parece. (E sorria.) Estamos a 24 de dezembro.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">— Mas...</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">O homem da Amélia tocara no chapéu e partira. Desolação, no sacudir lento da cabeça. Agarrando a maleta, o judeu recomeçou a andar. Tomou pela rua de São Bento, venceu o último gomo da rua Direita, atingiu o Viaduto. A vista era maravilhosa. À direita, empinando sobre o parque fundo, o Clube Automobilístico arreado de lâmpadas de cor. A mole do edifício entrajada pelo multicolorido da eletricidade parecia um enorme foco de luz branca. Do outro lado do viaduto, na esplanada debruava a noite o perfil dum teatro.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">O judeu perdia-se na visão do espetáculo. Aproximava-se do largo espaço da esplanada onde no asfalto silencioso escorregava outro cortejo de autos. Cada carro guardava outra mulher risonha a suportar toda a riqueza no pescoço. Feixes de operários estacados aqui e além. O rutilar daqueles monumentos, o anormal da comemoração batendo na pele angulosa dos casacos fazia explodir uma faísca de admiração e cobiça. Toda a população dos bairros miseráveis despejara-se no centro. Vieram divertir-se. Sim: divertir-se vendo os ricos e suas festas.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">O sírio entrou por uma rua escura que entestava com o teatro. Incomodava-o a maleta. Num momento, unindo-se a uma casa em construção, deixou cair o trambolho entre dois suportes de andaime. Partiu ligeiro, atirando as pernas para frente, como pessoa a quem chamam atrás e não quer ouvir. E na subida vagarosa, lido numa placa de esquina: Rua da Consolação. Aqui o alarido já se espraiava discreto na surdo-mudez das casas adormecidas.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Subiu pela rua. De repente, parou diante da porta. Bateu e esperou. Acolheu-o uma criada de voz áspera:</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">— Por que não tocou a campainha? Não tem olhos? Que quer?</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">— Desculpe. Queria falar com o dono da casa...</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">— Não tem ninguém. Foram na festa.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Partiu de novo. Mais adiante animou-se a bater outra vez. Nem criada. E na aspiração de encontrar uma família em casa, batia agora de porta em porta. Desesperação febril. Persistência de poeta. Uma vez, a família estava. Que divino prazer lhe paga o esforço! Mas o chefe não podia aparecer. Lamentações lá dentro. Alguém estava morrendo. Deus o leve!</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Mais ou menos uma hora, depois de ter subido toda a rua, o judeu desembocou na avenida. A faixa tremente da luz talhava-a pelo meio mas dos lados as árvores escureciam o pavimento livre das calçadas. Entre jardins onde a vegetação prolongava sombra e frescor, as vivendas enramadas de trepadeiras, como bacantes, dormindo. Sono mortuário. Apenas ao longe gritava um edifício qualquer num acervo de luzes. O judeu parou. O pó caiara-lhe as botinas e a beirada das calças. O cansaço rasgara-lhe uma ruga funda sob os olhos. Os lábios sempre murmurantes pendiam-lhe da boca secos e abertos. O rosto polira-se de suor. Limpando-se descuidado, recomeçou a andar muito rápido para o lado das luzes.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Atravessados quase em carreiras vários quarteirões, chegou ao trecho iluminado. Era uma praça artificial construída ao lado da avenida. Alguns degraus davam acesso à praia dos ladrilhos, onde passeavam pares muito unidos. Sob carramanchões de cimento armado agrupavam-se homens de olhares já turvos, bocas fartas ao redor da cerveja. Entre o zum-zum da multidão brincavam nas brisas, moderadas pela distância, melodias moles de danças. Por toda a parte a mesma alegria torpe.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Daquele miradouro via-se a cidade estirada sobre colinas e vales. Os prédios parecidos confundiam-se na claridade ambiente e nos longes, recortando um grande halo que mascarava de santa a Pauliceia.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Mas o judeu mal reparou nos enfeites com que o homem recamara aquela página da terra. Olhava apenas a multidão, perscrutava todos os olhares. Procuraria alguém?... Quase que corria no meio dos passeantes ora afastando-se ao contato de uns, ora atirando-se para outros como se reconhecendo alguém. Desiludia-se entretanto e procurava mais, procurava debatendo-se na turbamulta. Enfim, desanimado, partiu de novo. Ao descer os degraus do miradouro, notou duas escadinhas para o subsolo. Espiou. Outro restaurante! Fugiu para a rua.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">A fila imóvel dos autos. Corrilhos de motoristas e frases obscenas. Passou. Ia afundar-se de novo no deserto da avenida. Mudou de resolução. Retornou de novo para a luz. Era um espelho de suor. Caíra-lhe o chapéu para o lado e uma longa mecha de cabelos oscilava-lhe na fronte como um pêndulo. Os motoristas repararam nele. Riram-se. Houve mesmo um prelúdio de vaia. Nada ouviu. Entrou de novo no miradouro. Desceu os degraus. Um negrinho todo de vermelho quis recusar-lhe a entrada. O oriental imobilizou-o com o olhar. Entrou. Percorreu os compartimentos. O mesmo desperdício de luz e mais as flores, os tapetes... Bem-estar! Numa antítese à brancura reta das paredes, o sensualismo de couros almofadados. E o salão nobre. A orgia escancarada.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Todo o recinto era branco. Dispostas a poucos metros das paredes as colunas apoiavam o teto baixo no qual os candelabros plagiavam a luz solar. Espelhos no entremeio das portas fenestradas eram como olhos pasmos e imóveis. As flores feminilizavam colunas e alampadários, poluíam seu odor misturando-o à emanação das carnes suarentas e nessa decoração de fantasia apinhavam-se comendo e bebendo, sorrindo e cantando, uma comparsaria heterogênea.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Bem na frente do judeu, sentados em torno duma mesa estavam dois homens e uma mulher. Falavam língua estranha cheia de acentos guturais. Seriam ingleses... Os homens louros e vermelhos denunciavam a proporção considerável da altura pelo esguio dos torsos e dos membros mas a perfeição das casacas dava-lhes à figura um quê de aristocracia.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">A mulher era profundamente bela. Trajava preto. Gaze. A fazenda envolvia-lhe a plasticidade das ancas e das pernas, dando a impressão de que o busto saísse do escuro. O vestido como que terminava na cintura. Um tufo de tules brancos subia sem propriamente encobrir até parte dos seios, prendendo-se ao ombro esquerdo por um rubi. Sobre a perfeição daquele corpo a cabeça era outra perfeição. Na brancura multicor da pele queimava uma boca louca rindo alto. As narículas quase vítreas palpitavam voluptuárias como asas de pombas. Os olhos eram da maior fascinação no arqueado das sobrancelhas, na ondulação das pálpebras, no verde das pupilas más. E colmava o esplendor uma cabeleira de pesadas ondas castanhas. Já tonta, meneando o corpo, estendendo os braços com joias sobre a toalha, oferecia-se à contemplação abusiva da luz. Era nela que os dois ingleses apascentavam os olhares.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Em torno de todas as mesas, como refrão do prazer rico repetia-se a mesma tela: homens rudes acossados pelo desejo, mulheres incastas, perfeitas e maravilhosas.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Do outro lado do salão a orquestra vibrou. Ritmo de dança, lento. Balançaram dois ou três pares num círculo subitamente vazio. Um dos ingleses e a mulher de preto puseram-se a dançar. Inteiramente abraçada pelo homem ela jungia-se a ele, agarrava-se-lhe de tal jeito que formavam um corpo só. Ondulavam na cadência da música: ora partiam céleres como numa fuga, parando longamente depois como num espasmo. Ora se afastavam um do outro num requebro, ora mais se uniam e o braço esquerdo dela rastejava no dorso negro da casaca dele. Dançavam com os sentidos e a mulher na ascensão do calor e da volúpia, mostrava na juntura esquerda dos lábios um começo de língua.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">O judeu continuava a olhar. Seguia os pares no baloiço do tango, esforçando-se por disfarçar com a imobilidade a excitação interior. Mas seus olhos chispavam. Mas juntas nas costas tremiam-lhe as mãos mordidas pelos dedos.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Enfim vibrados os últimos acordes, os dançarinos pararam. A inglesa seguida pelo parceiro, arrebentando os olhares que lhe impediam a passagem, viera sentar-se. Incrível! O judeu bufando enterrara o chapéu na cabeça, abrira o fraque com tal veemência que os botões saltaram e tirando dum bolso interno uma correia de couro, fustigara a espádua da mulher. Tal fora a energia da relhada que o sangue imediatamente brotava no vergão enquanto a infeliz uivava ajoelhando. O golpe arrebentara a gaze junto ao ombro.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Mas o judeu malhava indiferente todas as formosuras.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Um primeiro imenso espanto paralisou a reação daqueles bêbedos. O fustigador derribando cadeiras e mesas atravessava os renques de pusilânimes, cortava caras e braços nus. Tumulto. Balbúrdia dissonante. O mulherio berrava. Os homens, temendo serem atingidos pela correia do louco, fugiam dele na impiedosa comicidade das casacas. Arremessavam-lhe de longe copos e garrafas. Mas ele percorria em alargados passos o salão, castigando todos com furor. Onde a correia assentava, negrejava um sulco, chispava um uivo.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Nos primeiros segundos... Depois, em número, os homens já se expunham mais aos golpes na esperança de bater e derrubar. O círculo apertava-se. O oriental teve de defender-se. Vendo junto à parede um amontoado de mesas saltou sobre ele. Abandonara o chicote, empunhara uma cadeira, esbordoava com ela os que procuravam aproximar-se. Impossível atingi-lo. Seus braços moviam-se agílimos tonteando cabeças, derreando mãos.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">As mulheres agrupadas à distância reagiam também. As taças pratos copos atirados por elas sem nenhuma direção, acertavam nos alampadários cujos focos arrebentavam. As luzes apagadas esmoreciam a nitidez do salão e as sombras enlutavam o espaço, diluindo todos numa semiobscuridade pavorosa.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Mais gente que acorria. Os passeantes do miradouro atulhando as portadas saboreavam em meio susto a luta. Os motoristas procuravam roubar bebidas. A polícia telefonava pedindo reforços.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Mas o oriental já começava a arquejar. Seus lábios grunhiam. Uma garrafa acertara-lhe na fronte. O chapéu, saltando da cabeça, descobriu na empastada desordem das madeixas a rachadura sangrando. O sangue carminava-lhe o rosto, cegara-lhe o olho esquerdo, entrava-lhe na boca e escorrendo pelo hissope da barba. Afinal alguém consegue agarrar-lhe a perna. Puxa-o com força. Ele tomba batendo-se. Todos tombam sobre ele. Ninguém lhe perdoa a desforra. Os que estão atrás levantam os punhos inofensivos para o alto esperando a vez. Desapareceu num molho de homens.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Chega a polícia. A autoridade só com muita luta e usando força, livra o mísero. No charco de champanhe, sangue e vidros estilhaçados, ele jaz expirante. Pernas unidas, braços estendidos para os lados, olhos fixos no alto, como querendo perfurar as traves do teto e espraiar-se na claridade fosca da antemanhã. Levaram-no entre insultos.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">Todo jornal comentava o caso no dia seguinte. O público lia o inédito do escândalo, as invenções idiotas, as mentiras sensacionais dos noticiaristas. Nas múltiplas edições dos diários, relegado às derradeiras páginas, repetia-se o estribilho perdido que ninguém leu. Um guarda-noturno achara rente a uma casa em construção, uma pequena mala de viagem. Aberta na mais próxima delegacia, encontraram nela entre roupas usadas e de preço pobre, uma tabuinha com dizeres apagados, quatro grandes cravos carcomidos pela ferrugem e uma coroa feita com um trançado de ramos em que havia nódoas de sangue velho e restavam alguns espinhos.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;">-------------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;"><i>ALGO PARA DIZER A RESPEITO..</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br></i></div><div style="text-align: justify;"><b>1. </b>Essa não é uma obra tão famosa de Mário de Andrade, tocando em alguns pontos de tabus sociais assim como Macunaíma, por exemplo. Um dos grandes da Academia Brasileira de Letras, ele era um homem profundamente nacionalista e Católico. As concepções de moral e santidade do Catolicismo na virada dos sécs. 19/20 certamente influenciaram essa e muitas obras dele.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;"><b>2.</b> No texto, existem algumas referências aos Evangelhos. Algumas óbvias, como os cravos nas malas e o aspecto "sírio" ou "judeu" do homem; outras mais sutis como ele se importar com o Natal (supostamente Seu aniversário), a barba e o cabelo longos, não-feitos como de alguém humilde (aspecto pobremente descrito de Jesus), o rompante de açoitar as pessoas em uma espécie de restaurante ou casa de baile. Finalmente, a posição de braços estendidos, após ser "apedrejado" e espancado pela multidão.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;"><b>3. </b>Nos Evangelhos, Jesus açoitou os vendedores de oferendas dentro do Templo. Aparentemente, o motivo era terem transformado a Casa de Deus em um mercado. No texto, Jesus açoita as moças "pouco vestidas" que flertavam com os homens numa casa de bailes. A descrição das moças é bem detalhada e envolvente. Aparentemente, o novo mercado dentro da casa de Deus era a sensualidade em pleno Natal. Mas Jesus jamais se expressou contra a sensualidade nos Evangelhos. Nem tampouco contra mulheres. Muito menos uma casa de bailes poderia ser considerada lugar sagrado.</div><div style="text-align: justify;"><br></div><div style="text-align: justify;"><b>4. </b>Mário de Andrade conhecia os Evangelhos e associava Jesus fortemente a uma imagem de grupo familiar. Outro conto dele, Peru de Natal, traz um pouco desse contexto. Outras formas de comemoração - sem a família - seriam para ele profanas, equiparando-as com a venda de oferendas no templo. Há o "profano de Jesus" e o "profano do Jesus de Mário". Relembrando uma fala genial de Ed René Kiwiz, Deus não cabe no nosso entendimento e portanto não nos cabe tentar explicar Ele, retratar ou prever como Ele agiria.</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-5367371339151141272023-05-05T15:53:00.010-04:002023-05-07T11:38:13.433-04:00Oxalá e Jesus: dois mundos aqui<div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgW0GdzcUbF5jkkBTOqRkoB72-3TAt_vix_XLgeNoVrGVU4iiftQpW8s_1gskR-ulQ8RVaGttKnnJILmEyANTV_CucR_BI2TuQpQvd_k03SYW6MHN2oLxEXeRL8T0pLODVWRC5GdBJfgZ1v_7Alicd7nOHKYUCQfAK-alqlyfkXxqz-FEgOanu8HSu5Rw" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="595" data-original-width="999" height="239" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgW0GdzcUbF5jkkBTOqRkoB72-3TAt_vix_XLgeNoVrGVU4iiftQpW8s_1gskR-ulQ8RVaGttKnnJILmEyANTV_CucR_BI2TuQpQvd_k03SYW6MHN2oLxEXeRL8T0pLODVWRC5GdBJfgZ1v_7Alicd7nOHKYUCQfAK-alqlyfkXxqz-FEgOanu8HSu5Rw=w400-h239" width="400" /></a></div><br /><div style="text-align: center;"><i>Emprestei uma arte do Carlos Ruas.</i></div></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000; font-size: large;">O</span></b> Brasil é um país religiosamente plural, com crenças se encontrando de uma forma única. Lá pelo séc. 16, os portugueses e espanhóis aportaram aqui trazendo o Catolicismo, que pouco a pouco foi se miscigenando à fé de muitas nações indígenas do litoral. Talvez a herança mais visível desse contato sejam as benzedeiras ou rezadeiras, que ainda são vistas nas áreas menos urbanas do país. Desde muito, um comércio bem brasileiro que até sempre produziu ganhos, especialmente nas classes mais pobres da sociedade, foi a produção de bolsas, patuás, etc com uma mistura de óstias, ervas conhecidas dos índígenas e magias africanas. No começo do séc. 17, começaram a chegar negros escravisados, aportando principalmente na Bahia, que trouxeram consigo a fé de diversas nações Yourubá: Guiné, Angola, Costa da Mina e Benin. Com o deslocamento da família real para o Brasil em 1808, o Rio de Janeiro passa a ser o principal porto de escravos. Aqui, numa situação em que essas pessoas foram forçadas a viver juntas, suas crenças se misturaram como não ocorreria na África. Cerca de 3,5 milhões de africanos foram trazidos para cá. Com o fim do tráfico negreiro em 1856, os africanos não chegavam mais e começou a se estabelecer o conceito de Crioulo, ou simplesmente negro brasileiro. Dessa forma, surgiram divindades com vários nomes (assim como Deus, no Antigo Testamento) e estórias que se sobrepõem parcialmente (como as de Jesus, no Novo Testamento). Algumas, até assumiram um caráter Cristão. Esse texto pretende traçar algumas semelhanças e diferenças entre Oxalá, que também é chamado Osalá, Orisalá ou Obatalá (para facilitar, será aqui nomeado apenas Oxalá) e Jesus (também Jeshua, Issa, etc).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O personagem africano possui diversos nomes (parecidos) justamente por integrar os panteões de várias nações da cultura Yorubá, na costa atlântica da África aio redor da foz do rio Níger (formado pela reunião dos rios Obá e Osum), onde hoje estão Benin, Nigéria e Camarões. Embora a cultura Yorubá se expanda por uma grande região na bacia do rio Níger, muito dela tem como centro o encontro do rio, da mata, do mar e os ventos do oceano. Sua cidade sagrada, Ile-Ifé, existe até hoje e tem como simbologia ser o ponto onde as divindades desceram ao plano material e iniciaram a criação do mundo. Existem numerosas versões orais de estórias sobre essas divindades, que só mais recentemente foram colocadas em forma escrita. Apenas aqui no Brasil os diversos Oxalás foram apresentados um ao outro. Por ser uma divindade de grande importância dentro dos Candomblés e na Umbanda, Oxalá ainda foi sincretizado com Jesus, a ponto de ser comum vermos imagens de Jesus nos terreiros, próximo a Exú, Iemanjá, etc. Da mesma forma, não é raro encontrar oferendas para Oxalá depositadas sob imagens de Jesus ou crucifixos em lugares públicos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Dentro do Cristianismo, Jesus faz parte da Trindade, ou seja, Ele é uma manifestação de Deus. Temos assim o Pai (Javé, Jeová, YHWH, etc), o Filho (Jesus, Sua manifestação em forma humana, unindo Deus aos homens) e o Espírito Santo (Sua manifestação como poder ou inspiração dada às pessoas). O Antigo Testamento nos conta sobre os profetas seguindo instruções do Pai, o Novo Testamento apresenta Jesus como o Filho e o Espírito Santo é prometido às igrejas que Paulo fundou no séc. 1. O Candomblé, por outro lado, não coloca Oxalá como parte do criador Olorum / Olodumaré. Ele é o primeiro orixá, deus menor responsável por criar o mundo material, ou os homens - dependendo da origem da estória. Por algum motivo, depois de fazer nossa espécie, Oxalá passou a habitar entre nós, como velho e depois como jovem. Como nas tramas Gregas, não há uma distinção clara entre as narrativas terrenas e mítico-espirituais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O sincretismo nunca é sem razão. Tanto Jesus como Oxalá possuem um lado divino e um lado terreno. No lado divino, Jesus declara (apenas no evangelho de João) que já existia antes de Abraão (João 8.58) e alguns religiosos mais extrapolantes vêem a figura do Anjo do Senhor que aparece no Antigo Testamento como uma representação de Jesus (todavia, devemos concordar, com uma personalidade bem distinta). Os Evangelhos contam 4 estórias parecidas sobre a vida terrena de Jesus. Depois de crucificado e enterrado, Jesus então volta a aparecer, anunciando que estaria sempre com seus discípulos e lhes daria poderes especiais para falarem sobre o Reino de Deus. Oxalá não passa por esse ciclo de encarnação, vida, morte e renascimento. Nas diversas narrativas, não necessariamente costuradas entre si, ele aparece hora convivendo entre os orixás num mundo espiritual, do qual levou uma corrente para descer dos céus e um saco ou concha cheia de areia para fazer o mundo seco de entre as águas; ora Ele aparece como um rei velho e se apoiando num cajado (porém forte o suficiente para carregar sacos de mercadorias), ora aparece como um guerreiro impetuoso fazendo exigências de espada na mão. Assim como Deus Pai trocava de nome nas estórias do Antigo Testamento, Oxalá também troca de nome entre as diversas estórias e reinos por onde anda.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Na cosmogonia Yorubá (em sua forma reunida, aqui no Brasil), Oxalá tem sua própria Trindade, sendo um jovem rei guerreiro (Oxaguiã), Oxalá (ele mesmo, adulto, sem idade definida) e Oxalufã (um rei idoso experiente e esforçado), todos usando roupas brancas, uma de suas marcas. Existem estórias associadas com cada uma dessas formas, como Oxalá deixando de homenagear Exú (que controla a fronteira dos mundos espiritual e material) por orgulho, se embebedando de vinho de palmeira (chama-se Toddy, acredite) numa festa celestial ou tentado por Exú, que lhe provocou muita sede, se envolvendo numa disputa com sua irmã mais nova Oduduwa (a quem foi dado criar o mundo e governar a Terra, noutras versões sendo um homem, inclusive o primeiro rei de Ilê-Ifé*), com quem se casou, em outras estórias, sendo dessa união pai de outros orixás, como Iemanjá (deusa do mar, identificada às vezes como grande mãe ou uma sereia, às vezes esposa de Oxalá). Sobre Oxalufã, diz-se que reinava em Ifon, desafiou o adivinho sagrado e viajou para Oyó visitar seu filho Xangô (deus da justiça, identificando como um senhor da guerra), que reinava lá. No caminho, Exú lhe pediu ajuda e o deixou sujo de sal, dendê e carvão (as preciosidades comerciais de Yorubá) sendo depois injustamente preso como um ladrão de cavalos. Oxaguiã, sua forma mais jovem, diz-se que era rei de Ejibó, partia para as batalhas levando inhame, sua única comida, e sempre retornava exigindo uma fortaleza maior. Ele seria um co-responsável, junto com Ogum (deus ferreiro, como Vulcano), pela invenção das ferramentas agrícolas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jesus viveu no começo do séc. 1 d.C., as narrativas sobre Ele foram assimiladas pelo Império Romano por volta do séc. 4 d.C. e difundidas na cultura Européia sob domínio Romano. Ele conta com muitas estórias orais, que foram reunidas por Mateus e Lucas no final do séc. 1 e montadas sobre a narrativa de Marcos. Sem falar na narrativa de João (séc. 2), de pouca semelhança com as outras, que é possivelmente uma coleção de estórias Samaritanas (e Samaria era um lugar por onde Jesus passava). Essas narrativas trazem um nascimento milagroso na cidade real de Belém (Judéia), sendo sua família de Nazaré (Galiléia), além de uma viagem dos pais ao Egito (potência econômica e militar da época), um aconselhamento dos anciãos no Templo (local sagrado) por Jesus criança, a vida posta em pássaros de barro (Evangelho da Infância de Cristo Segundo Tomé), até andar sobre as águas do lago da Galiléia, multiplicar pães, peixes, produzir pesca, ressuscitar várias pessoas e narrativas diversas de Sua ressurreição. Já as narrativas sobre Oxalá têm origem no séc. 7 d.C., quando a islamização do norte da África impôs uma barreira cultural com a Europa. Essas narrativas colocaram antigos reis como deuses criadores, permaneceram em forma oral e diversas até o séc. 17 e depois foram expatriadas para a costa atlântica da América Latina com o tráfico negreiro e a destruição dos impérios africanos pela investida colonialista dos Europeus. Elas contam como Oxalá desceu à Terra, criou os homens do barro, casou-se com Iemanjá e acabou por pedir ao Pai que lhe fossem dados poderes como aos outros orixás, como ficou aprisionado na cidade de Xangô, como tornou-se rei e desprezou seu amigo, como nasceu sem cabeça e depois conseguiu uma, feita de duas metades, uma quente e outra fria, como refez o órgão sexual do irmão com inhame, como criou a morte para que os homens não se achassem grandiosos demais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Como Oxalá, Jesus era uma divindade andando por um mundo bastante humano, onde seus sofrimentos foram registrados como ensinamentos. Mas, talvez não seja necessário dizer, Oxalá andava por terras Yorubá na costa ocidental da África (temos inclusive os nomes de cidades) e Jesus por terras da Galiléia, Samaria e Judéia (também temos os nomes de cidades). Fora do contexto celestial, Oxalá vivia a criação de ferramentas agrícolas, o cultivo de inhame para subsistência dos pobres e o comércio de produtos com o norte da África, os conflitos de classe social e as disputas entre cidades-fortalezas. Jesus vivia a demonização dos porcos, os conflitos de classe entre seu povo e com os dominadores Romanos, clamando para Si mesmo uma liderança religiosa que era monopolizada pelos Fariseus. Numa condição sanitária melhor do que os antigos Hebreus, Paulo dizia que nenhuma comida era proibida aos filhos de Deus. Se Jesus era um andarilho pobre que apelava ao Pai por ajuda, se Ele manifestava entre as pessoas o poder divino para ser seguido, Oxalá era rei, não usava de poderes, andava e interagia com outros orixás que por ali também reinavam.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não podemos separar precisamente o Jesus homem terreno das mitologias construídas ao redor de sua imagem divina. Paulo, primeiro a escrever sobre Jesus por volta de 50 d.C., transparecia saber pouco sobre a vida de seu inspirador: coisas como falar a Deus como a um pai, pagar dívidas, praticar amor ao próximo, não ter restrições ritualísticas de alimentos e esperar por um julgamento celestial no final dos tempos. Para Paulo, Jesus era mais celestial que humano. Marcos, que teve contato com o grupo de Pedro, trouxe uma narrativa curta sobre os poucos anos em que Jesus pregou pela Galiléia, realizando exorcismos, curas, multiplicando alimentos, ressuscitando mortos, mas também comendo, participando de festas, se incomodando com as multidões, ensinando, chorando a morte de um amigo, desafiando os religiosos, sendo preso, apanhando e sendo executado. Oxalá também tem esse viés de homem-deus misturados. Ele fala diretamente com Olorum, cria os homens (do barro), disputa pelo governo da Terra e tem a paternidade de outros deuses, mas também é rei de diferentes cidades-fortaleza, fica bêbado, dorme, carrega sacos, suja suas roupas, é aprisionado, gosta de inhame.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A adoração a Jesus tem por fim imitar comportamentos Dele enquanto humano, mas referenciando sua identidade divina; também a adoração a Oxalá ressalta características suas enquanto pessoa (guerreiro ou idoso sábio, mais na África do que no Brasil, e mesmo assim pouco significativa comparado à figura divina), mas há também (e principalmente) a referência a Ele enquanto divino criador dos homens. Nesse sentido, Jesus é referenciado como símbolo de união a Deus (Paulo ressalta muito esse aspecto), sabedoria (sobretudo em Lucas e Mateus), promessa de um futuro bom (Evangélicos), humildade (Franciscanos), aceitação do martírio (entendido frequentemente como paz), aliança aos pobres (Teologia da Libertação), verdade (Islã), etc. Oxalá, por outro lado, é associado à fé, à criação do Céu, ao ar, silêncio, paz e nascimento. As imagens de um e outro talvez se confundam: Oxalá é representado pela cor branca (sinal de pureza), que aprece em suas oferendas: carne branca, canjica branca cozida sem sal, acaçá (massa de milho branco cozida), rosas brancas, vinho branco e caramujos. Jesus também, embora muitas vezes pintado com o manto vermelho que Lhe vestiram no julgamento Romano (por Pôncio Pilatos e depois Herodes Agripa), tem indicação de ter usado roupas camponesas, uma túnica de duas peças até os joelhos, de lá branca ou clara, e sandalhas de couro. Dentro do Cristianismo, o Catolicismo faz oferendas com velas (brancas), o que é também um padrão do culto a Oxalá. Uma imagem de Jesus com vestes brancas sem dúvida lembraria Oxalá, para um fiel do Candomblé ou Umbanda.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O sincretismo é inevitável quando nos distanciamos das narrativas “originais” e passamos a ver a divindade como um símbolo de algo. Heródoto (485 a.C. - 425 a.C.) contava sobre a identificação entre deuses egípcios e gregos, notando que a última presença de um deus entre os homens era extremamente antiga. Tanto no caso de Jesus como Oxalá, aparentemente essa identificação já ocorria talvez menos de 1 século após suas andanças pela Terra. Ambos acabaram sendo associados com pombos brancos, fé, vida e paz. Mesmo assim, são personagens bastante distintos em seus ensinamentos ou personalidades, além de habitarem épocas e locais muito diferentes. Como divindades, talvez sejam distintos também quanto ao que esperam dos homens (Jesus deixou dois mandamentos apenas; Oxalá deixou apenas tabus quanto a alimentos e cores de roupa). Seus arquétipos - ou seja, as características que permitem serem imitados - são mais complexos do que simples conceitos de bem e mal (por exemplo, Jesus gostava de disputar jogos verbais com os religiosos e Oxalá teve problemas mentais**). Isso sempre abrirá margem para que os fiéis, ainda que um pouco e fazendo oferendas distintas, segundo cada sistema religioso, possam se parecer com seus modelos. Ou ambos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">----------------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">* Em Ilê-Ifé, a cidade sagrada, Orisá significa "aquele que fala" e também "espírito". Todos os governantes de Ilê-Ifé são chamados Orisá e considerados descendentes diretos de Oduduwa, a divindade que formou a Terra a partir das águas. Em 2015 assumiu o trono Adeyeye Enitan Ogunwusi Ojaja II, 401º Ooni ou Orisá. Se seguirmos a lógica de Heródoto, com 30 anos por geração, 401 x 30 = 1230 anos, indicando a fundação da cidade pouco antes de 800 d.C., no séc. 8, época da transformação de Baghdad em capital do maior califado da época.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">** Numa das estórias sobre Oxalá, Ele se casa com Iemanjá e a põe para fazer todos os serviços domésticos. Iemanjá então se revoltou e falou tanto que enlouqueceu Oxalá. Arrependida, ela tratou dele e, em retribuição, Ele pediu a Olorum que concedesse a ela cuidar das cabeças de todos os homens. Noutra estória, Oxaguiã (o jovem Oxalá) nasce sem cabeça e o deus Ori lhe faz uma cabeça com inhame, que era muito quente e dava dores terríveis. Depois, Ele encontrou Icu, a morte, que lhe fez uma cabeça fria, mas com a qual sentia-se perseguido de temores. Ogum, com sua espada, ajuda o jovem juntando metade de cada cabeça, o que produziu paz em Oxaguiã.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">----------------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>LÁ DO OUTRO LADO DO MAR</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1mT3VtS7H4_Ep0jESgJpYjSzLMZmfc87e/view">A infância de Jesus Cristo segundo Tomé</a> (evangelho apócrifo)</div><div style="text-align: justify;"><a href="https://loungecba.blogspot.com/2020/09/as-duas-torres.html" target="_blank">As duas torres</a> - loungecba.blogspot.com, 7 set 2020</div><div style="text-align: justify;"><a href="http://loungecba.blogspot.com/2018/03/abraao-em-questao.html" target="_blank">Abraão em questão</a> - loungecba.blogspot.com, 15 mar 2018</div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.slavevoyages.org/voyage/database" target="_blank">Banco de Dados do Tráfico de Escravos Transatlântico</a>, Emory Center for Digital Scholarship initiative</div><div style="text-align: justify;">CASALI, Rodrigo. <a href="https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8161/tde-17032017-103917/publico/2016_RodrigoCasali_VCorr.pdf" target="_blank">Guias e Orixás: narrativas de expressões orais sobre os candomblés do MS</a>. 2016. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.</div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Ifẹ" target="_blank">Ifé - wikipedia</a></div><div style="text-align: justify;"><a href="http://loungecba.blogspot.com/2013/03/jesus-no-isla.html" target="_blank">Jesus no Islã</a> - loungecba.blogspot.com, 17 mar 2013</div><div style="text-align: justify;"><div>KAITEL, Alexandre; SILVEIRA, Luiz Henrique Lemos. <a href="https://doi.org/10.22478/ufpb.1982-6605.2020v17n2.52777" target="_blank">Uma Reflexão mítica-arquetípica-religiosa da experiência dicotômica entre Cristo/Demônio e Oxalá/Exu</a>. Religare, v. 17, n. 2, 2020.</div><div><a href="https://loungecba.blogspot.com/2012/06/o-antigo-cristo.html" target="_blank">O antigo Cristo</a> - loungecba.blogspot.com, 25 jun 2012</div></div><div style="text-align: justify;"><a href="http://loungecba.blogspot.com/2022/04/basilica-de-sao-paulo-em-roma.html" target="_blank">O Evangelho de Paulo</a> - loungecba.blogspot.com, 26 abr 2022</div><div style="text-align: justify;">PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. Companhia das Letras, 2020.</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-91236058184852811382023-01-10T23:49:00.015-04:002023-01-17T07:41:56.249-04:00Os textos de Paulo são mesmo de Paulo? Uma 1ª análise.<div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><img height="288" src="https://lh3.googleusercontent.com/qXNjTunam-xO-U8mSJeU73Er2pUiewN-yJnKaF4ZCpcxLTRiiVi_tr92Vcuh4xFLL0Hhdhl24yLruxL4nyZaVfFULgrt4_231vDmR7D2_VemvjlvYd3W3ElctbnOj79TmIjWePj9wXEE0e8Jwjy9V_haUcQ-2l8hgG-xFgDS0lbOJMFeetfieQOqaCmQNQ=w640-h288" width="640" /><br /></div><div style="text-align: center;"><i>Paulo e uma possível organização das epístolas, segundo seu vocabulário.</i><br /></div></div><div><br /></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><span style="color: #990000;"><b>G</b></span></span>rande parte do material que temos do Novo Testamento corresponde às cartas que Paulo de Tarso (talvez 5 - 64/65 d.C.) enviou para as igrejas que fundou na costa do Mediterrâneo e para companheiros seus como Tito, Timóteo e Filemon. Esse material faz parte, é claro, dos primeiros relatos que temos do Cristianismo como religião dentro do mundo Romano. Os estudiosos assumem uma certa cronologia para as cartas, que não é a ordem de sua encadernação no Novo Testamento:</div><div> </div><div style="text-align: left;">1ª Tessalonicenses* (51 d.C.)<br />2ª Tessalonicenses, Gálatas* e 1ª Coríntios* (52 d.C)<br />Filipenses*, Filemon* e 2ª Coríntios* (53-54 d.C.)<br />Romanos* (55-56 d.C.)<br />Colossenses (57-59 d.C.)<br />Efésios (62 d.C.)<br />1ª Timóteo (62-64 d.C)<br />2º Timóteo (62-65 d.C.)<br />Tito (66-67 d.C.)<br /><br /><span> </span><span> </span>evangelho de Marcos (66-70 d.C.)<br /><span> </span><span> </span>evangelhos de Mateus e Lucas (80-90 d.C.)<br /><span> </span><span> </span>evangelho de João (90-110 d.C.)<br /><span> </span><span> </span>Didache e Pastor de Hermas (90-150 d.C.)<br /><br /><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">Nessa lista, os textos marcados com asteriscos (*) são tidos como indubitavelmente obras de Paulo.</div><div style="text-align: justify;"> <br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo escreveu suas obras durante e após suas 3 viagens missionárias. A primeira viagem foi entre as cidades de Sidon, Perga e Antioquia; a 2ª viagem foi entre Jerusalém, Antioquia (da Síria), Filipos, Tessalônica, Atenas, Corinto, Éfeso, Rhodes e Cesaréia; a 3ª viagem foi entre Antioquia (da Síria), Antioquia (da Frígia), Éfeso, Tessalônica, Atenas, Rodes e Tiro. Não há muitos indícios nas cartas sobre seu local de escrita, mas alguns eventos relatados dão certa noção do ano em que foram produzidas.</div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">É importante notar que os textos de Paulo são anteriores aos Evangelhos, daí sua contribuição inegável às fases iniciais do Cristianismo. O Cristianismo ensinado por Paulo, anterior aos Evangelhos, deve ter sua origem em Jerusalém, onde ele foi recrutado como oficial Fariseu para perseguir os Cristãos. Desde pelo menos 30 d.C. já circulavam documentos Romanos sobre os Cristãos. Na sua conversão em Damasco/Síria, Paulo esteve com o grupo de Ananias e foi mandado de volta a Jerusalém, para o grupo de Pedro. Depois, ele seguiu para a igreja de Antioquia da Síria, onde fortaleceu uma comunidade onde passou pelo menos 1 ano. Quando foi outra vez a Jerusalém, ele até Pedro o jovem João Marcos, que viria a ser o primeiro Evangelista, muitos anos mais tarde. A partir de seu retorno a Antioquia, Paulo percorreu a costa do Mediterrâneo ao longo de 15 anos e outras duas viagens a Jerusalém e Antioquia, antes de começar a enviar as cartas que temos na Bíblia. Aparentemente, em algumas viagens missionárias Paulo estava acompanhado de uma mulher grega chamada Tecla, e os textos deixados por ele foram escolhidos ou modificados por seus aprendizes de forma a ocultar o nome dela.</div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">O debate sobre a autoria dos textos de Paulo se torna importante quando algumas idéias dele apoiadas numa carta são combatidas em outras, como a participação de mulheres nas congregações e a aceitação ou não da escravidão de um Cristão por outro. A situação se complica ainda mais quando pensamos que o material de Paulo que nos chegou foi copiado e recopiado por comunidades religiosas ao longo de muitos séculos, comunidades estas que se desenvolveram independentemente antes que Roma decretasse uma autoridade política sobre o Cristianismo, no séc. 4. Até que a centralização de poderes acontecesse, muitos grupos Cristãos passaram a produzir seus próprios materiais religiosos. Não raro, esses textos eram atribuídos à autoria de pessoas famosas (ex. Paulo, Mateus, João) de forma que fossem seguidos e preservados.</div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">Até que os Evangelhos se tornassem um elemento importante no Cristianismo, isto é, até que os ditos e feitos de Jesus passassem a inspirar as pessoas, uma teologia inicial se desenvolveu com base nas discussões filosóficas e metafísicas de Paulo, além do que ele mesmo dizia sobre Jesus. Tal conhecimento, segundo a epístola de Gálatas, se trata de algo sobrenatural vindo diretamente de Jesus (já morto havia 20 anos). Em verdade, as epístolas não dão muitos indícios sobre qual foi o contato de Paulo com comunidades Cristãs anteriores a ele. Por isso, quando pensamos que algumas delas talvez não sejam autoria de Paulo, o Cristianismo assume a aparência de uma colcha de retalhos, com filosofias, teologias, etc que se desenvolveram mais ou menos por si mesmas, do modo que puderam fazer isso, e nalgum ponto do séc. 4 foram unificadas (à força) pela nascente Igreja Romana.<br /></div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">Analisar a autoria de textos copiados e recopiados é, por outro lado, algo difícil que envolve as palavras/expressões usadas e as idéias apresentadas. Palavras e expressões podem caracterizar um autor, como é o caso dos textos Joaninos, enquanto as idéias podem identificar um grupo religioso. Assim, podemos por exemplo dizer que o evangelho de João, as cartas 1ª João, 2ª João e 3ª João, assim como o Apocalipse são de um ou dois autores apenas (ver <a href="https://loungecba.blogspot.com/2020/04/joaninos-1-estudo-do-evangelho-de-joao.html" target="_blank">Joaninos 1</a> e <a href="https://loungecba.blogspot.com/2020/05/joaninos-2-estudo-do-evangelho-de-joao.html" target="_blank">Joaninos 2</a>). As idéias defendidas nesses trabalhos não se replicam nos evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas, fazendo supor que são obras de uma comunidade independente.</div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">Aqui, apresento uma metodologia para comparar as epístolas (e não as cartas) de Paulo, isto é, os textos que foram supostamente escritos por Paulo para as Igrejas fundadas por ele (Romanos, 1ª Coríntios, 2ª Coríntios, Filipenses, Colossenses, Efésios, Gálatas, 1ª Tessalonicenses e 2ª Tessalonicenses). As cartas (Filemon, Tito, 1ª Timóteo e 2ª Timóteo) não foram incluídas por se tratarem de obras com natureza diferente, não feitas com objetivo de ensino, mas correspondências pessoais entre Paulo e alguém íntimo dele.</div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">Num 1º passo, todas as palavras das epístolas paulinas foram catalogadas, incluindo sua posição no texto. Essas posições não foram utilizadas aqui, mas foram coletadas com a idéia de posteriormente estudar as aproximações de palavras nos textos paulinos. Num 2º passo, foram removidas as palavras conectivas (ex. e, ou, para, assim, etc) e os verbos de ligação (ser, estar, ficar, etc). As demais palavras foram todas convertidas em substantivos masculinos singulares (ex. agradecemos ⇒ agradecer ⇒ agradecimento). Palavras com significado especial foram separadas (ex. espírito [de paz] ≠ Espírito [Santo]). Num 3º passo, palavras com significados semelhantes foram agrupadas sob a escrita mais comum (ex. conhecimento, sabedoria, entendimento). Essa foi a etapa realmente demorada. Para efeito de representatividade, as palavras com repetição menor do que 9 vezes no texto foram desconsideradas.</div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">O resultado dessas contagens e alinhamentos é mostrado na Figura 1.</div><br /><img src="https://lh3.googleusercontent.com/yuGhDGQ6TKyqKRWfQVOQIKRvAUMEvpuZfK-ANNJn72FePDyL_GltH2nz3H7nmN3XNcZHWxnZtXt51FZdgQyzGM0tTpnBvM0j40pg6oEPzNFBOiRnIqHouCpwXo29QxVUcY9oZpckCSwGMaJd3wWz5QOSOmtJcJdUnjnvWJvpJABZdCic4UiTTT398UTG9w" /><br /><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><b>Figura 1 -</b> Contagens de palavras nas epístolas de Paulo. Essas contagens incluem espaços como sendo palavras. Dados disponíveis em <a href="https://docs.google.com/spreadsheets/d/1OoRvj4Ip4SEKPAq1fFwc2Koida-hg2nkE8Uiwl6Gh8A/edit?usp=sharing" target="_blank">https://docs.google.com/spreadsheets/d/1OoRvj4Ip4SEKPAq1fFwc2Koida-hg2nkE8Uiwl6Gh8A/edit?usp=sharing</a></i><br /></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O primeiro resultado interessante é notar que poucas palavras são repetidas várias vezes. A epístola 2ª Tessalonicenses, por exemplo, tem 1200 palavras. Destas, apenas 6 se repetem mais de 9 vezes. Mesmo numa epístola imensa como Romanos (quase 11200 palavras), a palavra mais repetida (Deus) só aparece 167 vezes (14%, também a média de repetições de palavras em todas as epístolas). As palavras mais repetidas nas epístolas paulinas são Deus (aparece nas 9 epístolas), Jesus (em 8/9 só não aparece em Colossenses) e Senhor (em 8/9, só não aparece em Gálatas). A ausência de Jesus em Colossenses e Senhor em Gálatas faz supor que talvez não derivem do mesmo autor.<br /></div><div style="text-align: left;"> <br /></div><div style="text-align: justify;">Para estabelecer um parentesco entre os textos, cada um deles foi interpretado como um vetor dentro de um espaço formado por muitas palavras. Um vetor é uma coordenada de vários números (ex. vetor = (10,2,0), com as coordenadas 10, 2 e 0). Os pares de vetores podem ser paralelos/múltiplos (ex. (1,4) e (3,12)), antiparalelos (ex. (1,4) e (-3,-12)) ou completamente independentes (ex. (2,0) e (0,1), reparando que cada um carrega uma coordenada que o outro não tem). No mundo real, a maioria dos vetores se relaciona entre esses extremos, possuindo uma “projeção” entre si que varia de 0 (vetores independentes) até +1 (vetores paralelos) ou -1 (vetores antiparalelos). Para comparar os textos, as epístolas de Paulo foram convertidas em vetores, não de 3 dimensões (pois não estamos lidando com posições de coisas no espaço), mas com 106 coordenadas. Essas coordenadas são as contagens de repetições das suas palavras. Na tabela acima, por exemplo, Romanos tem 167 na coordenada “Deus”. Feitas essas conversões, foram calculadas as “projeções” entre cada par de vetores, conforme a Figura 2. Cada projeção de dois vetores foi calculada assim: projeção vetores A,B = 2*(a1*b1 + a2*b2 + ... + a106*b106) / (a1² + b1² + a2² +b2² + ... + a106² + b106²), que é um procedimento geométrico bastante usual conhecido como "produto escalar".<br /></div><div style="text-align: left;"><br /><div style="text-align: center;"><img height="285" src="https://lh4.googleusercontent.com/8ZL8zJt-qRSjc2DWebdShPQe91XvMy0qIam-navs8yEL7-J9Bbt2-CWh0letx53MOBa3G2x0UbywcOVWDjYLRCrd-yxkLqWrGk5N5U4Hh1TYV50S4q1Oo--GzI3c8UbfGPHvPwP2nuar2V-oUQvZqr-KYgCEuZhULCPrTTX_yaQdQTTt7HKuykyFPoOtgQ=w640-h285" width="640" /><br /></div><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><b>Figura 2</b> - Projeções calculadas entre as epístolas de Paulo. Valores mais altos sugerem maior proximidade entre os textos, valores mais baixos sugerem textos destoantes. A projeção de cada texto consigo mesmo (ex. Rm vs. Rm) sempre é de 1 ou 100%. Os valores de projeção independem das diferenças de tamanho entre os textos. Disponível em <a href="https://docs.google.com/spreadsheets/d/1OoRvj4Ip4SEKPAq1fFwc2Koida-hg2nkE8Uiwl6Gh8A/edit?usp=sharing" target="_blank">https://docs.google.com/spreadsheets/d/1OoRvj4Ip4SEKPAq1fFwc2Koida-hg2nkE8Uiwl6Gh8A/edit?usp=sharing</a><br /></i></div><div style="text-align: left;"> </div><div style="text-align: justify;">É possível ver que os textos, mostrados em projeções na Figura 2 com cores mais alaranjadas, compõem basicamente 2 grupos. Um deles formado por Romanos, 1ª Coríntios e 2ª Coríntios, outro formado por 1ª Tessalonicenses, 2ª Tessalonicenses, Filipenses, Colossenses e Efésios.<br /></div><div style="text-align: left;"> <br /></div><div style="text-align: justify;">Depois de calculadas as projeções, foi montada uma representação “geométrica” dos textos, de modo a colocar próximos aqueles mais semelhantes e distantes aqueles mais destoantes. Tomando como evidência que 1ª Tessalonicenses seja o texto mais antigo dentre as epístolas, as semelhanças entre elas podem nos indicar a ordem de produção do textos, indo desde o grupo mais coeso até os textos mais divergentes. Isso é mostrado na Figura 3.<br /></div><div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: justify;"></div><div style="text-align: center;"><img height="402" src="https://lh4.googleusercontent.com/P3x3W3O_wVi59mAuB_h9q8BqPDUdQwHJXYTPdmPCpFjgiUD6NhH104G4DUTyrFFwDLU7bUWqjsjVErkM-pEmB_ARb4h7RAq8w1V13DxUYI5ae-fgXV1I8LRaxjsnTCVXHkDORj9NnJnCnmSbkuuis7yOxnWT2MZqoZ4UPW6mCHk_CWOp84TgzPIKj_L7Ug=w640-h402" width="640" /></div><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><b>Figura 3</b> - Organização das epístolas como um fluxo de produção. Os números indicam as projeções entre os textos. Projeções mais altas indicam textos mais semelhantes. As setas indicam uma possível sequência de produção, baseado na suposição de 1ª Tessalonicenses (1Tes) como epístola mais antiga.</i></div><div style="text-align: justify;"> </div><div style="text-align: justify;">Finalmente, esse esquema de produção das epístolas pode orientar uma discussão sobre a autoria dos textos paulinos. Do lado esquerdo, vemos um conjunto de 5 textos altamente semelhantes quanto ao seu vocabulário: 1ª Tessalonicenses, 2ª Tessalonicenses, Filipenses, Colossenses e Efésios. Se 1ª Tessalonicenses carrega a “assinatura de Paulo”, o mesmo ocorre com os demais.</div><div style="text-align: left;"> </div><div style="text-align: justify;">Fora desse grupo, encontramos Gálatas e 2ª Coríntios, que possuem associações boas apenas com Efésios. A relação em particular com essa epístola pode sugerir que ela serviu de modelo para a confecção das posteriores. É bastante plausível Gal e 2Co ambos reflitam a obra de 2 outros escritores, ou uma edição tardia nas comunidades em que foram preservados. O mesmo vocabulário de 2ª Coríntios de fato é usado em 1ª Coríntios e Romanos, porém ambas essas últimas não possuem semelhança com Gálatas.</div><div style="text-align: left;"> </div><div style="text-align: justify;">Romanos, 1ª Coríntios e 2ª Coríntios possuem de fato dimensões muito diferentes dos outros textos (7200 a 11200 palavras vs. 1200 a 3650 palavras). Além disso, são textos coesos entre si quanto ao vocabulário usado. Mas não são coesos com o 1º grupo de 5 textos, sugerindo um autor independente ou edições tardias.<br /></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em outras palavras, é possível que as epístolas “de Paulo” na verdade sejam obras de pelo menos 3 autores. O grupo “mais paulino” seria composto por 1ª Tessalonicenses, 2ª Tessalonicenses, Filipenses, Colossenses e Efésios. Já Gálatas seria obra de um 2º autor inspirado em Efésios, assim como uma 3º autor teria produzido 2ª Coríntios, 1ª Coríntios e Romanos. Todos eles assinaram suas obras como “Paulo”, porém o vocabulário usado em cada grupo de textos sugere que não são obras da mesma pessoa. Ou, pelo menos, eles são ideologicamente tão distintos que Paulo teria passado por grandes transformações em sua forma de escrever, e principalmente seu vocabulário, entre esses 3 grupos de textos.<br /></div><div style="text-align: left;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tal diferença de autoria talvez explique divergências de idéias encontradas nas epístolas, como por exemplo uma postura judaizante em algumas e um postura anti-judaizante em outras. Gálatas como uma obra em separado, por exemplo, é bastante significativo, uma vez que se trata de um texto defendendo um forte legalismo dentro da Igreja, postura bastante farisaica. A epístola é endereçadas "às igrejas da Galácia", uma região da Grécia e não uma cidade em específico, ao mesmo tempo em que seu autor “Paulo” afirma apresentar ali conhecimentos sobre o que Deus gosta ou não que lhe foram providos pelo próprio Jesus. Tal modo de apresentar idéias divergentes é também encontrada nos textos Joaninos, com um “apóstolo João” se auto-nomeando como o “discípulo amado”, de forma a conferir mais autoridade para suas palavras divergentes do aos textos mais antigos, além de relatar eventos junto a Jesus que nenhum outro evangelista reporta.<br /></div><div style="text-align: left;"><br /><div style="text-align: justify;">Romanos e as epístolas a Corinto, também provavelmente obras de um “Paulo” que não é o de Tarso, são obras de forte caráter doutrinário, onde o autor instrui as igrejas sobre como lidar com divergências internas e o mundo Romano ao redor. Caso não sejam obras reais de Paulo, são provavelmente das comunidades fundadas por ele, de forma a tecer uma estrutura religiosa-cultural que viria a ser o Cristianismo. Trata-se de uma estrutura bem distinta dos 5 textos mais provavelmente “paulinos”, em que Paulo relata seus problemas pessoais, seus sofrimentos, expectativas, e fortalece a idéia de que tudo o que se passava COM ELE era para o fortalecimento do Reino de Jesus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Desde a centralização de poder na Igreja Romana, diversas epístolas foram consideradas falsas. Geralmente, o motivo era sua não citação em nenhuma obra antiga (isso lá no séc. 4), mas muitas vezes tratou-se de votações onde algo como metade mais 1 dos cardeais julgou o texto como falso (ver <a href="http://www.ntcanon.org/table.shtml" target="_blank">http://www.ntcanon.org/table.shtml</a>). Algumas que ficaram nesse limbo e ainda assim ganharam seu lugar na Bíblia foram Efésios, Colossenses e 2ª Tessalonicenses. Marcion de Sinope, um famoso "herege" do séc. 2, por exemplo, foi uma das primeiras pessoas a encadernar cartas de Paulo num livro religioso. Marcion via Paulo como o profeta por excelência. Em sua versão anti-judaica do Cristianismo, Marcion aceitava como verdadeiro apenas o evangelho de Lucas (pois fora discípulo de Paulo) e as epístolas Gálatas, 1ª Coríntios, 2ª Coríntios, Romanos, 1ª Tessalonicenses, 2ª Tesslonicenses, Efésios (Laodicences, segundo ele), Colossenses, Filipenses e Filemon. Pela data do trabalho de Marcion (citado pela Igreja já em 144 d.C.), acredita-se nele como testemunha da antiguidade de tais escritos.<br /><br />Mesmo sendo antigo, Efésios levanta dúvidas por conter 40 palavras que não aparecem nas outras cartas, não falar sobre os dons espirituais e mostrar um Jesus autoritativo (agindo por sua própria vontade). Colossenses também fala contra o Gnosticismo, um movimento que só seja mencionado em documentos do séc. 2, além de usar conjugações incomuns de verbos. 2ª Tessalonicenses repete, várias vezes, o fato de não ser um trabalho falso. Essa estrutura, como eu mesmo já coloquei, geralmente é encontrada justamente naqueles textos que são alterações de algum outro ou completamente forjados.<br /><br />Na análise feita aqui, de textos em português, evitando-se toda conjugação de palavras através de sua transformação em substantivos masculinos singulares (isso foi escolha minha), tais problemas obviamente não ocorrem. Por conta disso, todas as epístolas "duvidosas" na verdade encontram seu lugar junto do pacote mais provavelmente paulino, devido às palavras que utilizam e o número de repetições de cada palavra. Mais ainda, seria surpreendente que trabalhos enormes e tão significativos como Romanos, 1ª Coríntios e 2ª Coríntios não sejam obras de Paulo. Normalmente vemos Paulo mais por essas obras, como um organizador das Igrejas, do que pelas outras. A ideia aqui, ainda mais pela limitação de metodologia, é fazer pensar que talvez conheçamos o Paulo errado. Por exemplo, Lucas descreve, em Atos, um Paulo muitíssimo mais polido e "romano" do que Paulo parece nas 5 epístolas aqui atribuídas a ele. É possível que Romanos, 1ª Coríntios e 2ª Coríntios reflitam algo como o livro de Atos, ou seja, um Paulo idealizado, narrado/narrador a partir não de si mesmo, mas de uma comunidade fundada sobre seus ensinamentos.<br /></div><br /></div><div style="text-align: justify;">Evidentemente, uma análise como essa deveria ser feita a partir dos textos em gregos mais antigos disponíveis. No entanto, esses mesmos textos são cópias-recópias bem distantes dos originais do século 1. Análises em outros vieses, como as idéias defendidas em cada epístola, ainda serão feitas (a seu tempo). Uma vez que essa metodologia de análise foi sendo aprimorada através de várias tentativas de classificar os textos e pouco se modificou quanto aos resultados, é provável que uma comparação de ideias defendidas também não modifique isso.<br /></div><div style="text-align: left;"></div><div style="text-align: left;"> </div><div style="text-align: left;">-----------------------------------------------------------------<br /><br /><b>CARTAS QUE NÃO SÃO DE PAULO</b><br /><br /><a href="http://loungecba.blogspot.com/2021/02/atos-de-paulo.html" rel="nofollow">Atos de Paulo</a>, loungecba.blogspot.com, 28/02/2021. <br /></div><div style="text-align: left;"><a href="http://loungecba.blogspot.com/2020/07/marcos-um-evangelista-entre-pedro-e.html" target="_blank">Marcos, um evangelista entre Pedro e Paulo</a>, loungecba.blogspot.com, 05/06/2020.<br /><a href="http://loungecba.blogspot.com/2022/04/basilica-de-sao-paulo-em-roma.html" target="_blank">O evangelho de Paulo</a>, loungecba.blogspot.com, 02/04/2022.<br /><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Pauline_epistles" target="_blank">Pauline epistles</a> - wikipedia<br /><a href="http://loungecba.blogspot.com/2016/06/seculo-1-2-parte.html" target="_blank">Século 1 - 2ª parte</a>, loungecba.blogspot.com, 13/06/2016. <br /></div><div style="text-align: left;"><a href="https://www.patheos.com/blogs/keithgiles/2019/03/sorry-christians-our-bible-contains-fake-letters-from-paul-and-peter/" target="_blank">Sorry Christians: our Bible contains fake letters from Paul (and Peter)</a>, Keith Giles, 29/03/2019. <br /></div><div style="text-align: left;"><a href="http://www.ntcanon.org/Marcion.shtml">The Development of the Canon of the New Testament</a>, Glenn Davis, 1997-2001. <br /></div><div style="text-align: left;"><a href="https://www.churchofjesuschrist.org/media/image/map-bible-missions-paul-355c6f6?lang=eng" target="_blank">The Missionary Journeys of Paul</a>, churchofjesuschrist.org.<br /><a href="https://www.rasch.org/rmt/rmt151k.htm" target="_blank">Who wrote Paul's Epistles?</a>, Rasch Measurement Transactions, 2001.</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-78857132587401638482022-07-28T11:11:00.004-04:002022-07-28T16:36:14.836-04:00A violência de Jesus<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMqY7wGY9XYRAPWnGtxjrlBkajgPqqlQyztsm6ivzJ38x1bmPYGHsOVUPjBSjNVqtB624nwm7h8r78GNS1V43kSgusfLKsUKj8uhBkjoUFp0nv1dIHXO5enQ81fNL4Y-E0W4wbbezC2PZOMOZYo97ayL5GL6ENIa2bKAhAbvhYjY-Jjl8au8nEQ1QgpA/s800/mironov.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="550" data-original-width="800" height="440" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMqY7wGY9XYRAPWnGtxjrlBkajgPqqlQyztsm6ivzJ38x1bmPYGHsOVUPjBSjNVqtB624nwm7h8r78GNS1V43kSgusfLKsUKj8uhBkjoUFp0nv1dIHXO5enQ81fNL4Y-E0W4wbbezC2PZOMOZYo97ayL5GL6ENIa2bKAhAbvhYjY-Jjl8au8nEQ1QgpA/w640-h440/mironov.png" width="640" /></a></div><i><div style="text-align: center;"><i>Expulsão dos mercadores do Templo. Pintura do artista russo Andrei Nikolayevich Mironov, em 2012.</i></div></i><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><b><span style="color: #cc0000; font-size: large;">E</span></b>m frente de seus apoiadores, no Palácio da Alvorada em 15/6/22, ao tradicionalmente incentivar o armamento da população, o presidente Jair Bolsonaro defendeu que Jesus "<i>não comprou pistola porque não tinha naquela época</i>". Aparentemente, Jesus B (de Bolsonarista) era alguém favorável a defender o seu patrimônio ou a si mesmo causando a morte de outra pessoa. Se muitos são favoráveis, se os apoiadores de Bolsonaro são e, principalmente, se Bolsonaro é, como ou porque Jesus B não seria?</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>JESUS ARMADO</b></p><p style="text-align: justify;">Quanto à defesa de Seu patrimônio, nos exóticos ensinamentos de Jesus dados na vila de Cafarnaum, à margem do lago de Genesaré, Mateus e Lucas registraram uma fala sobre Ele não ter onde descansar (Mt 8.20, Lc 9.58). Nenhum dos Evangelhos se refere a posses de Jesus, que apesar disso parecia ter pessoas Lhe cedendo facilmente casa e comida. Se Ele não tinha o que defender, podemos deixar de lado isso como motivo para matar alguém. Quanto a conjecturar se Jesus mataria, tendo o que defender, isso será só suposição.</p><p style="text-align: justify;">Jesus mataria alguém para defender a si mesmo? Nos Evangelhos, quando Jesus foi preso Ele argumentou: "<i><span style="color: #e69138;">Vocês vieram armados para me prender, como se eu fosse um malfeitor. Entretanto, todos os dias eu estava sentado ensinando no templo e não me prenderam</span></i>" (Mc 14.48-49, Mt 26.55, Lc 22.52-53). Na cena seguinte, Jesus é levado pelos guardas. Sem matar ninguém.</p><p style="text-align: justify;">Nessa mesma hora, acontece a famosa cena em que supostamente Pedro (somente João 18.10 o nomeia) corta com espada a orelha de um dos guardas. Apenas em Mateus, Jesus repreende-o com argumento bem pacifista:</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">Guarda tua espada, porque aqueles que usarem da espada, pela espada morrerão.</span></i> (Mt 26.52)</p><p style="text-align: justify;">Aqui, há uma variedade de relatos, tornando a narrativa mais frágil. Em Marcos, os guardas tentam pegar também um jovem coberto com pano, que escapa. Em algumas tradições, acredita-se que seja o jovem João Marcos, futuro evangelista (Mc 14.51-52). Em Lucas, ao invés da fala, temos Jesus curando o guarda atacado (Lc 22.51). Em João, a fala é "<i><span style="color: #e69138;">Enfia a tua espada na bainha! Não hei de beber eu o cálice que o Pai me deu?</span></i>" (Jo 18.11). </p><p style="text-align: justify;">Chama a atenção que, no texto de todos os evangelistas, encontramos alguém armado no grupo junto de Jesus (Lc 22.49 indica ser mais de um). Jesus, em especial, não estava armado.</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">Quando vos mandei sem bolsa, sem mochila e sem calçado, faltou-vos porventura alguma coisa? Eles responderam: Nada. Mas agora, disse-lhes ele, aquele que tem uma bolsa, tome-a; aquele que tem uma mochila, tome-a igualmente; e aquele que não tiver uma espada, venda sua capa para comprar uma". Eles replicaram: "Senhor, eis aqui duas espadas'. 'Basta', respondeu ele.</span></i> (Lucas 22.35-36)</p><p style="text-align: justify;">Esse é texto usado por Bolsonaro para defender o armamento em nome de Jesus. Tal trecho é de fato frequentemente citado por pessoas desejando mostrar que Jesus apoiava atos violentos. Em si, trata-se de uma passagem presente só em Lucas, Como antes, seu papel na narrativa dos Evangelhos fica enfraquecido... O contexto é o último diálogo de Jesus na ceia, antes de ir para o Getsêmani (Morro das Oliveiras), onde seria preso. Lá, Jesus dizia a Pedro:</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua confiança não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos.</span></i> (Lc 22.31-32)</p><p style="text-align: justify;">O significado mais aceito dessa fala é que Jesus prenunciava a perseguição aos Cristãos que se iniciaria. Então, Ele anunciava que seriam necessários dinheiro e proteção - com armas. Em Marcos e Mateus, Jesus cita uma profecia sobre as ovelhas se dispersarem quando o pastor fosse ferido (Mt 26.31). Em João, Jesus ora pela santificação dos discípulos (Jo 17). Em todas essas narrativas, continua sugerido que já havia alguém armado entre o grupo que seguiu Jesus até o Getsêmani.</p><p style="text-align: justify;">Não há, porém, senão em Lucas, uma instrução explícita para se defenderem do que estava por vir. Em nenhum texto há uma instrução sobre matar. Como Lucas era Romano e seguiu Paulo até provavelmente o ano 60 d.C, depois peregrinando pela Galiléia a procurar por quem testemunhou a vida de Jesus e tendo escrito seus livros só bem depois, é possível que a recomendação de Jesus sobre as espadas faça parte da miríade de informações esparsas que Lucas coletou.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>JESUS PACIFISTA</b></p><p style="text-align: justify;">Um famoso símbolo do pacifismo de Jesus é a fala "<i><span style="color: #e69138;">Não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra</span></i>" (Mt 5.39). Essa fala é reforçada por Lucas:</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">Digo-vos a vós que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam. Ao que te ferir numa face, oferece-lhe também a outra. E ao que te tirar a capa, não impeças de levar também a túnica.</span></i> (Lc 6.27-29)</p><p style="text-align: justify;">É notório que o mesmo livro de Lucas apresenta, posteriormente, Jesus recomendando levar espada para os discípulos se defenderem da perseguição. O que podemos pensar é que (1) Jesus mudou suas concepções sobre como reagir à agressão; (2) a agressão anunciada no Getsêmani não se compara às demais - para essa última, era cabível a defesa; ou (3) o compilado de ensinamentos feito por Lucas reflete alguns atribuídos a Jesus (pela população da Galiléia), que não eram realmente Dele.</p><p style="text-align: justify;">Para opinar sobre isso, é importante fazer uma contextualização dos Evangelhos. Em 66 d.C., nada menos que 36 anos após o assassinato de Jesus, iniciou-se uma guerra entre Judeus e Romanos, que teve vários reavivamentos nos anos seguintes. Basicamente, os Judeus queriam expulsar as legiões Romanas das suas terras. Um evento principal dessa guerra foi a destruição de Jerusalém (70 d.C.), com genocídio dos moradores, demolição do Templo e incêndio da cidade. Tanto Judeus quanto Cristãos passaram a ser perseguidos no mundo Romano. O livro de Marcos foi escrito antes desse período em Alexandria/Egito, bem longe dos conflitos. Os livros de Mateus e Lucas não. De fato, a perseguição é pós-anunciada (como se fosse uma profecia, porém escrita após os eventos) tanto em Mateus quanto em Lucas, mas não em Marcos e João.</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">Julgais que vim trazer paz à terra? Não, digo-vos, mas separação. Pois de ora em diante haverá numa mesma casa cinco pessoas divididas, três contra duas, e duas contra três; estarão divididos: o pai contra o filho, e o filho contra o pai; a mãe contra a filha, e a filha contra a mãe; a sogra contra a nora, e a nora contra a sogra.</span></i> (Lc 12.51-53)</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">Não julgueis que vim trazer a Paz à terra. Vim trazer não a Paz, mas a espada. Eu vim trazer a divisão entre o filho e o pai, entre a filha e a mãe, entre a nora e a sogra, e os inimigos do homem serão as pessoas de sua própria casa.</span></i> (Mt 10.34-36)</p><p style="text-align: justify;">Dessa forma, o anúncio de Lucas sobre levar uma espada parece se referir especificamente à perseguição; ao mesmo tempo sendo uma inserção do autor ou da comunidade Cristã com referência à segunda metade do séc. 1. Essa inserção era destoante do ensinamento inicial. O Jesus de Marcos e João não faz tais previsões ou pós-visões.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>JESUS DESAFIADOR</b></p><p style="text-align: justify;">Mas Jesus não era necessariamente um pacifista que oferecia a outra face. Isso é, Ele não aceitava simplesmente que ofendessem Ele ou Seu grupo. Dentro da Pax Romana (lei imposta pelos Romanos às suas províncias), pessoas da "colônia" causando confusão eram facilmente presas e executadas. Os Galileus eram famosos por serem briguentos, mas as disputas de Jesus - até onde sabemos - eram verbais. A história infelizmente demonstra a futilidade de argumentar com aqueles que consideram seus privilégios um direito de nascença... Mas também não vemos Jesus lutando contra os Romanos por mais liberdade. Sua disputa, segundo Ele mesmo, era contra a maldade institucionalizada.</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">O mundo não vos pode odiar, mas odeia-me, porque eu testemunho contra ele que as suas obras são más.</span></i> (Jo 7.7)</p><p style="text-align: justify;">Em Lucas, Jesus anuncia o Reino de Deus, formado pelos pobres (Lc 6.20) de coração reto e bom (Lc 8.15). Não se trata de um reino Judeu ou qualquer estrutura de direitos que os livrasse da dominação Romana. Lembremos que Jesus interagiu com um centurião Romano!</p><p style="text-align: justify;">Segundo Mateus, somente os bons frutos - e não empunhar um nome ou outro - distinguem os bons dos maus (Mt 7.22-23); para entrar no Reino dos Céus, é necessário a cada um ajudar seu irmão (Mt 5.22). De forma semelhante, em Marcos, Jesus instrui a perdoar qualquer ressentimento contra outra pessoa (Mc 11.25-26). Nos deparamos, outra vez, com Jesus defendendo algo que não é uma estrutura de poder ou direitos. O Reino dos Céus não é um reino definido por fronteiras.</p><p style="text-align: justify;">Os meios que Jesus usava para defender seu ponto não poderiam ser classificados como violentos, nem tampouco como pacíficos. Ele lutava contra um sistema em que as pessoas eram treinadas para não se importar e até tomar proveito do sofrimento de outros. Contra esse sistema, Jesus desafiava as pessoas a acreditarem Nele, simplesmente. E usava estórias (provavelmente inventadas) para explicar a expectativa de um final do mundo, onde só os pertencentes ao Reino seriam salvos.</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">O Reino dos Céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo. O Reino dos céus é semelhante ainda a uma rede que, jogada ao mar, recolhe peixes de toda espécie. Quando está repleta, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e separam nos cestos o que é bom e jogam fora o que não presta. Assim será no fim do mundo: os anjos virão separar os maus do meio dos justos e os arrojarão na fornalha, onde haverá choro e ranger de dentes.</span></i> (Mt 13.47-50)</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>AGRESSÃO VERBAL</b></p><p style="text-align: justify;">Alguns argumentam que Jesus usava de violência nas Suas palavras. Existem várias formas de agressão verbal, que precisam ser analisadas. Um delas é o Bullying. Jesus não praticava isso - enquanto desqualificava costumeiramente os ensinos dos Fariseus, hábeis debatedores das Sinagogas, Ele não mantinha essa atitude para com um deles em específico. Jesus também não era abertamente ofensivo, quanto mais tinha suporte de uma maioria. Ele de certa forma fazia o "Gaslighting", questionando os pilares mais profundos dos Fariseus, e de fato fazendo isso com todo mundo. Mas, novamente, não se trata de algo direcionado a uma única pessoa.</p><p style="text-align: justify;">Os embates de Jesus eram geralmente desencadeados pelos próprios Fariseus, dentro da cultura Judaica de questionamento. Quanto a acusações, Jesus acusava, em especial os religiosos, a respeito de manterem uma atitude hipócrita de cobrar ao povo o que não faziam.</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">Ai de vós, Escribas e Fariseus hipócritas! Pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais os preceitos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia, a fidelidade. Eis o que era preciso praticar em primeiro lugar, sem contudo deixar o restante.</span></i> (Mt 23.23)</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>JESUS VIRANDO AS MESAS</b></p><p style="text-align: justify;">Em sua mais famosa demonstração de violência, sem dúvida citada por quem defende um Jesus violento, Ele causou tumulto entre os vendedores no pátio do Templo.</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">Chegaram a Jerusalém e Jesus entrou no Templo. E começou a expulsar os que no Templo vendiam e compravam; derrubou as mesas dos trocadores de moedas e as cadeiras dos que vendiam pombas. Não consentia que ninguém transportasse algum objeto pelo Templo. E ensinava-lhes nestes termos: "Não está porventura escrito: A minha casa chamar-se-á casa de oração para todas as nações? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões!".</span></i> (Mc 11.15-17)</p><p style="text-align: justify;">Essa passagem é repetida em Mateus (21.12-13), Lucas (19.45-46) e João (2.14-16), dando um caráter chamativo a ela. Aparentemente, trata-se de algo que motivou a reunião do Sinédrio para tratar sobre a prisão de Jesus. Tal reação violenta não é explicada, no texto, senão por trechos de Isaías que ela contém. João, de fato, tenta produzir uma explicação a posteriori emendando:</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">... Lembraram-se então os seus discípulos do que está escrito: O zelo da Tua casa me consome</span></i> (Sl 68,10). (Jo 2.17)</p><p style="text-align: justify;">Não era a 1a vez de Jesus em Jerusalém, então podemos imaginar que Ele já conhecia o mercado no Templo. Entretanto, das outras vezes (também celebrações de Páscoa), Ele não viera a Jerusalém como um líder ou profeta. A função de profeta, aliás, era justamente a de se contrapor ao Templo, aos governantes, aos Saduceus. Normalmente, os Fariseus das Sinagogas faziam essa função, mas desde a dominação pelos Gregos (330 a.C.) e Romanos (63 a.C), tanto Fariseus quanto Saduceus haviam se reorganizado em uma elite social mantida por matrimônios e acordos.</p><p style="text-align: justify;">Era isso que o mercado no Templo representava: os comerciantes ligados aos Fariseus trabalhando com a anuência dos líderes do Templo, os Saduceus. De certa forma, a violência de Jesus contra os comerciantes atingia a ambas as categorias e Jesus fazia isso na condição de profeta, aquele que foi recebido na cidade com palmas e acenos do povo. O "covil de ladrões", como na fala de Jesus, era Sua oposição aos trâmites entre a elite, com o Templo como centro.</p><p style="text-align: justify;"><i><span style="color: #e69138;">No dia seguinte reuniram-se em Jerusalém os chefes do povo, os anciãos [Fariseus], os escribas, com Anás, sumo sacerdote, Caifás, João, Alexandre e todos os que eram da linhagem pontifical [Saduceus].</span></i> (Atos 4.5-6, julgamento de Pedro e João, narração feita por Lucas)</p><p style="text-align: justify;">Uma forma pacifista que Jesus poderia ter escolhido para se opor à feira dentro do Templo seria falar ao povo para ficar longe daquele mercado. Afinal, era o povo quem usufruía e alimentava o comércio de itens religiosos.</p><p style="text-align: justify;">Porém, vindo da Galiléia em um burrinho, ainda que Jesus representasse um profeta na capital (eles não eram raros), tratava-se de uma influência pública que Ele provavelmente não tinha. E, caso tivesse, seria motivo igualmente sério para as ações do Sinédrio contra Ele, talvez até com interferência dos Romanos por perturbar a ordem pública.</p><p style="text-align: justify;">Virar as mesas dos comerciantes e gritar - segundo João, até empunhando um chicote - talvez não tenha mudado nada prático quanto ao comércio funcionando no Templo, mas afirmou Jesus como profeta perante os Seus seguidores.</p><p style="text-align: justify;">O não-conformismo de Jesus quanto à maldade institucionalizada certamente teve algo a ver com Sua reação no Templo administrado pelos Saduceus. Embora o comércio ali não fosse inerentemente mau, nem tampouco os vendedores, tratava-se de uma institucionalização da fé. Cada fiel gastava algumas moedas, oferecia um sacrifício de acordo com suas posses, pago em parte aos comerciantes e em parte aos Saduceus, e estava tudo resolvido com Deus. Uma espécie de terceirização do arrependimento. Embora Jesus fosse pacifista em muitos outros assuntos, incluindo a dominação dos Judeus pelos Romanos, ele era um profeta bastante contracultural no lido com essa institucionalização da fé.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>O QUE O TEMPO FEZ</b></p><p style="text-align: justify;">Uma vez que o Cristianismo tornou-se maioria em muitos lugares com o passar dos séculos, ele se institucionalizou como o Judaísmo do tempo de Jesus. Ao invés do Templo, temos várias igrejas que fazem essa função, cada uma com seu grau de terceirização da fé, que se reflete em hierarquias religiosas, grupos privilegiados e troca de favores religiosos (além de políticos) por dinheiro e poder. Nos dias de hoje, não seria improvável ver Jesus esbravejando contra pastores que associam o favor de Deus com o valor da doação feita para a Igreja.</p><p style="text-align: justify;">Seja por acreditar que o modo contracultura de Jesus produziu uma série de ações levando à Sua morte, seja por considerar que Ele se dirigia a uma sociedade rural, seja porque os Cristãos inicialmente eram apenas uma minoria perseguida, seja pelo aspecto espiritual (não material) dos ensinamentos, Jesus acabou sendo lembrado e não praticado. Mais ou menos como ter uma fábrica de armamentos chamada Ghandi Armas & Munições Ltda, ou uma catedral adornada com ouro dedicada a São Francisco.</p><p style="text-align: justify;">Não era Jesus quase um Romano seguidor de ordens, dentro de uma organização grande e poderosa? Quantas invasões de terras e destruição de povos tiveram a bandeira de Jesus na frente? Não está Bolsonaro dizendo às pessoas que elas podem disparar balas em quem elas não gostam, abençoadas por Jesus? Em 12/10/21, o deputado estadual Frederico Braun d'Ávila defendeu, na tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo, que as pessoas fizessem o que manda Bolsonaro, que se armassem para exterminar os camponeses [como Jesus] e membros do MST, que são um câncer na Sociedade. Isso, junto com ofensas aos Católicos associados com a Teologia da Libertação, uma ala da Igreja Católica famosa por defender - muitas vezes com a vida - as populações mais pobres ao redor do mundo.</p><p style="text-align: justify;">O Jesus B certamente não é o Jesus sobre o qual a Bíblia conta.</p><p style="text-align: justify;"><span style="color: #e69138;"><i>Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os que o temem. Ele manifestou o poder do seu braço: desconcertou os corações dos soberbos. Derrubou do trono os poderosos e exaltou os humildes. Ele saciou de bens os indigentes e despediu de mãos vazias os ricos. Ele acolheu a Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e sua posteridade, para sempre. </i></span>(Lucas 2.50-55, Exaltação de Maria)</p><p style="text-align: justify;">-----------------------------------</p><p style="text-align: justify;"><b>ARTIGOS PROSCRITOS</b></p><p style="text-align: justify;">La Torre M, <a href="https://baptistnews.com/article/jesus-the-man-of-violence/#.YtKFeRNv8W7" target="_blank">Jesus, the man of violence</a>, baptistnews.com, 23/06/16.</p><p style="text-align: justify;">Medeiros T, <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/06/5015779-bolsonaro-jesus-nao-comprou-pistola-porque-nao-tinha-na-epoca.html" target="_blank">Bolsonaro: Jesus "não comprou pistola porque não tinha" na época</a>, Correio Brasiliense, 16/06/22.</p><p style="text-align: justify;">Sigal G, <a href="https://jewsforjudaism.org/knowledge/articles/chapter-22r-was-jesus-violent" target="_blank">Was Jesus violent?</a>, jewsforjudaism.org, chapter 22r.</p><p style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Verbal_abuse" target="_blank">Verbal Abuse</a> - wikipedia</p><p style="text-align: justify;">YODER, JH, <a href="https://drive.google.com/file/d/1InwnHGHRZDzfyDtbmQd1EieqeUxZ0AC7/view?usp=sharing" target="_blank">Jesús y la realidad política</a>, Ediciones Certeza, 1985.</p>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-37127982885682946642022-06-10T14:21:00.007-04:002022-06-10T14:28:40.305-04:00Bolsonarismo e Cristianismo - uma mesma coisa?<div class="separator"><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><img height="292" src="https://lh5.googleusercontent.com/YIMPYqksTd2ZqXuRIINPFFR3ungqfk3ms4gBTXGy3QgmZvUSKqe8QhtjrOEbKlPTKCZqo3x7AmnvToIgkrCqypaDn19yLLWc4-i95JrZSlzBGPvCxZFgtWbjwVxwkbDkfmsANgkxzFZd4tK5mw" style="font-family: Arial; font-size: 11pt; margin-left: 0px; margin-top: 0px; white-space: pre-wrap;" width="584" /></p></div><p style="text-align: justify;"> </p><p style="text-align: justify;"><b><span style="color: #990000; font-size: large;">O</span></b>s últimos 4 anos contam de profundas transformações no meio político e religioso brasileiros. Mais ainda, um se entrelaçou com o outro como não ocorria há muito tempo. Trato aqui da popularização do Bolsonarismo entre os Evangélicos.</p><p style="text-align: justify;">"Isso não é assim"... Mas vamos a alguns fatos. Aproximadamente 70% dos Evangélicos votaram em Bolsonaro lá em 2018. Essa maioria só é superada pelos Mórmons, Testemunhas de Jeová e Adventistas, com 77% dos votos em Bolsonaro. Nas demais subdivisões religiosas, incluindo Ateus e Agnósticos, temos aproximadamente 55% dos votos em Bolsonaro. As regiões Centro-oeste, Sudeste e Sul, com maioria Evangélica, tiveram vitória de Bolsonaro em quase todas as cidades.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>BOLSONARISMO</b></p><p style="text-align: justify;">Precisamos definir o Bolsonarismo. E busquemos isso dentro da chamada “ala ideológica” do Governo, encorpada por Olavo de Carvalho, astrólogo, esotérico, colunista dos jornais Folha de São Paulo e O Globo, proclamado por si mesmo como Filósofo. O Bolsonarismo reuniu em torno do culto à figura do presidente elementos como crença em ações conspiratórias da Esquerda, negação de instâncias científicas, de movimentos sociais, de características culturais, da divisão de poderes dentro do governo, da imprensa e dos direitos humanos, em favor de um apoio à família, ao patriotismo e ao Movimento Evangélico. O Bolsonarismo lembra, em muitos pontos, o Facismo de Hitler e Mussolini. Ambos têm características de grande e rápida adesão social em torno de ideais são comportamentos sociais (família, patriotismo, religiosidade) para apoiar/justificar ações do Estado para centralizar poderes. A campanha de Bolsonaro, em 2018, espelhou fortemente a campanha de Hitler em 1932, incluindo o atentado na cervejaria Hofbräuhaus de Munique.</p><p style="text-align: justify;">“<i>Ao longo da década de 1920, Adolf Hitler era pouco mais do que um ex-militar bizarro de baixo escalão, que poucas pessoas levavam a sério. Ele era conhecido principalmente por seus discursos contra minorias, políticos de esquerda, pacifistas, feministas, gays, elites progressistas, imigrantes, a mídia e a Liga das Nações, precursora das Nações Unidas. Em 1932, porém, 37% dos eleitores alemães votaram no partido de Hitler, a nova força política dominante no país. Em janeiro de 1933, ele tornou-se chefe de governo</i>”. (OLIVER STUENKEL, Jornal El País, 8/10/2018)</p><p style="text-align: justify;">Em 2020, o então ministro da cultura Roberto Alvim reproduziu publicamente um discurso de Joseph Goebbels, ministro de propaganda de Hitler. A semelhança não era casual, apesar das justificativas do governo: tanto o texto quanto o cenário utilizados eram idênticos. Hitler e Mussolini, líderes do Facismo Europeu e personagens terríveis da 2ª Guerra, tiveram, inicialmente, forte apoio da Igreja Católica em suas campanhas pela família, pelo nacionalismo e contra os Comunistas. Isso lembra algo? Na época da ascensão Nazista na Europa (anos 1930), as Igrejas Protestante e Católica também se voltaram ao Facismo como novo significador dos valores Cristãos. Mais atualmente, não faltam cenas de um Bolsonaro comendo pastéis, de chinelos, mostrando a simplicidade de sua vida. Em plena 2º Guerra Mundial, os jornais alemães publicavam fotos de um Hitler “saudável e de família”, brincando com os filhos e cachorros nas montanhas.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>TRANSFORMAÇÕES RADICAIS</b></p><p style="text-align: justify;">No Brasil, a situação é um pouco mais complexa. Os mesmos defensores religiosos do Bolsonarismo, em outros tempos declararam seu apoio ao Partido dos Trabalhadores. Mas tanto um como outro se modificaram nos últimos 20 anos. Lá pelos anos 2000, o PT incluiu em sua plataforma eleitoral sindicalistas, movimentos negros, feministas, gays, além dos Evangélicos (então confinados às comunidades mais pobres). Silas Malafaia (Assembleia de Deus Vitória em Cristo) e o bispo Robson Rodovalho (Sara Nossa Terra), por exemplo, declararam apoio a Lula em 2002. Nessa época, o PT era o principal representante da Esquerda e um partido muito mais articulado no "baixo escalão" político do que nas altas hierarquias. A ascensão do PT ao comando do país reuniu uma situação de estabilidade econômica com um compromisso de beneficiar classes desfavorecidas e minorias.</p><p style="text-align: justify;">No final de 2009, a revista The Economist noticiava o levantar da economia brasileira, enquanto os Evangélicos ultrapassavam os Católicos em n° de fiéis e algumas igrejas se tornavam mega-empresas. Essa transição foi crítica para os Evangélicos em termos de representação política. De minoria, passava a existir uma Bancada Evangélica dentro da Câmara dos Deputados. Esse grupo misturava interesses religiosos de Domínio (o [meu] Cristianismo deve ser a única religião) e Guerra Espiritual (quem se opõe a mim é inimigo de Deus) com interesses econômico-político de proteção às suas grandes empresas, cuja moeda de oferta era o voto em massa, mobilizado pela propaganda eleitoral em cima dos púlpitos. Irmão vota em irmão.</p><p style="text-align: justify;">O PT também se transformou. De uma organização militante, passou a participar de grandes esquemas empresariais, como os que envolveram as negociações do pré-sal e o grupo Odebrecht. Decisões favoráveis às empresas tinham de ser tomadas e a forma de garantir maioria na Câmara dos Deputados era fazer pagamentos como os do Mensalão. Em vários setores, o PT mudou sua estratégia oposicionista para uma defesa de lucros como qualquer governo antecessor faria. Na Copa do Mundo, o governo federal maquiou investimentos com o evento (cujos dividendos são todos do setor privado) para serem vistos como investimentos em educação, usando, assim, largas verbas do BNDES. Boa parte desse dinheiro foi diretamente aos bolsos de empresários, em grandes desvios que marcaram as obras de infraestrutura.</p><p style="text-align: justify;">Em 2012, em Natal (RN), ocorreu a Revolta do Busão. Foi a primeira de várias manifestações contra políticas neoliberais dentro do governo PT. Em 2013 no meio de várias manifestações semelhantes, ecoava a frase "O gigante acordou". Insolitamente, tratava-se do elogio de movimentos da Esquerda contra um governo de Esquerda. Nesse período, pequenos partidos do chamado Centrão passaram a dominar a tomada de decisões na Câmara dos Deputados. Pouco depois, 2016 marcou a derrocada do PT. Não exatamente por irregularidades, como se averiguou depois, mas porque diversos partidos queriam fatias maiores do bolo. Enquanto a Esquerda passava a ser melhor representada por partidos como PSOL e PCdoB, a Bancada Evangélica, mudou sua aliança para os partidos que garantissem privilégios aos novos grandes empresários, leia-se as megaigrejas.</p><p style="text-align: justify;">A proposta de mudança no governo encontrou um clima anti-PT, igrejas capazes de produzir eleitorado e uma Câmara barganhando alianças extra-partidárias. Esse clima anti-PT foi extremamente explorado pela campanha de Bolsonaro, associando o uso de redes como Twitter e Whatsapp com o semear de teorias conspiratórias ligadas às ações do PT: gays (personagens do movimento anti-homofobia) são uma ameaça à família; negros (personagens do movimento por cotas e anti-racistas) são vagabundos; indígenas são anti-produtivos (quem lhes deu posse dessa terra onde habitam há 1000 anos?); universitários (tradicionalmente um grupo defensor da Esquerda) são maconheiros; professores (a quem podemos atribuir algum senso crítico nesse país) são doutrinadores; ONGs (que travam os empreendimentos de mineradoras e o agronegócio) são criminosas, militares (na verdade agentes governistas) são eficientes; Evangélicos são confiáveis. Apenas no caso dos Evangélicos, para fazer um comentário, a Bancada é líder em deputados com processos por corrupção. Toda essa propaganda anti-Esquerda foi despejada nas redes sociais e amplamente replicada nos setores mais conservadores: além das igrejas, a população mais velha.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>ATOS DOS APÓSTOLOS DE BOLSONARO</b></p><p style="text-align: justify;">Por volta de 2013, a Igreja Evangélica já se mobilizava pelo Bolsonarismo. Reparemos que não havia ainda um <i>impeachment</i>, nem coalizões de Direita, simplesmente havia a ascensão da Bancada Evangélica. De alguma forma, o Bolsonarismo de hoje era já o ideal político dessa nova classe. Um dos megapastores, Silas Malafaia, então afirmava estar agora “abrindo os olhos da Igreja” para os projetos “demoníacos” do PT. Entre esses projetos, e o mais atacado deles, estava a criminalização da homofobia. Sim, estamos falando de uma Igreja se levantando EM DEFESA DO PRECONCEITO E PREJUÍZO PROPOSITAL de pessoas baseado em sua vida sexual privada.</p><p style="text-align: justify;">Sendo um deputado que basicamente defendia preconceitos e a volta da Ditadura Militar, inclusive o emprego de tortura pelo Estado, Bolsonaro teve seu 3º casamento transmitido publicamente como um evento DA IGREJA. Em geral, as igrejas Evangélicas mantêm o status de pureza excluindo das congregações gays, prostitutas (os), separados, moradores de rua, usuários de droga, fãs de rock, de certas modas, da maioria dos livros, etc. Bolsonaro mereceu um tratamento melhor. Seria pelo exemplo ou amor Cristão pregados?</p><p style="text-align: justify;">Em 2018, o pastor José Wellington, líder da tradicional Assembleia de Deus, a congregação Protestante mais antiga no Brasil, pediu a milhares de fiéis o voto em Bolsonaro. Na sua campanha “<i>Igreja de joelho, Nação em pé</i>”, o Nacionalismo a la Bolsonaro se misturava com religiosidade. Era apelativo. O ideal de um Brasil Evangélico, passando por cima de toda a cultura e diversidade brasileiras (ver Cristianismo - catecismo, evangelismo ou desaculturação?), parecia se alinhar com um presidente Evangélico. Irmão vota em irmão. Não por acaso, o apelo ao voto religioso NÃO foi característica de outras campanhas: desde o fim do governo Imperial, em 1889, a República se comprometeu em não favorecer que uma fé brasileira suplantasse as outras. Trata-se de um ideal de pluralidade cultural que vai na contramão do conceito Evangélico de Domínio. O Brasil só será "do Senhor" quando todas as demais crenças forem apagadas. Em outras palavras, a pluralidade que permitiu a chegada dos missionários Evangélicos no começo do séc. 20 agora é combatida pela “política religiosa”.</p><p style="text-align: justify;">Foi na Igreja Batista Atitude, Rio de Janeiro, que Bolsonaro foi recebido com as palavras "<i>em outubro tenhamos uma resposta do céu sobre a vida do teu filho. E querendo, Senhor, no dia 1º de janeiro, este seu filho suba a rampa do Planalto para começar uma nova história do Brasil</i>". Na Assembleia de Deus Vitória, próximo dali, a eleição do "escolhido de Deus" levou a igreja ao êxtase, enquanto exibiam a bandeira nacional no altar. Bolsonaro foi aclamado antes e depois da eleição como o "homem de Deus". Tal identificação é bastante problemática, se pensarmos em quais atos Cristãos seriam esperados de um "presidente segundo O Senhor". Dentro do imaginário Evangélico, o que aconteceu foi a santificação das obras do presidente. Pela 1ª vez na história da República, desde muito regida por medidas provisórias (e temporárias), tivemos a população concordando que os maus resultados de um presidente são culpa do retro-presidente, seu inimigo eleitoral, que governou 6 anos antes. Envolto no manto de "homem de Deus", toda ação de Bolsonaro, repetidamente expulso de partidos (inclusive os criados por ele mesmo) por não seguir regras, "deve ser para o bem maior", um dia entenderemos isso. Estão incluídas aí as disputas para O PRESIDENTE suplantar outros poderes republicanos (Judiciário e Legislativo), algo nunca visto fora da Ditadura Militar*.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>OS NOVOS CRISTÃOS</b></p><p style="text-align: justify;">Desde que a Igreja passou a interferir na política nacional brasileira, além da venda de votos congregacionais, o próprio Cristianismo brasileiro mudou. Essa alteração, no Brasil, começou sobretudo no período de urbanização que ocorreu nos anos da Ditadura Militar. Nesse tempo, os Católicos começaram a implantar as metodologias da Teologia da Libertação, baseada numa proteção dos mais pobres quanto ao sufocamento político. A Teologia da Libertação foi norteadora das ações do Vaticano com os papados de João 23º (1958-1963), Paulo 6º (1963-1978) e João Paulo 1º (1978), mas não prosseguiu com João Paulo 2º (1978-2005) e Bento 16º (2005-2013), voltando com alguma atividade no papado de Francisco 1º. Em outras palavras, mesmo após o Concílio Vaticano II, os Católicos brasileiros atuaram na Ditadura estando ao lado dos militares.</p><p style="text-align: justify;">O distanciamento entre os Católicos e a Esquerda, bem nos anos 2000, deixou um espaço que foi ocupado pelos Evangélicos. No entanto, as megaigrejas não investiram mais em estrutura social como os Protestantes fizeram, lá no início do século 20. A nova geração Protestante tinha um espaço a ganhar onde outras fés já tinham fixado raízes, em especial os Católicos e a Umbanda. Nesse novo contexto, só importava prosperar enquanto empresas.</p><p style="text-align: justify;">A guinada das igrejas para a Direita no ano de 2015 encontrou instituições que não foram, jamais, comprometidas com causas sociais e cuja aliança à Esquerda foi, de fato, oportunista. Nesse cenário, os Católicos também guardavam memória de aliança com a Direita, o que criou uma onda religioso-política difícil de controlar. Em especial, entre os Evangélicos, isso significou uma obediência a lideranças, e não a princípios ou ideias. Qualquer aliado político era santificado, qualquer inimigo político era demonizado. Incrivelmente, os púlpitos passaram a reproduzir palanques.</p><p style="text-align: justify;">No início do séc. 20, por exemplo, os Evangélicos defenderam igualdade racial, educação gratuita, movimentos sindicais e coesão comunitária. As noções de igualdade foram substituídas pela de uma superioridade dos Evangélicos sobre todos os outros. A educação gratuita, antes necessária para que os iletrados pudessem ler na Bíblia, foi trocada pela ideia de que todas as Ciências devem confirmar a visão da igreja. As Ciências Biológicas foram demonizadas por falar de Evolução; as Humanas por discutir questões de Sexualidade. Os movimentos sociais foram ligados à rebeldia e insurreição, esquecendo-se que, noutros tempos, foram os Cristãos punidos por rejeitarem o culto Romano. Seria bobagem lembrar a fala de Lord Acton em 1887: "o poder corrompe" ? Curiosamente, Acton era um Católico promovendo a ideia de que as pessoas precisam ser responsáveis pelos seus atos. Ele se opunha ao poder ilimitado dos papas.</p><p style="text-align: justify;">Nos EUA, a onda Conservadora também se manifestou, afinal as megaigrejas não são criação brasileira. Lá, também, foi reunida uma massa disposta a apoiar movimentos violentos, neonazismo e até luta contra a democracia para garantir direitos de Domínio para as igrejas. Domínio, no caso, é a teologia de que o mundo somente será salvo quando todo ele for totalmente Cristão, na contramão do Apocalipse bíblico em que o fim dos tempos se inicia com a ascensão do Diabo ao poder... Os Novos Cristãos, principalmente do lado Evangélico, são ainda praticantes de uma auto-suficiência assustadora: a maior obra que uma Igreja faz à comunidade é se expandir, converter os "inimigos". Em nome de Deus e para Deus, todos serão irmãos e obedecerão à mesma autoridade.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>CIDADÃO DE BEM</b></p><p style="text-align: justify;">Dificilmente alguém apoiaria todas as ideias do Bolsonarismo. No entanto, a polarização ideológica que se seguiu a 2018 fez com que as pessoas assumissem participar de grupos. Da mesma forma que os novos integrantes de uma igreja são "convertidos" a aceitar todos os dogmas, usos e costumes, entendimentos dali, a nova politização produziu fiéis entrelaçados nos dogmas de ambos os lados. Entre os Católicos, a conversão política não era necessária - de fato, lentamente estão se deslocando para a Esquerda. Entre os Evangélicos, a conversão para a Direita produziu fãs do militarismo e negacionismo da Pandemia COVID-19. Frases como "meu presidente não permite eu me vacinar" se tornaram, de absurdas, em comuns. Assim como a associação do satanismo Chinês com a produção do vírus e sua vacina. A promessa de crescimento político e Domínio conquistou lideranças, que firmaram estratégias, equipes de promoção e eleitorados.</p><p style="text-align: justify;">Entre a classe média, o ressentimento pelos lugares ocupados pelos pobres também teve parte nessa onda. De repente, aeroportos haviam sido ocupados por pobres. Assim como locais turísticos, universidades, escolas privadas, pontos onde a classe mais alta se reconhecia. De fato, os lucros especulativos caíram e a importação aumentou, enquanto o PIB nacional teve sua melhor fase. Longe de seu lugar de destaque, a Classe Média sentiu que havia perdido algo, que disputava com gente demais, direitos em excesso. E o Neoliberalismo pregava uma volta, uma conservadora retomada de poderes e privilégios que não tinham seus representantes nos pobres. Assim nasceu o Cidadão de Bem.</p><p style="text-align: justify;">O Cidadão de Bem é o Ariano de antigamente, é o pináculo da evolução humana. Quem não deseja ser Cidadão de Bem? O CdeB nasceu e foi criado numa família nacional e tradicional, branca e abençoada pela Prosperidade que Deus prometeu. Ele é um meritocrata de filho de político, cujo tio doou um terreno da prefeitura para a Igreja fazer seu escritório. Ele jamais seria um dissidente, pobre, trabalhador braçal, informal, pescador ou filho de carpinteiro. O CdeB se veste de Capitão-bandeira e pega em armas da Taurus para exterminar a petralhada, colocar na prisão, torturar ou fuzilar os meliantes, defender a família e a liberdade de expressão dele mesmo. O CdeB só não se importa em fazer o bem, porque o bem quem faz é a Igreja, quando a tudo dominar.</p><p style="text-align: justify;">Esse personagem, por hilário que pareça, é alguém idealizado como futuro do Brasil. Como o Ariano dos anos 1940, é o Jesus das classes abastadas. Essa figura é propagandeada como representante de indivíduos absolutamente comuns, em sua maioria mestiços, que precisam dos serviços públicos, Bolsa-família, Seguro-desemprego, que pagam com dificuldade suas contas, que são soprados para a Esquerda ou Direita com compromisso único de sobreviverem. Muitas vezes, a filiação aqui ou acolá é a idealização de um herói posto, uma figura de pedra construída para simbolizar a luta contra um inimigo jamais visto, que pode te pegar durante a noite. Essa tem sido a estratégia Bolsonarista. Já foi a estratégia Trumpista, Hitlerista, Stalinista. Os resultados históricos de trocar a informação, o aprendizado e a política, no sentido de uma discussão de partes diferentes, por um ideal de um santo que comanda tudo, sempre foram terríveis.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: center;"><b>FINAL</b></p><p style="text-align: justify;">Obviamente, esse é um texto bastante político. Peço perdão pelo tema mas, infelizmente, a religião se tornou uma aliança política. Fé está se equivalendo a votos, e isso é assustador. Ainda mais entre os Cristãos, presumivelmente seguidores de alguém que perambulava nas casas de pescadores, centuriões, aristocratas, condenados e publicanos. Acho que essa filiação política em troca de favores nunca fez parte da mensagem de Jesus.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg8oUrtqw64dYCm8NKm3kkQwXHPqaFmAKr1ars4pJlBPRdJh04kXAL_5xQBsz-CQSu7YgrfOUpYlYMcYq-q4bm82GkLTUZCOLbl3SAiaULg03wOxFB0x5F4jtE-xZvHDEO2NRjfyut8m5tSe_4rNjp6j2YmaEhQf-_pC24tmbQWnUWauv3S8bpxdhAW7Q" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="512" data-original-width="512" height="79" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEg8oUrtqw64dYCm8NKm3kkQwXHPqaFmAKr1ars4pJlBPRdJh04kXAL_5xQBsz-CQSu7YgrfOUpYlYMcYq-q4bm82GkLTUZCOLbl3SAiaULg03wOxFB0x5F4jtE-xZvHDEO2NRjfyut8m5tSe_4rNjp6j2YmaEhQf-_pC24tmbQWnUWauv3S8bpxdhAW7Q=w79-h79" width="79" /></a></div><br /><br /><p></p><p style="text-align: justify;">----------------------------------------------</p><p style="text-align: justify;"><i>* Entre 1964 e 1985, o Brasil esteve governado pelo que se chamou Ditadura Militar. A justificativa da tomada de poder pelos militares sempre foi uma Ameaça Socialista, vinda não se sabe de onde, praticada por quem você quiser que seja. O nome Ditadura surge porque, nessa situação DE GUERRA (contra quem?), os poderes da República são centralizados no Presidente. Ninguém contesta seus atos. Como resultado, milhares de pais, filhos, mães e filhas foram brutalmente torturados e mortos pelas Forças Armadas “defendendo” o governo brasileiro contra os brasileiros. Boa parte deles ainda estão enterrados em covas coletivas não identificadas, bem semelhante ao que o Nazismo fazia. Bolsonaro chamou o GOLPE MILITAR, que iniciou a Ditadura, de ATO PELO BRASIL e instituiu sua comemoração pública.</i></p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><b>REFERÊNCIAS</b></p><p style="text-align: justify;"><a href="http://loungecba.blogspot.com/2013/01/cristianismo-catequismo-evangelismo-ou.html" target="_blank">Cristianismo - catequismo, evangelismo ou desaculturação?</a> loungecba.blogspot.com, 24/01/2013.</p><p style="text-align: justify;">FERREIRA, Matheus Gomes Mendonça; JÚNIOR, Fernando Tavares. DE 2013 A 2016: AS RUAS E RESSIGNIFICAÇÕES POLÍTICAS. CSOnline-REVISTA ELETRÔNICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS, n. 22, 2016.</p><p style="text-align: justify;">GRACINO, Paulo; GOULART, Mayra; FRIAS, Paula. “Os humilhados serão exaltados”: ressentimento e adesão evangélica ao bolsonarismo. Cadernos Metrópole, v. 23, p. 547-580, 2021.</p><p style="text-align: justify;">KERTZER, David I. <a href="https://piaui.folha.uol.com.br/materia/hitler-mussolini-e-o-papa/" target="_blank">Hitler, Mussolini e o Papa</a>. Revista Piauí, n. 126, 03/2017.</p><p style="text-align: justify;">STUENKEL, Oliver. <a href="https://brasil.elpais.com/brasil/2018/10/06/opinion/1538852257_174248.html" target="_blank">Por que votamos em Hitler</a>. Jornal El País, 08/10/2018.</p>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-61839559702216742772022-04-26T15:06:00.008-04:002022-04-27T18:17:01.605-04:00O Evangelho de Paulo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgTUO39cWrle4JW00laLWV3djgVAG2rLh7pBVLPkyS22tGRlhUa4ZiVMXpUlJqm8CMQR52YF2A3A6zGxRhMRpaWnaJZ43yl2G2I-sxmrmBZkPquHQJX-dDw7u0QyjcFA4Z3Gqe7D6ls6JMxTBNvTU89bTrZfofKqoX0ezLXVg55lhYPfxUSXzhgSHD9nA/s616/july-1823-destruction-by-fire-of-st-paul-outside-the-walls-rome_orig.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="433" data-original-width="616" height="450" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgTUO39cWrle4JW00laLWV3djgVAG2rLh7pBVLPkyS22tGRlhUa4ZiVMXpUlJqm8CMQR52YF2A3A6zGxRhMRpaWnaJZ43yl2G2I-sxmrmBZkPquHQJX-dDw7u0QyjcFA4Z3Gqe7D6ls6JMxTBNvTU89bTrZfofKqoX0ezLXVg55lhYPfxUSXzhgSHD9nA/w640-h450/july-1823-destruction-by-fire-of-st-paul-outside-the-walls-rome_orig.jpg" width="640" /></a></div><div style="text-align: justify;"><i>Basílica de São Paulo, em Roma - ilustração feita após o incêndio de 1823. Em um texto de Caio, o presbítero, do séc. 3, cita-se: 'Mas posso apontar a morada dos Apóstolos; pois se você for ao Vaticano ou à Via Ostiana, encontrará o repouso daqueles que fundaram esta Igreja'.</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #990000; font-size: large;">O</span></b> Cristianismo começou com Pedro liderando o grupo que antes era encabeçado por Jesus. Mas essa crença foi disseminada sobretudo por Paulo de Tarso, em suas viagens pelo Mediterrâneo. Paulo era um Fariseu (isto é, um debatedor das Sinagogas) nascido na Grécia, bem educado e conhecedor da legislação Romana. Após um evento transformador no caminho entre Jerusalém e Damasco/Síria, ele aderiu ao Cristianismo e fundou muitas igrejas no mundo Romano, até morrer na prisão ou ser executado. Seus restos mortais estão guardados até hoje num prédio sagrado de Roma, chamado sugestivamente de Basílica de São Paulo. Grande parte do Novo Testamento são cartas que Paulo escreveu para as igrejas que ele mesmo fundou. Muitas dessas cartas foram produzidas enquanto ele estava encarcerado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sobre Paulo e muitas outras coisas, os sécs. 1 e 2 não deixaram tantos vestígios quando gostaríamos. Era uma época de conflitos internos muito sérios no Império Romano; até o grande incêndio de Roma (18-23 / julho / 64 d.C.) e a famosa erupção do Vesúvio (24-25 / outubro / 79 d.C.) aconteceram nesse período. Não sabemos o que Paulo pregava quando chegava nas cidades Romanas. As obras que temos são textos feitos para igrejas já existentes, ainda que jovens. Aparentemente, em muitas viagens missionárias Paulo estava acompanhado de uma mulher grega chamada Tecla, e <a href="http://loungecba.blogspot.com/2021/02/atos-de-paulo.html">os textos deixados por ele foram escolhidos</a> ou modificados por seus aprendizes de forma a ocultar o nome dela. O detalhe intrigante é a data dessas cartas, escritas antes de 56 d.C. O Evangelho mais antigo, <a href="http://loungecba.blogspot.com/2020/07/marcos-um-evangelista-entre-pedro-e.html">nomeado como da autoria de João Marcos</a>, um aprendiz de Paulo e depois bispo de Alexandria, data de aprox. 60 d.C., depois de Paulo estar morto.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não há <a href="http://loungecba.blogspot.com/2018/05/a-invisibilidade-crista.html">pinturas ou prédios especiais retratando a vida de Jesus</a> que sejam anteriores ao séc. 3 d.C. No entanto, se Marcos produziu seu texto pós-biográfico tardiamente, servindo de modelo para os textos seguintes, podemos estar certos que as informações sobre Jesus chegaram até ele. Aparentemente, era uma tradição oral, não um material escrito.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em outras palavras, não faz sentido procurar nas cartas de Paulo por elementos dos Evangelhos: eles não existiam ainda, pelo menos não como textos. Seria mais correto procurar nos Evangelhos por elementos da pregação de Paulo. Também podemos pensar: o que Paulo sabia sobre Jesus, para ensinar às igrejas que fundava? Ele não andou com o Messias que pregava; então, exatamente o que Paulo sabia?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>O APRENDIZADO DE PAULO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo teve sua experiência religiosa em 34-37 d.C., na Síria. Ele passou por um tempo de estudo em comunidades Cristãs que já existiam fora de Jerusalém e então partiu como pregador para várias cidades costeiras no Mediterrâneo, eventualmente retornando para Antioquia/Síria. Já na 2ª viagem missionária, Paulo começa a escrever para as igrejas que fundou. A cronologia das cartas de Paulo é a seguinte: 1ª e 2ª Tessalonicenses (51 d.C., escritas em Corinto/Grécia), Gálatas e 1ª Coríntios (52 d.C., escritas em Antioquia), Filipenses, Filemon e 2ª Coríntios (53-54 d.C., escritas em Éfeso/Grécia e Jerusalém), Romanos (55-56 d.C., escrita em Corinto), Efésios, Colossenses, Filipenses, Filemon, 1ª e 2ª Timóteo, Tito (57-59 d.C., escritas enquanto Paulo era prisioneiro em Roma).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo pode ter aprendido sobre o Cristianismo em Jerusalém, onde foi recrutado como oficial para perseguir os Cristãos. Desde pelo menos 30 d.C. já circulavam documentos Romanos sobre os Cristãos. Na sua conversão em Damasco/Síria, Paulo esteve com o grupo de Ananias e foi mandado para o grupo de Pedro, em Jerusalém. Depois, ele seguiu para a igreja de Antioquia, onde passou pelo menos 1 ano. Quando voltou a Jerusalém, novamente para encontrar Pedro, ele levou consigo o jovem João Marcos, que viria a ser o primeiro Evangelista. A partir de seu retorno a Antioquia, Paulo começou a percorrer as cidades do Mediterrâneo. Foram cerca de 15 anos e 2 viagens (ida/volta) entre Jerusalém e Antioquia antes de Paulo começar a enviar as cartas que temos na Bíblia, mas ele afirma na carta aos Gálatas que seu conhecimento de Jesus foi provido pelo próprio Senhor, e não por algum homem.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A partir dos ensinamentos de Pedro, que discursava para multidões, assim como dos grupos onde esteve, é difícil pensar que Paulo não tenha aprendido sobre a vida de Jesus. No entanto, chama a atenção que as cartas não são uma exposição biográfica, como os Evangelhos - antes, são discussões de como aplicar a fé Cristã na comunidade religiosa e no entendimento da vida, sobretudo as perseguições por parte de Roma.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo não conta sobre o nascimento de Jesus, nem tampouco sobre sua vida andando pela Galiléia. No entanto, ele sabia sobre uma descendência real do Senhor, como é enfatizado por Mateus e depois Lucas através de curiosas linhagens.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Romanos, Cap. 1</b></div><div style="text-align: justify;"><span style="color: #b45f06;"><i>2. Este Evangelho Deus prometera outrora pelos seus profetas na Sagrada Escritura, acerca de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor, descendente de Davi quanto à carne, que, segundo o Espírito de santidade, foi estabelecido Filho de Deus no poder por sua ressurreição dos mortos.</i></span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Fora esse detalhe, Paulo fala somente sobre a Última Ceia, que ele mesmo instituiu como um ritual ou Sacramento.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>1ª Coríntios, Cap. 11</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">23. Eu recebi do Senhor o que vos transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Do mesmo modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de mim.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tal representação da Ceia é repetida por Marcos, Mateus e Lucas. O Evangelho de João, um texto provavelmente de origem Samaritana, traz uma lavagem dos pés dos discípulos. Paulo não apresenta o traidor, nem tampouco a prisão ou açoite de Jesus. Ele parte direto para o Sepultamento.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>1ª Coríntios, Cap. 15</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">3. Eu vos transmiti primeiramente o que eu mesmo havia recebido: que Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado, e ressurgiu ao terceiro dia, segundo as Escrituras, apareceu a Cefas, e em seguida aos Doze. Depois apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez, dos quais a maior parte ainda vive (e alguns já são mortos). Depois, apareceu a Tiago, em seguida a todos os apóstolos. E, por último de todos, apareceu também a mim, como a um abortivo.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Esse relato de sepultamento de Jesus por Paulo é extremamente breve, sem referência a lugar, guardas ou anjos na tumba. Jesus simplesmente volta ao 3º dia, aparecendo para várias pessoas. Paulo não faz menção a Maria Madalena, única testemunha da ressurreição citada em todos os Evangelhos, nem às outras Marias (mal identificadas). Em Marcos, Jesus aparece para duas Marias e Salomé, depois para dois que iam ao campo, depois para os Onze (Judas já estava morto). Para Mateus, Jesus aparece a duas Marias e depois aos Onze, na Galiléia. Para Lucas, Jesus é visto por duas Marias e Joana, depois pelos Onze. Para João, a ressurreição é vista por Maria Madalena e depois pelos Onze. Então vemos, curiosamente, que a tradição relatada por Paulo sobre a Ressurreição não era a dos evangelistas que conhecemos!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Na verdade, Paulo foi até um pouco além e emendou, brilhantemente, sua própria experiência com Jesus, como se ele mesmo tivesse presenciado Jesus voltando dos mortos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando Paulo fala sobre seu aprendizado do Cristianismo, também de forma breve, ele conta algo curioso:</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Gálatas, Cap. 1</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">11. Asseguro-vos, irmãos, que o Evangelho pregado por mim não tem nada de humano. Não o recebi nem o aprendi de homem algum, mas mediante uma revelação de Jesus Cristo.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">13. Certamente ouvistes falar de como outrora eu vivia no judaísmo, com que excesso perseguia a Igreja de Deus e a assolava. Avantajava-me no judaísmo a muitos dos meus companheiros de idade e nação, extremamente zeloso das tradições de meus pais. Mas, quando aprouve àquele que me reservou desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça, para revelar seu Filho em minha pessoa, a fim de que eu o tornasse conhecido entre os gentios, imediatamente, sem consultar a ninguém, sem ir a Jerusalém para ver os que eram apóstolos antes de mim, parti para a Arábia. De lá, regressei a Damasco.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;"><br /></span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">18. Três anos depois, subi a Jerusalém para conhecer Cefas, e fiquei com ele quinze dias. Dos outros apóstolos não vi mais nenhum, a não ser Tiago, irmão do Senhor.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O nome "Tiago" é repetido muitas vezes no Novo Testamento. Entre os Doze, por exemplo, aparecem Thiago Maior (filho de Zebedeu) e Thiago Menor (filho de Alfeu). Além disso, Marcos se refere a um Tiago irmão de Jesus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Marcos, Cap. 6</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">3. Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, o irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós também suas irmãs? E ficaram perplexos a seu respeito.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Possivelmente, Paulo se refere a esse último Tiago, que andaria no grupo de Pedro, em Jerusalém. O livro de Tiago é atribuído a ele. Embora o irmão de Jesus não seja contado entre os Doze, e também não apresente um Evangelho, podemos supor que tanto Pedro quanto ele guardassem uma narrativa em primeira mão sobre a vida de Jesus, de quem Paulo teria aprendido.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ainda, vale pensar que essas duas testemunhas, assim como os outros Dez, na verdade, não deixaram relatos sobre a vida de Jesus. Tiago, em especial, deixa uma recomendação forte sobre cuidar dos mais necessitados. Isso não é diferente do ensino de ensino de Paulo aos Coríntios:</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>1ª Coríntios, Cap. 13</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">1. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver caridade, sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">2. Mesmo que eu tivesse o dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver caridade, não sou nada.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">3. Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos Pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada valeria!</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>2ª Coríntios, Cap. 9</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">12. Realmente, o serviço desta obra de caridade não só provê as necessidades dos irmãos, mas é também uma abundante fonte de ações de graças a Deus.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tal serviço Cristão aparece muito nos Evangelhos, marginalmente ou, pelo menos, com a conotação textual de demonstrar a divindade de Jesus. É possível que o grupo de Pedro, do qual Paulo aprendeu, partilhasse entretanto da forma de Paulo ensinar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><br /></b></div><div style="text-align: center;"><b>O CRISTIANISMO SEGUNDO PAULO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Para Paulo, o Cristianismo não se iniciava com a vida de Jesus, e não havia o que imitar nos atos do Senhor. O Cristianismo era pós-Jesus, se iniciava com sua morte e ressurreição. De fato, ele via Jesus como tendo SE entregado para ser crucificado na forma de um sacrifício a Deus. Esse sacrifício significaria o perdão do Pecado Original e a aproximação definitiva entre Deus (na forma do Espírito Santo) e os homens. Tal aproximação separaria comportamentos Carnais (dirigidos pelo Pecado) de comportamentos Espirituais (dirigidos por Deus). Não há paralelo disso nos Evangelhos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Romanos, Cap. 5</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">12. Por isso, como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram... De fato, até a lei o mal estava no mundo. Mas o mal não é imputado quando não há lei.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">14. No entanto, desde Adão até Moisés reinou a morte, mesmo sobre aqueles que não pecaram à imitação da transgressão de Adão (o qual é figura do que havia de vir).Mas, com o dom gratuito, não se dá o mesmo que com a falta. Pois se a falta de um só causou a morte de todos os outros, com muito mais razão o dom de Deus e o benefício da graça obtida por um só homem, Jesus Cristo, foram concedidos copiosamente a todos.Nem aconteceu com o dom o mesmo que com as conseqüências do pecado de um só: a falta de um só teve por conseqüência um veredicto de condenação, ao passo que, depois de muitas ofensas, o dom da graça atrai um juízo de justificação.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">17. Se pelo pecado de um só homem reinou a morte (por esse único homem), muito mais aqueles que receberam a abundância da graça e o dom da justiça reinarão na vida por um só, que é Jesus Cristo!</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">18. Portanto, como pelo pecado de um só a condenação se estendeu a todos os homens, assim por um único ato de justiça recebem todos os homens a justificação que dá a vida. Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um só todos se tornarão justos.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">20. Sobreveio a lei para que abundasse o pecado. Mas onde abundou o pecado, superabundou a graça. Assim como o pecado reinou para a morte, assim também a graça reinaria pela justiça para a vida eterna, por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É interessante que, mesmo tendo sido compostos por seguidores de Paulo (pelo menos Marcos e Lucas), os Evangelhos Canônicos não apresentam Jesus com uma clara distinção entre Carne e Espírito.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Lucas, Cap. 24</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">38. Mas ele lhes disse: Por que estais perturbados, e por que essas dúvidas nos vossos corações? Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo; apalpai e vede: um espírito não tem Carne nem ossos, como vedes que tenho. E, dizendo isso, mostrou-lhes as mãos e os pés. Mas, vacilando eles ainda e estando transportados de alegria, perguntou: Tendes aqui alguma coisa para comer?</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ao invés disso, a distinção "paulina" e de fato derivada dos ensinos de Platão (428-348 a.C.), aparece no evangelho de João, o mais tardio de todos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>João, Cap. 1</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">9. [O Verbo] era a verdadeira luz que, vindo ao mundo, ilumina todo homem. Estava no mundo e o mundo foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus,os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da Carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">14. O Verbo se fez Carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Assim, considerando a provável origem Samaritana do evangelho de João (séc. 2 d.C.), assim como a inimizade entre Judeus e Samaritanos, mesmo durante a ocupação Romana, podemos curiosamente pensar que o texto de João seja um fruto tardio da pregação paulina aos Gentios. O elemento paulino transparece muito menos nos Evangelhos Canônicos, amplamente influenciados pela tradição Judaica dos grupos onde foram compostos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo também tinha formação Judaica e trazia fortes sinais disso na sua crença sobre a Ressurreição. O Messias dos Judeus viria no último dia da humanidade, para resgatar seus fiéis, e Paulo via esse Messias em Jesus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>1ª Tessalonicenses, Cap. 4</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">16. Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro. Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre nuvens ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os Evangelhos também trazem essa idéia, como um evento futuro associado a Jesus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Marcos, Cap. 14</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">61. Mas ele calou-se, e nada respondeu. O sumo sacerdote lhe tornou a perguntar, e disse-lhe: És tu o Cristo, Filho do Deus Bendito? E Jesus disse-lhe: Eu o sou, e vereis o Filho do homem assentado à direita do poder de Deus, e vindo sobre as nuvens do céu.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Sobre os eventos pós-Ressurreição, Paulo não diz nada. Nos Evangelhos, há relatos vagos sobre muitos feitos de Jesus ressuscitado. Marcos e Mateus falam sobre uma ordem para ir pelo mundo e batizar. Em Lucas, Jesus preside a uma ceia póstuma, come com os discípulos e leva-os de Jerusalém para Betânia. Em João, Ele fez “muitos feitos”, apareceu junto ao mar de Tiberíades, repetiu a pesca fantástica, comeu com os discípulos, falou em particular com Pedro. Pela data tardia de composição dos textos, esperaríamos encontrar detalhes dos feitos de Jesus, e não há nenhum (mesmo a pesca de João parece-se muito com a repetição de um trecho anterior). Isso faz pensar em uma tentativa de emendar no texto ditos sobre Jesus que não circulavam de forma organizada, como se alguém montasse uma colcha de retalhos. Há <a href="https://loungecba.blogspot.com/2020/11/a-cronologia-dos-evangelhos.html">falta de sincronia entre os Evangelhos</a> e o texto de Lucas, em especial, tem esse aspecto de retalhos emendados.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Possivelmente, os conhecimentos de Paulo sobre Jesus tinham essa forma desorganizada, anterior aos textos que conhecemos. Na composição desses textos, tanto a ordem dos fatos foi “editada” como alguns eventos foram retirados e se perderam no tempo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>ENSINOS DE JESUS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por fim, dentro da idéia de um Evangelho oral, fragmentado, vale a pena trazer alguns outros ensinamentos Cristãos que aparecem nos textos de Paulo e mais tarde fariam parte dos Evangelhos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No método de ensino Oriental, decorar e enumerar vários mandamentos, tradições, provérbios ou sabedorias era uma forma de demonstrar sapiência. Mateus e Lucas estendem bastante seu texto ao tentar reunir tais sabedorias - provavelmente disseminadas entre o povo da Galiléia - como falas de Jesus. Quando tentam “encaixar” assuntos muito diferentes, esses evangelistas produzem algo exótico e retalhado como o “texto” de Provérbios. Paulo também deixa transparecer seu conhecimento de alguns desses ensinos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>ABA - </b>Um desses ensinamentos, bastante significativo, é o uso da expressão "Aba, pai", uma forma carinhosa de se dirigir a Deus como se fosse uma filho falando ao Pai. Trata-se de uma expressão única de Jesus, bastante incomum dentro do Judaísmo. Paulo, no entanto, a utiliza duas vezes:</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Romanos, Cap. 8</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">15. Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai!</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Gálatas, Cap. 4</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">6. A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>AMOR AOS INIMIGOS</b> - A escola de Salomão já sinalizava o perdão como forma de conseguir a paz. Esse comando é caracteristicamente repetido por Jesus e por Paulo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Provérbios 25</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">21. Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe pão para comer; e se tiver sede, dá-lhe água para beber; porque assim lhe amontoarás brasas sobre a cabeça; e o Senhor te retribuirá.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Romanos, Cap. 12</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">17. Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens. ... 19. Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus, porque está escrito: A mim a vingança; a mim exercer a justiça, diz o Senhor. Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Procedendo assim, amontoarás carvões em brasa sobre a sua cabeça.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Mateus, Cap. 5</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">38. Tendes ouvido o que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mau. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra. ... 43. Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem. Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim os próprios publicanos?</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>PAGAMENTO JUSTO DAS DÍVIDAS</b> - Num episódio bem característico, Jesus foi desafiado quanto a sua fidelidade (financeira) para com Roma. Paulo repete a fala icônica do mestre quase como aparece nos Evangelhos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Romanos, Cap. 13</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">7. Pagai a cada um o que lhe compete: o imposto, a quem deveis o imposto; o tributo, a quem deveis o tributo; o temor e o respeito, a quem deveis o temor e o respeito.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Marcos, Cap. 12</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">14. ... É permitido que se pague o imposto a César ou não? Devemos ou não pagá-lo? Conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu-lhes Jesus: Por que me quereis armar um laço? Mostrai-me um denário. Apresentaram-lho. E ele perguntou-lhes: De quem é esta imagem e a inscrição? De César, responderam-lhe. Jesus então lhes replicou. Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. E admiravam-se dele.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>AMOR AO PRÓXIMO</b> - Esse ensino Cristão, bastante divulgado, aparecem no texto de Paulo sintetizado aos 10 Mandamentos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Romanos, Cap. 13</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">8. A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, a não ser o amor recíproco; porque aquele que ama o seu próximo cumpriu toda a lei. Pois os preceitos: Não cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não cobiçarás, e ainda outros mandamentos que existam, eles se resumem nestas palavras: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. ... 10. A caridade não pratica o mal contra o próximo. Portanto, a caridade é o pleno cumprimento da lei.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Marcos, Cap. 12</b></div><div style="text-align: justify;"><span style="color: #b45f06;"><i>29. Jesus respondeu-lhe: O primeiro de todos os mandamentos é este: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito e de todas as tuas forças. Eis aqui o segundo: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Outro mandamento maior do que estes não existe.</i></span></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>RESTRIÇÕES ALIMENTARES</b> - Essa fala bastante notória de Paulo, que desafiava os preceitos alimentares dos Judeus e o conectava com a pregação aos Gentios, também surge nos Evangelhos. Apesar disso, a relação de Jesus com animais “impuros” como os porcos não é de proximidade.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Romanos, Cap. 14</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">14. Estou convencido no Senhor Jesus de que nenhuma coisa é impura em si mesma; somente o é para quem a considera impura.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Marcos, Cap. 7</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">15. Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas o que sai do homem, isso é que mancha o homem.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>CHEGADA INESPERADA DO JUÍZO</b> - A expectativa de um julgamento inesperado, antes que as pessoas tenham tempo de pedir perdão por seus atos, é um aviso bastante explorado por Mateus e Lucas, com diversas imagens evocadas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>1ª Tessalonicenses, Cap. 5</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">3. Quando os homens disserem: Paz e segurança!, então repentinamente lhes sobrevirá a destruição, como as dores à mulher grávida. E não escaparão.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Marcos, Cap. 13</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #b45f06;">30. Na verdade vos digo que não passará esta geração, sem que todas estas coisas aconteçam. Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão. Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai. Olhai, vigiai e orai; porque não sabeis quando chegará o tempo.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nos Evangelhos, esse anúncio da tragédia muitas vezes foi entendido como uma pós-fecia, ou seja, o anúncio futuro de algo que já aconteceu, como se Jesus previsse em 30 d.C. a destruição da Cidade Sagrada pelos Romanos, o que se deu em 70 d.C. Sem dúvida é provável que Mateus e Lucas tenham feito essa conexão (pois foram escritos após o fim de Jerusalém) e estendido os relatos sobre o Apocalipse. Porém, Paulo e Marcos são sucintos e não dão a entender um período de torturas, mas simplesmente o final.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">-----------------------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Paulo deixou escrito no muro</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Evans CA, <b>Jesus tradition in Paul</b>, in: Encyclopedia of the historical Jesus, p. 446-450, ed. Routledge, 2008.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div>Furnish VP, <b>Jesus in Paul's Gospel</b>, in: Jesus according to Paul - chap. 4, Cambridge University Press, p. 66-92, 2010.</div><div><br /></div><div>https://www.conformingtojesus.com/charts-maps/en/paul%27s_letters-journeys_chart.htm</div></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-49948685390496325012022-04-13T16:23:00.006-04:002022-04-13T16:24:37.946-04:00Cristianismo Taiping - como a China entrou na história do Cristianismo<div class="separator"><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"> <img height="415" src="https://lh4.googleusercontent.com/E87hwKAIktvcU3c8NTp8zPzKOpZIv5JRjlb4mcUM6dZB_a8JqW-EVjsvqWz8uu43SbWTcTS59AKe821zawAd6_4TwKBhagUHoPbW9ZjBEwXu_bmaFU_vBUeGPHVO_b-iOBUuxJcL" style="font-family: Arial; font-size: 11pt; margin-left: 0px; margin-top: 0px; white-space: pre-wrap;" width="602" /></p></div><div style="text-align: justify;"><i>Vale do rio Yangtze, em laranja. No litoral leste, aparecem as cidades de Nanjing e Shanghai. Mais ao norte, a atual capital Beijing.</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #990000; font-size: large;">A</span></b> rebelião Taiping matou 20 milhões de Chineses entre 1850 e 1864. Nessa época, a população Chinesa era de umas 20x esse total. Para se ter uma ideia, a 2ª Guerra Mundial matou 70-85 milhões de pessoas, 50-56 milhões nos combates e 19-28 milhões nas cidades arrasadas pelo pós-guerra. Na rebelião Taiping não foi diferente: além dos combatentes mortos, estima-se que quase 40% da população Chinesa migrou ou se refugiou em outros países. Afora a enorme perda de vidas humanas, esse conflito nos interessa porque diz muito sobre o Cristianismo e nos leva a sair um pouco do Ocidente e Oriente Médio.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>A CHINA ANTIGA</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Muitos historiadores afirmam que a Rebelião Taiping marcou a crise da China Antiga e sua passagem para o funcionamento moderno. A China sempre foi um território muito grande, reunindo povos que falavam idiomas Cantonês (sul), Manchu (norte) e até Mongol, uma mistura de árabe e hindi (oeste). Esses muitos povos e etnias eram unidos sob um governo central que se estruturou, caiu e foi reerguido muitas vezes, sob o comando de diferentes famílias. No séc. 19, a China estava sob o reinado da dinastia Qing, originária do povo Manchu. A família Qing ocupava o trono (na verdade uma Cidade Imperial, para abrigar toda a família) desde 1636 e permaneceria até 1912, com o início da República.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando os Ingleses começaram a introduzir o ópio da Índia no sul da China, a nova droga tornou-se extremamente popular. Tratava-se da seiva de uma espécie de papoula, drenada das flores como látex e então seca para se tornar uma goma que as pessoas colocavam sobre brasas para aspirar a fumaça rica em morfina. Por volta de 1830, quase 10% dos Chineses eram dependentes de ópio. Além da enorme fuga de capital para a Índia, a epidemia de dependentes de ópio ia diretamente contra os valores Confucionistas praticados na China desde 550 a.C., que apontava os seres humanos como bons e aperfeiçoáveis, que ensinava a perfeição dos hábitos diários como uma manifestação da lógica divina. Por isso, os Qing baixaram normas severas contra o comércio de ópio e até contra o tráfego de Ingleses pelo país.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Para comercializar na China dos anos 1800s, um inglês precisava pagar altas taxas e ter um intermediário Chinês que respondesse por suas ações. Isso era um grande problema, pois o comércio de produtos Chineses como porcelanas, sedas e chá preto era valiosíssimo na Europa (alguém aqui pensou que os ingleses bebiam mate paraguaio?). O ópio era ilegal na China desde 1729, mas em 1833 o governo Qing apreendeu uma carga imensa, pertencente a um nobre inglês. Como resultado de muitas disputas diplomáticas por essa e outras cargas, a Inglaterra declarou guerra à China.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A China foi derrotada em 1842 e os Qing mudaram a Cidade Imperial de Nanjing para Beijing, até hoje capital da China. A ilha-porto de Hong-Kong passou a ser colônia Inglesa, os portos de Shanghai, Canton, Ningpo, Foochow e Amoy passaram a comercializar ópio e outros produtos, e os Qing foram obrigados a pagar os gastos Ingleses com a batalha. Tanto o comércio livre de ópio quanto as despesas do governo pós-guerra causaram severas perdas na qualidade de vida dos Chineses, especialmente nas áreas mais rurais do sul Cantonês. Ao mesmo tempo, os primeiros missionários Protestantes chegavam da Inglaterra nos portos Chineses, interessados em propagar o Cristianismo nesse novo mundo de desigualdades sociais. Principalmente, o Cristianismo desafiava os conceitos Confucianos de religiosidade, que incluíam a submissão dos filhos aos pais e a divindade do Imperador.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>O MOVIMENTO MESSIÂNICO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nos anos 1840s, o sul Cantonês era mais ou menos uma terra sem lei, servindo de rota para os produtos Indianos (incluindo ópio) e ao mesmo tempo sendo fiscalizado duramente pelos oficiais do governo Qing. Os traficantes Ingleses na região disputavam poder com os líderes de clãs rurais. Algumas organizações se formaram como alternativa de governo, tais como os Triads, Sociedade do Céu e da Terra, etc. Os conflitos entre essas organizações e entre elas e o governo imperial eram drásticas e comuns.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Missionários como William Milne (1785 - 1822), Edwin Stevens (1802 - 1837) e Karl Friedrich August Gützlaf (1803-1851) desembarcaram na costa Chinesa e começaram os trabalhos para traduzir a Bíblia no idioma nativo. Ensinar as línguas Chinesas a estrangeiros era proibido pelo regime Qing, o que dificultava muito essa tarefa. No entanto, pelos anos 1830s, Issachar Jacob Roberts (1802 - 1871) e um missionário local, Liang Fa (1789 - 1855), já disseminavam textos bíblicos em Cantonês. Na parte sul da China, o Cristianismo se difundia, apesar das proibições do governo Imperial. Um dos que foram influenciados pela pregação Cristã era Hong Huoxiu. Numa terra rural e empobrecida, pessoas como Hong Huoxiu, que haviam estudado, tinham como única perspectiva de enriquecimento ser aprovados nos exames para o para o Serviço Imperial. Hong Huoxiu então trabalhava como professor e fracassara em sua 3º tentativa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Hong iniciou um processo de adoecimento mental marcado por delírios e crenças megalomaníacas. Numa de suas visões, um homem barbado e de cabelos dourados lhe dava uma espada, e outro homem jovem o chamava de irmão e instruía a destruir os demônios. Derrotando o rei do inferno, Hong ganhou permanência no paraíso e se casou com uma mulher com a qual mais tarde teve um filho. Por fim, ele retornou à Terra onde se autoproclamou Hong Xiuquan, "O Perfeito", irmão mais novo de Jesus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Hong assumiu que a figura de cabelos dourados era Deus Pai (a quem ele identificou com Shangti, antiga divindade da tradição Chinesa). Para purgar a China do Confucionismo, ele e o primo compraram duas espadas de 1 m e 4,5 Kg, queimaram todas as estátuas e livros Confucionistas e Budistas da casa e começaram a pregar. Alguns de seus primeiros convertidos eram das minorias Hakka, Feng Yunshan e Hong Rengan, consideradas “desprezíveis” pelo governo Imperial. Os atos de Hong e de seus convertidos ao destruir estátuas e livros foram considerados sacrilégios, o que fez com que perdesse o emprego como professor. Em 1844, Hong e seus convertidos começaram a pregar pelas aldeias do vale do rio Yangtze. Começava a se formar uma comunidade chamada “Adoradores de Deus”.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em 1847, Hong foi convidado pela sociedade Cristã denominada União Chinesa para estudar com o missionário Jacob Roberts. Dentro da tradição Chinesa, um senhorio deveria sustentar seu aprendiz e, assim, Hong pediu que Roberts o batizasse, mas Roberts rejeitou o pedido. Em 1847, os “Adoradores de Deus" tinham como líderes Feng (seu primo), Yang Xiuqing e Xiao Chaogui, que desenvolviam transes semelhantes aos do movimento Pentecostal Estadounidense, onde falavam em nome de Deus Pai (Yang) e Jesus Cristo (Xiao). Hong também começou sua tradução e adaptação da Bíblia, o que veio a ser conhecido como "Versão Taiping Autorizada da Bíblia", que ele apresentou aos seguidores da suposta religião autêntica que existia na China antes de Confúcio. Nessa “Bíblia adaptada”, os Israelitas não bebiam vinho, não apareciam relações sexuais, os homens deviam permanecer longe das mulheres e todos os Cristãos deveriam depositar seus bens em um tesouro comunitário. Como irmão mais novo de Jesus, Hong era uma autoridade inquestionável e muito mais um líder religioso do que político.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os outros líderes, embora assumindo um papel religioso que Hong reforçava, se dedicavam mais à função política, no sentido de construir uma comunidade independente e duelando com o poder Imperial. Em 1848, a comunidade reunia pelo menos 2000 pessoas, sobretudo os Hakka e foragidos do Império como bandidos e piratas. Dois anos depois, a seita de Hong declarava os Qing como emissários do demônio e chegava a 20 000 pessoas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As repressões Imperiais deram força militar ao movimento, que começou a conquistar aldeias e cidades. Em 1850, o exército Taiping tomaria a antiga capital Nanjing e, apenas um ano depois, seria fundado o Tai Ping Tian Guon (Reino Celestial da Grande Paz).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>A RELIGIÃO TAIPING</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em seu tempo, os seguidores de Hong se tornaram extremamente numerosos, combinando minorias excluídas pelo Império, pessoas que sobreviviam nas “bordas” do reino, camponeses de uma região pobre revoltados com os Qing e crentes. Grande parte das aldeias no vale do rio Yangtze se juntaram ao movimento, que terminou não por um colapso interno, mas por derrota militar. Há muito a aprender com a organização do credo de Hong.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Primeiro, Hong dava indícios de ser seriamente afetado por delírios que o colocavam na função de um Messias destinado a mudar todo o mundo Chinês. Seu sucesso em administrar os seguidores provavelmente vinha de delegar o poder político a vários sub-reis. Durante as batalhas, os reis se desentenderam e ocorreu mesmo de um matar o outro para tomar-lhe a coroa, mas isso não prejudicou seriamente a dominância de Hong.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Esse “visionarismo revolucionário” que Hong mostrava aparece em muitos profetas do Antigo Testamento, começando com Moisés desafiando o faraó.. Elias desafiou o rei Acab no séc. 9 a.C., Daniel desafiou o descendente de Nabucodonosor, e por aí vai. No Novo Testamento, Paulo inicia sua carta aos Gálatas com a frase “Mas faço-vos saber, irmãos, que o evangelho que por mim foi anunciado não é segundo os homens. Porque não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas pela revelação de Jesus Cristo” (Gálatas 1.11,12) e isso levou ele a desafiar Roma, ainda que pacificamente. Não faltam exemplos como Francisco de Assis em 1224 vendo Jesus crucificado a lhe pedir que reparasse Sua Igreja, ou Joana d’Arc em 1428, testemunhando para o rei Carlos VII da França sobre suas visões do arcanjo Miguel, Santa Margarida e Santa Catarina pedindo para que ela libertasse a França do domínio Inglês.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É obviamente difícil julgar a proposta de um profeta, pois mesmo aqueles apontados pela Bíblia como “santos” tiveram vitórias e depois derrotas, formando reinos também “santos” que se levantaram e caíram. Dentro do Cristianismo, podemos dizer que Hong se desviava bastante dos Evangelhos no sentido em que ele liderava um movimento de purificação e substituição de uma nobreza por outra, muito mais do que um auxílio aos desamparados. Tal auxílio existiu no sentido em que minorias étnicas como os Hakka passaram a ter lugar na administração de Hong, enquanto não tinham nenhum lugar sob o governo Qing. Mas o Cristianismo era um pretexto político: a própria figura de Jesus era bem marginal, servindo apenas para validar a divindade do próprio Hong.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Uma inovação importante dos Taiping foi a concepção de um Deus Pai pessoal. Isto é, mesmo um camponês poderia (e deveria) fazer orações e sacrifícios para Deus. Na China Antiga, apenas o Imperador e seus mais próximos podiam se comunicar com divindades. Os demais deveriam tratar o Imperador como Deus, mais ou menos numa escala de hierarquia. Em 1851, Hong proibiu os oficiais de usarem títulos como Supremo, Senhor e Pai, pois tais referências somente seriam aplicáveis a Deus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Hong e seus apoiadores construíram uma forma própria de Cristianismo, o que se enquadra na categoria de Seita. Eles combinaram tradições rurais e elementos do Confucionismo na sua fé (como Shangti e a separação das mulheres), rejeitando elementos culturais do Oriente Médio antigo que a Bíblia traz. Também as inconsistências morais da Bíblia (resultado de 1500 anos de escrita, passando de mãos entre uma sociedade agropastoril, o Egito, o Reino de Jerusalém, o Império Babilônico, a Grécia de Alexandre o Grande e depois a dominação Romana) foram removidas. De fato, o texto bíblico é uma coleção de mais de 60 livros, feitos em épocas muito diferentes e boa parte deles revendo acontecimentos bem anteriores a sua escrita. O Gênesis, por exemplo, estima-se que tenha sido composto por volta de 600 a.C., no reinado do rei Josias (640 - 609 a.C.), a partir da organização de documentos antigos que foram encontrados. As referências sobre o Egito, principalmente por parte do governo de Salomão, no entanto, fazem pensar em informações guardadas desde 1500 a.C. Dentro do Novo Testamento, o livro mais antigo provavelmente é a 1ª Carta aos Tessalonicenses, datada de 50 d.C. (repare que Paulo, autor da carta, não conheceu Jesus). O primeiro dos evangelhos foi Marcos, cujo autor provavelmente andou com Paulo, e cuja obra data de 70 d.C., quando ele assumiu o bispado de Alexandria. Essa colcha de retalhos históricos faz parte do Cristianismo, não podemos simplesmente escolher uma estória única.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os Taiping eram monoteístas, porém não no sentido Cristão (os Cristão são menos monoteístas). Para eles, Deus não assumia uma estranha personalidade trina como Pai, Filho e Espírito Santo. O Espírito Santo era desconsiderado, o Filho apenas um homem embutido de poderes pelo Pai. Hong, embora não alegasse qualquer poder, afirmava uma irmandade espiritual com Jesus (Chiu-shih-chu t'ien-hsiung yeh-suv (Jesus o irmão mais velho que salva o mundo). Os Taiping também não se consideravam um 'povo escolhido' (os Pentecostais curiosamente se consideram), mas acreditavam ser os restauradores da fé Chinesa original. Isso não tem fundamento histórico: antes do Confucionismo (que tirava de certa forma as divindades do culto), os Chineses eram politeístas, admitindo práticas Budistas e com Shang-ti como uma espécie de Zeus controlando outros deuses, espíritos dos mortos, a vitória militar, colheitas e inundações do rio Yangtze.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os Mandamentos tinham uma centralidade no culto Taiping. Eles eram receitados em todos os Sabbaths e os acusados de violar tais Mandamentos eram açoitados ou torturados em público. No entanto, mesmo eles foram alterados para favorecer a ideologia de Hong. A instrução contra adorar "outros deuses" foi modificada para "deuses pervertidos", o que significava uma aceitação de outras divindades (de fato adoradas por muitas etnias no sul da China) desde que elas fossem submissas a Hong. O Sabbath era respeitado seriamente, assim como a submissão dos filhos aos pais. "Não adulterarás" foi expandido para incluir homens permanecerem juntos de mulheres, ter pensamentos proibidos ou usar ópio.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O recurso às antigas legislações Judaicas já foi uma ferramenta de dominação em vários grupos religiosos - elas permitem punir e demonstrar poder. Na prática, a legislação de Moisés (Êxodo 20-40) beira os 200 Mandamentos e trata de questões familiares, terras, manuseio de animais, saúde pública, culto religioso, etc… Assumir tradições Hebraicas tornou-se comum a partir do Reavivamento Protestante, propagandeando-se a antiguidade bíblica como um ideal de sociedade organizada. A busca por esse ideal coloca o caminho do Velho Testamento, mais especificamente o seguimento de todas as leis, como um caminho para alguém ser querido/favorecido por Deus. Embora trate-se de uma interpretação Cristã atual, isso vai bastante contra a idéia de humildade perante Deus defendida por Jesus. Ele mesmo violou ou reescreveu vários desses Mandamentos, despertando o repúdio dos governantes Judeus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os Chineses já conheciam o Cristiasmo desde antes do início da dinastia Qing, com a chegada de Portugueses em Macau, na parte mais sul do país, em 1557. Porém, a ideologia Católica sempre foi fortemente combatida pelo Império e permaneceu restrita à região de Macau. O segundo contato com o Cristianismo se deu após a 1ª Guerra do Ópio (1839 - 1842), com o governo Imperial enfraquecido e os Ingleses trafegando facilmente pelo sul Cantonês. O Cristianismo Taiping surge dessa segunda entrada do Cristianismo, absorvendo ensinamentos do Reavivamento Protestante, que levou missionários para a China nos sécs. 18-19. Esses elementos “Pentecostais” incluíam a possessão por entidades, porém imitando os cultos Espíritas (também da Inglaterra), com certos indivíduos incorporando certas entidades. Além de Hong como equivalente de Jesus (e assim afirmando a divindade do Imperador exatamente como no Confucionismo), os Taiping tinham representantes corporais de Deus Pai e do próprio Jesus, capazes de entrar em transe e falar para o povo em nome dos Céus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nos anos 1840s, Hong instituiu o Batismo e ele mesmo batizou todos os seus seguidores. À medida que o grupo cresceu, outros passaram a SE batizar. Mas, já em 1847, Hong teve seu próprio Batismo negado. Dentro do Cristianismo, a primeira referência que temos sobre Batismo é João “Batista” desenvolvendo esse rito no rio Jordão, para remissão dos pecados através do arrependimento (Marcos 1.4). O próprio Jesus passou pelo ritual de Batismo, o que é entendido como sendo um rito passado de um Cristão mais antigo para um mais novo. Quanto a ser praticado por uma autoridade, Filipe é referido como tendo batizado um eunuco do reino de Meroe (sul do Egito) que passava pela estrada entre Jerusalém e Gaza (Atos 8.38). A prática do Auto-batismo parece ser original do culto Taiping, e faz referência a rejeição que a Seita tinha por parte dos muitos missionários circulando pela China. De fato, o não reconhecimento dos Taiping como Cristãos foi um dos motivos de eles não receberem apoio Inglês. Os Ingleses, mais tarde, seguiriam a estratégia comercial de oferecer ajuda militar aos Qing em troca de favores fiscais. Desde o missionário Roberts, vários outros (inclusive Católicos) foram enviados até os Adoradores de Deus entre 1853 e 1861 para questionar sua fé. A resposta foi inicialmente política, com Hong assumindo o sistema Ariano (uma heresia, segundo Roma) até a completa repulsão dos missionários que foram enviados pelos EUA. De forma simples, Hong afirmava que sua revelação sobre Deus e Jesus era superior a todas as tradições Cristãs, estando ele em perfeita comunhão com Deus e Moisés. A similaridade entre os Adoradores de Deus e os “filhos de Israel no Egito”, de fato, era amplamente reforçada pelo movimento.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A Rebelião Taiping se alimentou da desorganização governamental em Canton. Quando os Taiping atingiram províncias mais educadas, estudiosos eminentes como o general Tseng Kuo-fan (1811 - 1872) rejeitaram a ideologia Taiping e ajudaram os Qing a desmantelar o levante. Esses “homens educados” eram cerca de 6 milhões de Chineses concentrados sobretudo no norte Manchu e constituíam exemplos ou referências; eram artistas, poetas, escritores - homens moralmente superiores para guiar a população de suas localidades. Os “homens educados” eram cercados de regalias e tiravam seu suporte do ensino Confucionista de obediência e hierarquia. Tais intelectuais rejeitaram fortemente os Taiping - em especial suas idéias de igualdade entre os homens e aceitação num Paraíso simplesmente mediante a conversão religiosa. Eles acabaram enfraquecendo muito a divulgação Taiping nas zonas mais urbanas do país, o que restringiu o movimento aos espaços rurais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>O FIM DOS TAIPING</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Até 1860, os Taiping expandiram seu Reino Celestial até controlar o vale do rio Yangtze, anexando as províncias Jiangsu, Anhui, Hubei, Jiangxi, Zhejiang e até ocupando a antiga capital Nanjing. Trata-se de uma grande planície agrícola cortando a China de oeste para leste, com o rio sinuoso dificultando manobras militares. Para combater um inimigo que se espalhava em território imenso, os Qing permitiram aos clãs locais terem seus próprios exércitos. Isso não acontecia desde a dinastia Han, que unificou a China. Os acordos entre os Qing e a Inglaterra forneceram não apenas homens, mas também armamento ao Império.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O conflito entre o Império e os Taiping foi terrível em termos da morte de pessoas. Todos os Taiping foram sumariamente condenados à morte por traição contra o Imperador. Já em 1854, o exército Taiping estava cercado e sem alimentos. Hong então disse que sobrevivessem comendo "maná", ou - em sua compreensão - ervas silvestres. Ele próprio não sobreviveu assim e os últimos revoltosos foram esmagados pela união de tropas Imperiais, Inglesas e Indianas. Com a nova configuração das tropas Imperiais, os Taiping passaram a ser atacados de forma descentralizada, perdendo batalha após batalha e terminando destruídos em 1864.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os métodos Chineses de guerra eram extremamente violentos e o conflito Taiping era visto, por eles mesmos, como uma disputa étnica. Geralmente não eram poupados os feridos nem feitos prisioneiros. Durante a pior fase dos conflitos, os Taiping chegaram a decapitar 100 mil Manchus enquanto cantavam. De forma análoga, as tropas Imperiais arrasaram completamente pelo menos 600 cidades, matando pelo menos 1 milhão de Hakkas, na taxa de 30 mil por dia.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A China vivia uma crise populacional nos anos 1840s. A perda severa de mão de obra durante a Rebelião foi, de certa forma, o estopim para uma "transformação Malthusiana'', ou seja, a mudança para uma forma de trabalho mais voltada ao avanço tecnológico, com menos emprego de pessoas e mais produtividade. As zonas rurais Chinesas que passaram pelo regime Taiping experimentaram um largo desenvolvimento tecnológico, de alfabetização populacional (antes, apenas os “homens educados” podiam ler), infraestrutura e organização, observáveis mesmo hoje. Como resultado, essas províncias com exércitos próprios logo estariam lutando entre si e desafiando o governo Qing por privilégios. Isso levaria à queda da monarquia Chinesa, em 1912.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A divulgação Cristã na China cresceu significativamente desde o misionário Robert Morrison em 1807, porém de forma ilegal. Ironicamente, o Cristianismo ganhou força após a 1ª Guerra do Ópio em 1842. O movimento de contenção do Cristianismo pelos Qing foi definitivamente refreado pelos acordos feitos com os Ingleses desde então: em 1870, estimavam-se 400 mil Chineses cristianizados; em 1885, esse número chegava a 560 mil; no início do séc. 20, beirava 1,5 milhões.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Algumas idéias difundidas entre os Taiping se mantiveram, mesmo com a destruição do movimento e de todos os seus integrantes. Entre elas estava a propriedade comunal das terras agrícolas. Líderes como Sun Yat-sen (1866 - 1925, primeiro presidente Chinês) e Mao Zedong (1893 - 1976, chefe do movimento Comunista) foram definitivamente influenciados por essa concepção de uso da terra, um pouco como era a distribuição de bens na Igreja Primitiva. Após a Revolução Comunista (1949), em 1966 todas as religiões foram banidas da China. Porém, desde os anos 1980s o governo Chinês permite a existência de algumas igrejas Protestantes e Católicas, cuja liderança permanece subordinada ao Partido Comunista.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">----------------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>ANOTAÇÕES DA CHINA</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div><a href="https://www.saberatualizado.com.br/2017/10/a-rebeliao-taiping-o-segundo-maior.html#:~:text=No%20final%2C%20a%20Rebeli%C3%A3o%20Taiping,em%2014%20anos%20de%20conflito">A Rebelião Taiping: O segundo maior massacre na história da humanidade</a>, saberatualizado.com.br, out/2017.</div><div><div><br /></div><div><div>BOARDMAN, Eugene P. Christian influence upon the ideology of the Taiping Rebellion. The Journal of Asian Studies, v. 10, n. 2, p. 115-124, 1951.</div><div><br /></div></div><div>BURTON, Ernest De Witt. The Earliest Letters of the Apostle Paul. The Biblical World, v. 6, n. 3, p. 203-212, 1895.</div><div><br /></div></div><div><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Christianity_in_China#Since_1949:_The_People" s_republic="">Christianity in China</a> - wikipedia</div></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Confucianism">Confucianism</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div>DEEKS, Ian. An Arrogant Rejection of Foreign Ideas or a Tactful Rejection of Subservience?: The Gentry’s Rejection of Christianity in Nineteenth Century China. China in World History Series, v. 2, 2008.</div><div><br /></div></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.britannica.com/biography/Saint-Francis-of-Assisi/Franciss-vision-and-the-stigmata-of-the-Crucified">Franciss vision and the stigmata of the Crucified</a>, britannica.com/biography</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Hong_Xiuquan">Hong Xiuquan</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Opium_Wars">Opium Wars</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Petruzzello M, <a href="https://www.britannica.com/list/st-pauls-contributions-to-the-new-testament">St Pauls contributions to the new testament</a>, britannica.com</div><div style="text-align: justify;"><div><br /></div><div>SMALARZ, Matthew. Hong Xiuquan and the Subversion of Christianity. The Histories, v. 2, n. 2, p. 6, 2019.</div><div><br /></div><div><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Qing_dynasty">Qing dynasty</a> - wikipedia</div><div><br /></div></div><div style="text-align: justify;">XU, Lixin Colin; YANG, Li. Stationary bandits, state capacity, and the Malthusian Transition: The lasting impact of the Taiping Rebellion. World Bank Policy Research Working Paper, n. 8620, 2018.</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-32410085933004168052022-01-29T10:21:00.003-04:002022-02-01T16:03:17.982-04:00Jesus Revolucionário<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjpYj8GzNKAwDQLUv-kd31m9lJisOjZJt0-q09hLzSFXrlnCSmcdlBj2zYPEePMfxD8k_68iyX9GW3ZEUAoo2te_QEL_GEksJyY9y1HNN21aeX412Fhz-S_Htl5mFivFHtoaBav67HCfBk8hENTLI5m_I16-bAp4J4fzLd67V_5vXjKNdmKSHGRT4-ZpQ=s956" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="385" data-original-width="956" height="258" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjpYj8GzNKAwDQLUv-kd31m9lJisOjZJt0-q09hLzSFXrlnCSmcdlBj2zYPEePMfxD8k_68iyX9GW3ZEUAoo2te_QEL_GEksJyY9y1HNN21aeX412Fhz-S_Htl5mFivFHtoaBav67HCfBk8hENTLI5m_I16-bAp4J4fzLd67V_5vXjKNdmKSHGRT4-ZpQ=w640-h258" width="640" /></a></div><i><div style="text-align: center;"><i>Modelo gráfico criado pelo ilustrador Richard Neave com base em técnicas forenses aplicadas a crânios Galileus do séc. 1. Supostamente, essa seria uma aparência próxima de Jesus. Ver <a href="https://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-3359548/Is-real-face-JESUS-Experts-use-forensics-reveal-Christ-looked-like.html">https://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-3359548/Is-real-face-JESUS-Experts-use-forensics-reveal-Christ-looked-like.html</a></i></div></i><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #990000; font-size: large;">A</span></b>qui, vamos tentar nada menos que entender as motivações de Jesus (não do Cristianismo), em especial as mais políticas. Sim, bastaria perguntar a Ele, mas ficaremos restritos aos documentos que sobraram contando um pouco sobre isso.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>QUANDO TUDO COMEÇOU</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O início do Cristianismo é nebuloso. Os Romanos, que foram a fonte primordial de documentos sobre a época, não diferenciavam muito os Cristãos de vários outros grupos em seu território, como Judeus, Persas, Parthos, etc. Além disso, foi uma época turbulenta no Estado Romano, que chegou a coroar 4 imperadores num mesmo ano, cada um deles disposto a fazer enormes reformas. Os Cristãos e Judeus eram problema para Roma e andavam juntos, mas logo tornaram-se inimigos. Quando os Romanos reprimiram da forma mais dura as revoltas na Judéia, destruíram pelo fogo grande parte dos documentos originais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>CONTARAM SOBRE JESUS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mesmo a história de Jesus é assunto complexo. O que sabemos sobre Ele tem várias fontes. A mais antiga é Paulo, que escreveu por volta de 50 d.C. e não conheceu Jesus pessoalmente. Paulo sistematizou o pensamento Cristão, misturando claramente sua erudição greco-romana com conceitos Fariseus de pureza, ao invés de contar sobre Jesus. Para ele, o mais surpreendente no Cristianismo era a Ressurreição, que seria proporcionada por Jesus, em algum futuro longínquo (1ª Coríntios 15, Filipenses 3).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo afirmava que todo seu conhecimento sobre Jesus foi-lhe dado por Revelação Divina. As viagens descritas em Atos dão a entender que Paulo foi um semeador de igrejas na parte Oriental do Mediterrâneo e obras da 2ª metade do séc. 1, como o <a href="http://loungecba.blogspot.com/2018/04/relendo-o-pastor-de-hermas.html" target="_blank"><b>Pastor de Hermas</b></a>, sugerem que o Cristianismo de Paulo <a href="http://loungecba.blogspot.com/2020/06/a-pequenez-do-cristianismo.html" target="_blank"><b>já era bastante difundido antes do início do séc. 2</b></a>.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Outra fonte importante foi <a href="http://loungecba.blogspot.com/2020/07/marcos-um-evangelista-entre-pedro-e.html" target="_blank"><b>Marcos</b></a>. Ele também não andou com Jesus, mas tudo indica que passou de seguidor de Paulo a seguidor de Pedro, terminando como bispo de Alexandria (Egito) em 70 d.C., quando provavelmente escreveu seu Evangelho. Nesse caso, os detalhes sobre Jesus devem ter sido ensinados por Pedro, que era um pregador famoso e esteve lado a lado com o Messias. Marcos é singular por não falar dos eventos da Ressurreição.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mateus adaptou a obra de Marcos para um tempo posterior, talvez 100 d.C, quando a Cidade Sagrada já havia sido aniquilada pelos Romanos. O Messias de Mateus faz uma Ressurreição gloriosa a anuncia sua volta para restaurar o povo de Deus. Lucas, que também andou com Paulo, peregrinou pela Galiléia atrás das estórias sobre o Messias de quem ouviu no finalzinho do séc. 1 (via Paulo, Marcos e Mateus). João, que escreveu já no séc. 2, provavelmente é uma coletânea de estórias <a href="http://loungecba.blogspot.com/2020/09/as-duas-torres.html" target="_blank"><b>Samaritanas</b></a> sobre Jesus (colocadas como diálogos), ao invés de uma narrativa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As diversas narrativas não são tão destoantes que se oponham, nem tão coesas que possam ser fundidas, como no famoso <a href="https://loungecba.blogspot.com/2020/11/a-cronologia-dos-evangelhos.html" target="_blank"><b>Diatessaron</b></a>. O Jesus que aparece nessas obras reúne dados sobre um Messias bastante imprevisível, querendo seguidores que abandonassem tudo por Ele, devotado em reinterpretar as leis judaicas, preocupado com questões de identidade (a que grupo você pertence?) e do entendimento das pessoas sobre Deus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>QUEM ERA JESUS?</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jesus não se entendia com os religiosos de Jerusalém, mas também não evitava ser indagado ou questionado por eles. Interessava, talvez, tentar convencer eles das Suas idéias. E isso fazia Dele uma espécie de revolucionário pacifista. Isso é, Jesus buscava um grupo reinterpretando leis, mas não um grupo impondo essas leis aos outros. As leis Romanas, por exemplo, não eram do Seu interesse.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas porque Jesus não apoiava uma tomada de poder, mesmo que local? Antes de argumentar pela impossibilidade prática disso, vamos lembrar que os Galileus eram mal-afamados por sua rebeldia, assim como os próprios Judeus se organizaram, pouco tempo depois, em grandes revoltas contra Roma (1ª Guerra (66-73 d.C.), <a href="https://loungecba.blogspot.com/2016/05/seculo-1-1-parte.html" target="_blank"><b>Massada</b></a> (73074 d.C.) e depois Bar Kochba (132-136 d.C.)). Jesus era íntimo de pessoas ricas (ex. Lázaro, Maria de Magdala e José de Arimatéia), assim como de "guerrilheiros" (ex. Simão o Zelote) e pescadores, que eram a classe mais numerosa nas cercanias do Lago de Genesaré. Ele era famoso na Galiléia e talvez até na Samaria. Porquê o pacifismo, então? Porque não impor suas idéias dentro de alguma comunidade, e ao invés disso assumir uma vida de peregrinação?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Só podemos teorizar. Uma das referências para o comportamento de Jesus pode ter vindo de seu antecessor, João Batista. Os primeiros seguidores de Jesus foram, antes, seguidores de João. Lucas até mesmo traça um parentesco entre eles, porém João deixou menos rastros que Jesus: parecia ser um pregador falando sobre arrependimento, pureza, talvez um Essênio inconformado com a realeza mantida pelos Romanos e vista, por eles, como impura.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>JESUS, via MARCOS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Marcos é o escrito central dos Evangelhos, compartilhando praticamente todas as suas passagens com Mateus e ou Lucas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Das frases de Jesus nesse texto, parece surgir a mensagem de que todo poder Lhe foi dado ("<i><span style="color: #b45f06;">Ora, para que conheçais o poder concedido ao Filho do homem sobre a terra</span></i>", Mc 2.10), que a lei não devia prejudicar as pessoas ("<i><span style="color: #b45f06;">O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado; e, para dizer tudo, o Filho do homem é senhor também do sábado</span></i>", Mc 2.27-28), que os homens são perdoáveis ("<i><span style="color: #b45f06;">Todos os pecados serão perdoados aos filhos dos homens, mesmo as suas blasfêmias</span></i>", Mc 3.28), que é necessário por em prática os ensinamentos recebidos ("<i><span style="color: #b45f06;">Aqueles que recebem a semente em terra boa escutam a palavra, acolhem-na e dão fruto</span></i>", Mc 4.20), que os frutos proporcionados por Deus não são do controle dos homens ("<i><span style="color: #b45f06;">O homem dorme, levanta-se, de noite e de dia, e a semente brota e cresce, sem ele o perceber. Pois a terra por si mesma produz, primeiro a planta, depois a espiga e, por último, o grão abundante na espiga</span></i>", Mc 4.27-28), que a fé (Nele mesmo) é o canal para a ocorrência de milagres ("<i><span style="color: #b45f06;">Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz e sê curada do teu mal</span></i>", Mc 5.34).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jesus ensinava que as atitudes de alguém eram mais importantes que seu status ou suas palavras ("<i><span style="color: #b45f06;">Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa manchar; mas o que sai do homem, isso é que mancha o homem</span></i>", Mc 7.15) - o status de nascimento era algo muito sério, tanto nas sociedades Judaica quanto Romana. Ele anunciava que era valioso pregar sobre a Salvação, ainda que isso significasse perder sua vida ("<i><span style="color: #b45f06;">Porque o que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas o que perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho, salvá-la-á</span></i>", Mc 8.8). Além disso, mais valioso que tudo - inclusive as partes do corpo - era não ceder à tentação (de pecar), pois o destino dos pecadores (apesar do perdão prometido?) era o descarte ("<i><span style="color: #b45f06;">Se a tua mão for para ti ocasião de queda, corta-a; melhor te é entrares na vida aleijado do que, tendo duas mãos, ires para a Gehena, para o fogo inextinguível</span></i>", Mc 9.43)¹.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As riquezas provavelmente impediriam alguém de entrar no Reino de Deus ("<i><span style="color: #b45f06;">É mais fácil passar o camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar o rico no Reino de Deus</span></i>", Mc 10.25).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Embora Jesus dissesse que a Deus tudo era possível (e a Salvação competia somente a Deus fornecer), Ele também ensinava que nem todas as coisas estavam ao Seu alcance ("<i><span style="color: #b45f06;">Quanto ao assentardes à minha direita ou à minha esquerda, isto não depende de mim: o lugar compete àqueles a quem está destinado</span></i>", Mc 10.40), que havia grande valor em servir os demais ("<i><span style="color: #b45f06;">Todo o que entre vós quiser ser o primeiro, seja escravo de todos</span></i>", Mc 10.44), que o espaço sagrado não pode ser dedicado a interesses financeiros ("<i><span style="color: #b45f06;">Não está porventura escrito: A minha casa chamar-se-á casa de oração para todas as nações? Mas vós fizestes dela um covil de ladrões</span></i>", Mc 11.17).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jesus advogava pela conversão de vontade em realidade, o que viria a ser chamado de "pensamento positivo" ("<i><span style="color: #b45f06;">Todo o que disser a este monte: Levanta-te e lança-te ao mar, se não duvidar no seu coração, mas acreditar que sucederá tudo o que disser, obterá esse milagre. Por isso vos digo: tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido, e ser-vos-á dado</span></i>", Mc 11.23-24). Mas Ele também afirmava uma "retribuição por mal comportamento" da parte de Deus ("<i><span style="color: #b45f06;">Mas se não perdoardes, tampouco vosso Pai que está nos céus vos perdoará os vossos pecados</span></i>", Mc 11.26). Jesus mandava amar a Deus e ao próximo, além de ficar longe daqueles que se beneficiam de status dentro da comunidade religiosa ("<i><span style="color: #b45f06;">Guardai-vos dos escribas que gostam de andar com roupas compridas, de ser cumprimentados nas praças públicas e de sentar-se nas primeiras cadeiras nas sinagogas e nos primeiros lugares nos banquetes</span></i>", Mc 12.38). Além disso, Jesus fez muitas curas, exorcismos, previsões sobre a própria morte e seu significado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Fica alguma dúvida sobre o discurso de perdão de Jesus. Por um lado, o perdão é prometido indiscriminadamente. Por outro, Deus retribui a indisposição em perdoar. Uma velha estória sobre Deus perdoar quem Ele quiser, se quiser, pelo motivo que quiser, de modo frequente. A Graça não merecida, em termos mais eclesiásticos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>JESUS, via MATEUS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mateus foi escrito uns 30 anos depois da queda de Jerusalém, de forma mais proposital, tomando a base de Marcos e enfatizando Jesus como fruto de uma profecia, um ser celestial entre os homens. Já era o tempo da separação entre Cristãos e Judeus, e Jesus aparece muito confrontando as autoridades Judaicas enquanto oferecia ensinamentos simples ao povo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Jesus de Mateus ganha uma linhagem real, ligando-o ao lendário rei Davi (1000 anos antes) e mesmo a Adão, na criação dos homens. Esse Jesus tem um nascimento diferente de todos os homens ("<i><span style="color: #b45f06;">Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo</span></i>", Mt 1.18), um nome determinado por anjo, uma realização de profecia ("<i><span style="color: #b45f06;">Mas tu, Belém-Efrata, tão pequena entre os clãs de Judá, é de ti que sairá para mim aquele que é chamado a governar Israel</span></i>", Mq 5.1) e até a lenda do Filho da Estrela ("<i><span style="color: #b45f06;">E eis que e estrela, que tinham visto no oriente, os foi precedendo até chegar sobre o lugar onde estava o menino e ali parou</span></i>", Mt 2.9). Jesus também foi salvo de um massacre de crianças encomendado pelo rei, assim como Moisés ("<i><span style="color: #b45f06;">Vendo, então, Herodes que tinha sido enganado pelos magos, ficou muito irado e mandou massacrar em Belém e nos seus arredores todos os meninos de dois anos para baixo, conforme o tempo exato que havia indagado dos magos</span></i>", Mt 2.16; "<i><span style="color: #b45f06;">Quando assistirdes às mulheres dos hebreus, e as virdes sobre o leito, se for um filho, matá-lo-eis; mas se for uma filha, deixá-la-eis viver</span></i>", Ex. 1.16; "<i><span style="color: #b45f06;">Então o faraó deu esta ordem a todo o seu povo: Todo menino que nascer, atirá-lo-eis ao Nilo. Deixareis, porém, viver todas as meninas</span></i>", Ex. 1.22).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Na tradição de Mateus, Jesus também encontra João Batista perto de Jerusalém, que o reconhece como Messias, e depois Jesus vai ao deserto. Repete-se mais os menos a cronologia de Marcos. O Jesus de Mateus se põe a andar, a partir de Cafarnaum, para ensinar nas sinagogas e fazer curas prodigiosas na Galiléia. Em Mt 5, Jesus profere seu famoso <a href="http://loungecba.blogspot.com/2015/06/a-lei-dos-heterodoxos-um-estudo-do.html" target="_blank"><b>Sermão da Montanha</b></a>, não referido por Marcos, onde promete recompensa aos pobres e sofredores.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Entre os ensinamentos de Jesus que não aparecem em Marcos, estão não desejar recompensa pelos seus atos ("<i><span style="color: #b45f06;">Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita</span></i>", Mt 6.3; "<i><span style="color: #b45f06;">Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á</span></i>", Mt 6.6), cultivar valores religiosos ("<i><span style="color: #b45f06;">Ajuntai para vós tesouros no céu.. Porque onde está o teu tesouro, lá também está teu coração</span></i>", Mt 6.20-21), além de estabelecer uma separação entre o que é "de Deus" e o que está voltado ao enriquecimento ("<i><span style="color: #b45f06;">Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou odiará a um e amará o outro, ou dedicar-se-á a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e à riqueza</span></i>", Mt. 6.24).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">De fato, pode-se dizer que Mateus apresenta um Jesus "amigo dos pobres" e que defende de forma passiva as diferenças sociais, como obras da vontade de Deus ("<i><span style="color: #b45f06;">Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vós muito mais que elas?</span></i>", Mt 6. 26-27; "<i><span style="color: #b45f06;">Não vos aflijais, nem digais: Que comeremos? Que beberemos? Com que nos vestiremos? São os pagãos que se preocupam com tudo isso. A cada dia basta o seu cuidado</span></i>" (Mt 6.31-34).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mateus se dedica bastante a estabelecer uma base Cristã para os julgamentos, não estabelecendo leis, mas através de ditos de Jesus. Ele coloca um julgamento condicional dos homens ("<i><span style="color: #b45f06;">Não julgueis, e não sereis julgados. Porque do mesmo modo que julgardes, sereis também vós julgados e, com a medida com que tiverdes medido, também vós sereis medidos</span></i>", Mt 7.1-2), além de preceitos: "<i><span style="color: #b45f06;">Toda árvore boa dá bons frutos; toda árvore má dá maus frutos</span></i>", Mt 7.17; "<i><span style="color: #b45f06;">Mas aquele que ouve as minhas palavras e não as põe em prática é semelhante a um homem insensato, que construiu sua casa na areia</span></i>", Mt 7.26) e insiste na ação retribuitiva de Deus ("<i><span style="color: #b45f06;">Tudo o que quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles</span></i>", Mt 7.12). Há uma ênfase em julgar alguém por suas obras e não pelas supostas motivações (Mt 12.33-35); não permanecer sem fé (Mt 12.43-45); ouvir, compreender e colocar em prática a "palavra do Reino" (Mt 13.3-23); esperar que os mais maus dêem seu fruto para só então os julgar (Mt 13.24-30).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Além disso, o Jesus de Mateus profetiza um apocalipse Cristão dos Judeus, deixando claro que se refere a uma comunidade de Judeus convertidos: "<i><span style="color: #b45f06;">Por isso, eu vos declaro que multidões virão do Oriente e do Ocidente e se assentarão no Reino dos céus com Abraão, Isaac e Jacó, enquanto os filhos do Reino serão lançados nas trevas exteriores, onde haverá choro e ranger de dentes</span></i>", Mt 8.11-12). Faz parte desse Apocalipse um anúncio do Reino dos Céus, prêmio para os que perseverarem em vida. Esse Reino será muito grande e acolhedor (Mt 13.31-33); o Reino de Deus é mais precioso que tudo² (Mt 13.34-46). No final dos tempos, o Messias daria fim a todos os homens maus (Mt 13.49). Se os Judeus não o ouviram, foi porque um profeta é menosprezado em sua casa (Mt 13.57).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jesus, como bom revolucionário pacífico, violava normas sociais em prol de um melhor entendimento sobre Deus. Ele, por exemplo, comia com Publicanos (Judeus que trabalhavam para a administração Romana) e não jejuava ("<i><span style="color: #b45f06;">Vendo isto, os fariseus disseram aos discípulos: 'Por que come vosso mestre com os publicanos e com os pecadores?'</span></i>", Mt 9.11). Além disso, Ele tirava de seu foco a condução de um rebanho de Judeus santos, como era o ideial dos Fariseus ("<i><span style="color: #b45f06;">Ide e aprendei o que significam estas palavras: Eu quero a misericórdia e não o sacrifício. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores</span></i>", Mt 9.13).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Apesar da profecia sobre o Apocalipse e a aliança entre povos que Paulo instruíra fazer, muitos anos antes, o Jesus de Mateus distinguia fortemente os Judeus dos demais povos: "<i><span style="color: #b45f06;">Não lanceis aos cães as coisas santas, não atireis aos porcos as vossas pérolas, para que não as calquem com os seus pés</span></i>" (Mt 7.6); "<i><span style="color: #b45f06;">Não ireis ao meio dos gentios nem entrareis em Samaria; ide antes às ovelhas que se perderam da casa de Israel</span></i>" (Mt 10.5-6); "<i><span style="color: #b45f06;">Nas cidades ou aldeias onde entrardes, informai-vos se há alguém ali digno de vos receber; ficai ali até a vossa partida</span></i>", (Mt 10.11)³. Jesus também inoculava confiança em Seus pregadores ("<i><span style="color: #b45f06;">Quando fordes presos, não vos preocupeis nem pela maneira com que haveis de falar, nem pelo que haveis de dizer: naquele momento ser-vos-á inspirado o que haveis de dizer</span></i>", Mt 10.19), embora saibamos que quase todos tiveram mortes terríveis.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mateus anuncia Jesus voltando como um poderoso Salvador/Vingador, muito em breve ("<i><span style="color: #b45f06;">Se vos perseguirem numa cidade, fugi para uma outra. Em verdade vos digo: não acabareis de percorrer as cidades de Israel antes que volte o Filho do Homem</span></i>", Mt 10.23), o que os Cristãos da Idade Média começariam a questionar séculos depois.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em Mateus 25, Jesus expõe muitas definições do Reino dos Céus que não apareceram em Marcos. Surgem estórias como das virgens e suas lâmpadas, os talentos e a separação de ovelhas e cabras. O Reino chegará para quem estiver preparado, para quem tiver investido seu tempo e esforço, para quem ofereceu socorro aos necessitados. Os impróprios serão expulsos. Essa premissa de chegada inesperada está no texto de Marcos, mas o Julgamento não aparece senão em Mateus, indicando que já existia um grupo suficientemente grande de Cristãos para tentarem se dispersar. As punições prometidas são sempre um bom argumento para ficarem juntos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No capítulo 14, Mateus também registra o fim do profeta João, nas mãos do rei Herodes Antipas. E emenda nisso um relato singular do salvamento de Pedro por Jesus. Esse evento mal foi mencionado por Marcos ou, antes o foi, no sentido em que Jesus caminha à noite pela margem leste do Lago de Tiberíades / de Genesaré / mar da Galiléia, resgata um Pedro afoito que pulou na água, sendo açoitado pelas ondas perto de Betsaida, e então os ventos param. O texto de Mateus, por outro lado, apresenta um Jesus poderoso, sobre-humano: o entendimento mais tradicional do texto é o de Jesus caminhando sobre um Oceano vítreo e transmitindo a Pedro, por contato das mãos, esse poder de solidificar a água⁴.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jesus renega explicitamente a doutrina usual dos Judeus quando manda aos seguidores "<i><span style="color: #b45f06;">guardarem-se do fermento dos Fariseus e dos saduceus</span></i>" (Mt 16.12). Tratavam-se, respectivamente, dos herdeiros da realeza pré-Romana e dos debatedores que representavam as classes populares, ambos versados na história e costumes do povo. Guardar-se da sua doutrina era, então, despir-se de toda hierarquia, direitos, deveres, etc, toda segurança em outras palavras.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">"<i><span style="color: #b45f06;">Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela</span></i>" (Mt 16.18).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Essa fala de Jesus foi muito profética: como nenhum evangelista andou com Jesus, a fonte primária dos Evangelhos parece ter sido Pedro, com seus discursos anotados por Marcos, que chegou a ele em seu encontro com Paulo (40-50 d.C.). Mateus provavelmente sabia disso, na virada do séc. 2. A Igreja como organização, entretanto, deve muito a Paulo, que efetivamente não organizou seu círculo de seguidores a partir de Pedro. Mateus traz algo da Igreja Organizada, e também das falas de Paulo ao se referir ao valor do celibato: "<i><span style="color: #b45f06;">... há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por amor do Reino dos céus. Quem puder compreender, compreenda</span></i>" (Mt 19.12).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mateus também coloca na boca de Jesus "profecias" sobre a perseguição aos Cristãos, que ele deve ter vivenciado a partir do Incêndio de Roma (64 d.C) e da destruição de Jerusalém (70 d.C.) (Mt 16.25). A profecia Judaica sobre a vinda do Messias dificilmente se encaixava com Jesus. O Messias viria no final dos tempos, nascido em Belém da Judéia, descendente da casa de Davi, com Elias renascendo como seu antecessor. Jesus era Nazareno (colocou-se algo sobre um censo em que as pessoas deslocavam se para as terras familiares por conta disso), escreveram-se genealogias passando pelo rei de 1000 anos atrás até Adão, e Jesus afirma que João Batista era Elias, assim como muitos não morreriam antes do seu retorno.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">"<i><span style="color: #b45f06;">Mas eu vos digo que Elias já veio, mas não o conheceram; antes, fizeram com ele quanto quiseram. Do mesmo modo farão sofrer o Filho do Homem. Os discípulos compreenderam, então, que ele lhes falava de João Batista</span></i>". (Mt 17, 11-12)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Evidentemente, Jesus recusava-se a estabelecer no Seu grupo uma hierarquia semelhante aos Fariseus e Saduceus. Mas esse era o conceito comum dos seguidores.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">"<i><span style="color: #b45f06;">Quem é o maior no Reino dos céus? Aquele que se fizer humilde como esta criança será maior no Reino dos céus</span></i>" (Mt 18.1-4)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">"<i><span style="color: #b45f06;">O maior dentre vós será vosso servo. Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado</span></i>" (Mt 23.11-12)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Jesus ainda "chuta o balde" e fala abertamente sobre os Escribas e Fariseus, membros da alta hierarquia social: "<i><span style="color: #b45f06;">Os Escribas e os Fariseus sentaram-se na cadeira de Moisés. Observai e fazei tudo o que eles dizem, mas não façais como eles, pois dizem e não fazem</span></i>" (MT 23.2-3). Seguem-se a isso muitas imprecações, ditas a uma multidão em Jerusalém ou próximo dali.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Para finalizar, Mateus também mostra conflitos entre Cristãos e Judeus: "<i><span style="color: #b45f06;">Reuniram-se estes em conselho com os anciãos. Deram aos soldados uma importante soma de dinheiro, ordenando-lhes: 'Vós direis que seus discípulos vieram retirá-lo à noite, enquanto dormíeis. Se o governador vier a sabê-lo, nós o acalmaremos e vos tiraremos de dificuldades'. Os soldados receberam o dinheiro e seguiram suas instruções. E esta versão é ainda hoje espalhada entre os judeus</span></i>" (Mt 28.12-15).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>JESUS, via LUCAS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O texto de Lucas, como o próprio autor escreve, proveio de uma investigação sobre os fatos que a ele foram contados. Lucas era cronista de Paulo, então produziu sua obra em duas partes, primeiro o livro de Atos dos Apóstolos (com muito sobre Paulo) e depois o Evangelho de Lucas. Nesse evangelho, ele adicionou detalhes ao material obtido de Marcos e Mateus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Diferente da perspectiva teológica de seus predecessores, Lucas reúne uma coleção de ensinamentos de Jesus acerca do cotidiano, na forma de parábolas. O Messias profere conselhos esparsos/fora de contexto, como no livro de Provérbios, e acredita-se que sejam ensinamentos passados durante seu percurso pelas aldeias da Galiléia, ou simplesmente ditos populares preservados pela atribuição a alguém famoso. Os ensinamentos são passados através de estórias e charadas, bem ao estilo oriental. Aí estão a estória sobre um amigo pedindo pão (Lc 11.5-8), um rico a quem Deus avisou da morte iminente (Lc 12.16-21), uma árvore que recebe cuidados e, não produzindo frutos, seria arrancada (Lc 13.6-10), um credor perdoando a dois devedores (Lc 7.41-43), o Bom Samaritano (Lc 10.30-37), Marta e Maria (Lc 10.38-42), uma mulher procurando por sua moeda perdida (Lc 15.8-9), a estória do filho pródigo (Lc 15.11-32), o administrador astuto que pedoava devedores (Lc 16.1-8), o rico e Lázaro (Lc 16.19-31), o servo e o senhor (Lc 17.7-10), o leproso Samaritano (Lc 17.11-19), o juiz displicente (Lc 18.1-8).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Entre o material teológico que Lucas adicionou está uma descrição mais esmerada da Natividade, com Jesus agora aparentado geneticamente a João Batista (Lc 1.5-56); pastores, circuncisão e uma profecia no Templo (Lc 2.8-38); a condenação por blasfemar contra o Espírito Santo (Lc 12.8-10); uma comparação entre o Fariseu e o publicano orando (Lc 18.10-14) e a estória de arrependimento de Zaqueu, o contador de impostos (Lc 19.2-9). Também entram relatos únicos de milagres, presentes apenas nesse evangelho, sobre uma mulher curvada pela ação de um espírito (Lc 13.11-13); um jovem ressuscitado perto de Naim (14 Km de Nazaré, na Galiléia, Lc 7.11-17), sobre o envio de 72 discípulos (Lc 10.1) e a cura de um homem com um grande inchaço (Lc 14.1-6).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O evangelho de Lucas, assim como o texto de Atos dos Apóstolos, faz o possível para evitar conflitos com Roma (mesmo o Paulo descrito em Atos é muitíssimo mais romano do que o Paulo descrito por ele mesmo). De fato, Lucas tentou retratar Jesus como uma espécie de mestre não político, que tratava de questões cotidianas e não se envolvia nos assuntos da dominação Romana sobre Israel. Tudo o que Jesus promete, ao voltar dos mortos, é a chegada de um Consolador.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>A EVOLUÇÃO DO RETRATO DE JESUS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É interessante observar como a forma de descrever Jesus varia, mesmo nos evangelhos mais conservadores (Sinóticos). Em Marcos, temos alguém que não segue regras; em Mateus, não segue regras e também promete a intervenção divina em favor dos Judeus cristianizados (e contra os Judeus ortodoxos); em Lucas, Jesus se torna um sábio falando sobre assuntos cotidianos e a prometendo de um Espírito Consolador, poderosíssimo. Lucas atribui numerosos ensinamentos a Jesus - mas em Mateus isso toma o contexto de um discurso libertário, tendo a montanha como palanque.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O que dificilmente não figura nos discursos de Jesus é uma posição conservadora. Aliás, isso ficaria bem estranho para o fundador de uma divergência do Judaísmo. Até onde sabemos, suas falas e ensinamentos eram dados ao ar livre, nos campos (vide Lucas), na beira do lago de Genesaré (a aldeia de Cafarnaum foi um centro de sua pregações), em Sinagogas ou mesmo no Templo (vide Mateus). Quando atacava abertamente, o alvo de Jesus eram os "magnatas da fé", os ricos, os ensorbecidos pelo poder, a quem os Evangelhos se referem como Fariseus, Saduceus e Escribas. Mesmo os Romanos não eram tratados como esses. Então, não é difícil entender toda a movimentação política que resultou na prisão, tortura e assassinato Dele.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Essa movimentação teve seu ápice em Jerusalém, a cidade real, para onde a figura andarilha de Jesus se dirigiu no final de Deus dias. Provavelmente respeitado na Galiléia (terra revoltosa por natureza), ao menos em algumas aldeias, e na Samaria de João, Jesus rumou para Judéia onde João Batista pregava e foi assassinado. Esse caminho, principalmente depois de ter designado seus 12 emissários, de alguma forma, revela que Jesus desejava ser conhecido pelas multidões, talvez emendando-se à lembrança de João. E, nesse caso, o Messias pretendia abertamente dar seguimento ao movimento profético-libertário que seu predecessor (e outros) incendiaram.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A visão de Jesus como um personagem conservador, abençoador de reis e poderosos, surgiu apenas muito mais tarde, já quando Roma começava a incorporar a nova crença. Embora o Império tenha perseguido fortemente os Cristãos nos sécs. 2 e 3, isso soa bastante como uma disputa de crenças (embasadoras) dentro da aristocracia Romana quando pensamos que, pouco tempo depois, a própria nobreza aderiu ao Cristianismo⁵. O Jesus de Mateus claramente servia para um ataque aos Judeus, mas o de Lucas era bem mais adequado para uma valorização de Roma, agora como paladina da fé Cristã.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Se boa parte do Jesus "revoltoso" saiu da pena de Mateus, boa parte do Jesus "politicamente neutro" diz respeito a Lucas, que fez um trabalho semelhante quanto aos ensinamentos de Pedro e Paulo. Segundo o livro de Atos, cabe ao Cristão morrer para não abandonar sua fé, mas não cabe lutar por igualdade, nem proteger os mais fracos. Muito menos tomar os pães do Templo, anunciar a salvação para uma multidão ou resgatar pessoas em sofrimento, mesmo no Sábado. Aceitar o opressor (ainda que fosse claramente pacifista) é o que o Jesus de Mateus jamais faria. Associar o sofrimento com a impureza é algo que o Jesus de Marcos ensinaria.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">¹ Para os Judeus, assim como vários povos do Oriente Médio, a questão de pureza ritual era muito importante. Isso incluía higiene, contato com estrangeiros, com mulheres, etc. A Gehena era o local mais imundo, um vale fora das muralhas onde se amontoava e queimava lixo, cadáveres, animais, etc. Tradicionalmente era infestada de moscas, chacais, ratos, corvos, etc.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">² Segundo um curioso comentário de Paulo Brabo, o Reino dos Céus também custa tudo o que você possui.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">³ A parte curiosa disso é que Jesus interagia sem questionamentos com Samaritanos e Romanos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div><div style="text-align: justify;">⁴ A situação se torna menos excepcional se lembrarmos que Pedro era um dos mais velhos do grupo, um caiçara experiente da vila de Cafarnaum, na margem oeste do lago. É realmente estranho pensar que Pedro não fosse bom nadador. Ver <a href="https://www.blogger.com/#">http://loungecba.blogspot.com/search?q=Jesus+walked</a></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">⁵ O que sabemos sobre essa perseguição vem principalmente das cartas trocadas entre Plínio, o jovem e o imperador Trajano (séc. 2), assim como dos trabalhos On the Deaths of the Persecutors (Lactantius, em Alexandria) e Church History (Eusebius, bispo de Caesarea). Os dois últimos foram escritos na Roma Cristã. Nero é referido como o primeiro perseguidor, a partir do grande incêndio de Roma, em 64 d.C. No entanto, as ações do Estado geralmente eram no sentido de obrigar a uma religião coesa, politeísta, na qual se atribuía o favor dos deuses para Roma; não fazer parte dessa religião costumava ser punido com a perda de direitos e posses. As denúncias contra Cristãos então partiam de seus próximos, geralmente pessoas ofendidas ou desejando tomar algo do que fosse expropriado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No séc. 2, a punição para criminosos (não só Cristãos) assumiu uma teatralidade mórbida, com pessoas sendo crucificadas, queimadas vivas ou devoradas por animais, tudo isso na frente de platéias.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em 250 d.C., o imperador Décio sistematizou a obrigatoriedade de fé nos deuses romanos. Ele morreu em batalha logo depois, então até 257 d.C. não houve essa cobrança. Nesse ano, entretanto, Valeriano condenou à morte quem não sacrificasse aos deuses. Com sua captura pelos Persas, em 260 d.C. o decreto foi recindido. Em 303 d.C. a perseguição se tornou mais severa, porém já haviam famílias Cristãs entre os nobres e a lei se tornava impossível de ser universal. A partir de 305 d.C., a liberdade dos Cristãos aumentou e, em 313 d.C. o próprio imperador tinha sua mãe Cristã.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>MAIS COISAS PARA NÃO LER</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Bar_Kokhba_revolt">Bar Kokhba revolt</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/First_Jewish%E2%80%93Roman_War">Roman War</a> - wikipedia</div></div><div style="text-align: justify;"><div style="text-align: left;"><div style="text-align: justify;">Shushma Malik, <a href="https://theconversation-com.cdn.ampproject.org/v/s/theconversation.com/amp/mythbusting-ancient-rome-throwing-christians-to-the-lions-67365?amp_js_v=a6&amp_gsa=1&usqp=mq331AQKKAFQArABIIACAw%3D%3D#aoh=16434570172872&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&amp_tf=Fonte%3A%20%251%24s&ampshare=https%3A%2F%2Ftheconversation.com%2Fmythbusting-ancient-rome-throwing-christians-to-the-lions-67365">Mythbusting - Ancient Rome throwing Christians to the lions</a>, The University of Queensland, 22/11/2016</div></div></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-70958443152803061862021-11-30T17:11:00.011-04:002021-12-03T08:53:15.834-04:00Curandeiros Afro-Caboclos (o destino dos Malês)<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-yuyE9CbF554/YaZ9v662paI/AAAAAAAAHdk/1z0uVgiyMiYg29f2O2WV2o8J0gnyX1cQACLcBGAsYHQ/s868/121-enterrement-dun-negre-a-bahia.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="600" data-original-width="868" height="442" src="https://1.bp.blogspot.com/-yuyE9CbF554/YaZ9v662paI/AAAAAAAAHdk/1z0uVgiyMiYg29f2O2WV2o8J0gnyX1cQACLcBGAsYHQ/w640-h442/121-enterrement-dun-negre-a-bahia.jpg" width="640" /></a></div><i><div style="text-align: center;"><i>"Enterro de um negro na Bahia", 1835 - livro Voyage Pittoresque dans le Bresil, por Johann Moritz Rugendas</i></div><div style="text-align: center;"><br /></div></i><p style="text-align: justify;">Esse artigo segue-a a outro, mais antigo:</p><h3 class="post-title entry-title" itemprop="name" style="background-color: white; color: #646464; font-family: "Crafty Girls"; font-size: 18px; font-stretch: normal; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: normal; line-height: normal; margin: 0px; position: relative;"><a href="https://loungecba.blogspot.com/2020/10/o-isla-e-forjadura-do-cristianismo-no.html" style="color: blue; text-decoration-line: none;"><i>O Islã e a forjadura do Cristianismo no Nordeste</i></a></h3><div><br /></div><p style="text-align: justify;"><b><span style="color: #990000; font-size: x-large;">N</span></b>a América Colonial, o nome Caboclo era tido como um nível inferior de cidadão. O termo é indígena e definia um filho de europeu com nativo (cauoucolo em 1645; cabocolo em 1648; cabocoro em 1757 e caboclo a partir de 1781), alguém com pele morena e cabelos negros, lisos, além de modos desconfiados, retraídos. O Caboclo era caipira, analfabeto, morador de "castelos de lama". Era o habitante sem a cultura européia, podendo também ser filho dos negros africanos (os "das nações") com indígenas ("os antigos"). O Caboclo brasileiro nascia, crescia e morria sem conhecer as leis ou o Estado.</p><p style="text-align: justify;">Durante a 1ª metade do séc. 20, especialmente no Sudeste e Sul do país, Caboclo era o nome dado a trabalhadores rurais residindo na propriedade de alguém. Dentro da Umbanda Brasileira (também séc. 20), Caboclo também passou a designar um espírito indígena. Nesse texto, tentarei mostrar a curiosa ligação entre esse termo e o Cristianismo brasileiro.</p><p style="text-align: center;"><b>Origens</b></p><p style="text-align: justify;">“<i>A verdade é que importaram-se para o Brasil, da área mais penetrada pelo Islamismo, negros maometanos de cultura superior não só à dos indígenas como à de grande maioria dos colonos brancos – portugueses e filhos de portugueses quase sem instrução nenhuma, analfabetos uns, semianalfabetos na maior parte</i>” (Gilberto Freyre, 1980)</p><p style="text-align: justify;">Tudo começa com os movimentos de purificação no Califado de Sokoto (séc. 19), África Ocidental, onde o enrigecimento do Islã tratava como infiéis as nações que não aderiam às suas prescrições. Esses "infiéis adoradores de paus, pedras e batuques" eram frequentemente vendidos como escravos aos Europeus. Junto com isso, os ataques ferozes de Ingleses, Holandeses e Portugueses às nações ocidentais da África fizeram muitos cativos. Sokoto e esses ataques enviaram ao Nordeste brasileiro, pelos navios tumbeiros, um grande número de escravos islâmicos. Esses africanos formaram comunidades islâmicas principalmente no Recôncavo Baiano, então uma região produtora de fumo. A partir de 1814, com a Igreja Católica se enrigecendo no Império do Brasil, tais grupos começaram a se rebelar. Em 1835, Salvador foi palco da Revolta dos Malês, um movimento organizado de fuga em massa dos escravos islâmicos.</p><p style="text-align: justify;">A rebelião não acabou bem para os envolvidos. Pelo que foi noticiado, a maioria foi morta ou presa. Por décadas, os donos de escravos em todo Império temeram algo semelhante à rebelião de Salvador. No entanto, os historiadores apontaram antigos sinais islâmicos na Umbanda, sugerindo alguma ligação com os Malês, em vários pontos do Brasil. Recentemente, essa conexão começou a ser esclarecida, e parece que o Cristianismo também não escapou da influência deles.</p><p style="text-align: justify;">Possivelmente o número de revoltosos era bem maior do que a polícia de Salvador declarou. Estima-se em pelo menos 1000 sobreviventes, segundo as movimentações da Guarda Imperial, deslocada diversas vezes para a região, depois da Revolta. Hoje, acredita-se que esses fugitivos deslocaram-se pelas matas costeiras entre o Recôncavo Bahiano e o Sul entre 1835 e 1850, na forma de uma população nômade que foi conhecida por Povo Subtil. Foram misturando-se aos indígenas Guaranis que habitavam esse caminho, sendo então denominados Caboclos Sutis. Seu nome deriva de dois chefes que tiveram, Sebastião e Domingos Subtil, que foram conhecidos das populações locais. Na região dos Campos Gerais (MG), uma parte deles separou-se e adentrou o país, seguindo as trajetórias dos tropeiros e chegaram até Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso. O outro grupo chegou a São Paulo e seguiu para o noroeste do Paraná, onde ganharam o apelido de Caboclos Arés. Seu destino final parece ter sido a região próxima a Ponta Grossa, por volta de 1910.</p><p style="text-align: center;"><b>Os Sutis</b></p><p style="text-align: justify;">A movimentação dos Sutis pelo Brasil ao longo de 80 anos (3 gerações, pelo menos) produziu grandes transformações no grupo. Primeiro, passaram a constituir pequenos povoamento temporários de casas de barro, madeira e sapê, na forma de comunidades autossuficientes, mas que rodeavam as rotas comerciais. Criavam animais e provavelmente trabalhavam nas cidades como negros livres.</p><p style="text-align: justify;">Segundo, o Islamismo africano praticado na Bahia foi misturado com crenças indígenas ao longo do tempo. Isso inclui o apreço por lugares sagrados e a preparação de remédios com plantas. Em alguns locais por onde passaram, incluiu mesmo a adoção de santos Católicos. Essa mixagem das fés Islâmica, Indígena e Católica produziu um povo que não utilizava caixões nos enterros, fechava-se em grupos familiares, se casava via rapto das noivas, produzia remédios, criava porcos "mata-adentro" e batizava crianças em grutas. Alguns desses ritos ainda são seguidos no Quilombo Sutil, em Ponta Grossa (PR).</p><p style="text-align: justify;">No Paraná, seu destino final, eles encontraram uma relação diferenciada entre brancos e negros, fruto da mentalidade dos colonos do leste Europeu, onde a escravidão negra não existiu. Nessa relação, os Arés puderam habitar em propriedades rurais, junto a faixas de mata. Trocavam trabalho por moradia, e o famoso Quilombo Sutil surgiu da inclusão dos negros na fazenda Santa Cruz como herdeiros da família Nascimento, em 1854. Além disso, os registros da época já apontavam um grande número de mulheres negras, o que não era favorável ao regime de trabalhos forçados. Os Sutis habitaram essa região até a chegada de empresas madeireiras e agrícolas como a Paraná Pantations, em 1920.</p><p style="text-align: justify;">Próximo a Maringá (PR), houve em certo tempo um curandeiro conhecido como Pai Sandú. Sua fama chegou longe, pois a vila estava numa rota dos indígenas, que depois foi usada pelos tropeiros indo e voltando do Mato Grosso do Sul. Além do nome da cidade surgida ali (Paiçandu), há perto de Maringá uma pequena capela cercada por pedras brancas denominada desde muito como “Cemitério dos Caboclos”. O lugar é tido localmente como assombrado, além de ser uma espécie de solo sagrado para grupos Afro. Já os Sutis, dizia-se que acreditavam num paraíso terrestre conhecido como “campo da vaca branca”, situado no Oeste (talvez no MS ou Paraguai, então). Em Cianorte, também perto dali, os nômades Sutis foram retirados pela Companhia de Melhoramentos do Norte do Paraná entre 1910 e 1960, quando suas terras foram vendidas pelo governo ou cedidas a grupos de imigrantes russos e poloneses.</p><p style="text-align: justify;">No processo de desenvolvimento urbano do Paraná, os contatos entre imigrantes, empresas agrárias e Caboclos nômades geraram uma relação de trabalho bastante peculiar nos anos 1920-1940. Em geral, os Caboclos não viam a terra como sua e suas posses eram comunais. As empresas usavam imigrantes como mão de obra para extrair madeira, comprando terras diretamente do Estado. Os imigrantes compravam animais (porcos "de safra") criados pelos Caboclos, também recorrendo a eles como curandeiros. Esse ciclo durou até a destruição das matas e implantação das monoculturas de grãos, nos anos 1960.</p><p style="text-align: center;"><b>Rastros dos Sutis</b></p><p style="text-align: justify;">Em 1866, o imã Al’Baghdadi, em uma frota viajando para Basra, no Mediterrâneo, foi trazido ao Rio de Janeiro por uma tempestade. Ele encontrou comunidades muçulmanas ali, e também em Salvador e Recife. No retorno a sua terra, Al’Baghdadi escreveu um grande relato da viagem, que foi recentemente recuperado e traduzido para o português, como um retrato do Brasil do séc. 19 pelos olhos de uma autoridade Islâmica. Ele escreveu que todos no Rio de Janeiro praticavam os rituais de oração e mantinham partes do Alcorão no idioma árabe. Como esses fragmentos foram confiscados na rebelião de 1835 em Salvador, os negros do Rio de Janeiro seriam fugitivos.</p><p style="text-align: justify;">“<i>Ó mestre resoluto, nós não queremos bens passageiros nem pedimos proteção ou prevenção, apenas queremos aulas nesta correta religião. Nós acreditávamos que éramos os únicos muçulmanos no mundo, que estávamos na via clara e que todos os brancos pertenciam às comunidades cristãs até que, por dádiva de Deus, o sublime, nós o vimos e soubemos que o reino do Criador é vasto e que o mundo não é uma terra desolada, mas repleta de muçulmanos. Não nos prive da instrução nessa religião</i>”. (Pedido feito ao imã pelos muçulmanos que ele encontrou no Rio de Janeiro, segundo Deleite do estrangeiro em tudo o que é espantoso e maravilhoso: estudo de um relato de viagem de Al'Baghdadi, 2007).</p><p style="text-align: justify;">Al’Baghdadi registrou também que os muçulmanos do Rio de Janeiro praticavam costumes que diferentes do Islã, e atribuiu isso à influência de um tradutor árabe-português dali que, por ser Judeu, intencionalmente passava os ensinamentos de forma incorreta e cobrava por isso. Ele também relatou a conversão de muçulmanos em Cristãos.</p><p style="text-align: justify;">“<i>Todos os muçulmanos nestas terras submergem seus filhos na pia batismal, e enterram seus mortos sem lavar o corpo e sem voltá-lo para Meca. ... Se os cristãos identificam que alguém é muçulmano pode ser que o matem, que o exilem ou que o enviem à prisão perpétua ... Os muçulmanos residentes no Rio de Janeiro precisam esconder sua religião sem opção</i>”.</p><p style="text-align: justify;">Segundo ele, no Brasil haveria entre 5 e 19 mil muçulmanos. As conversões ocorriam porque os homens eram atraídos ppor festas, músicas e o fato de que o Cristianismo era a religião aceita socialmente. O livro sagrado (Alcorão) que possuíam era pouco utilizado para a leitura e visto mais como um talismã, “para bênção em vez de instrução”. Na África Ocidental, de forma semelhante, o Alcorão era venerado quase como se fosse um amuleto.</p><p style="text-align: justify;">Após uma estadia de quase 2 anos no Rio de Janeiro, Al’Baghdadi relatou que os Cristãos (brancos) buscavam junto aos malês orientações adivinhatórias, pagando-lhes por uma consulta. Essas consultas incluíam magia, numerologia e geomancia Ao fim de três anos no Brasil, Al’Baghdadi decidiu voltar à Arábia, prometendo retornar caso o governante Otomano assim permitisse. Isso nunca aconteceu.</p><p style="text-align: justify;">Abelardo Duarte publicou a foto de um grupo "Candomblé" em 1887. A foto traz em seu verso a inscrição “Candomblé – prática dos africanos de Penedo” (Alagoas) e na frente a imagem de 5 homens e 15 mulheres. Um dos homens traz na mão um machado. Ao seu lado está um carneiro sacrificial e um buraco aberto no chão. Os trajes dos homens são tipicamente muçulmanos. Entre as mulheres, apenas uma cobre a cabeça com um véu enquanto as demais usam turbantes.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-yKNFnAfmER8/YaaHJa3pRqI/AAAAAAAAHds/khO_WmI4lYo7haAr6ZJmhj_B7aiHyx7UQCLcBGAsYHQ/s820/Negros-Mal%25C3%25AAs-em-Penedo-fotografia-tirada-em-24-de-agosto-de-1887.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="410" data-original-width="820" height="320" src="https://1.bp.blogspot.com/-yKNFnAfmER8/YaaHJa3pRqI/AAAAAAAAHds/khO_WmI4lYo7haAr6ZJmhj_B7aiHyx7UQCLcBGAsYHQ/w640-h320/Negros-Mal%25C3%25AAs-em-Penedo-fotografia-tirada-em-24-de-agosto-de-1887.jpg" width="640" /></a></div><p style="text-align: justify;"><i>Foto do Dr. Carvalho Sobrinho, em 24/8/1887. Apresentada por Abelardo Duarte em palestra no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia por ocasião de homenagens a Nina Rodrigues em 16 de julho de 1956.</i></p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">João do Rio (João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto), que foi jornalista, cronista, tradutor, teatrólogo e membro da Academia Brasileira de Letras, escreveu muito sobre as religiões populares na cidade do Rio de Janeiro. Em 1904, ele afirmou ter encontrado um grupo praticando o Islã misturado com o Candomblé. Segundo ele, Alufás faziam suas preces (kissium) vestidos com abadás, com a cabeça coberta por um gorro vermelho (filá), sentados sobre tapetes de pele de tigre ou carneiro. Liam o Alcorão, rezavam o rosário (tessubá), não comiam carne de porco, guardavam o Ramadã, faziam abluções, circuncisões, praticavam a poligamia, usavam o símbolo do crescente lunar, mantinham o hábito de escrever orações com tinta de arroz queimado em tábuas (atôs) e pronunciavam a saudação “<i>Al selam aleikum</i>”. Com o surgimento de cada novo Alufá, todos dançavam o "opa-suma" e conduziam-no sobre cavalo pelas ruas vestido de roupas brancas e gorro vermelho. O informante de João do Rio, Antônio, explicava que essas cerimônias sempre se realizavam em lugares afastados, nos subúrbios. Apesar de os praticantes do Candomblé carioca e os muçulmanos praticarem “feitiçarias” da mesma forma, não havia total absorção de uma religiosidade pela outra. “<i>Os alufás não gostam da gente de santo a quem chamam de auauadó-chum; a gente de santo despreza os que não comem porco, chamando-os Malês</i>".</p><p style="text-align: justify;">A forte religiosidade dos Caboclos tornou eles um alvo preferido de monges pregadores, que percorreram a região entre São Paulo e Paraná estabelecendo relações diplomáticas com vilas e proprietários de terras. Tal atuação dos monges trocou o Islamismo vestigial dos Arés por uma curiosa veneração de santos Católicos com poderes de cura, proteção contra ferimentos e maus espíritos. Um dos preferidos nesse panteão era São Benedito, um antigo curandeiro Franciscano (na Itália) originário da África. Às vezes, essas comunidades negras entravam em combate armado com estancieiros comprando suas terras (do governo ou das famílias mais ricas) e tentando expulsa-los com armas. Nos registros do Estado, tal população sequer existia.</p><p style="text-align: justify;">Em 1909, o abade Etienne Ignace Brasil escreveu a respeito do crescimento do Islã no Brasil, florescido no escuro das senzalas. Segundo ele, da África vieram mestres e pregadores para ensinarem a ler o Alcorão, em casas de oração maometanas. No Rio de Janeiro, a Umbanda surgiu no início do séc. 20 da fusão entre Católicos e Espíritas, sobretudo Franceses e Ingleses, em outras palavras grupos "brancos". No entanto, surgiu ao redor da possessão por espíritos indígenas denominados Caboclos. O nome Caboclo já era designado a mestiços.. Curiosamente, esse grupo rapidamente anexou negros, divindades Afro (como Exu, numa outra interpretação) e usos do Islã, como retirar sapatos, jejuar em certos dias até o por do Sol, purificação antes dos cultos, o dia sagrado na 6ª feira e as roupas brancas. A circuncisão, recitação do Alcorão e as várias orações em direção a Meca, presentes parcialmente entre os Malês em 1835, aparentemente desapareceram.</p><p style="text-align: justify;">Em 1934, Arthur Ramos teria identificado duas “seitas poderosas que disputavam a primazia em Alagoas, chamando-as : Xangô e Malê. Entre os Malês, preservava-se o nome Alufá para os líderes. Ente eles, “<i>Adoravam Alá, Olorun-uluá (sincretismo de Olorumdos Yorubá e Alá) e Mariana (mãe de Deus)</i>". A sobrevivência do Islã, então, estaria atrelada a criar sincretismos. No sul do Brasil, ao que parece, os grupos Sutil teriam dado origem a uma complexa tradição Católica-Indigena-Nagô-Islâmica de práticas relacionadas a benzimentos, com preparação de remédios, orações curativas, amuletos, batismos e enterros diferenciados.</p><p style="text-align: justify;">Pelo menos no sul do Brasil, o processo de "embranquecimento" almejado com a importação de europeus não cumpriu seu objetivo. As elites almejavam uma espécie de eugenia cultural e traços religiosos não-oficiais, equiparados a feitiçarias, deveriam ser duramente reprimidos. A população mais pobre, porém, se vinculou e até aprendeu dos conhecimentos dos Caboclos.</p><p style="text-align: justify;">A tradição desses Caboclos, depois absorvida nas pequenas cidades, nunca seguiu as estruturas rígidas de nenhuma das religiões que os formaram, se enquadrando mais como uma fé popular sincrética. Por isso, grupos Malês e Quilombolas mais os menos ecoam até hoje nas práticas de benzedeiras e curandeiros negros espalhados do Rio Grande do Sul até Minas Gerais, tidos por vezes como representantes e propagadores do Catolicismo na forma de cuidados de saúde acessíveis para a população. Em muitos locais do país, a crença nos poderes curativos desses representantes da tradição africana (no sentido de um sincretismo bem elaborado) é maior do que nos médicos e seus "procedimentos estranhos".</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-UQ-6Tl93e50/YadWZuZvTkI/AAAAAAAAHfg/l2RdreUdhL8ETnQOEMH435bu-RJfurl-QCLcBGAsYHQ/s275/arco.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="275" data-original-width="203" height="82" src="https://1.bp.blogspot.com/-UQ-6Tl93e50/YadWZuZvTkI/AAAAAAAAHfg/l2RdreUdhL8ETnQOEMH435bu-RJfurl-QCLcBGAsYHQ/w60-h82/arco.jpg" width="60" /></a></div><br /><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;"><i>"<b>Feitiçaria - </b>A noite passada, às 11 horas mais ou menos, houve grande prática do Alcorão em uma casa da rua do Riachuelo, habitada pelo preto mina de nome Matias, contígua a em que reside o Sr. Germano Hasslocher. Tendo ciência do fato, ali compareceu o Sr. Subdelegado de Polícia do 1o Distrito, acompanhado do respectivo escrivão e do Inspetor de Quarteirão Firmino Serrão, um pouco tarde porém, porque a seção manipancina [supersticiosa] já se tinha terminado, mas ainda a tempo de verificar a grande quantidade de bugigangas que foram recolhidas pela mesma autoridade. Veio mais ao conhecimento, que, na referida casa, há quartos para alugar onde mora o português José, que tem quitanda no mercado, o preto nagô Adriano e a crioula Andreza com sua filha. Entre os objetos arrecadados, existem o Alcorão árabe e outros livros na mesma língua. Tomaram-se as necessárias providências."</i></p><p style="text-align: justify;">(notícia de "O Mercantil", jornal de Porto Alegre, 24/8/1879. Segundo documentos, esse Matias era um nagô da Costa da Mina (nação Yorubá, na África Ocidental), escravo liberto que pertencera a Joaquim Maria de Azevedo Guerra até 1865. Ele fora libertado após pagar 1 conto e 680 mil réis. Tratava-se do preço de mais de 100 cavalos, colocando-o como o 2º escravo mais valioso do Brasil. Isso faz pensar como um escravo obteve tal quantia, e porque era tão valioso. A suposição é de que Matias era um grande Alufá recebendo recursos de seus fiéis, e seu dono sabia disso. Para finalizar a dúvida, o Ramadã de 1879 - data da revelação do Alcorão a Muhammad - teria começado na semana de 18 ou 19/8, apenas 4 dias antes do ocorrido).</p><p style="text-align: justify;">-----------------------------------------------</p><p style="text-align: justify;"><b>Coisas para não ler</b></p><p style="text-align: justify;">ANTONELLI D, Turbante, fé e comércio: os muçulmanos no Paraná, 2/1/2019, https://www.revistaideias.com.br/2019/01/02/turbante-fe-e-comercio-os-muculmanos-no-parana.</p><p style="text-align: justify;">BRAZIEL, MC. Religiosidade e Cultura Afro-Brasileira no Paraná: olhar bibliográfico sobre o Povo Sutil (séc. XX). Projeto de História no Colégio Estadual João XXIII - Maringá, apresentado à Coordenação do Programa de Desenvolvimento Educacional-PDE, 2016.</p><p style="text-align: justify;">CARVALHO L, Um século antes da chegada dos cristãos, Maringá era muçulmana, https://metro376.com/um-seculo-antes-da-chegada-dos-cristaos-maringa-era-muculmana, 12/1/2021 </p><p style="text-align: justify;">CUNHA, Eonio Marcos. O Povo Sutil: Os esquecidos nômades afro-muçulmanos do Brasil. https://historiaislamica.com/pt/o-povo-sutil:-os-esquecidos-n%C3%B4mades-afro-mu%C3%A7ulmanos-do-brasil, 04/08/2021.</p><p style="text-align: justify;">FARAH, PD. Deleite do Estrangeiro em Tudo o que é Espantoso e Maravilhoso: estudo de um relato de viagem de Al'Bagdadi, 2007.</p><p style="text-align: justify;">HARTUNG, Míriam Furtado. A comunidade do Sutil: história e etnografia de um grupo negro na área rural do Paraná. Tese de doutorado em Antropologia Social, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000.</p><p style="text-align: justify;">History Archive, https://historyarchive.org/works/books/voyage-pittoresque-dans-le-bresil-1835</p><p style="text-align: justify;">MALHEIROS, Márcia Fernanda Ferreira et al. Homens da fronteira: índios e capuchinhos na ocupação dos Sertões do Leste, do Paraíba ou Goytacazes: séculos XVIII e XIX. 2008. Tese de doutorado no Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, 2008.</p><p style="text-align: justify;">MENDES, Dulce Santoro; CAVAS, Claudio São Thiago. Benzedeiras e benzedeiros quilombolas-construindo identidades culturais. Interações (Campo Grande), v. 19, p. 3-14, 2018.</p><p style="text-align: justify;">MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Manipanços, Feitiçarias, Alcorões: Africanos muçulmanos no Brasil meridional (Porto Alegre, Século XIX). História em Revista, v. 24, n. 2, 2018.</p><p style="text-align: justify;">MUSLIM E. O Povo Sutil, os Malês no Paraná. http://islamparana.blogspot.com/2015/01/o-povo-sutil-os-males-no-parana.html, 24/1/2015.</p><p style="text-align: justify;">RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. Negros islâmicos no Brasil escravocrata. Cadernos Ceru, v. 22, n. 1, p. 287-304, 2011.</p><p style="text-align: justify;">SILVA, Marcio Antônio Both da. Por uma lógica camponesa: caboclos e imigrantes na formação do agro do planalto rio-grandense-1850-1900. Dissertação de mestrado no Curso de Pós-Graduação em História, Departamento de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004.</p><p style="text-align: justify;">Sobre o Cemitério dos Caboclos, Heresias Compartilhadas, http://heresiascompartilhadas.blogspot.com/2016/02/sobre-o-cemiterio-dos-caboclos.html, 21/2/2016.</p>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-7549827250389449962021-02-28T23:19:00.006-04:002021-03-02T18:16:21.305-04:00Atos de Paulo<div style="text-align: center;"><img height="426" src="https://lh6.googleusercontent.com/nYiasByJh0F4cvY8B6GJXVNnqf4olt4fBCbWmksYrcMNSkCv4_Uwa6W0-tW56taoG8nRquAKPpaQHGp2LJyE00ahMppcHC6OHJbwcZB1ug3xRqDJqIU4sNbh8fT_WHqTbOkVfTXf=w640-h426" width="640" /></div><div style="text-align: center;"><i>Parede pintada na Grotto de Saint Paul. Da esquerda para direita, Tecla (na janela), Paulo e Teoclea.</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #990000; font-size: large;">E</span></b>m 1995, foi encontrada uma caverna na região da antiga Éfeso/Turquia. O local é famoso como um pólo inicial do Cristianismo, e seu nome é parte do título de um dos livros do Novo Testamento. Mais especificamente trata-se de uma carta 'assinada' por Paulo, endereçada para a nascente igreja de Éfeso. Na prática, há muitos questionamentos se Paulo escreveu mesmo tal carta, uma vez que ela menciona eventos não condizentes com o período que Paulo passou em Éfeso (<a href="http://loungecba.blogspot.com/2020/07/marcos-um-evangelista-entre-pedro-e.html">53-54 d.C.</a>), além de contradizer pontos doutrinários importantes de outras cartas dele.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Apesar disso, Éfeso foi com certeza um polo difusor do Cristianismo, a partir dos ensinamentos de Paulo. No séc. 4, a caverna conhecida como 'Grotto de Saint Paul' passou a ser reformada para funcionar como templo. As paredes foram pintadas, construiu-se um batistério e um presbitério. Até o séc. 13 foram incluídas novas pinturas, com soldados Bizantinos, e o local permaneceu ativo até o séc. 19. Depois de quase 1500 anos, a igreja 'sob a rocha' foi abandonada.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Uma das pinturas encontradas ali nos remete ao séc. 2 e uma obra particular desse período, conhecida como 'Atos de Paulo'. Trata-se de uma cena com Tecla, Paulo e Teoclea (mãe de Tecla), todos personagens da estória denominada 'Atos de Paulo e Tecla'. O pintor fez questão de anotar os nomes das figuras, em grego. Não, você provavelmente não tem 'Atos de Paulo' na sua Bíblia. Esse livro é formado por 3 livros menores, 'Atos de Paulo e Tecla', o maior, 'Carta dos Coríntios a Paulo' e '3ª Epístola dos Coríntios', esses dois bem curtos. Todos são obras do séc. 2, obviamente apócrifas, feitas para se parecerem com livros que hoje estão nas Bíblias.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Eles tiveram, por um tempo, sua valorização como se fossem textos originais. Afinal, uma das pinturas na parede de 1500 anos da 'Grotto', é de uma cena inicial do livro 'Atos de Paulo e Tecla'. O interesse nessas obras, desde que se percebeu serem apócrifas, é pelo que elas contam da Igreja no séc. 2. Um mundo religioso de disputas internas e os conceitos de fé começando a ser solidificados.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>COMO ERA O SÉC. 2</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em termos políticos, não foi muito distinto do séc. 1. As últimas reformadas dos Judeus estavam sendo debeladas, na Palestina. Roma controlava Cartago no norte da África (as outras terras na costa norte ainda eram independentes), dominava Espanha, Itália e Grécia (norte da França, Germania e Bretanha ainda estavam fora do mapa), avançando a oeste até a Turquia. Era o tempo da expansão do Império.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A religião Romana tinha seus níveis estatal, comunitário e familiar. No nível estatal, cultuavam-se os deuses gregos com preces e sacrifícios (os Romanos não tinham estórias de batalhas, traições, etc envolvendo os deuses), além da figura do imperador. Todos os após Augusto tiveram o título 'Divino' incluído em seus nomes, e suas estátuas foram colocadas nos templos. No nível comunitário, seguiam-se divindades como Mitra, que simbolizavam honra e reconhecimento dentro de um grupo. No nível doméstico, cada família tinha seu pequeno altar e panteão formado, sobretudo, por antepassados. Essas divindades domésticas eram chamadas de 'lares'.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Mitraísmo era uma religião em crescimento dentro de Roma. Mitra era uma divindade do Oriente, versão de Ahura-Mazda do Iran, o todo poderoso. Sua fama como líder da hierarquia divina o transformou em divindade importante na Pérsia, que as legiões romanas trouxeram para o Ocidente no séc. 1 a.C. Na época de Jesus, Mitra já era a principal divindade das tropas Romanas, e se difundiu nas regiões ocupadas, até o séc. 4. Mitra só deixou de ser cultuado por decreto imperial.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O culto de Mitra nos interessa, pela era de sincretismo em que o Cristianismo se desenvolveu. Mitra era um deus associado ao Sol, ao Zodíaco, ao culto dentro de cavernas. Apenas os homens podiam participar. Nesse culto geralmente havia o sacrifício de touros e banquetes. Por outro lado, escrever sobre ele devia ser proibido, pois sobraram muitas representações e nenhum texto do culto. Mitra era celebrado em 25/dezembro.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Pelo séc. 2, o Cristianismo se difundia entre a população Romana, absorvendo valores aos quais o Evangelho não se referia. Por exemplo, os cultos Cristãos inicialmente eram em sinagogas; com a perseguição aos Judeus, os Cristãos se mudaram para as cavernas e templos subterrâneos de Mitra. A data de nascimento de Jesus está bem clara.. Por volta do séc. 4, um símbolo já bem associado a Jesus era o Sol.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>PAULO E TECLA</b></div><div style="text-align: center;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Se as mulheres tiveram um papel crítico nas falas de Jesus, na organização das comunidades ao redor do Mestre e nas viagens de Paulo, por outro lado não eram bem aceitas no mundo Judeu e nem nos cultos Mitraicos. Na fusão do Cristianismo com os Mistérios de Mitra, as mulheres foram abordadas de forma negativa, exigindo-se delas silêncio e subordinação. Em boa parte das cartas chamadas <i>deutero-paulinas</i>, isto é, atribuídas a Paulo mas não condizentes com seu estilo, as ideias sobre igualdade de direitos logo foram combatidas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tecla de Iconium representou um ideal feminino dessa época, combinando castidade e proteção divina. Ainda não existiam conventos, e pregadores mulheres são meta especulação. Talvez a Tecla real e humana tenha tido tal atuação. No texto 'Atos de Paulo e Tecla', é a passagem de Paulo pela cidade e sua pregação que motivam Tecla a assumir sua castidade perante a família e um noivo. Na cena retratada na 'Grotto', Paulo prega (com os dedos levantados) enquanto a jovem Tecla observa de uma janela. Sua mãe, do outro lado, manda que queimem a filha quando esta recusa o casamento. A popularidade da cena é constatada nos danos feitos à pintura, provavelmente enquanto a 'Grotto' estava desabitada, em que Teoclia foi queimada.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Atos de Paulo e Tecla</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">5. E quando Paulo entrou na casa de Onesíforo, houve grande alegria, e o dobrar dos joelhos e o partir do pão, e a palavra de Deus acerca do domínio próprio e da ressurreição, com Paulo dizendo: “Bem-aventurados os puros de coração porque eles verão a Deus. Bem-aventurados os que guardam casto o corpo porque se tornarão templo de Deus. Bem-aventurados os que dominam a si mesmos, porque Deus conversará com eles. Bem-aventurados os que renunciaram a este mundo porque eles agradarão a Deus. Bem-aventurados os que, tendo mulheres, agem como se não as tivessem, porque serão herdeiros de Deus. Bem-aventurados os que têm temor de Deus, porque eles se tornarão anjos de Deus. 6. Bem-aventurados os que temem as palavras de Deus, porque serão consolados. Bem-aventurados os que recebem a sabedoria de Jesus Cristo, porque serão chamados filhos do Altíssimo. Bem-aventurados os que guardam o batismo, porque eles descansarão junto do Pai e do Filho. Bem-aventurados os que abrem o coração para o conhecimento de Jesus Cristo, porque eles estarão na luz. Bem-aventurados os que, por causa do amor de Deus, abandonam o modo de vida mundano, porque eles hão de julgar os anjos e serão abençoados à destra de Deus. Bem-aventurados os misericordiosos porque receberão misericórdia e não verão o amargo dia do juízo. Bem-aventurados os corpos de quem é virgem porque agradarão a Deus e não perderão a recompensa da sua castidade: porque a palavra do Pai se tornará um ato de salvação para eles no dia do filho dele, e terão repouso para sempre.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Esse trecho, como alguém pode imaginar, é uma boa reprodução do Sermão da Montanha (Mateus 5). Lembrando que as cartas de Paulo são mais antigas que o texto dos Evangelhos, em especial mais antigas que Mateus (100 d.C.), fica claro que o autor não é Paulo. Porém, isso também nos mostra que Mateus era bem conhecido já no séc. 2.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Dentro desse caldeirão de misturas que era o séc. 2, obviamente não faltavam questões doutrinárias para se discutir. Acredita-se que os Atos de Paulo, em suma, sejam provocações à Igreja para combater certas filosofias correntes.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Atos de Paulo e Tecla</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">14. Então, Demas e Hermógenes disseram: “Leve-o [Paulo] ao governador Castélio por seduzir o povo com o novo ensino cristão. Dessa forma, ele o matará e você terá sua Tecla como esposa. E nós vamos ensinar a você que a ressurreição, a qual ele diz que vai acontecer, já aconteceu por meio dos filhos que temos [e que ressuscitamos ao conhecer </span></i><i><span style="color: #783f04;">o Deus verdadeiro]”.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Aqui, os personagens negativos incorporam o ensino combatido em 2ª Timóteo 2.18: “Eles se desviaram da verdade, afirmando que a ressurreição já aconteceu, e com isso perverteram a fé em alguns”. De fato, a pregação Cristã de uma Ressurreição no final dos tempos era algo combatido sobretudo pelos Gregos. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Na trama, Tecla se recusou ao casamento. O noivo, tomado de ódio, recorreu às amizades políticas para sentenciar Tecla, sendo a mãe quem lhe designa ser queimada viva. Mas então ocorre uma série de milagres.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Atos de Paulo e Tecla</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">22. E os jovens e as virgens carregavam lenha e forragem para que Tecla fosse queimada. E quando ela foi conduzida nua, o governador chorou e admirou-se da força que havia nela. Os carrascos arrumaram a lenha e mandaram que ela subisse na pira. E ela, após fazer o sinal da cruz, subiu sobre a lenha. E eles atearam fogo. Mas, mesmo com uma grande chama ardendo, o fogo não a tocava. Então, Deus, tendo se compadecido, provocou um estrondo subterrâneo e cobriu de sombra o alto com uma nuvem cheia de água e granizo, e todo o seu conteúdo foi derramado de tal maneira que muitos ficaram em perigo e morreram, o fogo foi apagado e Tecla foi salva.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;"><br /></span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">33. Após ser tomada da mão de Trifena, Tecla foi despida, recebeu um calção subligar e foi lançada no estádio. Então, leões e ursos foram lançados em direção a ela. Mas uma leoa feroz correu mais rápido e deitou-se a seus pés. E a multidão de mulheres deu grandes gritos. E uma ursa correu em direção a ela. Mas a leoa, correndo, enfrentou e despedaçou a ursa. Por sua vez, um leão treinado para atacar homens, que pertencia a Alexandre, correu em direção a ela. Mas a leoa, bateu-se contra o leão e foi destruída junto com ele. As mulheres lamentaram muitíssimo, visto que a leoa, que era a defensora dela, também havia morrido.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">34. Então, introduziram muitas feras, enquanto ela permanecia em pé, com as mãos estendidas, orando. Quando terminou a oração, virou-se e viu um grande fosso cheio de água, e disse: “Agora é a oportunidade para eu me batizar.” E lançou-se, dizendo: “Em nome de Jesus Cristo, eu me batizo em meu último dia!” Mas ao verem isso, as mulheres e toda a multidão, choraram, dizendo: “Não se lance na água!” De modo que até o governador verteu lágrimas, porque umas focas estavam prestes a devorar uma beleza tal. E ela, então, lançou-se na água em nome de Jesus Cristo, mas as focas, depois de ver o fulgor de um raio de fogo, boiaram mortas. E havia uma nuvem de fogo ao redor dela, de tal maneira que nem as feras podiam aproximar-se, nem sua nudez podia ser vista.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">35. ... Alexandre disse ao governador: “Eu tenho touros bem apavorantes, vamos prender a lutadora a eles.” E, embora contrariado, o governador permitiu, dizendo: “Faça o que quiser”. E prenderam-na pelos pés entre os touros. E colocaram ferros incandescentes sob os genitais deles, para que, agitando-se bem mais, eles a matassem. Então, eles saltaram. Mas a chama ardente consumiu as cordas e ela ficou como se [Tecla] não tivesse sido presa.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Alexandre era outro pretendente, que tomou Tecla por escrava de Paulo e tentou se apoderar dela. Após ter seu manto rasgado, ele também se enfureceu. No meio de grandes milagres protegendo-a, Tecla batiza a si mesma numa piscina de focas (ou leões marinhos). Essa ação de independência (nem mesmo Jesus batizou a Si mesmo), reunida às demonstrações públicas do poder de Deus, nos fazem pensar que ela era alguém de destaque no séc. 2, talvez comparável ao próprio Paulo, e as estórias foram elaboradas para justificar tal fama.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Atos de Paulo e Tecla</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">38. Depois de ouvir estas coisas, o governador ordenou que fossem trazidas vestimentas e disse: “Cubra-se com as vestimentas.” E ela disse: “Aquele que me cobriu, estando nua entre as feras, esse me cobrirá com salvação no dia do julgamento.” E, pegando as vestimentas, cobriu-se. O governador imediatamente baixou uma resolução, dizendo: “Eu liberto Tecla, a piedosa serva de Deus, para vocês.” E todas as mulheres gritaram com grande voz e, como de uma única boca, deram louvor a Deus, dizendo: “Há um único Deus, o que salvou Tecla”, de tal forma que, por causa das vozes, toda a cidade foi sacudida.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;"><br /></span></i></div><div style="text-align: justify;">Tecla, aqui, foi lançada nua para as feras, como acontecia nos espetáculos de expurgo promovidos pelo Império. Mas depois ela também aparece como um ícone ou mártir vivo, a conversora de toda cidade de Iconium. Mais especificamente, a que converteu as mulheres ao monoteísmo e castidade. No texto, ela se declara fiel seguidora de Paulo, apesar de não se discutir nada da filosofia Paulina, aceita como a própria graça de Deus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>AS DISPUTAS NA IGREJA</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No séc. 2, é importante lembrar que ainda estamos no período antes do 1º Concílio, ou Concílio de Nicéia. Esse evento marcou a intromissão do Estado Romano na Igreja porque foi convocado por ordem de Constantino I a fim de uniformizar a religião Cristã, agora abraçada pelo Império. Mas nada disso existia ainda, no séc. 2. Bem ao contrário, a expansão do Cristianismo fazia-se misturando os ensinamentos de Paulo com os Evangelhos (que circulavam em separado) e também as filosofias variadas típicas do grande mundo Romano. As diversas vertentes, claro, viam umas às outras como hereges.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As duas cartas aos Coríntios dão uma ideia desse conflito, ainda no séc. 1. Diversas vezes, Paulo adverte a Igreja sobre doutrinas exóticas se infiltrando entre eles.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>1ª Epístolas aos Coríntios, cap. 1</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">10. Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos estejais em pleno acordo e que não haja entre vós divisões. Vivei em boa harmonia, no mesmo espírito e no mesmo sentimento.11. Pois acerca de vós, irmãos meus, fui informado pelos que são da casa de Cloé, que há contendas entre vós.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">Cap. 5 - 9. Na minha carta vos escrevi que não tivésseis familiaridade com os impudicos.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo dá a entender que esta 1ª Epístola não foi sua primeira correspondência. Infelizmente, o texto da obra anterior se perdeu. Pelo conteúdo conselheiro das cartas a Corinto, o séc. 2 produziu continuações delas. Claro que não vieram de Paulo, mas agora as doutrinas 'exóticas' podiam ser nomeadas, apontadas com precisão. A estória de Tecla coloca uma situação dessas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Muito interessante observar que, a respeito da união entre Cristãos e incrédulos, Paulo orienta que tais matrimônios não devem ser desfeitos por causa das diferenças religiosas, dizendo que o esposo não convertido é santificado pela sua esposa e que o contrário também se aplica. Ele acreditava numa vitória 'racional' da filosofia Cristã.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Carta dos Coríntios a Paulo</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">Agora, as coisas que esses homens dizem e ensinam são estas: eles dizem que não devemos usar os profetas; que Deus não é Todo-Poderoso; que não haverá ressurreição da carne; que o homem não foi feito por Deus; que Cristo não desceu em carne; Ele também não nasceu de Maria; e que o mundo não veio de Deus, mas dos anjos. Portanto, irmão, [te pedimos], dê todo o cuidado para vir até nós, para que a igreja dos Coríntios permaneça sem ofensas e a loucura desses homens se torne clara.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;"><br /></span></i></div><div style="text-align: justify;">A partir do que está escrito, podemos fazer uma lista das Cristologias que circulavam no séc. 2. Para entender elas, devemos lembrar que a adoração a Jesus precedia em muito o conhecimento dos Evangelhos, ou das cartas de Paulo. O monoteísmo se difundiu em Roma com Jesus, mas também com Mitra. Cristo era um ícone, uma divindade restauradora de Israel, o santificador dos gentios, o caminho para o paraíso. Para os Romanos, era mais um deus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Uma das Cristologias circulantes era o Docetismo, doutrina que pregava a materialização de Jesus a partir do espírito de Deus, e não como um homem nascido carnal. Tais compreensões eram importantes para justificar a separação carne-espírito. Vemos algo semelhante no Velho Testamento, com profetas como Enoque e Elias sendo levados diretamente a Deus, sem passar pela morte. E também na literatura extra-corânica do Islã, onde o profeta Jesus foi elevado aos céus e Judas transformado na aparência dele para ser crucificado. Não convinha Deus permitir tal sofrimento a Seu profeta!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>CONCLUSÃO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O séc. 2 pode ser pensado como um grande divergente na história da Igreja. Por um lado havia a proximidade com as comunidades originais fundadas por Paulo. Por outro, o Cristianismo crescia se misturando às religiões Romanas, como o Mitraísmo. E juntando-se a isso, o número de Cristãos aumentava, requerendo lideranças centralizadas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Certamente não era o espírito de Jesus, nem tampouco de Paulo, gerar uma instituição com hierarquias internas. Em suas andanças pela Galiléia, Jesus se ateve a questões genéricas/universais como o amor a Deus e o próximo. O mais distante que Ele foi do universo Judeu foram suas conversas com centuriões e Samaritanos. Marcos, seguidor de Paulo, redigiu falas de Pedro que deram origem aos Evangelhos. Lucas, também do grupo de Paulo, depois juntou nesse material os ensinamentos Galileus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo não reivindicava autoridade maior entre as comunidades fundadas por ele mesmo, mas inclusive clamava que seus ensinamentos haviam provido do Espírito Santo. Pedro e Marcos foram bispos, inaugurando as hierarquias religiosas. Mas, então, como tratar quando os ensinamentos 'do Espírito' são diferentes entre uma comunidade e outra? O que fazer quando o Espírito está atrelado a vieses culturais (e costuma estar)?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A resposta do séc. 2, lá nos Atos de Paulo, era o combate.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>3ª Epístola aos Coríntios</b></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;">Estando em meio a tantas tribulações, não me admiro se os ensinamentos do maligno se espalharam rapidamente. Pois meu Senhor Jesus Cristo apressará sua vinda e desprezará (não mais suportará a insolência) os que falsificam suas palavras.</span></i></div><div style="text-align: justify;"><i><span style="color: #783f04;"><br /></span></i></div><div style="text-align: justify;">-----------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>LITERATURA DE 2ª MÃO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1YbxZtBY6hStO0lMYOtrbuvkY4ftkIihL/view?usp=sharing" target="_blank">Atos de Paulo</a> (port)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.christian-history.org/3rd-corinthians.html">3rd Corinthians</a>, christian-history.org</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">BOLEN, Todd. <a href="https://www.bibleplaces.com/blog/2013/04/the-grotto-of-saint-paul-in-ephesus/">The Grotto of Saint Paul in Ephesus</a>, bibleplaces.com, 29/abr/2013</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">DEVAI, Sara Gonçalves. <a href="https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8143/tde-13062019-124752/pt-br.php">Atos de Paulo e Tecla: estudo e tradução</a>, dissertação de mestrado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, 2019</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="http://holylandphotos.org/browse.asp?s=1,3,7,23,574&img=TWCSEPPT01">Grotto of Saint Paul</a>, hollylandphotos.org</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">LONGHENRY, Ethan R. <a href="https://venicechurchofchrist.org/voice/thecla/">The Acts of Paul and Thecla</a>, venicechurchofchrist.org, 29/set/2019</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.ancient.eu/image/131/map-of-2nd-century-roman-expansion/">Map of 2nd Century Roman Expansion</a>, ancient.eu, 26/abr/2012</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Mithraism">Mithraism</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.christian-history.org/corinthians-to-paul.html">The Epistle of the Corinthians to Paul</a>, christian-history.org</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">WASSON, Donald L. <a href="https://www.ancient.eu/Roman_Religion/#:~:text=From%20the%20beginning%20Roman%20religion,a%20number%20of%20foreign%20cults">Roman Religion</a>, ancient.eu, 13/nov/2013</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-73576923621879428072021-02-16T17:13:00.005-04:002021-02-16T17:13:44.773-04:00Ignorância<div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><img height="370" src="https://lh4.googleusercontent.com/-Flf-Ox6v7BQqWV8EfPXYli2JR8wNnXm5kA8qwFKIMWgXqAQm2BYXrCnJTY91QAIbXlcn7HtPw7NEifQFjtPQU6hNRFgBeSQ_XSwxdB6BtmMR8GtUQ5TNZWLlUeGz6uwgcAqOn0Y=w289-h370" width="289" /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i>O Tolo, gravura de 1540 feita por Heinrich Vogtherr o jovem, num panfleto da Reforma Protestante na Alemanha. O tolo era uma alegoria medieval representando a pessoa teimosa que comete enganos frequentes. Às vezes, representava o deficiente mental.</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #990000; font-size: x-large;">N</span></b>o último texto eu falei sobre o <a href="http://loungecba.blogspot.com/2021/01/obscurantismo-vs-cristianismo.html">Obscurantismo</a>, ou seja, a privação de conhecimento às pessoas por parte de uma autoridade ou liderança. O outro lado dessa moeda é a Ignorância Voluntária, que trata de as próprias pessoas se privarem de conhecimento. Às vezes, um e outro até andam juntos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>RAZÕES BIOLÓGICAS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A cada segundo, nossos circuitos cerebrais são percorridos umas 10 vezes por impulsos nervosos. Trata-se de uma imensa teia de neurônios, muitos formando grupos com a função de banco de dados. Assim, em um único segundo acessamos a necessidade de comprar pão ao voltar do trabalho, a fisionomia estranha de alguém que vimos na rua, o seriado que estamos assistindo, a tarefa que o chefe pediu com urgência.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Essa miríade de lembranças é percorrida muitas vezes por minuto, algumas se repetindo centenas de vezes (aquelas em que prestamos atenção) e outras apenas uma vez (aquelas que escolhemos ignorar). Quanto maior o banco de dados percorrido, menor a chance de que algo de se sobressaia entre todos os outros. Seria útil se fosse a tarefa pedida pelo chefe..</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Dessa forma, somos ensinados e aprendemos, desde crianças, a ignorar informações do ambiente. O colega mascando chiclete ao lado, na sala de aula, as pessoas conversando no mesmo ambiente, o texto que não interessa, são todos classificados como "distrações". Prestar atenção, então, se parece com ignorar voluntariamente muitas informações. E isso faz parte de um bom desempenho.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Dentro do Cristianismo, lá no séc. 1 vemos a população de Éfeso queimando seus livros de magias, ou superstições, ou simpatias, após uma pregação de Paulo (Atos 19.19). Os sécs. 1 a 3 proveram muito material escrito, que foi selecionado nos primeiros Concílios da Igreja. Os textos 'que desviavam a atenção do fiel' foram queimados ou escondidos. Se tornaram apócrifos/ocultos. Entre eles até mesmo obras de referência como o Pastor de Hermas e a Didache.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No séc. 16, muito material dos Judeus e do Islã foi destruído pelos Cristãos, como incitador de falsas fés. A maior parte desse material, incluindo o Talmude e o Alcorão, está em bom acordo com o Velho Testamento, publicado em todas as Bíblias. Hoje, muitas igrejas aconselham ou ordenam ao fiel o completo afastamento de qualquer mídia - sobretudo livros - e tal é muito bem recebido. Não ouvi poucas vezes que a Bíblia é um livro completo sobre todos os assuntos, então deveria ser o único lido. E isso não partiu de lideranças. Mas até a Bíblia foi, por muito tempo, considerada uma 'distração' para o fiel, cujo uso era substituído por frases e 'mandamentos' escolhidos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>A PRESSÃO DE GRUPO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Boa parte das sociedades não recebe bem o diferente, o estranho. Dentro do Islã, por exemplo, o nome 'bidah' é um termo pejorativo para inovação, para algo relacionado à fé que não seja referido desde o início da religião. Dentro do Cristianismo, existem e existiram muitos movimentos fundamentalistas, mas o próprio contexto de uma Igreja que nasceu pacífica e ecumênica em meio à perseguição costuma desvanecer o movimento, por não encontrar (geralmente) respaldo no mundo atual, nem no propósito de ser pacífico. As pregações de Paulo, que convertiam milhares de uma só vez, não parecem funcionar tanto fora do séc. 1, e por isso a Igreja geralmente lança mão do velho ‘ame-o ou deixe-o’, no sentido de ‘siga essa comunidade ou seja enxotado por ela’.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O diferente traz, sem dúvida, um elemento cultural novo. Ao ler textos de outras fés com os quais desenvolve alguma empatia, o fiel acaba por perceber que sua visão, sua cultura, não são as únicas possíveis. Alguns verão nisso um convite para diversos 'bidahs'. O Cristianismo, acompanhando a expansão Romana, foi se acrescendo de elementos Gregos, Celtas, Saxões. Depois vieram Yourubás, Indígenas, etc. Mesmo mantendo um texto Romano, Grego e Judaico, a utilização ou transposição desse texto para as ações das pessoas variou muito entre os lugares e épocas. Variações que raramente foram toleradas umas pelas outras. Junta-se a filiação ao Império Romano e dá para entender a igreja como uma organização simultaneamente religiosa, militar e política.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Entre os Cristãos e outras crenças, e mesmo dentro dos Cristãos, a ojeriza ao diferente foi cultivada como uma afirmação de credo e fidelidade. Cristão não fala inglês. Cristão não bebe. Cristão não assiste TV. Cristão não usa saia. Um Cristão não recebe tal pessoa em casa. Esse livro é Cristão? De um jeito mais primal, repelir o 'não-Cristão' desemboca em violência, <i>bullying</i>, destruição de espaços sagrados e execução de pessoas. O Cristão teme seu diferente porque ele é a representação do não-Cristão, que é o Diabo. Não agredir ele é, perante o grupo, aderir ao Diabo, trair ao Sagrado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Inauguramos o séc. 21 no ponto de exibir, entre a população Cristã nos EUA e no Brasil, pelo menos, carências sérias de informação entre a população adulta, urbana e frequentadora de escolas. São pessoas com repulsa a ensinos fora-da-fé tais que não são capazes de ler um jornal. Numa crise sanitária como se apresenta desde 2020, os óbitos entre Cristãos e nos países Cristãos superaram mesmo as nações mais pobres do mundo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>MAUS JULGAMENTOS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em 1995, uma estória ganhou os noticiários. Um certo McArthur Wheeler assaltou dois bancos de Pittsburg, sem máscara mesmo, sendo reconhecido e preso poucas horas depois. Os policiais descobriram que o bandido acreditava estar invisível, após esfregar sumo de limão no rosto. Afora os muitos risos que isso provocou, estudos seguintes observaram que a habilidade de avaliar a própria ignorância era falha na maioria das pessoas. Ou seja, os mais sábios e bem dotados intelectualmente se imaginavam tão conhecedores de assuntos quanto os mais inaptos. Esse 'gap' entre o que se sabe e o que julgamos saber ficou conhecido como 'efeito Dunning-Kruger'. A consequência mais direta dele, certamente, é que uma discussão não vai privilegiar o indivíduo mais sábio, na maioria das vezes.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Velho Testamento traz uma grande valorização da sabedoria, principalmente em livros como Provérbios, Sabedoria, Eclesiastes e Eclesiástico. A sabedoria seria uma força presidindo as pessoas ao aprendizado, à correção. O Novo Testamento já trata a sabedoria fora dos ensinamentos de Jesus, com palavras de Lucas (livro de Atos) e Paulo. Ali, ela aparece como um dom divino, fornecido pelo Espírito Santo, que seria reconhecível (como uma lâmpada) naqueles que o possuem. Obviamente, reconhecer a sabedoria de outrem já mostra um grau de sabedoria própria. Como sugeriu o estudo de David Dunning e Justin Kruger, não podemos esperar esse reconhecimento dos mais inaptos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Se formos um pouco radicais quanto ao que a Bíblia diz da sabedoria, e o que os experimentos sociais nos contam, os mais sábios tendem a se reunir ao redor de figuras sábias e os mais tolos (esse é o termo bíblico) evitam tais círculos, proclamando a própria sabedoria. A polarização parece inerente às pessoas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>UM MUNDO RÁPIDO DEMAIS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A tomada de decisões por nós humanos, ao menos, segue dois cronogramas. Um é a decisão imediata, intuitiva. Ela faz uso em milissegundos das nossas memórias, mas não aquelas estruturadas, verbais: usa as mais primitivas, muito mais percorridas do que usadas pelos nossos circuitos cerebrais. O outro cronograma é a decisão racional, calculada, projetada para obter algum resultado. A primeira é rápida e fundamentada no passado, a segunda é lenta e ajustada ao que esperamos do futuro. Podem e costumam não concordar entre si.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As decisões no mundo moderno, infestado de informações, são normalmente rápidas. Pela quantidade de dados, pensamos que podemos suprimir o tempo para calcular uma escolha. Isso não é verdade, e muita gente se arrepende das escolhas quando já é tarde para voltar atrás, ou quando já está afundado em pressão social. Por essa exigência 'social' de decisões ágeis, a escolha pelo material de instrução também é fragilizada, legada a maus produtos. Escolhemos o fácil e rápido ao invés do sólido e complexo. A frase de whatsapp ao documento oficial. O vídeo ao livro. O que disseram que é ao que foi ensinado. Antes de ser a fonte sobre a vida de Jesus que foi, antes do líder em Roma que se tornou, Pedro foi um pescador teimoso e bruto. E os Cristãos, bastante Pedros às vezes, são pessoas de fé mais prontas a marchar pelas avenidas em direção a Jesus, batendo panelas e cantando, do que planejar e executar ações para os problemas sociais que rodeiam todos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os resultados dessa repulsa em debater, estudar e de fato agir faz os Cristãos até passarem por ridículos. Frequentemente a Bíblia é usada como amuleto. Roupas e cortes de cabelo ‘sagrados’ ou ‘corretos’ são uniformes necessários para não ser desprezado pelos Cristãos. Boa parte das pessoas têm dentro de si que o Gênesis foi escrito ou ditado por Deus, mais ou menos no ano passado, em português da nova ortografia. Natural que não exista nenhum material pós-bíblico, então! Nas igrejas, são raros aqueles com conhecimento das passagens bíblicas. Mais raros ainda aqueles capazes de traçar uma cronologia do que está escrito. E quase impossíveis aqueles que já chegaram a comparar os textos que manuseiam frequentemente. A escolha por ouvir, balançar a cabeça e aplaudir é quase unânime, é fortalecida pela manada, é útil à empresa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>A IGNORÂNCIA NAS IGREJAS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Até aqui, tentei mostrar que há um comportamento de manada, truculento e polarizado que se beneficia do ambiente religioso, mesmo não sendo criado por ele. Esse favorecimento da ignorância, se for aproveitado por lideranças políticas ou religiosas, pode descambar em formas poderosas de Obscurantismo apoiado por aqueles a quem o conhecimento é negado.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Uma problemática no modo de aprender, sobretudo dos adultos, é que as informações vêm imersas em narrativas, não é algo direto como ensinado nas escolas. Em experimentos sociais conduzidos desde os anos 1990, observou-se que essa forma de 'ensino' leva as pessoas a traduzirem as informações dentro de suas próprias narrativas, gerando interpretações muito díspares. No famoso caso da invasão do Iraque pelos EUA, por exemplo, muitas pessoas viram o não encontrar armas de destruição em massa como demonstração de que o país era capaz de esconder elas. É como se o galo não botar ovo ‘provasse’ que ele os têm.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nas igrejas, outro exemplo dessa inversão do esperado pelo palpável são as curas espirituais. Muitas vezes, esses milagres foram vistos como obrigação do fiel. Se alguém está doente e não obtém o favor divino, isso demonstra sua culpa / pecado. De alguma forma, todos os Cristãos (verdadeiros) seriam dignatários de 'proteção contra todo mal' como em Lucas 10.18, resistentes a serpentes, escorpiões, venenos, doenças e vírus. O não protegido é um infiel, traidor, aliado de Satanás. Em alguns lugares e com algumas pessoas, a doença é 'provação do fiel', noutros lugares e com outras pessoas, é 'punição do infiel'. Por causa dessa relevância e interpretação possível do 'estar doente', os Cristãos (sobretudo Pentecostais) desfilaram ao longo do séc. 20 com um recorde de maus cuidados com a saúde, especialmente a saúde mental. Sendo sinal de pecado ficar doente, quanto mais ter problemas mentais como os endemoniados que Jesus exorcizou?! Recentemente, a mancha ruim se deslocou para os contágios e não-proteção contra a Covid-19.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As pessoas com menos disposição a trabalhos intelectuais, dentro da Igreja (mas não só ali) costumam achar refúgio, valorização, promoção, sensação de poder. 'Em nome de Jesus' pode ser anexado a qualquer fala, mesmo que seja para crucificar alguém. Quem faz o comum, o 'aceito pela manada', pode usar essas palavras para ser enlevado socialmente, bastando que uma autoridade superior o valide. Em outras palavras, bastando que alguém lhe entregue a tal ‘lâmpada’ de que Jesus falava, pois a maioria realmente não parece capaz de discernir entre o sábio e o tolo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>CONCLUSÃO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">De um modo mais pessimista, pode-se pensar que talvez a antiga crença dos Judeus numa sabedoria inspirada pelo divino, escrita lá no Velho Testamento, não tenha mais lugar na igreja Cristã. Na Igreja política e empresarial, certamente não tem. A Igreja Empresarial deseja consumidores, e as massas muito mais facilmente se aliam ao fácil, instintivo e repetitivo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas existe a Igreja Ativa, que vive e trabalha pelas pessoas. Paulo passou boa parte de seu ministério coletando donativos para comunidades carentes, instruindo grupos a se organizarem para praticar o ‘amor de Deus’ e não as velhas ‘lutas da carne’. Os 2000 anos de história e aprendizado do cristianismo não produziram poucas grandes mentes ou grandes trabalhos, muito alinhados com o que seria uma ‘filosofia Cristã’.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Como naqueles hilários casos em que algum espectador irrompe na encenação de Páscoa para libertar ‘Jesus’ e acaba socando um ‘centurião’, a Igreja às vezes insiste em pensar que estamos na Palestina do séc. 1, resistindo aos Romanos, enquanto a própria Igreja estende braços fortes dentro da economia e da política. Essa mesma Igreja pode bem sair de seu milenar Jardim de Infância e começar a aplicar os ensinamentos daquele Jesus que visitava os excluídos, alimentava os pobres e repudiava as honras sociais. Será que ela sobreviveria a isso?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">-----------------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>LER ISSO DEVE SER PECADO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">COUTO, Cláudio. <a href="https://www.goethe.de/ins/br/pt/kul/sup/trd/esc.html">Estupidez Coletiva</a>. Goethe Institut, goethe.de, 2020. Coletânea de artigos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">KRUGER, Justin; DUNNING, David. <a href="http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.64.2655&rep=rep1&type=pdf">Unskilled and unaware of it: how difficulties in recognizing one's own incompetence lead to inflated self-assessments</a>. Journal of personality and social psychology, v. 77, n. 6, p. 1121, 1999.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">MOOG, Insa. <a href="https://www.dw.com/pt-br/ca%C3%A7a-%C3%A0s-bruxas-perdura-pelo-s%C3%A9culo-21-adentro/a-15786580">Caça às bruxas perdura pelo século 21 adentro</a>. Deuthsche Welle Brasil, 04/mar/2012.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">SAYURI, Juliana. <a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/dias-de-furia/">Dias de fúria</a>. Revista Pesquisa Fapesp, n. 230, 2015.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">UNGAR, Sheldon.<a href="https://onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1111/j.1468-4446.2008.00195.x?casa_token=unNPF6uimYkAAAAA%3AJ0SAps_Z946Mg7xmvkqDtIpB0a-fI-eucZ963fEuCzdoCQnzzWi-dpR1Hwyj37Omsh5NrX3JQ4no5D-k"> Ignorance as an under‐identified social problem</a>. The British Journal of Sociology, v. 59, n. 2, p. 301-326, 2008.</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-1933573929974821202021-01-22T08:15:00.002-04:002021-01-22T08:25:13.158-04:00Obscurantismo vs. Cristianismo<span id="docs-internal-guid-0831d506-7fff-afef-29da-2519de811175"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 11pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 330px; overflow: hidden; width: 204px;"><img height="330" src="https://lh4.googleusercontent.com/JiznxGZ6ShHUIuNEUCyI4AeJVrmwX7s9e-HiYRini9Q6ieEAe9CHAAdJ_C2ZwQQ9hGdytQp3r92yAxvmGKlnRWytconIbf-6nEVq3zAP4CRMvQUpbxv0DmgLcIu3WQrCxddIiYBU" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="204" /></span></span></p><br /><div style="text-align: center;"><i>Capa do Epistolæ Obscurorum Virorum (Cartas de Homens Obscuros), publicado em 1515-1519 por Johann Reuchlin</i></div><div style="text-align: justify;"><i><br /></i></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1cASLNpXy_pTlpOOosynUc150bI12Dl74/view?usp=sharing" target="_blank"><b>baixar PDF</b></a></div><div style="text-align: justify;"><i><br /></i></div><div style="text-align: justify;"><b><span style="color: #990000; font-size: large;">A</span></b> palavra 'obscurantismo' é entendida hoje como a restrição proposital do conhecimento, a si mesmo ou a outros. Esse nome passou a ser largamente usado desde o séc. 18, com uma revolução do método científico que deu aos homens conhecimentos sobre as transformações químicas, gases - e daí os primeiros motores, astronomia e a eletricidade. Muitos, de repente, tiveram a certeza de poderem descobrir por si mesmos qualquer coisa no Universo. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não descobrir 'por si mesmo' significava que o conhecimento ou ciência seria herdado ou concedido de alguma fonte divina. No mundo Cristão, seria o insight provido por Deus sobre as questões mundanas, totalmente em acordo com as Escrituras.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Curiosamente, o nome 'obscurantismo' surgiu em uma sátira que diversos intelectuais fizeram sobre o intento de um monge alemão em destruir as cópias do Talmude judaico, no começo do séc. 16. O Talmude era visto como uma deturpação do entendimento de outra escritura judaica, que chamamos Velho Tratamento. Ou, pelo menos, esse era o argumento para encomendar a queima das obras.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mais ou menos desde então, muitas ações da Igreja foram chamadas de obscurantistas. O propósito deste texto é levantar o que há de verdade e inverdade nisso.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>A IGREJA ANTI-OBSCURANTISTA</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Enquanto funcionou sob a tutela de Roma Ocidental (sécs. 4 - 6), a Igreja se tornou um pólo educacional. Grandes pensadores como Justinus de Roma (100-165 d.C.), Irenaeus de Lyon (130-202 d.C.), Clemente de Alexandria (150-215 d.C.), Tertulliano de Cartago (155-240 d.C.) e Santo Agostinho (354-430 d.C.)¹ encontraram no ambiente religioso a estabilidade para produzir suas obras. Também foi através dos mosteiros e abadias que a educação greco-romana chegou à Europa Ocidental.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Quando o Império Ocidental se desintegrou, ocupado por povos menos educados, as províncias Romanas foram deixadas sem a tecnologia Romana (nem meios de reproduzir ela). Os mosteiros Beneditinos passaram a ser a única estrutura educacional existente. Por volta do séc. 8, boa parte das pessoas com recursos suficientes estudava nesses mosteiros. A adesão à vida religiosa era temporária: a partir de doações da família à ordem religiosa, o jovem era admitido como noviço e podia permanecer na vida ascética dos monges até que resolvesse sair. De fato, a maioria retornava às ocupações dos seus clãs para substituir os mais velhos como senhores de terras.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nesses mosteiros medievais desenvolveram-se tecnologias como rodas-d'água, ferraduras, criação de peixes, rotação de culturas nos campos, óculos, relógios mecânicos e a produção de cervejas a partir de cereais. O aproveitamento frutífero da Natureza era visto como um dom divino de sabedoria, e oferecer esse conhecimento aos outros era uma demonstração de caridade. Não por acaso, foram ordens religiosas que administraram as primeiras universidades do Ocidente e até fundaram as primeiras escolas nas Américas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>A NOMEAÇÃO DOS APÓCRIFOS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os escritos Cristãos circulam desde o séc. 1. Num primeiro momento, que se estendeu até o séc. 3, não havia o que hoje chamamos de um 'códice sagrado'. Diversos autores escreveram suas próprias versões dos Evangelhos e das cartas teológicas de Paulo. Boa parte desse material nem mantinha a linha teológica seguida pelos supostos autores. Por exemplo, cerca de metade das cartas de Paulo se contrapõe a conceitos da outra metade, tais como a manutenção de classes ou estratos sociais, além do papel das mulheres dentro da Igreja.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um exemplo disso é a carta a Filemon, onde Paulo apresenta o caso do escravo Onésimo, que estava sob sua proteção. Paulo argumenta que Onésimo se tornara Cristão e o ajudava na prisão, encomendando que Filemon (dono de Onésimo) o tratasse como a ele mesmo. Na carta aos Colossenses, Paulo por outro lado manda que os escravos obedeçam a seus senhores (Colossenses 3.22). Hoje acredita-se que as cartas aos Efésios, Colossenses, 2ª Tessalonicenses, 1ª e 2ª Timóteo, e a Tito muito provavelmente não se originaram de Paulo. Os autores desses textos (assim como Lucas) tentaram romanizar Paulo, fazer de sua mensagem algo em acordo com as autoridades.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A negação de materiais bibliográficos (e sua ocultação do público), nesse início, teve o papel de selecionar obras que formassem um conjunto lógico, e que dessem suporte umas às outras, e também a uma instituição. Foi então que o nome 'apócrifo' ou 'oculto' passou a ser usado. Apócrifo era tudo aquilo que não se encaixava, que deveria ficar de fora, escondido do público.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>CATEQUIZAÇÃO DAS MASSAS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Num segundo momento, o Cristianismo já fundido com o Império Romano se dedicou a difundir o credo imperial para os territórios na Europa e nas cercanias do Mar Negro. Um dos motores dessa difusão foi Santo Agostinho, educado na rica Cartago, que tratou de explicar Deus para as audiências Gregas. Agostinho era um pregador e argumentador poderoso. Mas entre os detalhes de sua preparação, segundo ele mesmo, estava a crença de que o conjunto total do Cristianismo seria chocante e ininteligível aos ouvintes. Por isso, ele intencionalmente desviava de certos temas ou conteúdos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tal estratégia e justificativa ainda são muito usadas. Faltaria habilidade dos ouvidores para compreender 'corretamente' os detalhes de uma pregação, ou mesmo elementos da fé que apoiam. Afinal, como representado no exemplo dos seguidores de Coré (Números 16), há eleitos de Deus para interpretar Suas palavras e estes não devem ser questionados. Dar elementos para questionar seria como estimular disputas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A passagem da 'Igreja agência educacional' para a 'Igreja perseguidora de conhecimentos', ambas até convivendo num mesmo local e tempo, como se pode imaginar, ocorreu pela via do poder. Começou na medida em que os mosteiros se converteram em abadias e se vincularam aos poderes imperiais. Do séc. 10 em diante, religiosos voltavam das Cruzadas, para serem autoridades, com habilidades sacerdotais e militares, além de pertencerem a clãs da nobreza. Alguns monastérios evoluíram para fortalezas. Houve não poucos casos de uma abadia financiar ou dirigir ataques armados a outras. Educar nobres era uma tarefa santa, mas os nobres lutam entre si; os santos de uns podiam ser nomeados como os demônios de outros.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um ponto importante do Obscurantismo é que o exemplo da Igreja de Beréia (Atos 17.10-11) nunca foi útil a um sistema militar ou de dominação. Nos primórdios da Igreja Imperial, os Concílios foram estratégias para definir quais seriam os textos aceitos, como seriam ensinados e para quem. O 'para quem' foi bem marginal quanto ao público comum: no séc. 6 a Europa já era pelo menos 50% cristianizada, mas as primeiras traduções bíblicas para idiomas populares só apareceram nos sécs. 8 e 9. Embora algumas frases e eventos bíblicos fossem populares, apenas depois do séc. 16 houve realmente uma difusão texto. Até então, conhecer os Evangelhos privilégio dos religiosos que, por seu juramento de fidelidade à Igreja, seriam menos tentados a discordar do entendimento institucional.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>MUDANÇAS DE RUMO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A Reforma Protestante, no séc. 16, foi inicialmente um poderoso movimento anti-obscurantista. Os defensores da Reforma argumentavam que a Igreja Católica mantinha seus fiéis alheios às Escrituras, substituindo a mensagem de Cristo por interesses mesquinhos. De fato, várias criações Católicas como o Purgatório, a paga de tributos pelas almas dos mortos e a bênção dos doadores de grandes fortunas eram famosas trocas do texto Cristão por criações convenientes.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Qualquer língua além do Latim ou Grego eram consideradas seculares (não religiosas), desde que a Igreja se uniu funcionalmente ao Império Bizantino, no séc. 6. Por isso, a Bíblia só era copiada em Latim ou Grego Koiné (de Alexandria). No séc. 8, apareceram uma tradução de João para o idioma inglês e outra de Mateus para o alemão. No séc. 11, época das Cruzadas, apareceram versões em inglês do Pentateuco e dos 4 Evangelhos. Nos sécs. 13 e 14 surgiram versões bíblicas completas em Francês e Tcheco. Pelo menos 1200 anos depois de Jesus!</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A partir de uma tradução do texto completo para o Alemão, feita por Lutero, um dos líderes da Reforma, muitas outras traduções foram produzidas. Até contrariando os esquemas Coloniais do próprio séc. 16, produziu-se versões em línguas africanas e indígenas, nos séculos seguintes.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No séc. 18, durante a Revolução Francesa, os intelectuais acusavam abertamente o rei e a Igreja por ocultarem da população os problemas sociais alarmantes. Isso era verdade, assim como foi verdade na Revolução Russa em 1905. Desde o Sacro Império Romano-Germânico (de quem a Igreja Católica francesa descendia) e Roma Oriental (de quem a Igreja Ortodoxa russa descendia), a Igreja desqualificava problemas mundanos como fome, exploração e doenças em favor da busca da espiritualidade e uma permissão única das autoridades ao conhecimento. Não sem razão, muitos movimentos anti-obscurantistas, como o Iluminismo na França e o Socialismo na Alemanha/Rússia, também se tornaram anti-Cristãos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Socialismo alemão, por exemplo, se valeu da educação de trabalhadores sobre direitos e fluxos monetários para produzir uma quebra da aceitação de deveres. O movimento das elites em combater esse tipo de educação como algo maligno incluiu a Igreja demonizando o movimento. Para hilaridade geral, um dos movimentos 'Socialistas' mais antigos foi a comunidade dos Essênios perto do Mar Morto, onde possivelmente João Batista teria se instruído, antes de ‘preparar os caminhos do Senhor’. E outro foi a comunidade Cristã de Jerusalém descrita no livro de Atos dos Apóstolos (Atos 2.44-47).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>EVOLUÇÃO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Cristianismo nasceu dentro do Judaísmo, numa época de conflitos políticos e inicialmente aceitando a cosmogonia judaica. Ou seja, os Cristãos eram párias dos Judeus por sua rejeição aos mestres Saduceus/Fariseus, e não por seu entendimento de mundo. Para os primeiros Cristãos, estava OK a formação do homem a partir do barro (Adama, em Aramaico), um mundo de terra plana sobre o grande mar subterrâneo e embaixo do oceano celestial.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Diversas contendas também surgiram entre a Igreja e a Ciência, como resultado da revolução metodológica. A Torah judaica foi canonizada como livro sagrado, anunciante de Jesus, e então seus conceitos sobre o funcionamento do mundo passaram a duelar com a tradição de cada povo e as descobertas científicas. Que absurdo os Bwiti africanos guardarem os ossos de seus antepassados! Que terrível uma luz produzida por eletricidade! Embora a maior parte dos duelos Igreja-Ciência diga respeito ao Velho Testamento, que é a Torah judaica, foi a Igreja Cristã quem mais se posicionou contra a Ciência.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nicolau Copérnico e Galileu Galilei, por exemplo, usaram medições astronômicas para deduzir que a Terra orbitava o Sol, e não o contrário. Nesse mesmo séc. 16, Vasco da Gama faria sua viagem ao redor do mundo, provando que se tratava de uma esfera e não um plano. Esse modelo desafia coisas como o livro de Josué, quando o Sol e a Lua foram ordenados a parar no céu.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Josué, cap. 10</b></div><div style="text-align: justify;"><i><b><span style="color: #b45f06;">12. Josué falou ao Senhor no dia em que ele entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, e disse em presença dos israelitas: Sol, detém-te sobre Gabaon, e tu, ó lua, sobre o vale de Ajalon. E o sol parou, e a lua não se moveu até que o povo se vingou de seus inimigos. Isto acha-se escrito no Livro do Justo. O sol parou no meio do céu, e não se apressou a pôr-se pelo espaço de quase um dia inteiro.</span></b></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ainda que a tradução do hebraico tomada pudesse ser problemática², ela foi amplamente abraçada como verdadeira. Num mundo que girasse feito peão ao redor do Sol, com a Lua orbitando em volta, parar os astros no céu seria desastroso. Por isso, jamais Copérnico, Galileu ou mesmo Vasco da Gama poderiam estar corretos. Seus dados, raciocínio e mesmo espólios de viagem não poderiam ser obras de Deus, e não deveriam ser acreditados jamais. Eles próprios deveriam morrer, se não negassem suas obras (declarando-as como falsas) em público. Nenhum deles foi morto.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No séc. 19, outro elemento científico a causar ampla controvérsia foi a Teoria da Evolução. A Torah judaica começa justamente com Deus produzindo a Terra e os seres tais como são atualmente. O homem, em especial, foi feito do barro. Como então os cientistas poderiam dizer o absurdo de animais e plantas produzidos a partir de outros seres ancestrais? Mesmo em pleno séc. 21, esse embate quanto à Evolução existe: um verdadeiro 'crente' (em Jesus?) é entendido como alguém que deveria rejeitar por completo as evidências científicas nesse quesito, ainda que possa recorrer às mesmas evidências e metodologias em muitos outros assuntos. Poderia até mesmo consumir levedo transgênico num pão feito com trigo modificado geneticamente, assado num forno de microondas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>ESCONDENDO A BÍBLIA NA IGREJA</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Muitos religiosos (e não apenas Cristãos) chamam a atenção para um mal hábito dos processos de conversão. 'Conversão' é o nome Cristão usado para a adesão de uma pessoa a um credo. Nesses processos, é comum que as pessoas realmente não vejam o objetivo, mas algo que os missionários apresentam e lhes parece bom. Nalguns lugares, missionários bem vestidos fazem pensar que o credo proporcionará riqueza. Noutro, autoridade e poder. Noutro ainda, uma boa aparência. Em muitas comunidades assoladas por dependências e problemas de saúde, o credo significa afastamento das drogas e tratamento.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O problema é que o Cristianismo, em especial, não trata disso. Jesus reuniu discípulos extremamente diferentes (e aparentemente eles até brigavam entre si) e tentou inspirar eles a ficarem juntos, apesar disso. Os grupos religiosos não costumam ser assim, e que bom haver muitos deles e bem diferentes! Não raramente, os líderes religiosos se associam a tais imagens problemáticas (desenhadas pelos novos convertidos) e se tornam estereótipos: "o rico", "o poderoso", "o curandeiro", "o juiz". A própria Igreja tem uma tradição de se associar com governos e fazer dos líderes 'novos representantes do Império', o que tem suas retribuições por parte dos governantes. A Igreja ordenou as Cruzadas, apoiou os reis Católicos em sua conquista dos povos nas Américas e na África. Depois também apoiou invasões e massacres nas duas Guerras Mundiais.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Dentro desse panorama, é importante notar que o Obscurantismo tem uma função social significativa: ele promove o poder de uns sobre os outros. Isso também acontece com o dinheiro, política, militarismo, racismo, etc. Dentro do Cristianismo, tal ferramenta de poder foi usada até como meio de manipular os ensinamentos bíblicos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Primeiramente, houve a determinação de que apenas escritos Cristãos estariam em concordância com Deus, e portanto apenas esses seriam verdadeiros. Não raro, os demais deveriam ser destruídos. Em 325 d.C., o Concílio de Nicéia determinou que todas as obras de Árius³ fossem queimadas. Em 1240, o ex-judeu e monge franciscano Nicholas Donin de La Rochelle traduziu o Talmude para o latim e apresentou uma solicitação ao Papa para que as obras fossem queimadas, o que de fato aconteceu. Esse acontecimento foi quase idêntico ao de 1507, com o monge Johannes Pfefferkorn, a fonte para o livro <i>Epistolæ Obscurorum Virorum</i>. Em 1562, o bispo Diego de Landa ordenou a queima dos livros Maia, no México. No final do séc. 17, os Anglicanos eram famosos por queimar em público os livros Católicos, na Inglaterra. Esses são alguns exemplos de queimas ‘religiosas’, havendo outras famosas, como os Nazistas queimando livros ‘Comunistas’ na Áustria. Tal prática marcou a fase de cristianização da Europa, perdurou na retomada dos territórios Mouros e se estendeu para as batalhas de dominação promovidas por Espanha/Portugal nas Américas e na África durante o séc. 18. Mais recentemente, os sécs. 19 e 20 viram diversos movimentos Protestantes banirem toda literatura 'não Cristã' de comunidades fundamentalistas o suficiente para se apartarem da vida urbana.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Num segundo momento, precisamos entender o que seria uma literatura Cristã. Mesmo os Evangelhos foram produzidos muito depois de Jesus, então ser Cristão na prática era ser aceito pelas lideranças religiosas. Muitos livros foram condenados pelos Papas, Patriarcas e não foi diferente com os líderes Protestantes. Logo, para uma obra ser Cristã ela deve ser validada pela autoridade Cristã local. Por isso, o Obscurantismo foi usado, acima de tudo, para reforçar uma autoridade ou poder já existente. Talvez o exemplo mais pitoresco desse tipo de Obscurantismo seja a Bíblia dos Escravos. Tratou-se de uma re-edição do texto Bíblico feita no começo do séc. 19 para os escravos convertidos nos EUA, mas retiradas todas as partes que falassem sobre liberdade. A pregação aos escravos também era 'editada', para reforçar a importância de obedecer ao senhor. No caso, o Senhor-Deus e o senhor-dono eram figuras intercambiadas. Por definição, o dono era enaltecido como bom e justo (logo, suas maldades eram na verdade retribuições).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mesmo hoje, ainda que exista uma lista enorme de pensadores Cristãos, a maioria absoluta dos fiéis jamais ouviu falar deles, nem ouvirá. Brennan Manning? Wendell Berry? Karl Barth? Huberto Rohden? Géza Vermés? Thomas de Aquino? Ugolino Brunforte?* São nomes desconhecidos do público religioso, bem mais afeito às 'invocações do poder de Deus'. Embora sejam/tenham sido claramente defensores da fé e exploradores do mundo espiritual dentro de suas teologias, há muito tempo não faz parte do funcionamento Cristão questionar e racionalizar, sobretudo o próprio Cristianismo. Mesmo no Protestantismo, as vezes em que esse questionamento apareceu resultaram em rupturas de grupos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No mundo Judeu, a prática questionadora surgiu com a destruição de Jerusalém e o desaparecimento dos Saduceus, supostamente descendentes dos Levitas da época de Salomão, e na prática descendentes dos Macabeus. Os apontamentos e discussões produzidos pelos Rabinos deram origem ao Talmude. Já entre os Cristãos, a aliança Igreja-Estado cristalizou uma obediência militar que repudia o questionamento filosófico. Para defender-se desse questionamento, a Igreja desembocou em ações obscurantistas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>PANDEMIA DE 2020</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A intrusão de religiosos Cristãos em diversas áreas do conhecimento produziu frutos como as belas músicas de Antônio Vivaldi e também os estudos de Gregor Mendel, pai da Genética. Mas geralmente essa intrusão é perigosa. Seguidos por fiéis como se fossem canais de comunicação com o divino, facilmente os líderes religiosos usam de seu status social para afirmar idéias perante um público pouco instruído - ou que até substitui seus conhecimentos por falas de uma autoridade. No Brasil são conhecidas atuações religiosas para moldar práticas legais, políticas, psicológicas e médicas. Longe do curandeirismo que permeia todas as culturas, os líderes religiosos se valeram atualmente como validadores (ou não) de práticas dos profissionais da Saúde.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Muitas igrejas, desde a disseminação maciça do vírus SARS-COV-2, mais vulgarmente 'novo coronavírus', prestaram grandes des-serviços à Saúde Pública. As más ações foram desde a afirmação de que Deus protegeria todos do grupo religioso (logo não deveriam apostatar da fé usando máscaras e evitando contato social), até a prescrição de orações curativas, exorcismos em pacientes de Covid-19 e venda de amuletos que poderiam curar os doentes, e por fim a insistência na continuidade de cerimônias coletivas. Em diversos países do mundo, houve tanta disseminação de novos casos da doença nas igrejas quanto em eventos esportivos, bares, etc porque, basicamente, o que tornava os ambientes perigosos era a quantidade e proximidade das pessoas. Não houve qualquer tipo de proteção divina dentro dos templos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Diante da necessidade de encerramento temporário das atividades coletivas, as igrejas Cristãs em geral preferiram arriscar a vida de seus fiéis. Foram mais enfáticas ainda aquelas com acesso a autoridades políticas. Com ambas as lideranças concordando quanto a arriscar as pessoas e não avisar sobre (e nem mesmo reconhecer) os riscos, milhares de casos da doença foram rastreados com sua origem em um único culto religioso. Não foi diferente na época da Gripe Espanhola, apesar dos mais de 100 anos de avanços desde então.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Onde está a restrição ao conhecimento? Poucas religiões no mundo mantém ritos que ainda dependem de um espaço sagrado, que não podem ocorrer fora dali. O Judaísmo tinha essa relação com o Templo de Jerusalém. O Cristianismo, em especial, não mantém tal ligação com um local sagrado. Mas tal detalhe geralmente é omitido das discussões (como fazia Santo Agostinho), das pregações, das conversas até, porque é institucionalmente valioso cultuar os espaços. Os templos são referidos como 'casa do Senhor'. Fora da igreja (espaço físico), aceita-se a perda do contato com Deus, em detrimento de ensinos do próprio Jesus (João 4:20-24).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>A QUEBRA</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Há uma cisão lógica entre a Religião e a Ciência, bem conhecida. De um lado, o conhecimento é fruto de um entendimento do texto sagrado e jamais poderá discordar de tal texto. De outro lado, o conhecimento nasce da lógica aplicada aos dados experimentais, e questionada tanto quanto for possível. A base para o conhecimento é uma base, e somente isso. Inevitável que o estabelecido e o mutante se contraponham... Mas é necessário, num mundo de fé, viver com ambos. Boa parte das pessoas não faz a menor idéia de como seus próprios telefones funcionam.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O caminho obscurantista sempre foi a supressão da diferença, ou da discussão, declarando outras opiniões como falsas, outros trabalhos como falsos, até a evidência experimental como falsa. Como mostrado acima, mesmo partes do texto ‘sagrado’ precisam ser escondidas para manter privilégios e poderes. Questões como a sabedoria embutidas nos ensinamentos bíblicos, interferência de Deus na história humana e a significação de Jesus no funcionamento das sociedades são altamente discutíveis e de proveitosa discussão, mas quase sem exceção tidas como já resolvidas em contextos obscurantistas. Geralmente essa 'discussão já resolvida' é simplesmente um pacto entre autoridades, um acordo de 'toma lá, dá cá'. Para vergonha do Cristianismo, tanto o nome de Cristo como a Verdade pregada por Ele foram e são comumente usados em favor dos mesmos poderes que determinaram Seu assassinato.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">----------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">¹ Justinus de Roma defendeu o Cristianismo perante o Senado Romano, argumentando que as características do Logos ou Mundo Ideal se cumpriam em Deus e Jesus era um transmutador entre esse 'mundo divino' e o 'mundo material'.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Irenaeus de Lyon atuou fortemente contra as seitas Gnósticas. Ele defendia que as experiências visionárias jamais poderiam substituir a tradição dos apóstolos e os Evangelhos. Ele é a referência mais antiga a citar juntos Mateus, Marcos, Lucas e João, bem antes que houvesse um livro emendando todos esses textos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Clemente de Alexandria se dedicou à conversão dos Gregos para o Cristianismo. Ele descreveu uma antropologia da religião grega, apresentando a crença nas forças da Natureza, depois em seres antropológicos, depois em mitos semi-divinos e finalmente em deuses que apenas serviram para desmembrar os atributos de Deus, juntando -os com todo tipo de falha moral dos homens.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tertuliano de Cartago elaborou uma das 1as metafísicas do corpo, espírito e Divino. Esse foi um assunto importante na Cristandade, desde então. Segundo ele, havia um 'material' que compunha o Pai, Filho e Espírito Santo. Algo semelhante a isso tinha sido dado a Adão, mas foi poluído pelo pecado e o material 'sujo' espalhou-se para cada homem desde então. Ele via o contato religioso como uma 'purificação', à qual tinham chegado os fundadores da Igreja.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Santo Agostinho compreendia a dualidade corpo-espírito no sentido Plantonista, isto é, uma criação imperfeita e uma perfeita, inimigos entre si. Agostinho elaborou o conceito de Pecado Original e argumentava pelo distanciamento do homem de tudo que fosse carnal.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">² Traduções, principalmente a partir de um idioma antigo que não usava vogais nem separações entre palavras, sempre foi problemático. Muitas vezes, palavras diferentes eram escritas igual, e resta comparar trechos para ‘deduzir em aproximação’ o significado das expressões. Uma teoria curiosa sobre esse evento de Josué fala sobre a palavra usada para 'parar', que é só aparece repetida no Salmo 38:</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>Salmos, cap. 38</b></div><div style="text-align: justify;"><i><b><span style="color: #b45f06;">7. De fato, o homem passa como uma sombra, é em vão que ele se agita; amontoa, sem saber quem recolherá.</span></b></i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Obviamente, aqui se trata de 'escurecer' e não parar. Escurecer o Sol indicaria um eclipse solar prolongado na região da Judéia. Eclipses são previsíveis, e houve um evento assim em 30/out/1207 a.C.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">³ Arius (256-336 d.C.) foi um líder religioso de Alexandria, no Egito. Sua pregação era de que Deus Pai estava acima e comandava tanto o Filho como o Espírito Santo. Essa idéia não era apenas dele, mas corrente de uma grande parte dos Cristãos. Apesar do Edito do Concílio de Nicéia, no séc. 7 ainda havia relatos de obras de Arius na Espanha.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">* Brennan Manning (1934-2013) foi um ex-padre que defendia conceitos profundos de fé desvinculados da prática religiosa, traduzidos no relacionamento das pessoas com Deus e com as outras pessoas. Sua obra mais famosa é o Evangelho Maltrapilho.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Wendell Berry é um escritor e fazendeiro que analisa as relações entre os homens e o ambiente com base em princípios Cristãos. Sua obra mais famosa é The Unsettling of America - A inquietação da América.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Karl Barth (1886-1968) foi um ex-pastor argumentando pela desvinculação entre a Graça Divina e fatores culturais ou políticos. Ele foi um grande opositor de Hitler, na Alemanha. Sua obra mais famosa é Epístola aos Romanos, um comentário sobre a carta de Paulo.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Huberto Rohden (1893-1981) foi um ex-padre que se dedicou à transcrição filosófica do Cristianismo, isto é, às conexões entre o Cristianismo e outras religiões, assim como às Ciências em geral. Possui muitas obras famosas, entre elas "De alma para alma".</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Géza Vermés (1924-2013) foi um estudioso do Judaísmo e Cristianismo, famoso por suas traduções de obras antigas e as pesquisas sobre a vida dos Cristãos no séc. 1. Ele foi um dos tradutores dos textos da famosa biblioteca Essênia encontrada nas cavernas de Qumram, às margens do Mar Morto. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tommaso d'Aquino (1225-1274) foi um teólogo Católico que traduziu as idéias de Aristóteles para o Cristianismo. Segundo ele, os homens só poderiam ser felizes/prósperos na medida em que descobrissem o seu propósito segundo Deus. De estudo obrigatório na formação eclesiástica, sua obra mais famosa é Suma Teologica.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ugolino Brunforte (1262-1348) foi integrante do grupo de Francesco d'Assisi e um de seus biografistas. Nos contos de Brunforte, Francesco e seus nomes pregavam avidamente a humildade e irmandade entre os homens, revelando Cristo como cerne dessa comunhão. Sua obra mais famosa é Fioretti (Pequenas flores).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">----------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>PAPÉIS QUEIMADOS NOUTRO DIA</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">FOSTER, Frank Hugh. Theological Obscurantism. The American Journal of Theology, v. 15, n. 1, p. 96-106, 1911.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">GRIMES, William. <a href="https://www.nytimes.com/2006/01/22/arts/the-victory-of-reason-how-christianity-led-to-freedom-capitalism-and.html" target="_blank">The Victory of Reason: How Christianity Led to Freedom, Capitalism and Western Success</a>, nytimes.com, 22/jan/2006.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Bible_translations" target="_blank">Bible translations</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Clement_of_Alexandria" target="_blank">Clement of Alexandria</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">CARTWRIGHT, Mark. <a href="https://www.ancient.eu/Medieval_Monastery/" target="_blank"><b>Medieval Monastery</b></a>, ancient.eu, 14/dez/2018.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Irenaeus" target="_blank">Irenaeus</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Justin_Martyr" target="_blank">Justin Martyr</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Obscurantism" target="_blank">Obscurantism</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">QUADRI, Sayed A. <a href="https://reader.elsevier.com/reader/sd/pii/S1201971220303131?token=DE6AA652DDB4CB88897A773EA502F70D33329106519732C5F911906F52360A72B33496F0244F452423E276455BD888B4" target="_blank"><b>COVID-19 and religious congregations: Implications for spread of novel pathogens</b></a>. International Journal of Infectious Diseases, 2020.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div>REUCHLIN, Johann. <a href="https://drive.google.com/file/d/1HawEtK0bCSPizXPOWkcteupuejDyPZ__/view?usp=sharing" target="_blank"><b>Epistolæ Obscurorum Virorum</b></a>. Ed. Chato & Windus, 1909.</div><div><br /></div></div><div style="text-align: justify;">STETZER, Ed. <a href="https://www.christianitytoday.com/edstetzer/2014/june/beware-of-obscurantism.html" target="_blank"><b>Beware of Obscurantism</b></a>, christianitytoday.com, 8/jul/2014.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">STAFF, Toi. <a href="https://www.timesofisrael.com/eclipse-stopped-the-sun-for-biblical-joshua-israeli-scientists-say/" target="_blank"><b>Eclipse ‘stopped the sun’ for biblical Joshua, Israeli scientists say</b></a>, timesofisrael.com, 16/jan/2017.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">WIETHOFF, William E. <b>The obscurantist design in Saint Augustine's rhetoric</b>. Communication Studies, v. 31, n. 2, p. 128-136, 1980.</div></span>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-89302592658058587012020-12-25T11:32:00.007-04:002021-01-01T11:39:19.724-04:00História de Natal<div class="separator"><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: left;"><img height="434" src="https://lh5.googleusercontent.com/vIa8VmuLNQRTtla7E2WzsfPI2QWD2yVtuOME9JZEAGzFfRXobI4p2UF0F5T03aejWD0tQpHkHXPhdgewjJiFkZKWJbZH5t8Sm1cNEHO26lICtckZXRwogXkVQzgrnC2CvJ5gf6fo=w640-h434" width="640" /><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><i>Os três magos em um mosaico Bizantino de 565 d.C., Basilica de Sant'Apollinare Nuovo, Ravenna, Itália. As árvores atrás são tamareiras; os gorros vermelhos são persas e iguais aos dos Malês brasileiros.</i><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: left;"><b><a href="https://drive.google.com/file/d/1OVFcj66jE_sZNua1HMeEOIa8_8s78FF1/view?usp=sharing" target="_blank">baixar PDF</a></b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><span style="color: #990000;"><b>P</b></span></span>ara findar um ano complicado em todos os sentidos, pensei em reunir algumas informações sobre a festa de Natal. Longe de cobrir todo esse tema, gostaria de traçar algum raciocínio sobre o que essa festa significa, o que ela já foi e algumas nuances culturais.</p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>NATIVIDADE</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><a href="https://loungecba.blogspot.com/2020/11/a-cronologia-dos-evangelhos.html" target="_blank">A concordância dos Evangelhos quanto ao nascimento de Jesus é muito baixa</a>. Marcos (o texto mais antigo) e João (o mais novo) nada apresentam; Mateus e Lucas se alternam com estórias distintas, concordando somente quanto a Belém.<br /><br />Nenhum dos evangelistas escreveu sobre coisas que presenciou. Mateus é fruto de uma Israel já devastada pelas legiões no contexto da Guerra Judaico-romana, à espera de um Messias superpoderoso. Traz Cristo como uma nova divindade, repudiando o Judaísmo. Lucas já é fruto de um trabalho posterior, supostamente conhecimentos sobre Jesus reunidos por um historiador (Romano?) que veio do grupo de Paulo.<br /><br />Inevitavelmente, esse par sugere que as estórias sobre o nascimento de Jesus são inserções feitas após o texto de Marcos, talvez na 3ª ou 4ª gerações após Jesus. Havia profecias para o Messias cumprir, então não surpreende os evangelistas “criarem” um contexto para isso. Quanto a serem fatos conhecidos para eles, é bem pouco provável, pois não há relatos sobre Jesus entre esse nascimento “profético” e o começo de Sua pregação.<br /><br />Mateus coloca Jesus homenageado por magos do Oriente seguindo uma estrela, sendo levado ao Egito (centro de poder político e também da tradição dos Judeus) para refugiar-se de Herodes I, com até um massacre dos inocentes recriando a narrativa de Moisés (deve-se ver que Herodes I era famoso por ter assassinado toda a família, da mãe a esposa, filhos e cunhados). Lucas coloca um anjo anunciador do grande milagre, aparecendo a muitas pessoas, até pastores de ovelhas.<br /><br />Uma terceira tradição natalina aparece ainda na Sura 19 do Alcorão.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>SURA 19 - MARIA</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;"><span style="color: #38761d;"><b><i>19 [O espírito] Explicou-lhe: 'Sou tão somente o mensageiro do teu Senhor, para agraciar-te com um filho imaculado'. [Maria] Disse-lhe: 'Como poderei ter um filho, se nenhum homem me tocou e jamais deixei de ser casta?' Disse-lhe [o espírito]: 'Assim será, porque teu Senhor disse: Isso Me é fácil! E faremos disso um sinal para os homens, e será uma prova de Nossa misericórdia. E foi uma ordem inexorável'. E quando [ela] concebeu, retirou-se, com um rebento a um lugar afastado. As dores do parto a constrangeram a refugiar-se junto a uma tamareira. Disse: 'Oxalá eu tivesse morrido antes disto, ficando completamente esquecida'. Porém, chamou-a uma voz, debaixo dela [Jesus]: 'Não te atormentes, porque teu Senhor fez correr um riacho a teus pés! E sacode o tronco da tamareira, de onde cairão sobre ti tâmaras maduras e frescas. Come, pois, bebe e consola-te; e se vires algum humano, faze-o saber que fizeste um voto de jejum ao Clemente, e que hoje não poderás falar com pessoa alguma'. Regressou ao seu povo levando-o [Jesus] nos braços. E lhes disseram: 'Ó Maria, eis que fizeste algo extraordinário'.<br /></i></b></span><br />O texto do Alcorão traz uma versão mais oriental do nascimento de Jesus, sem linhagens, nem visitantes, nem José. Embora o Alcorão tenha sido organizado como um conjunto de livros independentes no séc. 8, ele arrastou consigo tradições mais antigas. O nascimento sob uma tamareira, por exemplo, era retratado em mosaicos pelo menos desde o séc. 4.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>PROFECIAS SOBRE AQUELE QUE VIRÁ</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">Messias significa ‘ungido’. Não é necessariamente alguém maior que um profeta, mas os Judeus O esperam no final dos tempos. Ainda esperam. Sobre Ele, os profetas - e sobretudo Isaías - deixaram diversas pistas: deveria nascer em Belém (Miquéias 5.1-2), parido por uma virgem camponesa (que se nutre de manteiga e mel) durante o mais terrível dos conflitos (Isaías 7.14-17), assumir o trono de Davi (Isaías 9.5-6), ser um Salvador esmagado pelos homens (Isaías 53).<br /><br />Os autores de Mateus se esforçaram por associar a figura notável descrita por João Marcos (a partir dos discursos de Pedro) com o Messias esperado. Mateus juntou à narrativa original uma linhagem conectando Jesus até Davi, um nascimento milagroso (que Marcos não cita), o qual chamou-se Natal, muitos feitos sobrenaturais e uma ascensão ao Reino Celestial. Lucas re-compilou parte dessas estórias, mas trata Jesus mais como um "ensinador" do que um agente divino.<br /><br />Por exemplo, Lucas não traz a visita de magos do Oriente. Ao invés disso, o anjo Gabriel anuncia a Maria, José sua prima Isabel e o marido Zacarias o que se sucederia. De Isabel nasceria João Batista, o profeta que prepararia a chegada de Jesus. Pelo menos isso é o que narra o texto de Lucas escrito quase 100 anos depois que esses João Batista e Jesus viveram.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>TRADIÇÕES ANTIGAS</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">As tradições religiosas que nos chegaram, aqui no séc. 21, seguiram um longo caminho. Não vieram diretamente da Jerusalém que Jesus conheceu.<br /><br />Até o séc. 4, o Cristianismo já havia se popularizado entre Judeus, Gregos (sobretudo no Egito e Turquia) e Romanos. Nos sécs. 4 até 6, o Cristianismo foi propagado nas terras Romanas da Europa. Entre os sécs. 7 e 15 ele cresceu no leste Europeu, aliado dos governos imperiais. A partir do séc. 8, os povos "bárbaros" da Europa Ocidental foram unificados sob o martelo de Carlos Magno, Cristão devoto, que em seguida foi coroado pelo papa como novo César. Do séc. 16 em diante, o Cristianismo se fragmentou.<br /><br />Essa "quebra" produziu muitas tradições Cristãs diferentes, que nem sempre conviveram bem entre si. Dentro delas, diversas versões de Jesus se misturaram com as tradições dos povos Europeus, e acabamos com Cristianismos do Oeste Europeu (Jesus representado pelo Papa), do Leste Europeu (Jesus representado pelos santos e o rei), do Mediterrâneo (Jesus portador de sabedorias e curas), da Pérsia (Jesus profeta) e <a href="http://loungecba.blogspot.com/2017/12/o-cristianismo-negro-1-parte.html">até da Etiópia</a> (Jesus protetor dos justos).<br /><br />O Natal nasceu como uma celebração Romana Oriental, ganhando em cada lugar com anexos Cristãos bem diferentes.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>O NATAL QUE NÃO INVENTARAM</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">O Natal desenhado por Mateus e Lucas não teve relevância como festa religiosa até a institucionalização da Igreja no final do séc. 4. Nessas descrições, não há qualquer menção a uma data do ano ou mesmo ao ano (supomos o nascimento de Jesus por volta de 7 a 6 a.C., que foi quando Herodes I reinou)¹. Isso seria esperado de um texto adicionado posteriormente ao Cânon religioso, evitando dar margem a contestações.<br /><br />Mas, admitido como tradição social, o Cristianismo precisava de uma data para celebrar.<br /><br />Porque a definição de 25/dezembro? Essa data já era uma comemoração importante dos Europeus muito antes do Cristianismo. Trata-se do Solstício de Inverno, ou mais propriamente o dia mais curto e mais frio de todo ano. É a data esperada para nevascas.<br /><br />No Oriente Médio, há frio e muita chuva no Solstício de Inverno. Na Europa, é justamente a época mais fria e seca do ano. A estratégia mais comum dos agricultores Europeus era sacrificar a maior parte dos animais antes do Solstício (e guardar as matrizes nos abrigos), aproveitando os meses frios para armazenar as carnes e colheitas de outono. Por isso, o Solstício coincidia com estoques domésticos bem fartos.<br /><br />No Oriente Médio, as chuvas (sobretudo na Galiléia) tornavam o terreno impróprio para a movimentação dos rebanhos. E também para grandes peregrinações, seja até Belém ou o Egito. De qualquer forma, a instituição da data festiva ocorreu com a Igreja já sediada em Roma e Canaã reduzida a escombros de um mundo antigo. A data oficial foi definida pelo papa Julius I (337-352 d.C.) como o Solstício, em um mundo Romano que já demarcava esse dia.<br /><br />Boa parte dos povos Celtas e Nórdicos chamavam o Solstício de Yule. Os Romanos a chamavam de Saturnália. Eles fundiram tal comemoração com o nascimento do deus Hórus do Egito (associado ao Sol Invictus cultuado pela família Imperial) ou de Mitra (deus do Zodíaco), ambos ligados à recuperação do mundo a partir de uma época de escuridão. Os Romanos apenas deram outro nome ao dia festivo, mixando sua festa tradicional com a narrativa sobre Jesus.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>LENDAS NATALINAS</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">Houve grandes disputas antes do estabelecimento de uma data para o Natal. Duas figuras ganharam terreno dentro do novo feriado Cristão. Uma delas foi o deus nórdico Odin, cultuado entre os Saxões (atual terreno que vai desde a Alemanha até a Rússia). Odin percorria os céus durante a noite mais escura, montado em animais, observando os homens e estabelecendo destinos para eles. Alguns seriam favorecidos, após sua passagem.<br /><br /><a href="https://loungecba.blogspot.com/2011/12/o-bispo-noel.html" target="_blank">Outra figura notória foi o bispo grego Nikolaos Patareus</a>, membro do clero Cristão de Roma no séc. 4. O bispo era famoso por suas obras de caridade no inverno Europeu, sendo mais popular na Europa Oriental.<br /><br />A curiosa fusão do feriado Cristão com o vôo de Odin e as caridades de Patareus, todos nas proximidades do Solstício, parece ser a origem do São Nicolau, Santa Claus ou Papai Noel.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>O FANTASMA DOS NATAIS PASSADOS</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">A mais antiga referência à celebração de Natal diz respeito ao Egito romanizado, em 432 d.C. Tratava-se de uma diocese com forte atividade missionária, então é possível que a tradição tenha se espalhado diretamente de lá para a Europa.<br /><br />Os Natais Romanos (na Europa) eram bem diferentes do que poderíamos esperar. Após a inquietante noite em que o velho Odin passava pelos céus, julgando os homens, o dia se iniciava com uma celebração religiosa Cristã. Então seguia-se a tradição de que os ricos deveriam convidar os pobres a comerem em suas casas. A celebração incluía todos os exageros, bebedices e farras da Saturnália Romana.<br /><br />De fato, é provável que a data escolhida fosse justamente uma tentativa de cristianizar a Saturnália. Tratava-se de um festival de vários dias em homenagem ao deus Saturno, quando os Romanos celebravam a liberdade. Todas as regras sociais eram temporariamente esquecidas: os escravos ficavam desobrigados de obediência, o jogo e bebidas eram livres, havia troca de presentes. Além disso, havia banquetes públicos oferecidos como caridade, segundo o costume Grego. Muito tempo depois, na Inglaterra do séc. 14, ainda registrou-se uma grande oferta para a população de pão, carne, bacon com mostarda, lebres, sopa de galinha, queijo e tonéis de cerveja.<br /><br />Uma brincadeira tradicional dos Natais da Idade Média era vendar alguém e esbofetear esse até que ele adivinhasse quem lhe batia. Isso em meio a muita música, vinho e cerveja. Tal forma "pagã" do Natal persistiu até o séc. 18.<br /><br />As reformas do Protestantismo na Inglaterra e nos EUA acabaram por instituir a Igreja como centro de moralidade. O mundo Católico seguiu de perto essa transformação. Sem muita negociação, a Igreja e as instituições filiadas a ela cancelaram sumariamente as celebrações de Natal. Nos EUA, festejar o Natal foi considerado transgressão às leis até 1680, pelo menos. Não era sem sentido: no Natal de 1828, a cidade de Nova York assistiu um violento combate entre policiais e pessoas embriagadas protestando contra as más condições de vida da população pobre.<br /><br />A celebração natalina mais moderna surgiu no meio do séc. 19, combinando elementos da Igreja Episcopal, então famosa por sua atuação nos movimentos abolicionistas e na África, as tradições Vitorianas na Inglaterra e um best seller de Washington Irving.<br /><br />O texto de Irving "The Sketch Book" foi uma obra particularmente influente sobre outro autor de estórias natalinas desse período: Charles Dickens. Por causa dessas mudanças culturais, as festividades de Natal foram restritas ao ambiente doméstico, fazendo-se uma mistura de evento religioso e familiar. Nessa época surgiram as embalagens decoradas para presentes, e o Natal chegou a ser chamado “boxing day”. Mesmo no Brasil, que recém deixara de ser colônia, a influência Inglesa se fazia sentir na criação de uma sociedade urbana. Essa sociedade nova adotou a nova festividade.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>PRESÉPIO, ÁRVORES E O NOEL</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">No séc. 13, Giovanni di Pietro di Bernardone, filho de uma rica família comerciante de tecidos em Assis/Itália juntou-se a uma expedição militar. Voltando em 1205, dedicou-se à vida religiosa ascética. Em 1208, liderava um grupo de monges pobres e em 1210 sua "ordem mendicante" foi reconhecida pelo papa. Então, ele era já conhecido como Francesco di Assisi em referência à sua aparência e descendência da França.<br /><br />O ministério de Francesco foi intenso: esteve na Croácia, Espanha e Egito, tendo dialogado com líderes Muçulmanos da época. Boa parte de sua biografia é devida à obra do monge Bonaventura, um membro da ordem. Francesco morreu em 1226, sendo canonizado apenas 2 anos depois.<br /><br />No Natal de 1223, o monge Bonaventura afirma que ele iluminou uma gruta na cidade de Greccio para lembrar às pessoas sobre o nascimento de Jesus. A referência para isso foi o texto de Lucas: Francesco comprou um burro e um boi para simbolizar a atividade dos pastores, além de tomar uma criança verdadeira para interpretar Jesus, enrolada e deitada dentro de uma manjedoura (repare que isso não faz parte de Lucas). Convidadas as pessoas da cidade, Francesco fez uma calorosa pregação sobre o "bebê de Belém" e encerrou com cantos gregorianos. O efeito foi grandioso: nos anos seguintes, cada vez mais cidades montavam reproduções da "natividade". Até o séc. 19, a tradição se esticou para o interior das casas, mesmo que em pequenas cenas com bonecos.<br /><br />As árvores de Natal parecem ter se difundido a partir da poderosa influência cultural da rainha Alexandrina Victoria da Inglaterra (reino 1837-1901). Tal tradição originou-se de uma mistura dos troncos de carvalhos acesos no Yule dos Saxões com as árvores enfeitadas de velas na Alemanha do séc. 16, quando começou a Reforma Protestante. Em 1846, foi publicado um desenho da rainha Victoria e sua família ao redor de uma árvore enfeitada, o que transformou a peça em elemento natalino de Ingleses e Estadunidenses.<br /><br />O Papai Noel fez o caminho contrário, indo da América para a Europa. Na verdade, a lenda de Santa Claus andando sobre os telhados e deixando presentes era antiga na Europa, mas sua figura lembrava muito mais um elfo do que o velho gordinho de hoje. O desenhista de pin-ups Haddon Sundblom encabeçou a campanha publicitária da Coca-Cola nos anos 1930 (ele também criaria o sujeito da aveia Quaker) e converteu o elfo Europeu num velho barrigudo e risonho. Essa imagem foi tão influente que perdura até hoje.</p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>NATAL ANDALUZO</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">A Andaluzia (sul da Espanha) é um território com participação bem curiosa na História do Mundo. Lá pelo séc. 8, quando a Europa se agrupava em reinos Cristãos, a Andaluzia foi ocupada pelo Islã. Ali se organizou o rico califado de Córdoba, onde os reis Mouros faziam uma ponte comercial entre o mundo Islâmico no norte da África e a Europa Medieval. Esse sistema perdurou até o séc. 15, quando os reinos Católicos tomaram conta de todo território Espanhol.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">Entre os sécs. 8 e 15, a Andaluzia foi uma porta para costumes Islâmicos chegarem à Europa e vice-versa. Por exemplo, os Cristãos ali tinham liberdade para seus cultos e igrejas, desde que pagassem um imposto ao Califado. Assim, eles podiam celebrar o Natal (Id al-Milad), comemorado com igrejas muito iluminadas e a "Missa do Galo" durante a madrugada.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">A tradição natalina foi absorvida em parte pelo mundo Islâmico, por usar figuras familiares como Jesus (maior dos profetas, depois de Muhammad) e Maria. Dessa forma o Milad Andaluz chegou até o Egito e partes da Arábia.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">"<b><i>Nestes festivais se dão presentes preciosos que escolheram com antecedência e “cidades” [de pão] nas quais formam e inventam várias figuras. Os ricos montam barracas em suas casas como as dos lojistas e as arrumam meticulosamente. ... Mais de um viajante nos disse que em algumas cidades de al-Andaluz essas barracas valem setenta dinares ou mais, pelos quintais [medida antiga] de açúcar que contêm, as arrobas de alfenim, a variedade de frutas frescas, sacos de tâmaras, sacos de passas e figos, de diferentes tipos, espécies e variedades, e todos os tipos de cascalho: nozes, amêndoas, avelãs, castanhas, bolotas e pinhões; cana-de-açúcar, toranjas, laranjas e limas da melhor qualidade. Em algumas cidades fazem caçarola de peixe salgado, na qual gastam até trinta dirhemes, e outras refeições semelhantes (…) Liberam as crianças das escolas e com isso enchem o coração de amor por essas inovações que já criaram raízes.</i></b>” (Kitab al-Durr al-Munazzam, um livro sobre o código de leis, mas também astrologia, interpretação de destinos, etc).<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">Uma tradição do Oriente também pode ter ajudado nessa comemoração: a celebração do Mawlid, ou nascimento de Muhammad (fim/Out - início/Nov em 2020 no calendário Ocidental). Os Shiitas comemoravam tal festa, e eram abundantes no Egito, igualmente. De fato, sabe-se de uma grande celebração do Mawlid pelo sultão de Granada (na Espanha) no séc. 14. Também não há documentos indicando a data do Mawlid..<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">A festa Andaluza até hoje é caracterizada pela missa madrugal, os enfeites nas igrejas e as mesas de doces árabes: alfenins (a nossa bala-de-casamento branca e açucarada), almojabanas (um pão de coalhada e milho), mantecados (lembram os nossos sequilhos, mas geralmente com canela), alfajores (bem-casados, no Brasil), cuenca alajú (uma espécie de pão de amêndoas), girlache valenciana (um pé-de-moleque, mas às vezes feito com amêndoas), etc.<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>ENQUANTO ISSO, NO BRASIL ANTIGO..</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">A tradição brasileira importou muitos elementos ingleses no final do séc. 19, que mais ou menos uniformizaram a celebração natalina aqui, na Europa e nos EUA. Isso por si só já é bastante curioso, uma vez que o Brasil, no Natal, tem seu Solstício de Verão. Ou seja, dias longos, muita chuva e calor. No entanto, o Natal importado do mundo inglês é, acima de tudo, um comportamento comercial.<br /><br />Bem antes do final do séc. 19, o Brasil misturava tradições Portuguesas e das nações Africanas. A parte Lusa era aquela de banquetes públicos, regados a muito vinho, cerveja, aguardente e festas sem dia ou hora para acabar. Faziam parte das comemorações "dança estrepitosa", música, sátiras, procissões religiosas e também de grupos de amigos, desafios versejados e cantos responsoriais.<br /><br />Nas tradições Africanas que o Brasil importou, não vieram referências ao Natal. No entanto, um elemento do chamado "ciclo natalino" desenvolveu-se amplamente nas colônias Portuguesas e Espanholas: o "Dia de Reis". Essa data (6/Jan) marca a adoração dos Reis do Oriente (segundo o Evangelho de Mateus, 12 dias após o nascimento) ao pequeno Jesus. O texto de Mateus, em verdade, os nomeia no grego como Rabis, o equivalente de um líder de clã que detinha tanto as funções de rei, como sábio, santo e mago.<br /><br />Seus nomes figuram pelo menos desde o séc. 6 na tradição Cristã (e não no texto Bíblico), provavelmente como um fruto de nomes comuns nas nações orientais que tinham importância aos olhos dos Cristãos romanos: Melchior da Pérsia (mirra), Gaspar da Índia (incenso) e Balthazar da Arábia (ouro). Nem há um registro bíblico de que fossem 3 Rabbis, mas apenas 3 presentes. A tradição dos reis provavelmente vem do Império Bizantino e a citação desses personagens do Oriente teve um profundo reconhecimento por parte dos Africanos no Brasil, <a href="https://loungecba.blogspot.com/2020/10/o-isla-e-forjadura-do-cristianismo-no.html">que já conheciam o Islã</a>.<br /><br />Como resultado dessa incrível conjuntura de tradições religiosas, o final do "ciclo natalino" ficou marcado por festas portuguesas de comida, bebida e dança mixadas com tambores e a coroação de um Neuvangue (rei), uma Nembanda (rainha), Manafundos (príncipes), um Endoque (feiticeiro) e todo o cortejo tradicional dos reinos Congos. Isso, em pleno Rio de Janeiro do séc. 18. Tradições semelhantes apareceram em Pernambuco, Bahia e Rio Grande do Sul.<br /><br />"<i><b>Não há quem tenha perlustrado as províncias do Norte, que não se recorde de um grupo de negros, vestidos de penas, tangendo instrumentos rudes, dançando e cantando, que, nos dias de festas populares, percorre as ruas das grandes cidades e pequenos povoados</b></i>". (Melo Morais Filho, 1888)<br /><br />"<b><i>O Rei e a Rainha, com seus mantos de belbutina escarlate recamados de estrelas, com suas vestiduras cintilantes de lentejoulas e agaloadas, aquele com seu cetro dourado, e esta com seu diadema resplandecente, pisavam garbosos à frente de sua corte, levando dois vassalos as duas coroas, vestidos de capa e espada, ostentando na cabeleira carapinhada e no pontudo topete fios de corais e miçangas, que lhes desciam em voltas como um casco de capacete. O Feiticeiro, desenrolando e enrolando em torno do pescoço enorme cobra, envergando vestimenta de peles e rubro cocar, olhando misteriosamente, volteavam-lhe os antebraços e o colo fieiras de miçangas e de pequenos búzios, entremeados de figas e talismãs, de rosários e bentinhos. ... Uma vez entronizados pelo capelão, que os recebia à porta do templo, coroava-os ritualmente, conduzindo-os à sacristia, onde ouviam ler, marcavam em cruz e faziam assinar o documento oficial da coroação</i></b>". (Melo Morais Filho, 1888)<br /><br />Sem dúvida, é curioso como essa celebração afro-Cristã típica do Brasil ligava justamente o Natal dos reis do Evangelho de Mateus aos conflitos Islã/Bizâncio do séc. 8. Um costume brasileiro muito difundido antes do séc. 19 era enviar comida aos amigos. No linguajar mais popular ou pobre, um "pão-por-Deus".<br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: center;"><b>A TRANSFORMAÇÃO DO NATAL</b><br /></p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">"<i><b>Dão-se presentes no Brasil especialmente por ocasião das festas de Natal, de primeiro do ano e de Reis. No dia de Natal e no dia de Reis, sobretudo, são de rigor os presentes de comestíveis, caça, aves, leitões, doces, compotas, licores, vinhos, etc. ... Entretanto, entre as pessoas de posses, os presentes de gosto mais apurado são mandados em bandejas de prata com toalhas de musselina muito finas, pregueadas com arte e presas com laços de fitas cuja cor é sempre interpretativa, linguagem erótica complicada pela adição engenhosamente combinada de algumas flores inocentes</b></i>". (Jean Baptiste Debret, início do séc. 19).<br /><br />O Brasil começou a mudar desde que a Família Real Portuguesa chegou, em 1808. E mudou muito mais com a Independência, em 1822. Tanto um processo como outro firmaram um pacto comercial entre Brasil e Inglaterra que teria grandes consequências culturais. Em especial, faria as populações urbanas entrarem em crescimento.<br /><br />Na 2ª metade do séc. 19, o enrijecimento de costumes na Europa, em especial na Inglaterra, levou à transformação da Saturnália Natalina de Portugal em celebração religiosa-familiar. Ao mesmo tempo, Portugal e Inglaterra entravam na fase de francos assalto/destruição das nações Africanas. Congo caiu em 1857, Mali em 1890.<br /><br />O Brasil tinha deixado de receber novos Africanos em 1811; após a Independência ocorreram diversos conflitos com os Portugueses vivendo aqui. Isso fez com que as tradições natalinas se desligassem tanto da Europa quanto da África, para só reencontrar eles nos meados da 1ª Guerra Mundial. Esse reencontro, via chegada de imigrantes Alemães, Italianos e Japoneses fugidos da Guerra, trouxe para cá as novas tradições européias. Árvores de Natal, presentes industrializados e até São Nicolau cruzaram o Atlântico, apesar da patente falta de neve no dia mais ensolarado do ano.<br /><br />"<b><i>O que é o Natal para você, senão a época de não ter dinheiro para pagar sequer suas contas? A época de se dar conta de que está um ano mais velho e nem uma hora mais rico; o momento para fazer um balanço nos livros de contabilidade e ver que cada item, nestes doze últimos meses, só lhe trouxe prejuízo? Por mim – continuou Scrooge, indignado –, cada idiota que saísse por aí desejando Feliz Natal deveria ser fervido, misturado junto com seu bolo de Natal e enterrado com um galho de pinheirinho no coração, isso sim! ...Muitas coisas boas coisas me aconteceram sem que eu tirasse proveito algum, e o Natal é uma delas – replicou o sobrinho. – Apesar de ser uma festa sagrada, não a vejo somente assim, mas também como uma época muito agradável: uma época de gentileza, perdão, caridade e alegria. A única que eu conheço, no longo calendário do ano, na qual homens e mulheres parecem abrir de boa vontade seus corações fechados e pensar nas pessoas mais pobres como seus legítimos companheiros na viagem para o túmulo, e não como uma raça estranha, viajando para um outro lugar. Por isso, titio, embora o Natal nunca tenha colocado uma moeda de ouro ou de prata no meu bolso, ainda acho que ele me fez – e fará, ainda – muito bem. E que Deus o abençoe!</i></b>" (Charles Dickens, "A Christmas Carol", Inglaterra, 1843)<br /><br />O Novo Natal também trazia festas familiares e tudo que a vida urbana poderia fornecer. Nos centros urbanizados desapareceram os jantares públicos, inclusive os promovidos pelas igrejas, mas algo da festança original sobreviveu, lá pelos sertões do Brasil.<br /><br />"<b><i>Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-nozes…), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. ... Era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. ... havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. ... E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo que, com meus “gostos” já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês.</i></b>" (Mário de Andrade, "O peru de Natal", São Paulo, 1942)<br /><br />-----------------------------<br /><br />¹ O padre jesuíta Igartua, em sua excelente obra Los Evangelios ante la Historia, dá um pormenorizado informe sobre o “atraso” no calendário oficial. Eis aqui o estudo de J. M. Igartua: “1. Jesus nasceu nos tempos de Herodes, o Grande, segundo os próprios Evangelhos (Mt 2.1 e Lc 1.5). Mas Herodes morreu antes do ano 1, logo é necessário antecipar a data do nascimento de Cristo. 2. Em que ano morreu Herodes? Chegou-se à precisão através do historiador judeu Flávio Josefo. O ano em que Herodes começou a reinar é fixado por ele, conforme a contagem grega existente, como sendo a 184ª Olimpíada. O intervalo entre as Olimpíadas era de 4 anos – o que dava um total de 736 anos desde a fundação do consulado romano de Cneu Domicius Calvinus e Caius Asínio Polion (Ant. Jud., XIV, 14, 5). Mas ainda não se pode estabelecer a Era Cristã, pois não temos ainda dados de correlação entre ambos os cálculos cronológicos. 3. A duração do reinado de Herodes é dada pelo historiador Josefo como sendo de ‘34 anos depois que matou seu opositor Antígono e 37 anos desde que recebeu o reinado dos Romanos’ (Ant. Jud., XVII, 8, 1). A morte de Herodes I ocorreu cinco dias depois de ordenar a execução de seu próprio filho, Antípatro. Continuamos, porém, na mesma incerteza sobre a correlação com a Era Cristã. Os 736 anos gregos (na 184ª Olimpíada) se correlacionam com os anos Romanos. Segundo Varron, a fundação de Roma se deu no ano 23 das Olimpíadas, e equivalem assim a 736-23 = 713 desde a fundação do Consulado. Como Josefo acrescenta que Herodes reinou 37 anos, somando estes aos 713 temos 750 para o ano romano de sua morte. Como emparelhar agora com a Era Cristã? 4. Providencialmente, um dado quase perdido no conjunto permitiu que se estabelecesse a correlação. Pois Josefo (Ant. Jud., XVII) narra a ocorrência de um ataque dos extremistas religiosos ao Templo contra as insígnias romanas, dirigido pelos doutores da Lei e executado por audazes jovens, a não mais de um mês da morte de Herodes. Este, que mesmo doente, ainda tinha surtos de crueldade, mandou queimar vivos os dois doutores e alguns dos jovens atacantes, e nesse mesmo dia de sua execução – conta Josefo – houve um eclipse da Lua, que foi interpretado como sinal celeste contra Herodes, acrescendo que sua morte ocorreu na Páscoa. Pois bem, os astrônomos modernos identificaram tal eclipse da Lua, visível na Judéia, no ano 4 a.C., em 13 de março. Temos assim um dado já certo de correlação: o ano da morte de Herodes, o Grande, foi o ano 4 a.C., e o nascimento de Jesus deu-se, conforme o que se recorda dos Evangelhos, logo depois. Se acrescentarmos o cálculo de dois anos que fez o próprio Herodes em Mateus, quando mandou matar os meninos menores de 2 anos, terminamos em 6 a.C. (Juan José Benitez).<br /><br />-----------------------------<br /><br /><b>PRESENTES LARGADOS NA ÁRVORE</b><br /><br />Charles Dickens, <a href="http://www.agr-tc.pt/bibliotecadigital/aetc/index.php?page=13&id=461&db=">Um conto de Natal</a>, 1843.<br /><br /><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Francis_of_Assisi">Francis of Assisi</a> - wikipedia<br /><br />Gretchen Filz, <a href="https://www.catholiccompany.com/magazine/story-francis-assisi-first-navity-scene-5955#">The Story of St. Francis of Assisi and the First Nativity Scene, as told by St. Bonaventure</a>, catholiccompany.com, 20/dez/2016.<br /><br /><a href="http://revistapress.com.br/advertising/edicao-182-haddon-sundblom-o-criador-do-moderno-papai-noel/">Haddon Sundblom, o criador do moderno Papai Noel</a>, revistapress.com.br, n. 182.<br /><br /><a href="https://www-history-com.cdn.ampproject.org/v/s/www.history.com/.amp/topics/christmas/history-of-christmas?amp_js_v=a6&_gsa=1&usqp=mq331AQHKAFQArABIA%3D%3D#aoh=16083796692070&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com&_tf=Fonte%3A%20%251%24s&ampshare=https%3A%2F%2Fwww.history.com%2Ftopics%2Fchristmas%2Fhistory-of-christmas">History of Christmas</a>, History.com, 27/out/2019.<br /><br />Jean-Pierre Isbouts, <a href="https://www.nationalgeographic.com/culture/people-in-the-bible/three-kings-magi-epiphany/#:~:text=Later%20tellings%20of%20the%20story,India%2C%20and%20Balthazar%20from%20Arabia">Who were the three kings in the Christmas story?</a>, nationalgeographic.com, 24/dez/2018.<br /><br />Juan José Benitez, Operação Cavalo de Tróia 2 - Massada, Ed. Planeta do Brasil, 2014.<br /><br />Mabel Villagra, <a href="https://historiaislamica.com.br/as-comemoracoes-de-natal-e-ano-novo-na-iberia-islamica-al-andalus/" target="_blank">As comemorações de Natal e Ano Novo na Ibéria Islâmica (al-Andaluz)</a>, historiaislamica.com.br.</p><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em; text-align: justify;">Mello Moraes Filho, <a href="https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7146">Festas populares do Brazil</a>, Ed. Garnier, 1888.<br /><br />NEPOMUCENO, Nirlene. Celebrações negras do ciclo natalino - Teias da diáspora em áreas culturais do Brasil e Caribe. Tese de doutorado em História Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2011.<br /><br /><a href="https://historiahoje.com/o-natal-no-brasil-de-antigamente/">O Natal no Brasil de antigamente</a>, historiahoje.com.<br /><br /><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Pope_Julius_I">Pope Julius I</a> - wikipedia<br /><br /><a href="https://www.riodejaneiroaqui.com/portugues/natal-2.html">Presentes e Costumes de Natal no Século 19</a>, riodejaneiroaqui.com<br /><br /><a href="https://www.english-heritage.org.uk/christmas/the-history-of-christmas/">The History of Christmas</a>, english-heritage.org.uk</p></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-9850099293462684482020-12-08T13:10:00.003-04:002020-12-08T13:13:39.628-04:00Debatendo Jonas<div style="text-align: center;"></div><div style="text-align: center;"><span id="docs-internal-guid-facbe064-7fff-efcb-949e-490ac051ec9e" style="border: medium none; display: inline-block; height: 684px; overflow: hidden; width: 464px;"><img height="684" src="https://lh6.googleusercontent.com/g9bJXswQkCiIqflNaUG_B_EDUzZ_T_H5eA7MADxKzckvPPN6QS606oXulmQb2FCUFctyYCHrINl6nyash5i9ow19HW3gU6nKKR5WjFtirxj81AcpmlSyF3w6o3jrYcyN1O30azht" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="464" /></span><br /></div><div style="text-align: left;"><div style="text-align: center;"><i>Quadro do artista gráfico polonês Dawid Planeta, da série “Mini People in the Jungle”, de 2018.</i><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1l-yAXydl_52DAAma4ga6LRPnRY0aIDH_/view?usp=sharing" target="_blank">baixar PDF</a><br /></div><div style="text-align: justify;"><br /></div></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-size: large;"><span style="color: #990000;"><b>J</b></span></span>onas foi um profeta cuja tradição aparece de forma problemática no Antigo Testamento. A importância mais recente do personagem vem da fala de Jesus e do nome atribuído a um de seus maiores divulgadores, Simão “filho de Jonas”.<br /></div><div style="text-align: justify;"><br /><b>Mateus, cap. 12</b><br /><span style="color: #b45f06;"><i><b>38. Então alguns escribas e fariseus tomaram a palavra: Mestre, quiséramos ver-te fazer um milagre. Respondeu-lhes Jesus: Esta geração adúltera e perversa pede um sinal, mas não lhe será dado outro sinal do que aquele do profeta Jonas: do mesmo modo que Jonas esteve três dias e três noites no ventre do peixe, assim o Filho do Homem ficará três dias e três noites no seio da terra. No dia do juízo, os ninivitas se levantarão com esta raça e a condenarão, porque fizeram penitência à voz de Jonas. Ora, aqui está quem é mais do que Jonas. No dia do juízo, a rainha do Sul se levantará com esta raça e a condenará, porque veio das extremidades da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. Ora, aqui está quem é mais do que Salomão.</b><br /></i></span><br /><b>Lucas, cap. 11</b><br /><span style="color: #b45f06;"><b><i>29. Afluía o povo e ele continuou: Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não se lhe dará outro sinal senão o sinal do profeta Jonas. Pois, como Jonas foi um sinal para os ninivitas, assim o Filho do Homem o será para esta geração. A rainha do meio-dia levantar-se-á no dia do juízo para condenar os homens desta geração, porque ela veio dos confins da terra ouvir a sabedoria de Salomão! Ora, aqui está quem é mais que Salomão. Os ninivitas levantar-se-ão no dia do juízo para condenar os homens desta geração, porque fizeram penitência com a pregação de Jonas. Ora, aqui está quem é mais do que Jonas.</i></b></span><br /><br />Afora a enigmática figura da rainha do Sul/do meio-dia (que parece ser a rainha de Sabá, na Etiópia), Jesus se refere a Jonas como tendo feito dois sinais: a pregação a Nínive e a estadia no peixe por 3 dias. A forma como esses dois "sinais" se conectam é no mínimo misteriosa.<br /><br /></div><div style="text-align: center;"><b>O RELATO BÍBLICO</b><br /></div><div style="text-align: justify;"><br />Existem livros nomeados como Jonas no Antigo Testamento e também no Alcorão. Como a estória de Jonas se passa longe de Israel, o relato Islâmico é bem importante.<br /><br />Segundo a Bíblia, Jonas filho de Amitai foi convocado por Deus para pregar aos habitantes de Nínive, capital do Império Assírio até o final do séc. 7 a.C. Os Assírios foram uma potência militar no Oriente Médio até serem substituídos pelos Babilônicos, no séc. 6 a.C. Nos textos bíblicos, os Assírios ficaram registrados devido à invasão de Canaã no séc. 8 a.C., quando o Reino do Norte foi capturado (2ª Reis 17-18, 2ª Crônicas 32), e também devido ao equilíbrio de poderes com o Egito. Israel oscilava de aliança entre um e outro, de acordo com os interesses em cada momento.<br /><br />O texto de Jonas conta sobre um profeta chamado a pregar no coração da Assíria, que fugiu de Jope (Líbano) para Társis, no outro extremo do Mediterrâneo. Nessa fuga, uma tempestade interrompeu o curso do barco e Jonas foi apontado pelos marinheiros (via um jogo de sorte) como causador da catástrofe. Jogado ao mar e engolido por uma baleia, Jonas ficou 3 dias no interior do "grande peixe", onde admitiu a soberania de Deus e assim foi devolvido à terra.<br /><br />Na cena seguinte, Jonas está em Nínive e tenta converter a população. Por fim, a cidade toda se arrepende, o rei Assírio convoca um grande jejum, até dos animais, e a destruição de Nínive é impedida. Jonas no entanto esperava ver Nínive cair.. Ele senta-se sob um pé de mamona, que testemunha sua dor. Deus envia um verme que mata a planta e Jonas se lamenta por ela, ao que Deus lhe lembra da Sua piedade para com Nínive.<br /><br />Detalhe: não fazemos a menor idéia de como Jonas chegou do Mediterrâneo até uma cidade nas margens do rio Tigre, que deságua no Golfo Pérsico, ligado ao Oceano Índico. É possível que o redator mais moderno dessa estória realmente não soubesse a distância enorme entre os dois locais. E, mais importante ainda, a completa falta de um relato da viagem (terrestre) entre os dois pontos distantes, entre os dois acontecimentos narrados, sugere que Jonas nunca fez esse caminho.<br /><br /></div><div style="text-align: center;"><b>O RELATO JUDEU</b><br /></div><div style="text-align: justify;"><br />Os Judeus mantém uma coleção de estórias orais repassadas pelos rabinos, principalmente entre os sécs. 5 e 11. Uma dessas obras, atribuída ao Rabbi Eliezer filho de Hyrcanus (porém sabidamente uma obra do séc. 8) traz uma versão mais "emocionante" de Jonas. Nela, Jonas foi enviado em 3 missões: restaurar as bordas de Israel (2ª Reis 14.25), anunciar a destruição de Jerusalém e depois a de Nínive.<br /><br />O "grande peixe" era do tamanho de uma Sinagoga, com uma grande pérola dependurada na sua garganta, fornecendo luz, e os olhos do animal servindo de janelas. Por eles, Jonas viu o Sheol (mundo dos mortos), os filhos de Coré* e os subterrâneos do mundo, com 7 montanhas sustentando Jerusalém**. Jonas ameaçou e afastou o Leviatã, criatura das profundezas que tentou comer o peixe. Quando estava sob o Templo, ele fez seu pedido de retornar, que, ali, não seria negado por Deus¹.<br /><br />Os marinheiros viram Jonas voltando, foram a Jope e circuncidaram-se.<br /><br />A citação de 2ª Reis, que coloca Jonas como natural de Gate-Hefer - Galiléia, entre Nazaré e Caná, durante as lutas Judá/Samaria - é plausível. Além de uma breve citação, não há fala alguma do "Rabbi medieval" sobre Jonas em Nínive.<br /><br /></div><div style="text-align: center;"><b>O RELATO ISLÂMICO</b><br /></div><div style="text-align: justify;"><br />A literatura religiosa Islâmica é menos condensada que a Judaico-Cristã. Assim, temos um relato sobre Jonas bem sucinto no Alcorão e muitos Hadith ou tradições a respeito do que se sucedeu a Jonas.<br /><br />Nesses textos tradicionais, Jonas é natural da Assíria. A cronologia também é outra: Jonas vai a Nínive pregar e, depois disso, fracassado, toma um barco, é jogado ao mar (ou rio) e engolido pela baleia. O motivo é o mesmo: Jonas seria a causa de uma tempestade. De dentro do "grande peixe", rodeado pela escuridão, Jonas clamou a Alláh, que o ouviu e deu ordens ao animal para devolver ele.<br /><br />Jonas abriga-se sob uma vinha/aboboreira, que cresceu por ordem de Alláh. Então Nínive se arrepende e o castigo divino é suspenso. Jonas volta para sua casa.<br /><br />Aqui, também são duas estórias que parecem mal-coladas: Jonas voltando do estômago da baleia e Jonas convertendo a cidade. Particularmente, a versão com Jonas sendo de Nínive parece mais plausível.<br /><br /><b>Sura 37, "Os enfileirados"</b><br /><span style="color: #38761d;"><b><i>139. E também Jonas foi um dos mensageiros, o qual fugiu num navio carregado. E se lançou à deriva, e foi desafortunado. Uma baleia o engoliu, porque era repreensível. Se não se tivesse contado entre os glorificadores de Deus, teria permanecido em seu ventre até ao dia da Ressurreição. Nós o arranjamos, enfermo, em uma praia deserta, e fizemos crescer, ao lado dele, uma aboboreira. E o enviamos a cem mil (indivíduos) ou mais. Eles creram nele, e lhes permitimos deleitarem-se por algum tempo.<br /></i></b></span><br /></div><div style="text-align: center;"><b>CONFABULANDO</b><br /></div><div style="text-align: justify;"><br />As duas estórias (da baleia e da profecia em Nínive) são estranhamente pareadas tanto pela cultura Judaica quanto pela Islâmica. Apesar disso, cada um atribui a Jonas uma origem diferente e valoriza de forma diferente os elementos das estórias. Os Judeus e Islâmicos valorizam o episódio da baleia, pela submissão do profeta a Deus. Os Judeus colocam o episódio como um castigo divino, os Islâmicos não têm uma boa explicação.<br /><br />Os Islâmicos valorizam também a pregação em Nínive (atual Mosul, Iraque), mas sem tantos detalhes como contam os Judeus. Na estória Judaica há um jejum imposto até aos animais (seriam pecadores?), além da piedade de Deus. Na versão Islâmica, há uma conversão em massa por medo do desastre. Sabemos (e o autor do texto Corânico também) que Nínive e a Assíria não aderiram ao culto Judeu, nem mesmo ao monoteísmo. Algo semelhante foi dito por Daniel com respeito a Nabucodonosor, que também nunca aderiu ao monoteísmo Judeu (apesar de Daniel 4.31-34).<br /><br />Nínive/Ninua era uma cidade dedicada à deusa Ishtar, cujo nome até significava "casa da deusa". Os Judeus em geral associavam a cidade com o cativeiro dos habitantes de Israel/Efraim (os que estavam lá antes dos Samaritanos).<br /><br /><b>Naum, cap. 1 (séc. 7 a.C.)</b><br /><span style="color: #b45f06;"><b><i>1. Oráculo sobre Nínive. Livro da visão de Naum de Elcos. ... 8. Como um temporal violento ele [o Senhor] destruirá este lugar, e, mesmo nas trevas, acossará seus inimigos. ... 14. Quanto a ti, eis o que ordenou o Senhor: Descendência alguma levará teu nome. Farei desaparecer do templo de teus deuses as imagens esculpidas e as imagens fundidas. Vou preparar teu sepulcro, porque és pouca coisa. ... Cap. 2 - 14. Eis que venho agora contra ti - oráculo do Senhor dos exércitos - vou incendiar teus carros e reduzi-los a fumaça, a espada vai devorar os teus leõezinhos; porei fim às tuas rapinas na terra, não se ouvirá mais a voz dos teus mensageiros. Cap. 3 - 7. Todos os que te virem fugirão para longe de ti, dizendo: Nínive está arruinada! Quem se apiedará de ti?<br /></i></b></span><br />O livro de Tobias (presente nas Bíblias Católicas, apenas) conta a estória de um Judeu de Nínive (como Jonas), expulso da cidade por não adotar os costumes Assírios. Quando Salmanasar V (pai de Sargão II) morre, ele volta para a cidade e seu pai Tobit fica cego. Tobias é buscado pelo anjo Raphael, que o envia para salvar uma certa Sarah, atormentada por um demônio. Depois das aventuras, o anjo ensina Tobias como curar seu pai e ambos fogem da cidade antes de a profecia se cumprir.<br /><br />Trata-se de um texto ensinando costumes e moral Judaicas, além das tradicionais magias (presentes nos textos Haggadah também) e com chamativos à antiguidade do povo. Jonas, por outro lado, fala da intervenção divina e acontecimentos fantásticos, como muitas estórias do Oriente. Sendo ambos da mesma referência de local e tempo, Tobias e Jonas não parecem frutos do mesmo povo.<br /><br />Nínive foi arrasada no começo do séc. 6 a.C., por uma união dos reis Cyaxares (Império Medo) e Nabopolassar (Império Persa, pai de Nabucodonosor II). A postura dos Judeus indicava que um parceiro melhor sempre foi o Egito, também alvo de profecias. Jonas representa um adiamento dessa vingança dos Judeus, talvez um resultado da longa permanência do Império Assírio.<br /><br />Não há dúvidas que o nome de Jonas foi importante nas terras Assírias (um tanto "rio Tigre-acima" das terras Babilônicas). Talvez tenha sido um profeta Judeu importante - apesar de não ter convertido nenhum rei, até onde sabemos. Essa provavelmente foi a origem da estória sobre sua poderosa pregação em Nínive: simbolizar que Jonas tenha sido um profeta, responsável pela duração longa do Império Assírio.<br /><br />Talvez ele fosse lembrado, entre outras coisas, por ter sido jogado de um barco e voltado. Se isso aconteceu em Nínive, devia tratar-se do enorme rio Tigre, famoso pela quantidade de grandes peixes (aliás, um deles é mencionado na estória de Tobias). É difícil pensar numa baleia adentrando o rio, mas até isso acontece em cursos d'água largos o suficiente. Talvez não fosse um fenômeno raro, embora espantoso sem dúvida, nos tempos da Assíria. De qualquer forma, o Jonas Islâmico foi cuspido pelo animal temente a Alláh numa ilha, além da foz do rio.<br /><br />Alguns historiadores chegam a equiparar Jonas com o Jasão Grego, herói de mil aventuras, matador de monstros e favorecido da deusa Athena. Entre seus feitos de esperteza, Jasão derrotou um dragão esfregando nele uma poção de dormir. Noutra versão, o dragão é um monstro marinho que engole Jasão e o vomita. Curiosamente, uma poção para vomitar era feita da abóbora, mesma planta associada com Jonas. Não é impossível que as lendas de nomes parecidos tenham se enroscado.<br /><br />No entanto, ao contrário do astuto guerreiro Jasão, nosso Jonas é jogado ao mar numa clara ocasião de sacrifício para aplacar a tempestade. Na mitologia da Suméria, onde Nínive ficava, as tempestades (no rio) eram produzidas por um grande dragão submerso. Jonas parece ter sido o sacrifício a essa criatura, e um que no entanto voltou para assombrar a todos.<br /><br /></div><div style="text-align: center;"><b>A PODEROSA REFERÊNCIA CRISTÃ</b><br /></div><div style="text-align: justify;"><br />Diversas estórias semitas, muitas envolvendo Elias ou Moisés, circulavam como tradições orais no tempo dos Romanos. Outras (sobre Jasão, quem sabe) haviam chegado com os Gregos. Algumas dessas estórias foram resgatadas por Jesus em suas andanças na Galiléia. Ditas pela boca de Jesus, tais fábulas, parábolas e ensinamentos foram preservadas também na Escritura do Cristianismo. E Jonas não deixou de ser citado pelo Messias.<br /><br />Exceptuando-se as fontes sobrenaturais, há três modos de essa estória ter chegado ao mundo de Jesus. E chegou, pois os Judeus mantiveram um livro da Torá com a lenda de Jonas. Além da citação nominal do "sinal de Jonas", há uma "tumba de Jonas" na Galiléia e Pedro, salvo de dentro do lago tempestuoso, foi curiosamente referido como Simão filho de Jonas (Mateus 16.17).<br /><br />A primeira via seria pelas caravanas entre a Assíria e o porto de Jope, passando pela Galiléia. Estórias envolvendo os Judeus de lugares distantes e lendários certamente eram bem recebidas.<br /><br />A segunda seria a herança dos tempos de cativeiro Babilônico, tal como as aventuras de Daniel. A terceira, aparentada com a segunda, seria através dos Samaritanos retornados da Assíria, que não foram aceitos pelos Judeus como seus parentes. O Evangelho de João introduz muitos elementos Samaritanos na história de Jesus, que não podem ser simplesmente ignorados.<br /><br />Por qualquer dessas rotas, Jesus, mesmo longe de ser alguém que retorna das águas, e mais longe ainda de ser um filho das águas do rio Tigre, nos pescou essa lembrança.<br /><br />-----------------------<br /><br /><b>NOTAS DOS PROFETAS</b><br /><br /><a href="https://ahadith.co.uk/">Ahadith.co.uk</a><br /><br /><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Assyria">Assyria</a> - wikipedia<br /><br /><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Battle_of_Nineveh_(612_BCE)">Battle of Nineveh (612 BCE)</a> - wikipedia<br /><br />Garcia B, <a href="https://www.ancient.eu/Medusa/">Medusa</a>, ancient.eu, 20/ago/2013<br /><br />HAMEL, Gildas. Taking the Argo to Nineveh: Jonah and Jason in a Mediterranean context. Judaism, v. 44, n. 3, p. 341, 1995.<br /><br />IBN KATHIR, Al-Imam. Stories of the Prophets, Ed. Darussalam, Arábia Saudita, 2003.<br /><br /><a href="http://loungecba.blogspot.com/2014/04/o-livro-de-jonas-esta-entre-os-mais.html">Jonas, o profeta</a>, loungecba.blogspot.com, 19/abr/2014<br /><br /><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_burial_places_of_biblical_figures">List of burial places of biblical figures</a> - wikipedia<br /><br />Mark JJ, <a href="https://www.ancient.eu/Nebuchadnezzar_II/">Nebuchadnezzar II</a>. ancient.eu, 07/nov/2018<br /><br />Mark JJ, <a href="https://www.ancient.eu/nineveh/">Nineveh</a>, ancient.eu, 06/mar/2011<br /><br /><a href="https://www.sefaria.org/Pirkei_DeRabbi_Eliezer?lang=bi">Pirkei De Rabbi Eliezer</a>, MIDRASH, cap. 8, Israel/Babilônia (aprox.630 - c.1030), <a href="https://www.sefaria.org/">Sefaria.org</a><br /><br />-----------------------<br /><br />* Coré liderou uma rebelião contra o governo de Moisés e Arão, enquanto eram conduzidos pelo deserto. Após o extermínio de sua linhagem, dois que estavam distantes foram poupados e retornaram à obediência de Moisés.<br /><br /><b>Números, cap. 16<span style="color: #b45f06;"><i><br />28. Moisés disse então: “Nisto conhecereis que o Senhor me enviou a fazer todas estas obras e que nada faço por mim mesmo. Se estes morrerem com a morte ordinária dos homens, e se a sua sorte for como a de todos, o Senhor não me enviou; mas se o Senhor fizer um novo prodígio e o solo abrindo a sua boca, os engolir com tudo o que lhes pertence, de sorte que desçam vivos à habitação dos mortos, então sabereis que estes homens desprezaram o Senhor.” Apenas acabou ele de falar, fendeu-se a terra debaixo de seus pés e, abrindo sua boca, os devorou com toda a sua família, todos os seus bens e todos os homens de Coré. Desceram vivos à morada dos mortos, eles e tudo o que possuíam; cobriu-os a terra, e desapareceram da assembléia.</i></span></b><br /><br />** A profecia das Sete Montanhas é normalmente atribuída a Roma, que muitos textos antigos referem como "cidade das sete colinas". O autor (medieval) do texto aparentemente tentou jogar esse cenário profético para Jerusalém, colocando as montanhas "sob o solo".<br /><br /><b>Apocalipse, cap. 17</b><br /><span style="color: #b45f06;"><b><i>3. Transportou-me, então, em espírito ao deserto. Eu vi uma mulher assentada em cima de uma fera escarlate, cheia de nomes blasfematórios, com sete cabeças e dez chifres. A mulher estava vestida de púrpura e escarlate, adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas. Tinha na mão uma taça de ouro, cheia de abominação e de imundície de sua prostituição. ... 7. Mas o anjo me disse: Por que te admiras? Eu mesmo te vou dizer o simbolismo da mulher e da Fera de sete cabeças e dez chifres que a carrega. ... 9. Aqui se requer uma inteligência penetrante. As sete cabeças são Sete Montanhas sobre as quais se assenta a mulher.<br /></i></b></span><br />¹ A tradição de que orações feitas em um santuário são mais provavelmente atendidas é muito antiga. Lembremos a lenda de Medusa, que foi pedir proteção a Athena (contra Poseidon) dentro do seu templo. No mundo islâmico, o valor das orações é até contabilizado entre os diversos lugares sagrados (Hadith 1413, guardada por Anas bin Malik - Sunan Ibn Majah, cap. 7, The Chapters of establishing the prayer and the Sunnah regarding them). Meca é o principal deles, cada oração valendo por 100 mil daquelas feitas em casa. Em segundo lugar, ficam as feitas nas mesquitas do profeta ou em al-Aqsa, no monte do Templo, que valem por 50 mil orações feitas em casa.</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-75122414905846532062020-11-25T11:12:00.003-04:002020-11-25T16:10:46.756-04:00A Cronologia dos Evangelhos<span id="docs-internal-guid-97d8b14d-7fff-239a-63de-c48320a2deb2"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 385px; overflow: hidden; width: 500px;"><img height="385" src="https://lh4.googleusercontent.com/PEAZ1gRMmCw0ZoBhtUGGYxIGwbevwUi0TNHJsWc5Ev3E3Z2mcxkU2BL3LzRnriym-KA5soRjm0SKNygvXLRTVJNJs8Oj_MvE3A13z3yCm4xWQAUZ5J7OYL0nm0y2LmT2gQG3LO0l" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="500" /></span></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">“Poor man’s bible”, ou “Bíblia do homem pobre”. Esse era o nome dado genericamente a trabalhos artísticos retratando as cenas dos Evangelhos. Tais ilustrações nas igrejas foram, por muito tempo, a principal referência sobre a vida de Jesus. Esse é um vitral do séc. 13, da catedral de Canterbury, na Inglaterra, retratando o famoso casamento em Caná da Galiléia. Estão representados, com auréolas, José, Maria e Jesus, enquanto um serviçal coloca água nos potes</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">.</span></p><div><span><br /></span></div><div><span style="font-family: Arial; font-size: 16px; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1Hpk5qlF7soH9Zb1LX4YmJiyJqKjbUqPI/view?usp=sharing" target="_blank"><b>baixar PDF</b></a></span></div><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #990000; font-family: Arial; font-size: 14pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">screver sobre a cronologia dos Evangelhos é uma daquelas coisas que se tem de tornar muito cuidado para não fazer um assunto chatíssimo. Afinal, nem estamos contando uma estória. É a estória de como a estória foi contada.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O LUGAR DE JESUS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O primeiro ponto é entender o lugar onde Jesus vivia. Quase tudo ali se relacionava com o rio Jordão (que era sagrado). Esse rio nasce bem para o norte de Israel, nas montanhas de Golan, no Líbano. Ele então entra por uma grande fratura tectônica no solo, profunda e literalmente em linha reta, descendo até o grande lago de Genesaré. Essa porção de água doce também foi chamada lago ou mar de Tiberíades, ou da Galiléia. Muitas cidades se desenvolveram ao redor do lago, vivendo da pesca ou como entrepostos de caravanas do Egito, Líbano e Pérsia. O Jordão continua na margem sul do lago, descendo em linha reta por muitos quilômetros ainda, até Jerusalém. Mais abaixo da capital ainda ficam as terras férteis perto do Mar Morto e, finalmente, o grande mar salgado. Essas foram, no passado distante, as terras de Sodoma.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A Galiléia, pátria de Jesus, ficava ao poente do lago de Genesaré. Era uma terra de colinas arredondadas onde perambulavam pastores e mercadores. Mais ao sul, na margem do Jordão, ficava Samaria, uma região de florestas e montanhas altas. Mais ainda ao sul ficava Judá, outra terra de colinas, porém mais árida. Judá é ainda famosa por suas uvas e azeitonas. Os Judeus não gostavam dos Galileus e não recebiam bem os Samaritanos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Do outro lado do Jordão as terras são mais áridas, desembocando em Damasco, fronteira do deserto da Síria. Ali ficavam cidades afeitas aos Romanos, politeístas como eles: Gadara, Gerasa, Pela, Philadelphia, etc. Perto do lago, ao nascente, ficava a planície de Bashan, rica em incenso, tâmaras e por onde chegavam as caravanas de camelos da Síria e Pérsia. Ao sul, erguiam-se as montanhas de Gileade, com seus pastores de cabras. Os povos dos dois lados do Jordão também não se gostavam.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Pelo que sabemos, Jesus nunca saiu dessa região.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">AS FONTES</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O segundo ponto é que os Evangelhos são 4 livros diferentes, escritos por pessoas, comunidades, locais e épocas diferentes. Eles não nasceram juntos! O indício mais antigo de encontro dessas obras uma com a outra foi a composição do Diatessaron, por volta de 170 d.C., na Síria. Esse livro era uma fusão dos 4 originais, já tentando "aparar as arestas" ou divergências entre eles. Não pretendo aqui comparar, nem reuni-los, a não ser no sentido temporal.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ao fazer isso, já levamos em conta que cada um dos quatro narra parte da vida (e morte) de Jesus, de forma linear, como seriam biografias. Mas os Evangelhos não são biografias! Jesus já era morto havia muito tempo quando foram escritos. Mal sabemos dos seus autores que, nenhum deles, foi testemunha do que escreveu. Além disso, todos foram produzidos em comunidades religiosas, juntando dados biográficos de Jesus com ensinamentos morais, sabedorias e até política, tudo sob o mesmo nome de "tradição".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não apenas quatro foram produzidos, mas o Diatessaron já nos alertava serem os primeiros. Marcos, o mais antigo e base para os outros, foi redigido 30-40 anos após Jesus, por um bispo de Alexandria, possivelmente ex-companheiro de Pedro. Como diria Leonardo Boff, é impossível separar Jesus (o homem) do Cristo (figura lendária).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Para mostrar como isso funciona, vou buscar justamente o concorrente Americano¹ de Jesus, chamado Papai Noel. Se você fosse fazer uma "biografia" do Noel, o que escreveria? Relatos sobre ele estão na campanha publicitária da Coca Cola, nos anos 1930, ilustrada por Haddon Sundblom. Também temos o conto/poema de Natal escrito por Clement Clark Moore em 1822 ("A Visit From St. Nicholas", ou "Uma Visita de São Nicolau"), em que Sundblom se baseou. Mas alguém falaria sobre o ícone da igreja Bizantina São Nicolau no séc. 15? Ou o santo padroeiro dos marinheiros em Myra/Grécia no final do séc. 11? Ou a mistura de Odin/Santa Claus que voava sobre os telhados da Germânia (poderes de Odin) e ajudava os mais pobres (poderes de Nikolaos) nos sécs. 7-9? Lembrariam do bispo Nikolaos Patareus, famoso na Grécia dos séc. 3-4? Como Jesus, ele foi irremediavelmente fundido com sua lenda; </span><a href="http://loungecba.blogspot.com/2011/12/o-bispo-noel.html" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">só não contou com a Igreja para carimbar essa documentação</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na prática, tratar com quatro bio-lendas significa que muitas coisas constando de um texto não aparecem nos outros, ou a sequência deles é totalmente distinta. Isso é exatamente o que acontece com os Evangelhos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">INVENTANDO UM MÉTODO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Primeiro separei as obras em sequências de ações de Jesus, que pudessem encontrar paralelo de uma na outra. Para isso, usei um roteiro já pronto baseado em Edward Robinson e Cox & Easley, nas referências. Tentei ser mais específico quanto a nomes e na parte da Ressurreição.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Depois, descobri que não há um modo linear de colocar os eventos descritos nos Evangelhos. Isto é, a sequência dos eventos em comum varia de um livro para outro, de modo que aceitar um inválida outros. Esse tipo de efeito ocorre, geralmente, quando um grande manuscrito é reescrito de memória ou tem páginas reordenadas, por falta da indicação de sequência (abençoado seja quem começou a numerar os cantos das páginas). No tempo em que reproduzir um texto significava copiar ele palavra por palavra, entre a redação dos textos (séc. 1) e sua versão mais antiga ainda existente (séc. 10), passaram-se 1000 anos e talvez uma centena de laboriosas recompilações. Sem considerar que talvez Mateus e Lucas já fossem originalmente recompilações de Marcos..</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Como a sequência de um ou mais textos seria inevitavelmente prejudicada, optei por priorizar a antiguidade dos mesmos. Em outras palavras, se Marcos e Mateus discordam de uma sequência, Marcos é o correto, por ser mais antigo. Na ordem de prioridade ficaram Marcos, Mateus, Lucas e João. Os eventos que aparecem em todos os 4 Evangelhos ou em todos os Sinóticos foram tomados como marcadores principais para o alinhamento.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Finalmente, fiz a anotação dos locais descritos. Em muitos, não havia indicação alguma (estão marcados com …). Quando houve discordância, foram anotados ambos. Apesar das discordâncias temporais, as de lugar foram raras.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Terminado, mais ou menos metade dos eventos aparecia em um único Evangelho, enquanto a outra metade concordava entre 3 ou 4 deles.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">NASCIMENTO DE JESUS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A concordância quanto ao nascimento de Jesus é muito baixa. Marcos e João nada apresentam; Mateus e Lucas se alternam com estórias distintas, concordando somente quanto a Belém. Inevitavelmente, isso sugere uma inserção feita após o texto de Marcos. Havia uma profecia para o Messias cumprir, então não surpreende os evangelistas “criarem” um contexto para isso. Quanto a serem fatos conhecidos para eles, é bem pouco provável, pois não há relatos sobre Jesus entre esse nascimento “profético” e o começo de Sua pregação.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mateus coloca Jesus homenageado por magos do Oriente seguindo uma estrela, sendo levado ao Egito para refugiar-se de Herodes I, com até um massacre dos inocentes recriando a narrativa de Moisés (deve-se ver que Herodes I era famoso, justamente por assassinar toda a família, da mãe a esposa, filhos e cunhados). Já Lucas coloca um anjo anunciando o milagre a Maria, assim como a pastores de ovelhas. Uma terceira tradição natalina aparece ainda na Sura 19 do Alcorão.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 320px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="320" src="https://lh3.googleusercontent.com/wVUDAhWhuS-ijpnSZoj3bRhDVx-POYFeothlUZazehc9tc54-C4xQLy1K8vgru0bMNTZvtHyCoAfsPhduADd0IGV6X-9xqN_REAHX1cOvspiUj2fAdJ-3yVVheTLN3Ur-GG9jZF-" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 10pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Gal = Galiléia; Jud = Judéia</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">BATISMO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Não há narrativas canônicas da vida de Jesus antes da Sua consagração por João Batista. Isso nos diz que Ele era desconhecido e - pelo menos nas narrativas - “herdou” a carreira de um profeta anterior. As cenas do Ministério de João Batista, Batismo de Jesus no rio Jordão e Tentação no deserto são altamente repetidas em todos os textos. Temos, então, um material muito sólido para iniciar.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">João Batista foi uma figura profética importante na Judéia do séc. 1. Sabemos, inclusive, que Jesus ficou com alguns discípulos de João, sobre o qual se diz que deveria "abrir os caminhos do Senhor". Pregando sobre arrependimento dos pecados, contra a corrupção dos governantes de uma terra invadida, João foi um legítimo profeta. Ele reuniu os pobres numa organização mais horizontal, distinta da benção dos Saduceus e das práticas de purificação dos Fariseus. A Salvação estava ao alcance das pessoas comuns.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Foi a partir desse contato, e até um possível parentesco (não sabemos se verdadeiro) que Jesus se inicia como andarilho e disseminador de idéias sobre um Reino Celestial, que contrastava amargamente com a Judéia dos Romanos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 97px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="97" src="https://lh3.googleusercontent.com/UTS0ZJO8RaBpclh8GO68dWp8YJcok_JILVeY1R3CUnMDCf76IBkKDhdMSDfs3ZeCl0-ObXNaZTR9oLmcV4nMyHZedgJKcIRKdyncCaTbawMYRWqY6X9CLTs1vMsel-KjKrBXpeJQ" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">PRODÍGIOS NA GALILÉIA</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Enquanto se tornava conhecido, antes de designar seus 12 escolhidos, Jesus teria feito ensinamentos e sobretudo milagres nas terras pastoris perto de Nazaré. Entre eles estão o casamento onde transformou água em vinho, um exorcismo na Sinagoga, a instrutiva conversa com Nicodemus sobre "nascer de novo" (alguém educado, talvez um juiz ou membro do Sinédrio), a pesca milagrosa no lago de Genesaré, a estória sobre o rico que não tinha a quem deixar sua fortuna, as curas no Sábado (também na Sinagoga).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O cenário mais geral aqui é o convívio comum dos Judeus, as Sinagogas. O que acontecia na Sinagoga era público, tinha várias testemunhas. São estórias que aparecem em Lucas e mais algum livro, ou somente em João. Dessa forma, podemos pensar que fizeram parte da "pesquisa" que Lucas empreendeu para "</span><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">compor uma história dos acontecimentos que se realizaram entre nós</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">" (Lucas 1.1). As expressões mais comuns associadas aos discursos e prodígios de Jesus são termos vagos como "um lugar", "uma montanha", "uma planície" e "a multidão". Quase vejo o velho Lucas, antigo escrivão de Paulo, visitando as Sinagogas com rolos de pergaminhos sob os braços e perguntando a respeito de Jesus! </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Certamente as diversas comunidades pobres da Galiléia tinham estórias variadas sobre Ele, que foi seu conterrâneo e profeta. Nessas estórias, Mateus e Lucas fazem parecer que Jesus era um novo sujeito de cajado na mão e reunindo seus fiéis para ouvi-Lo falar. Ele chegou mesmo a elaborar Seu próprio código de leis!</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 416px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="416" src="https://lh4.googleusercontent.com/QxbJqrw_97OIPsWYaeJkTJhyq2cAdxql83uCnJuoXU2B29zZ88UK4ktQVme5tDY9HqmX3R9zkndpsDPhGbz5EtVL6kPwSQ8FVDIX7Vuh7m5lY-DhtE92YcQRDr5xwe7S2e09UZ1u" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 10pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os eventos em azul estão mais adiante, no Evangelho em questão. Os em vermelho estão um pouco atrás, no evangelho a que pertencem.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">OS ESCOLHIDOS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Pouco antes de Jesus nomear seus Doze, uma pequena série de acontecimentos foi relatada por Marcos e replicada por Mateus e Lucas. Ao que parece, Jesus havia se estabelecido junto a Pedro, André, Tiago e João em Cafarnaum, cidadezinha na margem noroeste do lago. As referências de local são vagas, mas aparecem "perto do lago", "perto da casa de Simão" e "na Galiléia".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Nessa vila de pescadores, onde fica a "casa de Pedro", hoje um ícone Cristão, Jesus era descrito como curandeiro. Por sua benção foram sarados endemoniados, leprosos, paralíticos, cegos, mudos, doentes em geral. Lá ele também escolheu Seu grupo de confiança: André e Simão Pedro (os filhos de Jonas), João e Tiago Boanerges (os filhos de Zebedeu), Filipe, Judas Iscariotes, Judas Tadeu, Mateus Levi, Natanael, Tiago (o menor), Tomé e Simão o Zelote.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 264px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="264" src="https://lh5.googleusercontent.com/l9nPX167H1Yccc5ZVrsio6WmP4xXkHrhmJboPBCtN1ydTw2P1WwmT1Qu1F7lTXdraYelKSAje4pVE6J7KX6NoNN0zeqyveU5rJ9Gjp8HVsIzwTVI7GRLL-rEdCtAaohw1mlT3EDB" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 10pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os eventos em azul estão mais adiante, no Evangelho em questão. Os em vermelho ou laranja estão um pouco atrás, no evangelho a que pertencem.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">AS PARÁBOLAS DO REINO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Nas margens do lago, Jesus teria contado parábolas sobre o homem forte que defende sua casa, o semeador espalhando a mensagem de Deus, a lâmpada que deve brilhar como exemplo, a semente de mostarda que se torna uma grande árvore para abrigar a todos. Nesse meio tempo Jesus fez exorcismos, acalmou uma tempestade e ressuscitou a filha do chefe da Sinagoga. Tratam-se de eventos contados por Marcos, que foram replicados nos outros Evangelhos Sinóticos. João, como condiz com sua origem nas montanhas de Samaria, nada tem sobre isso.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O tema aqui é o Reino dos Céus, com Jesus anunciando seu crescimento, que seria um tempo de euforia pela pregação, algo a ser largamente compartilhado. As diversas descrições do Reino são, na verdade, descrições de como o Reino cresce. A isso se somam os prodígios de Jesus, indicando Seu enorme poder.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Pensando que Marcos obteve suas informações da oralidade de Pedro, um morador daquela comunidade de pescadores, podemos pensar que tais falas fossem justamente uma propaganda Cristã usada por Pedro. Trata-se de uma forma de ensino tipicamente semita e mostrada, sem tanto apelo, através dos Provérbios de Salomão. Jesus certamente se tornou muito popular por ali.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mateus estica a coleção de estórias um pouco além de Marcos, ajuntando outras similares também sobre o Reino dos Céus: o joio do Diabo e o trigo de Deus, o fermento que faz a massa crescer e crescer, a rede de peixes onde Deus escolherá os Seus, o tesouro do escriba com velhos e novos ensinamentos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 513px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="513" src="https://lh5.googleusercontent.com/oETVbrP1nNwa9S5zW1lv9DjFvZCTuIHwT2v0M3nXhgdzJIYEzug49N3Igr2uTmbiWy_vDEF6OQNTEdzg3mgHBC4VprG9ckWJS0sWKEfBl88EB1v4UV0XlmrzyLxjABA21Envz4dA" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">DECÁPOLIS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Logo depois que ficou sabendo da morte de João Batista, Jesus realizou o milagre da multiplicação dos pães e peixes para alimentar 5000 homens. O evento é registrado por todos os evangelistas. Lucas refere o lugar como perto de Betsaida, na margem nordeste do lago.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Seguem-se algumas estadias de Jesus na margem oriental do Jordão, na região conhecida como Decápolis. Tratavam-se de cidades "premiadas" com menores impostos, devido a aliança com assuntos do Império. Ali, Jesus refez o milagre da multiplicação dos pães, agora para 4000 homens. Nos interessa que os eventos registrados nessa parte são referidos por Marcos e replicados por Mateus. Lucas, no entanto, é omisso nessa parte.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Segundo Marcos e Mateus, Jesus perambulava pela margem oriental do lago, entre gente pouco afeita aos Judeus, na função de curandeiro. Ele foi a Genesaré, no extremo norte do lago, depois ao Líbano, voltou a Betsaida, então seguiu para Cesária de Filipe (bem mais ao norte, perto da nascente do Jordão). Em cada lugar Jesus curou cegos, surdos, possuídos. Voltando dessa região montanhosa a Betsaida, ocorreu a transfiguração de Jesus, em que ele se tornou luminoso e falou diretamente com os antigos profetas, ante os olhos de Pedro, Tiago e João.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Marcos parece colocar Jesus perambulando por todo o mundo dos Judeus, incluindo seus amigos e inimigos. Não é estranho que João (o Evangelho) nada fale sobre isso, mas é curioso que Lucas não fale. Especialmente porque são relatos presentes em Marcos, aos quais ele teve acesso. Podemos pensar que Lucas perdeu o rastro do Messias, nunca foi ao norte perguntar sobre Ele, ou - como Pedro - resistia a incluir no Cristianismo aqueles que não fossem Judeus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 333px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="333" src="https://lh3.googleusercontent.com/sXsbvr6QCHtHiGeLrgGH0Zxq2UQGKjn0oIq03-gnnQnjkvSOKN8_-rMdt92-H8MUyWFuBxCLe0v0pSXt-kFV9q450dwEzQ1iIU0Pot-b5AVFb0iVWe7hJp0G5SsHfA1TCJUuyz6d" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O PREGADOR DE CAFARNAUM</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Após essas andanças no norte, Jesus parece ter voltado à vila de pescadores onde reuniu Os Doze. Lucas emenda uma cadeia de estórias e parábolas supostamente ensinadas por Jesus. Essas parábolas não estão registradas em Marcos, por isso, novamente, é possível que se trate de uma coletânea semita de sabedorias sobre o Maná, o maior no Reino dos Céus, a valorização de um convidado, a confiança em bens materiais, a falta de gratidão, etc. O tom de Jesus aqui é diferente das parábolas contadas por Mateus. Lucas tinha um objetivo religioso bem definido, e recolheu ensinamentos não sobre a vida mundana, mas sobre a atitude dos homens (de confiança ou não) para com Deus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Além do ensino, Jesus começou a assumir claramente a função de líder religioso. Ele conclamou os seguidores a abandonar tudo, a "partilhar" Sua carne e Seu sangue.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Depois de Cafarnaum, Jesus foi para a Judéia. Lucas não referência bem as histórias que coletou; raramente há indicação de local, só quando a mesma passagem é repetida por Mateus ou João. Muitos ensinamentos ficaram espalhados no caminho entre Cafarnaum e Jerusalém. As referências de João, em especial, sugerem que Jesus fez essa trajetória passando pelas montanhas de Samaria, onde teria curado leprosos e tido um curioso diálogo com uma mulher à beira dum poço.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 485px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="485" src="https://lh5.googleusercontent.com/2vGmYxfOinlBBvy-EzcK4m8HrSAisaMo8HT1vfWcjv6OeQpVVQkEPLi1XH6ay6JtXSuUkC8jZnd9ngL0qfGVp9MV95Yg0AXdA69UTwie-gmDxmWyQ5Na7EVHwXBOwRXwuotRYtyh" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O ADVERSÁRIO DOS FARISEUS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Vindo de Samaria, Jesus transitou pelas cidades da Judéia (ex. Betânia, Jericó, etc) antes de se estabelecer em Jerusalém. Esse caminho foi marcado por milagres e ensinamentos sobre o divórcio, as riquezas, etc vistos sob a perspectiva do Reino dos Céus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Jesus adentrou a capital sob homenagens (domingo de Ramos), e então sabemos que Ele já era uma figura bem conhecida da região. Em Jerusalém, seus ensinos nas Sinagogas e no Templo fizeram Ele se tornar um mestre altamente questionado pelos Fariseus. Estes eram uma casta de estudiosos que se dedicavam a debater nas Sinagogas e discursar, no Templo, sobre a Lei. Jesus abertamente os chamava de “víboras” e devia, no mínimo, ser chamado de “blasfemo” por eles.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As parábolas e ensinamentos de Jesus passaram a se dar como respostas a desafios orais dos Fariseus, para Jesus explicar Seus ensinos em confronto com a Lei. Aqui apareceram máximas como o bom pastor, o brotamento e maldição da figueira, "dai a César..", a oferta da viúva, etc. Em meio às pregações, Jesus ressuscitou Seu amigo Lázaro de Betânia e predisse a própria morte, assim como Sua ressurreição ao 3º dia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ao invés de um vai e volta a Jerusalém, o alinhamento temporal dos Evangelhos sugere uma única e decisiva incursão do Messias na cidade sagrada. Junto Dele seguiram os Doze e também as mulheres que, não nominalmente, atendiam às necessidades do grupo. Algumas forneciam dinheiro, outras haviam sido curadas, outras prestavam pequenos serviços. Nenhum dos evangelistas se dedica a descrever funções dentro da comunidade. A única descrição feita é quanto a Judas Iscariotes, que cuidava do dinheiro.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Essa parte da narrativa é muito mais densa de concordâncias entre os Evangelhos do que as anteriores, o que faz pensar que se trate da principal lembrança deixada por Jesus para as reconstruções feitas no futuro.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 583px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="583" src="https://lh6.googleusercontent.com/qaz7cd-vyuFETXD2K_UGrkUikzRMyPaEHPCmfGtACqnQRyaayAF6H2lefq1KToZnGDBHACfToSAY2JluIopYLHykuaEgey0EMTDC0u49VQr8GtTNcrFhKbwPMJwAalmKKxgdrDQR" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">AS CEIAS E A TRAIÇÃO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Chegamos na parte principal das estórias sobre Jesus, pensando que elas talvez até tenham sido compostas de trás para frente, isto é, partindo do Martírio do Senhor e se perguntando o que teria acontecido antes disso. Os relatos sobre Jesus, aqui, são cronologicamente muito próximos, quase passo após passo, dia após dia e minuto após minuto.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Dias antes da Páscoa, Jesus foi convidado para ceiar em Betânia, cidade vizinha de Jerusalém. A ocasião foi importante, relatada por todos os evangelistas. Há controvérsia sobre se a casa pertenceria a Lázaro, amigo íntimo, Simão o leproso ou um Fariseu ilustre. Mas foi lá que certa Maria, provavelmente irmã do dono da casa, ungiu Jesus com bálsamo de nardo, ao que Ele anunciou ser um preparativo para Seu enterro. Um papa, no futuro, diria se tratar da Maria Magdalena, uma prostituta. </span><a href="https://loungecba.blogspot.com/2018/08/madalena-arrependida-estudo-da.html" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mas nenhuma menção disso houve com respeito a ela</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Duas coisas tornam esse encontro muito curioso. Lázaro já era um ressuscitado e, segundo João, o motivador de muita movimentação popular ao redor de Jesus. Ainda, a Maria que ungiu Jesus não foi a de Magdala, mas outra que, segundo a narrativa da Ressurreição, </span><a href="http://loungecba.blogspot.com/2020/02/testemunhas-da-ressurreicao.html" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">seria anunciada por Jesus como também uma das primeiras testemunhas</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Infelizmente, não há descrição dos discursos nessa refeição mas, ao reunir num só lugar todos os seus mais importantes divulgadores, Jesus poderia bem estar organizando uma movimentação teológica futura. Ou tentando Se proteger dos Fariseus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na véspera da Páscoa, Jesus se preparou para fazer com os Seus a tradicional ceia ritual dos Judeus. Essa refeição deveria ocorrer após o pôr do sol, conter um cordeiro assado, ervas amargas e coisas calóricas, recriando os preparativos para cruzar o Mar Vermelho. A ceia descrita por Paulo, repetida por Marcos e os outros evangelistas, entretanto, cita somente pão e vinho. João até desvia-se por completo do feriado e rituais Judeus. Em todas as narrativas, Jesus identifica seu traidor.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Sabemos que a narrativa vem de Paulo pelo completo desconhecimento do local da ceia, por parte dos Evangelistas. O Monte das Oliveiras, vizinho em cujo cume fica o jardim chamado Getsêmani, nos deixa em clara dúvida entre Jerusalém - para onde iam os Judeus na Páscoa - e Betânia, a cidade mais próxima, a exatos "um monte" dali.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Depois da ceia, Jesus e os seguidores foram noite adentro para uma oração no Getsêmani, onde havia um altar milenar ou templo a céu aberto no cume do Monte das Oliveiras. João descreve um longo discurso sobre a perseguição futura e a vinda do Consolador, no caminho até lá.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Todos os evangelistas entram em sincronia desse ponto em diante. Em sua oração, Jesus pediu pela preservação dos Seus (João) ou pela própria (Sinóticos). Estando Ele a orar, apareceram Judas e a guarda do Templo. Os discípulos lutaram, mas foram debelados e fugiram por entre as árvores. Jesus foi levado à casa de Caifás. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 180px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="180" src="https://lh5.googleusercontent.com/wKv6pSJ9vd5DEEGn64NaTs_FxAE8MTxZU7kjQ8L-6uwqxhIvWtO8BuHYHkYiNop5i0sQU24cRS0CNOCzdP1VDhj-NDUbvtt_yW7mZPifZgIjllyMh_qieAXVGnuH9zftVt4pJxk6" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">CULPADO?</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O julgamento de Jesus é uma incógnita histórica. Apesar da sustentação em todos os Evangelhos, tal julgamento parece extraído das falas de Paulo e não se adapta às leis dos Judeus nem dos Romanos. Para os Judeus, era um feriado sagrado quando deveriam cuidar das famílias e não se envolver em disputas. Divergências doutrinárias e profetas milagreiros eram comuns em Jerusalém, podendo no máximo terminar em expulsão da cidade, prisão ou açoites. O maior suplício da Lei era o apedrejamento.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mas Jesus foi buscado pela guarda do Templo, julgado numa noite sagrada e executado como rebelde traidor de Roma. Várias décadas mais tarde, os evangelistas descreveram tudo tão rápido que até encavalaram a celebração da Páscoa por Jesus e a celebração do Templo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Lucas, em sua pesquisa histórica, cria um cenário digno de filme. Herodes Antipas, rei da Galiléia, vai a Jerusalém para a Páscoa, faz as pazes com Pilatos (que ocupava o posto de sua família) e procede um julgamento independente de Jesus, no Sábado Sagrado. Pilatos termina condenando Jesus puramente por uma misteriosa pressão popular, ele que era um burocrata e não tinha popularidade sequer entre os Romanos. Pilatos ainda liberta, também por pressão popular, um líder revolucionário, Barrabás, cujo nome significa "filho do meu pai". É mais ou menos como se ninguém soubesse explicar a participação de Roma, nem de qualquer autoridade. "Só sei que foi assim".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Lembremos que Lucas, se esteve em Jerusalém, precisaria ter chegado antes do início da Guerra, que terminou por aniquilar a cidade entre 66 e 70 d.C. Como ele dispunha já do manuscrito de Marcos como guia, e o manuscrito foi composto na mesma época lá em Alexandria, no Egito, isso se torna bem improvável. Ele pode ter andado pela Galiléia, mas deve ter feito isso quando Herodes Antipas, Pilatos e mesmo Jerusalém já eram lendas e escombros de um outro tempo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Marcos, o primeiro a escrever, juntou as palavras de Pedro e Paulo, de memória, enquanto estava bem longe dali, literalmente refugiado no Egito. Paulo, testemunha mais antiga e que escrevia, deixou um relato muito sucinto sobre Jesus. Tão sucinto que a única fala do Messias deixada por Paulo, em todas as suas cartas, foi o ritual da Ceia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 56px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="56" src="https://lh5.googleusercontent.com/psQv72EVH4UZgreWjdQGWhXzSTQ51uZwNkz7-EKUCguCA0OLPl-eCNm3URhflDGa9nkaylpx3j91CZa1ryhRZFDorF71sgcJ-7Oo_xmD0PLfG_IawFUHLsA0j2iJNR94YB25axjX" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A CRUZ</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Como parte do julgamento de Pilatos, Jesus foi açoitado e logo conduzido ao Gólgota para ser crucificado junto com outros dois, dos quais não houve notícia antes. Segundo os evangelistas, parece que aqui há um retorno do tempo, a menos que a descrição da Ceia não fosse uma comemoração de Páscoa, apesar do que eles mesmo sugerem (segundo Marcos e Lucas, a Ceia foi no começo do Sábado, Mateus a coloca na véspera e, João, num momento incerto antes da Páscoa).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Marcos menciona 3 personagens curiosos: Simão Cireneu e seus filhos, Alexandre e Rufus. Todos parecem personagens do mundo greco-judaico, onde também Paulo andava. Segundo a tradição Ortodoxa Bizantina, eles estariam entre os 70 enviados por Jesus para divulgar Sua mensagem.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em poucas horas, diferente do que os Romanos costumavam fazer, por ocasião da Páscoa os guardas são instruídos a quebrar as pernas dos condenados. Mas Jesus já estava morto. José de Arimatéia, ilustre Sinedrista, pede o corpo a Pilatos, que consente, e daí somos levados a pensar em favorecimentos mútuos entre o mal afamado governador Romano e os líderes Judeus. Normalmente, os executados eram jogados em valas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 97px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="97" src="https://lh4.googleusercontent.com/_ZQexb82EwY0UyZgtw6Yp-eVEVBYMNIf-6G4wE97Bze8JCb4qX7_5cWDxfM6tmVdpm4pWWEiXHuQbo5JX0sNQTm-Y1NYR0Dx9IUpoW6aQUNAx3Ef0PC_U73IWWhfJRBd600oYx_F" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">RESSURREIÇÃO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No domingo ao amanhecer, entre 1 e 2 dias após o sepultamento do Messias, um grupo de mulheres seguiu à cova de José de Arimatéia para concluir o embalsamamento funerário tradicional. Após 3 dias, o cadáver não poderia mais ser tocado. O único nome certo entre elas é Maria de Magdala. Elas encontraram a tumba aberta.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os relatos variam a partir do avistamento de anjo(s) na tumba, mostrando que uma tradição sobre a Ressurreição não se concretizara, até o final do séc. 1. Paulo não descreveu Jesus ressuscitado, embora enfatizasse a Ressurreição como um pilar do Cristianismo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">1ª carta aos Coríntios, cap. 15</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">15. Além disso, seríamos convencidos de ser falsas testemunhas de Deus, por termos dado testemunho contra Deus, afirmando que ele ressuscitou a Cristo, ao qual não ressuscitou (se os mortos não ressuscitam). Pois, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, é inútil a vossa fé, e ainda estais em vossos pecados. Também estão perdidos os que morreram em Cristo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Evangelhos tratam de 5 aparições de Jesus. As mais repetidas, em pelo menos 3 dos 4 Evangelhos, foram a Maria de Magdala (não é citada por Lucas), na estrada de Emaús (ausente em Mateus e João) e aos Onze (que Mateus situa na Galiléia, mas João sustenta ser perto do Sepulcro). Judas Iscariotes estava morto. Outras aparições foram na presença de Tomé e questionando Pedro (ambas em João). Nalgumas narrativas, Jesus fez questão de comer com os discípulos para demonstrar sua carnalidade.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em todas as aparições, Ele surgiu "disfarçado" ou "não reconhecível", mesmo a Seus íntimos, e depois Se revelou. Ficamos com a impressão de um Jesus usando turbante, óculos escuros e barba falsa. Além disso, tratou-se de uma Ressurreição simbólica: Jesus não voltou a andar entre os homens, nem a pregar ou curar nas aldeias. Também não se sabe dele conclamando o povo a uma Nova Lei. Isto é, não foi exatamente uma reversão da morte. Em pouco, Ele nem estaria mais visível.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 167px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="167" src="https://lh6.googleusercontent.com/8ILPnWGVcMCfof6Mef8mxB-b7_HkPhJv2oOcZCf40LIF-XQ7nUT6egmdnOLKeXeScME0PuTENqxIGfgaQx-398G0VAesZ9es2uthjRoBSVqbaiXt4roP-O7ztc1AJIl_yhICztdc" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">PALAVRAS PÓSTUMAS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Evangelhos são encerrados de formas diferentes. Marcos coloca Jesus dizendo aos discípulos para espalharem Sua mensagem, depois subindo aos Céus. Mateus encerra com o "Ide". Lucas e João têm um anúncio do Espírito Santo, mas em pontos distintos da narrativa. Segundo Mateus e João, os discípulos vão para a Galiléia; segundo Lucas, eles ficam em Jerusalém. Na prática, todos os evangelistas sabiam (de seu próprio passado) sobre o destino terrível da cidade sagrada. Marcos e Lucas, em especial, conheceram as primeiras comunidades Cristãs.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Pedro e Paulo se encontraram em Jerusalém, no ano 49-50 d.C. Houve conflitos entre eles e depois se separaram. Quem narrou isso, expondo as falhas de Pedro, foi um seguidor de Paulo. Pedro, mais tarde, foi relatado em Roma - lá está sua tumba. Incrivelmente, 20 a 50 anos de pregação e expansão Cristã ocorreriam antes que os fiéis tivessem acesso a detalhes escritos sobre a vida de Jesus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 83px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="83" src="https://lh5.googleusercontent.com/HwpxVfu7p0Kq6b_s_RDkbykWHsPDgImMjlyh0956q1nwlTccWCF7OMlzYRdTyo3YFxfSwKQlDb4u6E-jM9WK7MnGkOnEePdwOB-e8fTaFx7Fmek7liqEsSJ8jUt5ua2hesAJfdWK" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 105px; overflow: hidden; width: 105px;"><img height="105" src="https://lh3.googleusercontent.com/IXkr2RP1G1AkAFWPpjfc-gNemTvP-CKCCN-sdm0jp0MHoHCi33xrwM4cuhCV8u57g1vvfBeAmymJZbFf3s9J2le44YYy68hu15vwUzTrZcazA2ZvFCNnSLH6NlXXnnSJPqn6tdQB" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="105" /></span></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">-----------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">¹ Na América, Papai Noel se tornou um personagem importante do Natal. Na Europa e Leste Europeu, contudo, as tradições e dias festivos diferenciam o dia de São Nicolau (6/dez, aniversário de morte do bispo Nikolaos) e o Natal (25/dez, supostamente aniversário de nascimento de Jesus).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">-----------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">FÁBULAS DE QUE ME LEMBRO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Clement Clarke Moore, </span><a href="https://www.poetryfoundation.org/poems/43171/a-visit-from-st-nicholas" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A Visit from St. Nicholas</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, poetryfoundation.org</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://www.coca-colacompany.com/company/history/five-things-you-never-knew-about-santa-claus-and-coca-cola" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Five things you never knew about Santa Claus and Coca-Cola</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. coca-colacompany.com</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://docs.google.com/spreadsheets/d/1M7jqzoss1pZiwWIq4zMsAlEH_MlCHk0w8gVARWFK9mc/edit?usp=sharing" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Lista completa da Cronologia</span></a></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Steven L. Cox; Kendell H. Easley, "Analytical Outline of the Harmony", HCSB Harmony of the Gospels, B&H Publishing, 2006.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">William Newcome, Edward Robinson (ed.), A harmony of the Gospels in Greek, in the general order of Le Clere & Newcome, with Newcome's notes: Printed from the text and with the various readings of Knapp, Gould and Newman, 1834.</span></p></span>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-36140163842204101412020-11-16T14:55:00.002-04:002020-11-16T15:03:15.558-04:00Detalhes históricos dos Evangelhos<span id="docs-internal-guid-134511ad-7fff-457a-a04e-fc122da4fa12"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 488px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="488" src="https://lh3.googleusercontent.com/YWmIsxXTtgkq96UzTVkn8-5X_YSyt9wqLy5R_dUEP81Zi_UCdkpHH-0C5hGasmw9f2PvWJTHljmz3Wgb8jgJrT-rUM6inpXp4SdmhDCSwCuxeuWqoaP94k732aB0GuRs2zDbwZF-" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ecce Homo - pintura de Antonio Ciseri em 1862. A cena compõe Pilatos apresentando Barrabás e Jesus à multidão.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial;"><span style="white-space: pre-wrap;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1TsBwg188uzmnn98W586tXdPG44KeU-_P/view?usp=sharing" target="_blank"><b>baixar PDF</b></a></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #990000; font-family: Arial; font-size: 16pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> prisão, julgamento e crucificação de Jesus são os elementos mais sólidos nos Evangelhos, mais do que a vida/ensinamentos de Jesus e até Sua ressurreição. Faz parte da liturgia Cristã re-encenar, todos os anos, esse eventos de Páscoa, como ensino da fé num Salvador capaz de derrotar toda a maldade do mundo. Apesar de sua antiguidade, essa estória ainda hoje pode esmiuçada, estudados paralelos e teorias e, assim, aprendermos algo mais com ela.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">AS NARRATIVAS DA CRUCIFICAÇÃO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Como é costumeiro entre os testemunhos, temos uma estória contada por 4 autores. Na medida do possível podemos incluir também elementos do historiador Flavius Josephus, que não viveu na época de Jesus, mas dedicou-se a escrever sobre as pessoas famosas dentre seu povo. Pilatos e os reis Herodianos (por exemplo Herodes Antipas, que reinou de 4 a.C. a 39 d.C. e esteve envolvido com as mortes de João Batista e Jesus) não escaparam da sua pena.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A Crucificação não foi particularmente interessante para os Judeus, nem para os Romanos. Assim, os relatos que temos são basicamente Cristãos. E, dada a turbulência política da Judéia no séc. 1, não tivemos uma produção importante de documentos sobre isso antes dos anos 40 d.C.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O relato escrito mais antigo sobre a Crucificação nem é dos evangelistas, mas de Paulo de Tarso.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">1ª carta aos Coríntios, cap. 1</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">22. Os judeus pedem milagres, os gregos reclamam a sabedoria, mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Para os eleitos - quer judeus, quer gregos - força de Deus e sabedoria de Deus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A história completa da Paixão aparece nos 4 Evangelhos: Marcos, texto-base para Mateus e Lucas, e também em João. Os três primeiros, chamados Sinóticos (ou paralelos), são textos altamente aparentados entre si. Por outro lado, quase tudo que João tem em comum aos outros Evangelhos é a narrativa da Paixão, ou seja, a prisão, julgamento, morte e ressurreição. Como grande parte do texto de todos os Evangelhos é dedicado à Paixão, temos uma medida da importância que esses eventos tiveram na gênese do Cristianismo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As fontes dos relatos nos Evangelhos, ou seja, aquelas que assistiram aos eventos, são pessoas desconhecidas para nós. João Marcos, autor mais antigo e sucinto, já não foi uma testemunha ocular: antes de se tornar o 1º bispo de Alexandria (61-68 d.C.), acredita-se que ele era um companheiro de Paulo que passou a acompanhar Pedro em Jerusalém e anotou suas falas. O próprio Pedro, tudo indica, era um pescador iletrado. Mais tarde Lucas, médico, cronista de Paulo e autor de Atos, seguiria um caminho parecido, mas se dedicando a uma pesquisa histórica que gerou um texto muito mais detalhado.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mateus (o texto) parece ser uma tradição comunitária dos Judeus, assim como João, que talvez seja uma tradição dos Samaritanos. Ambos os textos incorporam muitos ensinamentos populares.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As cartas de Paulo (50 - 60 d.C.) não trazem sequências de eventos, nem uma cronologia da Paixão. Paulo não estava interessado em eventos históricos, nem clamava um ensino por alguma testemunha ocular. Ao contrário, ele falava com base em sua visão pessoal de Jesus, no Céu, transmitindo-lhe conhecimentos de forma sobrenatural.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Carta aos Gálatas, cap. 1</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">11. Asseguro-vos, irmãos, que o Evangelho pregado por mim não tem nada de humano. Não o recebi nem o aprendi de homem algum, mas mediante uma revelação de Jesus Cristo. ... Mas, quando aprouve àquele que me reservou desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça, para revelar seu Filho em minha pessoa, a fim de que eu o tornasse conhecido entre os gentios, imediatamente, sem consultar a ninguém, sem ir a Jerusalém para ver os que eram apóstolos antes de mim, parti para a Arábia. De lá regressei a Damasco.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">É interessante que o relato no livro de Atos destoa dessa viagem espiritual de Paulo. O motivo da viagem de Paulo entre a ‘Arábia’ e Jerusalém é revelada por ele mesmo somente perante o rei, o que também nos inspira a pensar no alto nível social a que Paulo pertencia, para ter acesso ao palácio.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Atos, cap. 9</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">1 E Saulo, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote. E pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim de que, se encontrasse alguns deste Caminho, quer homens quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém. E, indo no caminho, aconteceu que, chegando perto de Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do céu. E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: ‘Saulo, Saulo, por que me persegues?’</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Atos, cap. 26</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">1 Depois [o rei Herodes] Agripa disse a Paulo: ‘É permitido que te defendas’. Então Paulo, estendendo a mão em sua defesa, respondeu: ‘Tenho-me por feliz, ó rei Agripa, de que perante ti me haja hoje de defender de todas as coisas de que sou acusado pelos judeus; … Bem tinha eu imaginado que contra o nome de Jesus Nazareno devia eu praticar muitos atos, o que também fiz em Jerusalém. E, havendo recebido autorização dos principais dos sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e quando os matavam eu dava o meu voto contra eles. E, castigando-os muitas vezes por todas as sinagogas, os obriguei a blasfemar. E, enfurecido demasiadamente contra eles, até nas cidades estranhas os persegui. Sobre o que, indo então a Damasco, com poder e comissão dos principais dos sacerdotes, ao meio-dia, ó rei, vi no caminho uma luz do céu, que excedia o esplendor do sol, cuja claridade me envolveu a mim e aos que iam comigo’.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A descrição de Lucas é bastante condizente com as práticas Romanas e também com o altíssimo conhecimento de Paulo sobre as tradições dos Fariseus. Paulo em seguida (segundo Lucas) descreve como todos foram derrubados pela aparição. Curiosamente, e considerando as muitas tradições sobre essa cena - para nos dar uma idéia de como os imaginários são montados - não há qualquer referência a um cavalo onde ele estivesse montado. Ao que parece, Paulo seguiu mais ou menos como um profeta, com seu conhecimento sobrenatural sobre Jesus em direção ao centro dos eventos relativos ao Cristianismo (acontecidos havia já uns 10-15 anos), e não a partir dali.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A CEIA</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A Páscoa é a maior comemoração Judaica, relembrando a saída dos antigos Hebreus do Egito. Em Marcos, Mateus e Lucas, a Última Ceia foi realizada na primeira noite da Páscoa. Em João, junto com outros elementos anti-judaicos, a Ceia ocorre talvez 1 semana antes da Páscoa.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Apesar de ser uma comemoração relativa ao Egito, Mar Vermelho e Canaã, milhares de Judeus peregrinavam até o Templo em Jerusalém para celebrar a Páscoa num lugar sagrado. Os Evangelhos Sinóticos descrevem então uma refeição ritual alinhada com a narrativa de Paulo:</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">1ª carta aos Coríntios, cap. 11</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">23. Eu recebi do Senhor o que vos transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: Isto é o meu corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim. Do mesmo modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice, dizendo: Este cálice é a Nova Aliança no meu sangue; todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de mim. Assim, todas as vezes que comeis desse Pão e bebeis desse cálice lembrais a morte do Senhor, até que Ele venha.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">"Até que o Messias venha" era um elemento da Páscoa dos Judeus, que esperam pela chegada do Messias no fim dos tempos. Paulo usou essa expressão da forma mais harmoniosa que poderia! Mais tarde, os Cristãos substituiriam a Ceia pela representação da Paixão, nas comemorações de Páscoa.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A refeição ritual dos Judeus, que teria sido a Páscoa de Jesus, consiste de um cordeiro assado, pães sem fermento, ervas amargas e outros alimentos. Tratava e trata-se ainda de uma repetição da refeição comandada por Moisés em Êxodo 12.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em João, a narrativa da Ceia destoa bastante do que Paulo nos ensinou. Primeiro, a Ceia não ocorre na Páscoa (o que reforça a idéia de um Evangelho Samaritano). Ao invés do "pão e vinho", Jesus intervém numa discussão entre Os Doze e termina por dar uma lição de humildade ao lavar os pés de todos, começando por Pedro.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">João, cap. 13</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">12. Depois de lhes lavar os pés e tomar as suas vestes, sentou-se novamente à mesa e perguntou-lhes: Sabeis o que vos fiz? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou. Logo, se eu, vosso Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, assim façais também vós. Em verdade, em verdade vos digo: o servo não é maior do que o seu Senhor, nem o enviado é maior do que aquele que o enviou.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Tanto a humildade, quanto a referência a Pedro e também às Sinagogas (além do percurso de Jesus entre a Galiléia e Jerusalém passando por dentro de Samaria) fazem pensar no Evangelho de João como fruto de um grupo muito desprezado pelos Judeus, e que tentava separar os Cristãos dos costumes desses últimos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">JUDAS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na tradição Cristã, foi durante a Ceia que Jesus identificou seu traidor, Judas Iscariotes.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Trata-se, provavelmente, de um dos nomes mais comuns entre os Jud-eus. Eram habitantes da terra de Judá, herdeiros de um patriarca chamado assim. Um dos heróis nacionais também se chamava Judas Macabeu, o líder da Revolta dos Macabeus contra a ocupação Grega (167 a.C.). Mesmo no grupo dos 12 eleitos de Jesus havia também outro Judas, que a tradição costuma especificar como Judas Tadeu. Esse seria o compositor de um dos livros do Novo Testamento, um texto bem curto e afiado sobre práticas "mundanas" nas igrejas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mas voltemos ao Judas chamado Iscariotes. Não sabemos se o "sobrenome" indicava um nascido na cidade de Kerioth, ou se era uma referência aos Sicari, uma facção mais radical dos Zelotes. Simão era um membro desse grupo e estava listado entre "Os Doze". Na verdade, tudo o que sabemos sobre esse Judas é o que consta nos Evangelhos: que ele traiu Jesus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Alguns historiadores mais radicais sugerem que Judas tenha sido uma criação de Marcos, para representar a participação dos Judeus na morte de Cristo. Porém, é notório que Judas aparece com esse papel também em João, texto com origem bem diferente dos demais. Não há traço dele nos escritos de Paulo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na verdade, Paulo apenas parece um pregador distanciado do que viria a ser a composição dos Evangelhos. Ele até diz que Jesus foi crucificado, ressurgiu ao 3º dia, apareceu a Cefas, em seguida aos Doze (talvez incluindo Judas), a mais de quinhentos irmãos de uma vez, a Tiago (um dos primeiros pregadores), a todos os apóstolos (1ª Coríntios 15:3-12). </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Apesar do valor que a própria Igreja deu e ainda dá a Judas como um protótipo de criminoso, ele simplesmente some da narrativa Cristã original. Pilatos, com alguma popularidade a mais, seria mencionado ainda na carta de Paulo a Timóteo (cuja autoria por Paulo é contestada como sendo uma obra de grupos Cristão/Judeus no séc. 2).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A suposta "criação de Judas" se apoia num salmo de Davi, o rei músico-cantor-dançarino que lamentava por sua perseguição</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Salmos, cap. 41</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">10. Até o próprio amigo em que eu confiava, que partilhava do meu pão, levantou contra mim o calcanhar.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Além disso, faria parte da composição uma profecia de Zacarias</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Zacarias, Cap. 11</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">9. Eu declarei: 'Não quero mais saber do ofício de pastor. Pereça o que perecer, morra o que morrer! Os que restarem, que se devorem uns aos outros'. Tomando então Benignidade, meu cajado, quebrei-o, rompendo assim o pacto concluído com todos os povos. Ele foi quebrado naquele dia e os mercadores de animais que me observavam, perceberam que aquilo indicava um oráculo do Senhor. Eu disse-lhes: 'Dai-me o meu salário, se o julgais bem, ou então retende-o!' Eles pagaram-me apenas trinta moedas de prata pelo meu salário. O Senhor disse-me: 'Lança esse dinheiro no tesouro, esta bela soma, na qual estimaram os teus serviços'. Tomei as trinta moedas de prata e lancei-as no tesouro da casa do Senhor.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Por fim, na composição estaria um lugar "maldito" de Jerusalém, chamado Hacéldama. Esse lugar ficaria descrito como onde Judas se enforcou.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mateus, cap. 27</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">5. Ele jogou então no templo as moedas de prata, saiu e foi enforcar-se. Os príncipes dos sacerdotes tomaram o dinheiro e disseram: Não é permitido lançá-lo no tesouro sagrado, porque se trata de preço de sangue. Depois de haverem deliberado, compraram com aquela soma o campo do Oleiro, para que ali se fizesse um cemitério de estrangeiros. Esta é a razão por que aquele terreno é chamado, ainda hoje, Campo de Sangue (Hacéldama).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A palavra usada por Paulo com respeito a Jesus equivale a "entregue às autoridades", embora uma "tradução tradicional" seja "traído".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Permitindo-me uma opinião pessoal, a conexão entre os supostos elementos "gestadores" de Judas é extremamente fraca. A desvinculação entre Paulo e a composição dos textos sagrados, que ele mesmo não conheceu, parece muito mais plausível. Não foi ele a nos ensinar sobre a vida de Jesus! Toda inserção do tema de Judas no Cristianismo, assim, viria dos Evangelhos. E quanto a Judas, tanto os Sinóticos quanto João concordam - e eles concordam em bem raras coisas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">GETSÊMANI</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Após a Ceia, Jesus e os discípulos foram até um lugar conhecido como Getsêmani (“lagar/prensa de azeite”). A estória é conhecida como a "Agonia no Jardim ”, onde Jesus orou para evitar sua tortura e morte.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Lucas, cap. 22</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">40. Ao chegar àquele lugar, disse-lhes: 'Orai para que não caiais em tentação'. Depois se afastou deles à distância de um tiro de pedra e, ajoelhando-se, orava: 'Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este Cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua'. Apareceu-lhe então um anjo do céu para confortá-lo. Ele entrou em agonia e orava ainda com mais instância, e seu suor tornou-se como gotas de sangue a escorrer pela terra. Depois de ter rezado, levantou-se, foi ter com os discípulos e achou-os adormecidos de tristeza. Disse-lhes: 'Por que dormis? Levantai-vos, orai, para não cairdes em tentação'.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Alguns estudiosos vêem um paralelo entre esse episódio e o golpe de Absalão, filho do rei Davi. Em certo ponto da história, Absalão auto-declarou-se rei (pois havia outros herdeiros) e partiu de Hebron para Jerusalém tomar o trono de seu pai. Davi então fugiu com seus homens para o Monte das Oliveiras, onde lamentou (como Jesus) sua situação.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">2ª Samuel, cap. 15</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">31. Foi anunciado a Davi que Aquitofel [seu ex-conselheiro de guerra] estava também entre os conjurados de Absalão. Davi disse: 'Fazei que se frustrem, ó Senhor, meu Deus, os desígnios de Aquitofel!' Ora, chegando ao cume do monte, no lugar onde se adorava Deus, veio-lhe ao encontro Cusai, o araquita, [outro conselheiro de guerra] com a túnica em farrapos e a cabeça coberta de pó.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Salmos, cap. 70 - a respeito de Davi em fuga</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">4. Meu Deus, livrai-me da mãos do iníquo, das garras do inimigo e do opressor, porque vós sois, ó meu Deus, minha esperança. Senhor, desde a juventude vós sois minha confiança. Porque falam de mim meus inimigos e os que me observam conspiram contra mim, dizendo: Deus o abandonou; persegui-o e prendei-o, porque não há ninguém para o livrá-lo. Ó Deus, não vos afasteis de mim. Meu Deus, apressai-vos em me socorrer.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">(outras orações estão nos Salmos 3 e 71)</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Um ponto de ligação entre as duas estórias, claro, é o altar ou templo a céu aberto no cume do Monte das Oliveiras. Além de ser um ponto de prensagem das azeitonas para fazer azeite, aquele lugar serviu a propósitos sagrados 1000 anos após Davi. Para este, em fuga da cidade real, também era um ponto estratégico, de onde podiam ver os arredores e ser ocultados pelas árvores. Na floresta de Efraim, mais ao norte, isso foi decisivo na batalha contra Absalão, onde Davi saiu vitorioso.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ambos, Davi e Jesus, foram para o cume do Monte com seus homens de maior confiança. Mas as orações de Davi e Jesus foram essencialmente diferentes. Davi clamava por proteção e derrota dos inimigos, que o perseguiam "por maldade". Jesus pedia para que Deus o poupasse do sofrimento vindouro.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O BEIJO DE JUDAS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">De acordo com os Evangelhos, Judas se ofereceu para levar as autoridades até onde Jesus poderia ser preso. O sinal sobre quem seria o Nazareno foi um beijo, episódio narrado pelos 4 evangelistas e memorizado na cultura Cristã. Judas encontrou Jesus no Monte das Oliveiras.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Apesar da referência comum a Provérbios 27.6 (“Bem intencionadas são as feridas de um amigo que aflige, mas profusos são os beijos de um inimigo”), a conexão de sentidos novamente é fraca.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em Provérbios, famosa coleção de ditames de sabedoria elaborado a partir da corte de Salomão, a repreensão dos amigos e o afago dos inimigos são emparelhados. Isso indica uma valorização das correções recebidas. No beijo de Judas, não há nenhuma expectativa de instrução ou desvio de Jesus por um falso amigo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">MATEUS CONTRA OS JUDEUS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Muitas pessoas já pensaram no texto de Mateus como fruto do ex-cobrador de impostos chamado por Jesus para ser um dos Doze. No entanto, a única referência ao cobrador é o nome, adicionado ao manuscrito quando este já circulava por Roma. O Evangelho de Mateus é, na verdade, um enorme compêndio de tradições orais dos Judeus associadas propositalmente a Jesus. Não temos como saber quais dos ditos, ensinos, etc realmente seriam Dele, mas o fato é que tais ensinos não saem da boca de Jesus nos outros Evangelhos. Em Lucas, que também reúne diversos ensinamentos, eles são outros! Mais ou menos, Mateus traduz para o Cristianismo europeu um grande material de sabedoria semita, na forma de algo como "estórias dos tempos antigos".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">De acordo com Marcos, Jesus foi levado perante o Sinédrio durante a Páscoa; em Lucas e João, é a casa do sumo sacerdote (Anás e seu genro Caifás). Marcos e Mateus mencionam um julgamento à noite, enquanto Lucas incluiu um segundo julgamento por Herodes Antipas, rei da Galiléia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O problema aqui é que a Páscoa é o maior feriado Judeu, para ser celabrado no grande Templo, junto da família, o patriarca encenando a figura de Moisés. À semelhança do Ramadã Muçulmano, trata-se de um período de purificação, benevolência - jejuns não - e refeições rituais.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Parece muito improvável que os membros do Sinédrio deixassem suas casas de madrugada para prender e condenar um milagreiro Galileu. Quanto mais faria isso Herodes Antipas, o rei da Galiléia! De acordo com a tradição rabínica posterior, a lei judaica até proibia julgamentos à noite ou feriados. Poderiam simplesmente ter colocado Jesus em uma cela até o final do feriado..</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mateus foi escrito no contexto de Jerusalém já destruída pelas legiões Romanas, com Cristãos e Judeus dispersos. Tanto a Galiléia quanto a Judéia estavam arrasadas, e os Herodianos haviam sido destituídos do poder. O Messias era tudo o que restara para se acreditar. Por isso, Mateus relata Pilatos literalmente "lavando as mãos" sobre o assunto de Jesus (e isentando Roma), além de acentuar a culpa completa dos Judeus pela Sua morte, acrescentando</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mateus, cap. 27</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">25. E todo o povo respondeu: Caia sobre nós o seu sangue e sobre nossos filhos!</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A citação foi usada ao longo dos séculos e na era moderna para justificar o assassinato de Judeus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O JULGAMENTO NOTURNO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Se Jesus tivesse tentado interromper os serviços no Templo, o acordo entre os Saduceus e Pilatos faria Jesus ser preso e crucificado imediatamente. O feriado de Páscoa impediria quaisquer apelações ao Sinédrio. Por isso, nos resta o mistério de entender exatamente como Jesus chegou a Pilatos, conhecido pela inclemência com os próprios cidadãos Romanos. Ele teria se incomodado em julgar um camponês Judeu?</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Marcos afirmou que, quando Jesus foi acusado, "as testemunhas não concordaram". Mais uma vez, a Lei Judaica ditava que, nesse caso, o testemunho deveria ser rejeitado. Mas essa foi a maneira de Marcos dizer que foi um julgamento ilegal, que desde o início os Saduceus, Fariseus e os Herodianos buscaram Sua morte. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Marcos, cap. 14</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">61. Mas Jesus se calava e nada respondia. O sumo sacerdote tornou a perguntar-lhe: 'És tu o Cristo, o Filho de Deus bendito?' Jesus respondeu: 'Eu o sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do poder de Deus, vindo sobre as nuvens do céu'. O sumo sacerdote rasgou então as suas vestes. 'Para que desejamos ainda testemunhas?!', exclamou ele. 'Ouvistes a blasfêmia! Que vos parece?' E unanimemente o julgaram merecedor da morte.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A fala de Jesus é uma citação clara de Daniel 7.13-14, onde um dos principais profetas dos Judeus tem uma visão de criaturas monstruosas destruindo o mundo e um Salvador aparecendo para derrotá-las. Lucas repete essa fala de forma resumida. João se estende na passagem e até muda completamente o foco:</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">João, cap. 19</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">7. Responderam-lhe os judeus: 'Nós temos uma lei, e segundo essa lei ele deve morrer, porque se declarou Filho de Deus'. ... Os judeus gritavam: 'Se o soltares, não és amigo do imperador, porque todo o que se faz rei se declara contra o imperador'. ... Pilatos perguntou-lhes: 'Hei de crucificar o vosso rei?' Os sumos sacerdotes responderam: 'Não temos outro rei senão César!'</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Apesar do que João conta, simplesmente reivindicar ser um “messias” não era crime. O historiador Flavius Josephus relatou vários que afirmavam ser o Messias e, aparentemente, nenhum deles foi executado sob a Lei. Entretanto, os Evangelhos não são escrita Judaica ou para os Judeus. Parecia necessário implicar eles na execução de Jesus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Uma teoria recente é a de que os compositores dos Evangelhos queriam uma aliança com Roma. Ou, pelo menos, viam Roma com bons olhos e pensavam que Jesus e Roma não podiam ser opositores. Lucas, talvez mais do que ninguém, "suaviza" todos os conflitos de Paulo com Roma, no livro de Atos. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Sabemos que esse propósito demorou séculos a se cumprir.. Muitos Cristãos foram executados por Roma, geralmente porque incitaram as turbas contra o governo. Marcos sabia como Jesus morreu (ele acompanhou Pedro) e, portanto, a trama de uma biografia de Jesus exigia que os líderes Judeus tivessem entregado Jesus a Roma.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Outro detalhe estranho do julgamento de Jesus foi sua temporalidade. Tudo precisava ser muito rápido, pois o Sábado dos Judeus era um dia sagrado, e mais ainda o Sábado de Páscoa. Não haveria julgamento nesse dia, nem sepultamento, então Jesus precisava estar muito rápido em mãos de Roma, já condenado.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O evangelho de João fornece o motivo mais verossímil que temos para o envolvimento Romano - na forma de Pôncio Pilatos - nessa questão. Havia um pacto de cooperação entre os Saduceus e o governo: Roma dava autonomia ao Templo e este mantinha o povo "nas rédeas". Segundo João, a ressurreição de Lázaro agitou as multidões e o sumo sacerdote decidiu que Jesus deveria ser morto para evitar parecer que não podiam controlar o povo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">João, cap. 11</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">47. Os pontífices e os fariseus convocaram o conselho e disseram: 'Que faremos? Esse homem multiplica os milagres. Se o deixarmos proceder assim, todos crerão nele, e os romanos virão e arruinarão a nossa cidade e toda a nação'. Um deles, chamado Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano, disse-lhes: 'Vós não entendeis nada! Nem considerais que vos convém que morra um só homem pelo povo, e que não pereça toda a nação?'</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Jesus morreu exatamente como um traidor de Roma. Havia Zelotes por toda parte e era o início da Guerra dos Judeus. Os seguidores de Jesus tiveram que desfazer essa imagem de rebelde, e a melhor maneira era fortalecer que um magistrado Romano declarasse Jesus inocente. Por implicação, seus seguidores também eram inocentes.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">BARRABÁS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As cronologias de Jesus situam Sua morte entre 26-36 d.C., quando Pôncio Pilatos serviu na Judéia durante o reinado do imperador Tibério (14-37 d.C.). Pilatos teria ido a Jerusalém para supervisionar as festividades dos Judeus, quando talvez tenha habitado a Fortaleza Antônia, um prédio militar Romano próximo ao Templo. Temos duas fontes sobre Pilatos: os escritos de Philo de Alexandria (compostos nos anos 30-40 d.C.) e Flavius Josephus. Ambos associam Pilatos com abusos de poder e corrupção.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Marcos afirmou que Pilatos tinha o hábito de libertar um prisioneiro na festa da Páscoa. Mas não há outras evidências desse costume, e realmente parece estranho algo semelhante feito por um Romano emaranhado em legalismos. O nome do prisioneiro candidato, para ajudar, era Barrabás, um nome aramaico que significa "filho do pai". A mesma identificação aparece, eventualmente, para Jesus. Barrabás é uma figura ainda mais misteriosa que Judas - após essa breve aparição, não há qualquer traço dele. Marcos apenas conta que havia cometido uma morte durante um motim.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na cena do julgamento de Pilatos, a multidão dos Judeus pede pela crucificação de Jesus. Ironicamente, a mesma multidão levava folhas de palmeira para recepcionar o Messias, alguns dias antes. A prisão de Jesus durante a noite foi um estratagema para evitar a revolta popular.. Marcos não fornece detalhes sobre por que o povo se voltou contra Jesus, fazendo tudo parecer um retrato da enorme volubilidade das massas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os dias atuais de grande polarização política talvez nos sirvam para entender o erro em considerar "o povo" de forma homogênea. Durante a dominação Grega na Judéia, enquanto parte da população se alistava com os Macabeus, outra parte aprendia a cultura Grega e apoiava o governo. Não há porque pensarmos diferente no caso da ocupação Romana.. Por isso, é bem possível que os frequentadores do pátio de Caifás fossem pessoas bem distintas ideologicamente daqueles recebendo Jesus no "Domingo de Ramos".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">MORTE E SEPULTAMENTO DE JESUS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os romanos crucificavam vítimas ao longo das estradas que conduziam às cidades. Isso servia de propaganda para quem chegava: 'é isso que acontece quando você se rebela contra Roma'. Eles tentavam manter a vítima viva e sofrendo o maior tempo possível (daí os estimulantes, como vinagre).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O tempo médio de sobrevivência dos crucificados era de 3 a 5 dias. Morriam por asfixia, mas também de infecção, insolação, sede e fome. Os evangelistas nos fazem crer que Jesus morreu em apenas 4 horas. E Ele não teve as pernas quebradas para acelerar a asfixia, como os demais, intervenção feita pela proximidade do feriado Judeu. De novo, é João quem fornece alguma explicação.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Lucas, cap. 23</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">44. Era quase à hora sexta [12h00] e em toda a terra houve trevas até a hora nona. Escureceu-se o sol e o véu do templo rasgou-se pelo meio. Jesus deu então um grande brado e disse: 'Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito'. E, dizendo isso, expirou.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">João, cap. 19</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">31. Os judeus temeram que os corpos ficassem na cruz durante o sábado, porque já era a Preparação e esse sábado era particularmente solene. Rogaram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas e fossem retirados. Vieram os soldados e quebraram as pernas do primeiro e do outro, que com ele foram crucificados. Chegando, porém, a Jesus, como o vissem já morto, não lhe quebraram as pernas, mas um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Reparemos que João também não associou Jesus com o Templo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No Sábado de Páscoa, que se iniciava ao Pôr do Sol, nem houve tempo suficiente para terminar de embalsamar o corpo, que foi logo recolhido por José de Arimatéia. Normalmente, os crucificados não tinham direito aos rituais fúnebres, sendo jogados em valas coletivas. Mas os magistrados Romanos eram notórios por aceitarem subornos..</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">João, cap. 19</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">38. Depois disso, José de Arimatéia, que era discípulo de Jesus, mas ocultamente, por medo dos judeus, rogou a Pilatos a autorização para tirar o corpo de Jesus. Pilatos permitiu. Foi, pois, e tirou o corpo de Jesus. Acompanhou-o Nicodemos (aquele que anteriormente fora de noite ter com Jesus), levando umas cem libras duma mistura de mirra e aloés. Tomaram o corpo de Jesus e envolveram-no em panos com os aromas, como os Judeus costumam sepultar.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O restante do trabalho de embalsamamento precisaria ser feito depois, no domingo de manhã (para os Judeus, o nascer do sol no domingo encerrava os rituais de Páscoa). Então haveria algumas mulheres, incluindo Maria de Magdala, indo para lá com esse propósito. Elas encontrariam a famosa tumba vazia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Existe aí uma analogia de Jonas e baleia.. Este profeta, que nomeia um livro do VT, teria sido engolido por um "grande peixe" que o carregou por 3 dias e noites, após ser jogado ao mar. Nesse tempo de sepultamento (como pecador) e retorno à vida (como profeta), Jonas provavelmente foi carregado por uma embarcação grega - tradicionalmente chamadas "peixes" (ou ICHTHYS, acrônimo usado para Iesous Christos Theou Yios Soter, Jesus Cristo Filho de Deus Salvador, para dar um nó no cérebro) e pintadas como tal. A tradição diz que Jesus ficou na tumba por 3 dias, sendo esse o tempo ritual permitido para que o cadáver não se tornasse impuro. Mas foi da tarde de 6ª feira para a manhã de domingo. No máximo, 1 dia e meio.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">OS ANOS SEGUINTES</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Dentro de 20 anos após a morte de Jesus, seus seguidores (Pedro, Tiago e João) estabeleceram uma comunidade Cristã em Jerusalém. Sabemos disso porque Paulo os visitou lá. Tanto Paulo quanto Lucas descreveram uma grande reunião dos missionários em Jerusalém, talvez em 49 d.C.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A primeira experiência Cristã não contava com textos específicos. Pelos anos 50 d.C., Paulo produziria suas cartas para comunidades já visitadas por ele previamente, nas viagens missionárias. Essas comunidades estavam localizadas principalmente onde hoje estão Síria, Turquia e Grécia. Na Judéia, Pedro e os outros apóstolos lideravam outras comunidades, que não se distinguiam bem dos Judeus, pois tanto se reuniam nas Sinagogas quanto no Templo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O </span><a href="http://loungecba.blogspot.com/2016/05/seculo-1-1-parte.html" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">incêndio de Roma</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> em 64 d.C. e as medidas de Nero contra os Cristãos nos indicam que já havia </span><a href="http://loungecba.blogspot.com/2019/12/o-cristianismo-em-sua-juventude.html" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">muitas adesões ao novo credo mesmo na capital do Império</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. Após a Guerra dos Judeus (66-73 d.C.), os Cristãos e Judeus foram bastante dispersos das capitais.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Para Seus seguidores, a execução de Jesus deve ter sido muito traumática. Para lidar com isso, eles fizeram o que os Judeus já haviam feito durante séculos: se voltaram para as Escrituras em busca de uma resposta e encontraram bodes expiatórios. Entre essa tradição oral e a composição dos Evangelhos, no entanto, se passaram de 30 a 70 anos, dos textos de Marcos até o de João.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O que realmente aconteceu é bem difícil de descrever, historicamente. Os Cristãos foram perseguidos pelos Judeus e Romanos; Jerusalém, palco dos acontecimentos mais solidamente descritos nos Evangelhos, foi arrasada por catapultas e incendiada. Quase não restaram materiais escritos, nem as pessoas para contar. As linhagens de autoridades foram desfeitas e, no fim, quase tudo o que sobrou foram tradições orais copiadas e editadas no mundo Romano.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Cristãos, inicialmente um grupo dentro dos Judeus, passaram a receber Gregos e Romanos. Ao produzirem sua própria identidade, entre os sécs. 3 e 5 foram reunidos os diversos textos considerados "Cristãos". Esse período, chamado de Cristianismo Primitivo, viu os Cristãos adotarem obras muito diferentes como referência sobre Jesus. Algumas que já foram famosas, mas hoje são desconhecidas, são o </span><a href="http://loungecba.blogspot.com/2018/04/relendo-o-pastor-de-hermas.html" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Pastor de Hermas</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> (séc. 1), </span><a href="http://loungecba.blogspot.com/2017/07/sobre-o-ensino-dos-apostolos.html" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Didache</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> (séc. 1), Cânon de Marcião (séc. 2), Diatessarum (séc. 2) e Cânon Muratório (séc. 3). O desaparecimento dessas fontes (e sua substituição pelas atuais) não se deu sem que houvesse muita disputa, sobretudo quanto à autoridade para empreender a escolha sobre o que é inspirado por Deus e o que não é. Como exposto anteriormente, os Evangelhos hoje aceitos ainda se contradizem e divergem em muitos pontos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Cristãos não apenas assumiram ter a interpretação correta das Escrituras Judaicas, mas também usaram o material dos Evangelhos para demonizar os Judeus, agora acusados de matar Jesus. Este anti-semitismo ganhou proporções assustadoras durante a Idade Média, quando os Cristãos Romanos começaram a povoar antigas vilas dos Judeus na parte mais ao sul da Europa.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em relação à teologia e espiritualidade, o sofrimento e a morte de Jesus tornaram-se o modelo para o sacrifício altruísta. Obviamente, esse comportamento tinha pouca aplicação quando associado com a Roma Imperial, em que a conversão ao Cristianismo se aliava com a submissão ao Império.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ou seja, </span><a href="http://loungecba.blogspot.com/2016/09/cristaos-do-norte.html" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">tudo era permitido para fazer os povos serem Cristãos</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, especialmente o (ab)uso da força. Conquistados e convertidos, os povos deveriam aderir a um pretendo pacifismo Cristão, ou seriam trucidados pelos "verdadeiros" Cristãos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">-------------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">ARTIGOS QUE ALGUM MESSIAS INDICOU</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Denova R, </span><a href="https://www.ancient.eu/article/1636/historical-problems-in-the-trials--crucifixion-in/" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Historical Problems in the Trial(s) & Crucifixion in the Gospels</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, www.ancient.eu, 04/nov/2020.</span></p><br /><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://www.history.com/topics/religion/bible" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">The Bible</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, 19/jan/2018, www.history.com.</span></p></span>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-69023932396334884702020-11-05T08:37:00.011-04:002020-11-06T12:04:10.769-04:00Andanças dos profetas por esse mundo - o emaranhamento de Moisés, al-Khadir, Elias e Jesus<p style="text-align: center;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 565px; overflow: hidden; width: 451px;"><img height="565" src="https://lh3.googleusercontent.com/xeDplyl6-8kwbKWYqufqM1I1A-W7NlmTMZTgY6B0OPOoGJH5dTUhG7Ax9W2zE3i1I4T-6Lmhy5zzIuE8nwyoIDlHt9y-Z1HpMo5pV3r56eAvfmDZ9b75mqOB8EchTEvtWmmCC9xX" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="451" /></span> </p><span id="docs-internal-guid-413a4571-7fff-bacc-e14b-7dab7662a0a2"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="background-color: white; color: #202122; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Elias andando sobre o mar e resgatando o príncipe Nur ad-Dahr, em pintura de Mir Sayyid Ali no manuscrito do imperador Mongol Akbar I (1556-1605). Trata-se das estórias chamadas Hamzanama, que narram as façanhas de Ḥamzah ibn Abd al-Muṭṭalib. Esse tio de Muhammad/Maomé juntou um bando de heróis e percorreu o Oriente Médio (em direção à Índia) lutando contra os inimigos do Islã. As histórias sobre ele, de uma tradição oral de longa data, foram escritas em persa. No Ocidente, a obra é mais conhecida pelo enorme manuscrito ilustrado do imperador Akbar, completada em 1562. Na arte islâmica, o fogo sobre a cabeça é um indicativo do Sagrado¹.</span></p><div><span><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial;"><span style="font-size: 16px; white-space: pre-wrap;"><b><a href="https://drive.google.com/file/d/19ZULXCdIF8kmCtNg5GysT9O1cvsiU9NH/view?usp=sharing" target="_blank">baixar PDF</a></b></span></span></div></span><div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial;"><span style="font-size: 16px; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div><span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><b><span style="color: #990000; font-size: large;">E</span></b><span style="font-size: 12pt;">ntre a destruição de Jerusalém (70 d.C.) e o final do Império Romano do Ocidente (500 d.C.) houve uma época muito frutífera para a cultura religiosa do Ocidente. Ali no Oriente Médio, os Judeus haviam sido desorganizados da hierarquia dos Saduceus comandando o Templo e recriavam sua estrutura em torno dos Rabis (sábios que falavam nas Sinagogas). Os povos Persas, libertos de Roma Ocidental e vendo a organização de um novo poder Romano no Oriente, se reuniam para em algum tempo formar o que seria o Islã. Os Cristãos, ora atacados, ora apoiados por Roma, viveram a junção da Igreja com o Império Romano e, no Ocidente, viviam finalmente o desmantelamento de tudo isso. Na Europa, os povos Godos, Germânicos, Saxões e Bretões eram os “novos Cristãos”, guardadores da tradição Católica.</span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Essa época possibilitou criativas misturas entre diversas culturas religiosas. Não foram alterações do cerne literário de cada uma, mas um envolvimento sobretudo das estórias orais, contos e lendas. Embora hoje vistos como um segmento de menor importância dentro da religião, essas tradições precisam ser entendidas como poderosas no sentido em que os textos “canônicos” ou “sagrados” foram, em algum momento, produzidos a partir desse material. O Evangelho de Lucas, por exemplo, começa afirmando ser “segundo nos transmitiram os mesmos que presenciaram desde o princípio, e foram ministros da palavra” (Lucas 1.2), mas foi escrito 60 anos após a morte de Jesus. O Evangelho de Marcos, mais antigo e possivelmente menos influenciado por tradições orais, foi composto pelo menos 20 anos após as falas de Pedro às multidões e, notoriamente, é muito menor do que os demais evangelhos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Aqui trataremos de algumas dessas tradições orais, e como elas emaranham elementos do Cristianismo, Judaísmo e Islamismo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As Haggadah são tradições orais dos Judeus registradas desde a destruição de Jerusalém até o séc. 13, em sua maioria no interstício 100-550 d.C. Muitas dessas tradições são interpretações de leis, alegorias, parábolas, ensinamentos, etc. Algumas envolvem personagens lendários como Elias, tema da magnífica pintura no início desse texto.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O PODEROSO ELIAS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Elias viveu no começo do séc. 9 a.C. Ele foi o profeta representando Javé/Jeová contra o rei Acabe e sua nova devoção, o deus dos relâmpagos Baal (1ª Reis 17-18). Elias desafiou os profetas de Baal e acedeu a lenha sob o sacrifício com sua oração a Deus, condenando os profetas e a rainha Jezebel à morte.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As Haggadah contém um extenso material sobre Elias, que inclui o disposto no Velho Testamento e também muitas outras estórias. Temos algo sobre o nobre e herege Hiel (amigo de Acabe, citado em 1ª Reis 16.34), a recusa do boi ao sacrifício para Baal, o silêncio do mundo, o Sol parando no céu, a água saindo das mãos de Elias, a sequência de vento/terremoto/fogo/voz de Deus, a luta com o anjo da morte, a administração das almas dos mortos, a encarnação do anjo Elias, o Templo invisível, a aparição (disfarçada) de Elias ao rei Assuero/Xerxes I (486-465 a.C), Elias como anjo da guarda dos justos e piedosos, Elias como um espírito soltando palavras no ouvido do imperador romano em benefício do Rabi/profeta Naum (615 a.C.) e outros. Às vezes, Elias aparecia como um árabe ou uma prostituta aconselhando.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Elias assume o papel de vários "ajudadores" nas estórias dos antigos Rabis, testemunhando em favor de um, avisando outro, encenando disfarces para proteger pessoas das autoridades romanas. Mas as narrativas sobre Elias não se restringem a estórias de sabedoria. Elias era um conhecedor de "magias" judaicas como usar orvalho para ressuscitar os mortos e cuspir nos olhos para curar doenças (qualquer semelhança com Jesus não é mera coincidência). Além disso, numa de suas viagens pela Terra, ele se atentou para o que as galinhas e gansos diziam sobre as pessoas da casa onde moravam. Em outra, transformou-se num urso para impedir que três homens de grande fé, orando juntos, devolvessem os mortos à vida.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Algumas são estórias humorísticas até, como os dois casais abençoados. Um casal pobre foi abençoado com seu dinheiro se multiplicando até que quisessem parar de contar, outro casal rico decidiu fazer as necessidades e elas se multiplicaram por toda sua vida..</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Numa estória, esse anjo-Elias (chamado Sandalphon, antes da criação dos homens) se oferece para ser vendido como escravo para ajudar um homem pobre. Seu comprador, um príncipe, vê ele erguer em uma só noite um palácio. Noutra estória, ele apareceu ao futuro Rabi Akiva (50-135 d.C.), então alguém muito pobre e dormindo sobre paus, para mostrar-lhe uma pobreza ainda maior, que o animaria a respeito de sua condição.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando Jesus perguntou, perto de Betsaida, "Quem dizem que sou?" (Marcos 8.27) e alguns responderam "Elias", </span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">provavelmente temos um indício dessas tradições judaicas sobre Elias andando disfarçado pelas estradas, aparecendo para ajudar os homens</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. Esse mesmo ajudante, no entanto, poderia cobrar de alguém uma atitude de fé ou até matar sem aviso um que encontrasse fazendo suas devoções de forma imprópria.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Um papel interessante que é atribuído a Elias é o de carregador da Sabedoria. Através das estórias com Elias como protagonista, o Talmude judeu cria uma narrativa onde os ensinos de um Rabi são aplicados à vida do outro, em locais distantes e séculos depois, ou antes. Como o leitor que tem todos esses ensinamentos durante de si, capaz de aplicar as falas de Jesus ao profeta Daniel na Babilônia, Elias certamente era um personagem importante das Sinagogas e dava vida a narrativas colcha-de-retalhos misturando as vidas de todos os sábios venerados pelos Judeus: José, Nehorai, Judah, bar Abbahu, Abiathar, Eliezer ben Hyrcanus, Nathan, Judah ha-Nasi, Meir, bar Shila, Joshua ben Levi, Johanan ben Zakkai.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Uma estória sobre Elias, no entanto, é mais notória que as demais. Não por seu conteúdo, mas pela semelhança com uma estória sobre outros personagens contida no Alcorão.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A VERSÃO DOS JUDEUS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">"Certa vez, ele [Elias] concedeu a seu amigo, o Rabi Joshua ben Levi, a realização de qualquer desejo que escolhesse. Mas tudo o que o Rabi pediu foi acompanhar Elias em suas andanças pelo mundo. Elias estava preparado para satisfazer esse desejo. Ele apenas impôs a condição de que, por mais estranhas que suas ações parecessem, o Rabi não deveria pedir nenhuma explicação sobre elas. Se alguma vez ele perguntasse por quê, eles teriam que se separar.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Então Elias e o Rabi saíram juntos e seguiram viagem até chegarem à casa de um homem pobre, cuja única possessão terrena era uma vaca. O homem e sua esposa eram pessoas de bom coração e receberam os dois andarilhos cordialmente. Eles convidaram os estranhos para sua casa, colocaram diante deles comida e bebida do melhor que tinham, e prepararam um sofá confortável para passarem a noite.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando Elias e o Rabi estavam prontos para continuar sua jornada no dia seguinte, Elias orou para que a vaca pertencente a seu anfitrião morresse. Antes de saírem de casa, o animal havia morrido. O Rabi Joshua ficou tão chocado com a desgraça daquelas pessoas boas que quase perdeu a consciência. Ele pensou: "Essa é a recompensa do homem pobre por todos os seus serviços gentis para nós?" E ele não pôde deixar de fazer a pergunta a Elias. Mas Elias o lembrou da condição imposta e aceita no início de sua jornada, e eles seguiram viagem, sem sanar a curiosidade do Rabi.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Naquela noite chegaram à casa de um homem rico, que não prestou ao hóspede a cortesia de olhá-los de frente. Embora passassem a noite sob seu teto, ele não lhes ofereceu comida ou bebida. Este homem rico desejava que fosse consertado um muro que havia desabado. Não houve necessidade de tomar nenhuma providência para reconstruí-lo, pois, quando Elias saiu de casa, orou para que a parede se erguesse sozinha e, eis! Ficou em pé. O Rabi Joshua ficou muito surpreso, mas fiel à sua promessa, ele suprimiu a pergunta que lhe veio aos lábios.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Assim, os dois viajaram novamente, até chegarem a uma sinagoga ornamentada, cujos assentos eram feitos de prata e ouro. Mas os fiéis não correspondiam em caráter à magnificência do edifício, pois quando chegou o ponto de satisfazer as necessidades dos peregrinos cansados, um dos presentes disse: "Não há falta de água e pão, e os viajantes estranhos podem ficar na sinagoga, onde esses refrescos podem ser trazidos para eles." Cedo na manhã seguinte, quando eles estavam partindo, Elias desejou, para os presentes na sinagoga em que haviam se hospedado, que Deus os levantasse a todos para serem "cabeças" [ou líderes]. O Rabi Joshua novamente teve que exercer grande autocontrole e não colocar em palavras a pergunta que o perturbava profundamente.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na cidade seguinte, eles foram recebidos com grande afabilidade e serviços abundantes. A esses anfitriões bondosos, Elias, ao partir, concedeu o desejo de que Deus pudesse lhes dar apenas um líder. Agora o Rabi não conseguia mais se conter e exigia uma explicação para as ações bizarras de Elias.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Elias consentiu em esclarecer sua conduta para o Rabi Joshua antes que se separassem. Ele falou o seguinte: “A vaca do pobre foi morta, porque eu sabia que no mesmo dia a morte de sua esposa havia sido ordenada no Céu, e eu orei a Deus para aceitar a vaca em substituição à sua esposa. Quanto ao rico, havia um tesouro escondido sob a parede dilapidada e, se a tivesse reconstruído, teria encontrado o ouro; portanto, ergui a parede milagrosamente para privar o mesquinho da valiosa descoberta. Desejei que o povo inóspito reunido na sinagoga pudesse ter muitos chefes, pois um lugar de vários líderes está fadado a se arruinar pela multiplicidade de conselhos e disputas. Aos habitantes de nossa última estada, por outro lado, desejei uma 'liderança única'. Para quem guiar uma cidade, o sucesso acompanhará todos os seus empreendimentos. Saiba, então, que se você vê um malfeitor prosperar, nem sempre é em seu proveito, e se um homem justo sofre necessidade e angústia, não pense que Deus é injusto". Após essas palavras, Elias e Rabi Joshua se separaram um do outro, e cada um seguiu seu próprio caminho". (Legends of the Jews, 1909)</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na tradição Cristã, Moisés foi o invocador das 10 pragas do Egito, líder da travessia dos Hebreus pelo Mar Vermelho e carregador das tábuas de pedra com os 10 Mandamentos. Mas os Muçulmanos também têm a sua tradição oral, na forma de Hadiths registradas ao longo dos séculos como comentários do Alcorão. Segundo os preceitos do Sufismo, essas tradições devem vir precedidas da enunciação de todos os sábios pelos quais elas passaram, bem no estilo "José falou que Maria falou que Daniel falou que ... que o profeta Muhammad falou". Um similar da estória acima, em especial, aparece parcialmente no Alcorão dentro da Sura 18 (A Caverna), ayas 60-82. Ela introduz um sábio sem nome que ficou conhecido como "O Verde", e que a tradição oral não apenas nomeou mas complementou as estórias de forma bastante coerente.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A VERSÃO ISLÂMICA</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">“O Profeta (que a paz esteja com ele) disse: "Uma vez o Profeta Moisés se levantou e dirigiu-se a Banu Israel [banu = clã]. Foi perguntado a ele: "Quem é o homem mais culto entre as pessoas?" Ele disse: "Eu sou o mais culto."</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Allah admoestou Moisés, pois ele não atribuiu conhecimento absoluto a Ele (Allah). Então Allah o inspirou: "Na junção dos dois mares, há um escravo meu que é mais erudito do que você". Moisés disse: "Óh meu Senhor! Como posso conhecê-lo?" Allah Todo-Poderoso disse: "Pegue um peixe em uma cesta grande e prossiga. Você o encontrará no local onde perderá o peixe".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Então Moisés partiu com seu servo, Yusha bin Nun [Josué filho de Nun] e carregou um peixe em uma grande cesta até chegarem a uma rocha, onde deitaram-se e dormiram. O peixe saiu da cesta e foi para o mar como através de um túnel². Portanto, foi uma coisa incrível tanto para Moisés quanto para seu servo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Eles prosseguiram pelo resto da noite e o dia seguinte. Quando o dia amanheceu, Moisés disse ao seu menino: "Traga-nos nossa refeição antecipadamente. Sem dúvida, sofremos muito cansaço nesta viagem". Moisés não se cansou até que passou pelo lugar em que estava ordenado a ir. Lá o menino disse a Moisés: "Você se lembra de quando nós nos deitamos na pedra? Eu esqueci o peixe". Moses comentou: "Isso é o que temos procurado!” Então eles voltaram refazendo seus passos, até chegarem à rocha. Lá eles viram um homem coberto com um capa. Moisés o cumprimentou.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Al-Khadir respondeu dizendo: "Como as pessoas se cumprimentam em sua terra?" Moisés disse: "Eu sou Moisés." Ele perguntou: "O Moisés de Banu Israel?" Moisés respondeu afirmativamente e acrescentou: "Posso segui-lo para que me ensine esse conhecimento que você recebeu?". Al-Khadir respondeu: "Verdadeiramente! Mas você não será capaz de permanecer paciente comigo, ó Moisés! Eu tenho um pouco do conhecimento de Allah, que Ele me ensinou e você não sabe, embora você tenha algum conhecimento que Allah lhe ensinou que eu não sei". Moisés disse: "Se Deus quiser, você me achará paciente e não te desobedecerei em nada". Então, os dois partiram caminhando à beira-mar, pois não tinham barco.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Um barco passou por eles e pediram à tripulação para irem à margem. A tripulação reconheceu Al-Khadir e os levou a bordo sem tarifas. Então um pardal veio e ficou na borda do barco e mergulhou seu bico uma ou duas vezes no mar. Al-Khadir disse: "Óh Moisés! Meu conhecimento e seu conhecimento não diminuíram o conhecimento de Allah, nem o tanto quanto este pardal diminuiu a água do mar com seu bico".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Al-Khadir foi para uma das tábuas do barco e arrancou-a. Moisés disse: "Essas pessoas nos deram uma condução grátis, mas você quebrou o barco deles e o afunda para afogar as pessoas!" Al-Khadir respondeu: "Eu não disse que você não seria capaz de permanecer paciente comigo?" Moisés disse: "Você me lembrou o que eu esqueci". A primeira desculpa de Moisés foi que ele havia esquecido.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Então eles continuaram e encontraram um menino brincando com outros meninos. Al-Khadir segurou a cabeça do menino pelo alto e arrancou-a com as mãos (ou seja, matou-o). Moisés disse: "Você matou uma alma inocente que não matou ninguém!" AI-Khadir respondeu: "Eu não te disse que você não poderia permanecer paciente comigo?"</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Então ambos prosseguiram até as pessoas de uma cidade e pediram comida, mas eles recusaram-se. Então eles encontraram lá uma parede no ponto de colapsar, cair sobre si mesma. Al-Khadir a consertou com suas próprias mãos. Moisés disse: "Se você desejasse, certamente você poderia ter sido pago por isso". Al-Khadir respondeu: "Este é o momento de nos separarmos".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Profeta (Muhammad (que a paz esteja com ele) acrescentou: "Que Allah seja misericordioso para com Moisés! Oxalá ele pudesse ter sido mais paciente para aprender mais com Al-Khadir.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">"Quanto ao navio, pertencia aos Masakin (gente pobre) que trabalhavam no mar. Então, eu danifiquei a embarcação porque havia um rei atrás deles, que apreende todos os navios à força. Quanto ao menino, seus pais eram crentes, e sabíamos [Alláh e al-Khadir] que ele os oprimiria com rebelião e descrença. Então pedi que meu Senhor mandasse para eles um outro filho, melhor em justiça e mais próximo da misericórdia. Quanto à parede, sob ela estava enterrado um tesouro pertencente a dois meninos órfãos na cidade, {como disse Suhaili} filhos de Asram e Sarim de Kashih. Seu pai era um homem justo, e seu Senhor pretendia que eles atingissem a idade de plena força e retirassem o tesouro como uma misericórdia de seu Senhor". Disse al-Khadir: "E eu não fiz o que fiz por minha própria vontade. Essa é a interpretação dessas coisas sobre as quais você não conseguiu aguardar". (Moses and AI-Khadir, Al Khaf 60-82, Stories of the Quran, reunidas por Ibn Katheer)</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">COMPARANDO AS ESTÓRIAS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Numa estória, o sábio itinerante é Elias, seguido pelo Rabi Joshua ben Levi. Na outra, é al-Khadir (o Verde, ou o Negro, segundo uma interpretação sobre palavras para identificar os Africanos), seguido por Moisés. O contexto de encontrar o sábio e segui-lo até questionar suas ações, recebendo depois uma explicação e um adeus, são idênticos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Elias pede a morte de uma vaca para salvar uma mulher, depois arruma uma parede para ocultar o tesouro de um homem rico e mesquinho, depois ajuda pessoas segundo sua recepção nos povoados. Al-Khadir por outro lado afunda um barco para salvar seus tripulantes, mata um garoto por seus pecados futuros e conserta uma parede para esconder o tesouro pertencente a dois irmãos pobres. Os episódios mais ou menos se pareiam: as paredes com tesouro embaixo, a vaca/o garoto. Cronológica e geograficamente, também há grandes chances de um texto ser parente do outro, pois ambos correspondem à região entre o Jordão e a Babilônia, habitada tanto por Judeus quanto Ismaelitas no final do Império Romano.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Grande parte da lenda sobre al-Khadir ficou registrada no Alcorão, enquanto a lenda sobre Elias ficou somente na tradição oral (Talmude) dos Judeus. Os textos Judaicos foram organizados principalmente até nos sécs. 1-6, enquanto os Islâmicos são dos sécs. 7-9. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A versão de Elias que nos chegou pela Bíblia só diz respeito a sua atuação enquanto "vivo", nos tempos do rei Acabe (sécs. 10-9 a.C.). Mesmo assim, Elias secou a chuva e até o orvalho sobre Israel, multiplicou os alimentos de uma viúva pobre em Sarepta, cidade vizinha do grande porto Fenício em Sidom, no Líbano, e ainda ressuscitou o filho dessa mesma mulher. Novamente, uma semelhança forte com as estórias que os Evangelhos guardaram sobre Jesus.. Na tradição Muçulmana, não há lendas sobre Elias, apenas um relato conciso do seu enfrentamento ao rei Acabe, no próprio Alcorão.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #38761d; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">123 E também Elias foi um dos mensageiros. Vê que ele disse ao seu povo: ‘Não temeis a Deus? Invocais Baal e abandonais o melhor dos criadores, Deus, vosso Senhor e Senhor dos vossos antepassados?’ E o desmentiram. Porém, sem dúvida que comparecerão (para o castigo), salvo os servos sinceros de Deus. E o fizemos passar para a posteridade. Que a paz esteja com Elias! Em verdade, assim recompensamos os benfeitores. E ele foi um dos Nosso servos fiéis.</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> (Alcorão, Sura 37 - Os enfileirados)</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A versão de Moisés que nos chegou conta algo sobre suas andanças com Josué filho de Num (Números 11), mas esse último já adulto e no contexto da peregrinação final no deserto até Canaã. Nada de grandes aventuras em busca de sabedoria e as maravilhas do Senhor (existem algumas delas na narrativa do deserto).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ambas as estruturas se encaixam em um modelo de literatura asceta que ficou muito popular no final da Era Romana. Asceta porque estimulava as pessoas a buscarem a oração em lugares isolados, como são os mosteiros e conventos Cristãos (apesar disso, a comunidade asceta mais antiga pode ter sido Qumram, nas margens do Mar Morto, no séc. 1 a.C.). Nos contos ascetas, geralmente, alguém que vivia dessa forma pura ou simples era informado de um outro ainda mais sábio que ele. Então o sábio asceta partia - geralmente através de um deserto - para encontrar o sábio maior, tanto a jornada quanto o encontro sendo recheados de ensinamentos. No caso, os sábios maiores são representados por Elias e al-Khadir.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">É curiosa a substituição de Elias e Moisés. Elias é um personagem de muitas estórias Judaicas, mas não Moisés. Mesmo na tradição oral Muçulmana, Moisés só aparece em 4 estórias: os profetas, o Novilho (Sura 2), al-Khadir e Korah/Coré. Ele não aparece e desaparece como Elias, mas faz essa viagem por sabedoria (na tradição Muçulmana) até o encontro dos dois mares (possivelmente Suez ou Aqaba) procurando por al-Khadir. Alguns estudioso supõem que a troca seja resultado da confusão entre o Rabi Joshua ben Levi e o tradicional companheiro de Moisés, Joshua ben Num. Assim, J. ben Levi e Elias se tornariam J. ben Num, Moisés e al-Khadir. De fato, a narrativa Muçulmana começa com 3 personagens e termina com dois.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">É também interessante como, apesar da narrativa sagrada mais rígida historicamente, os Judeus mantiveram estórias lendárias costurando outras narrativas sobre os profetas. O Alcorão não segue essa rigidez histórica, sendo mais precisamente uma mistura de estórias sobre o poder de Alláh, repletas de chamamentos "Lembra-te quando.." que remetem a outras estórias, também Judaicas e Cristãs.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">CONCLUSÃO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Enfim, a conexão das duas estórias nos faz uma forte sugestão de origem comum. A narrativa sagrada, mais rígida, então parece descender de um conjunto de estórias mais volúveis e fluidas, de sábios lendários como Elias e Moisés.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na prática, por outro lado, isso lança uma especulação talvez assustadora sobre a confecção dos textos religiosos: a de que tenham sido colhidos dentro de uma gama de estórias, para produzir uma narrativa coerente de geografia, tempo e contexto. Por exemplo, muitas estórias sobre Moisés, como tirar o veneno das águas (Êxodo 15.22), encontrar um veio de água (Êxodo 17.2, Números 20.2), a serpente de bronze (Números 21.4), a queda das andorinhas (Números 11), as flores nascendo no cajado (Números 17) têm semelhanças a Elias/al-Khadir. Isso para não falar de estórias sobre Jesus, em episódios como a produção de vinho em Caná da Galiléia (João 2), as migalhas que caem da mesa e são pegas pelos cãezinhos (Mateus 15), secar a figueira (Marcos 11, Mateus 21) ou narrativas pós-ressurreição (Lucas 24). Lembremos, os textos apócrifos (não incluídos no Cânon) sobre Jesus também são numerosos..</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Como ferramentas de ensino moral, tais contos sempre foram valiosos. A própria estratégia de ensino/pregação de Jesus, com suas parábolas, deixa isso evidente. E talvez mesmo a realidade das religiões como ajustadores de regras morais se tornasse muito menos atraente sem essa característica de ensino das grandes figuras lendárias. Em sua famosa obra "As Crônicas de Nárnia", Clive Staples Lewis explorou lindamente essa ponte entre o Cristianismo e as tradições.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Tanto Judeus, quanto Cristãos e Muçulmanos trazem de alguma forma essas estórias, preservadas como um conhecimento secundário, mas onde pode-se perceber o quanto as tradições chegam perto umas das outras³.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 207px; overflow: hidden; width: 169px;"><img height="207" src="https://lh6.googleusercontent.com/nXYQDrVQY1KHrYg-B6kMLy0IR_nR1_xdGJ5O2DLGFWK99Om5NoC-2z_Bv6ugHkWp_bS_Vd5GtSi3eqGkBm3VAyLRodTzmeZtux33eQ7t0yI15Mny5t_M3hZdCmZf1eOOunUDeaCC" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="207.43007213390297" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">--------------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 16px; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">¹O texto original da Hamzanama de Akbar I está em grande parte perdido. Tratava-se de um volume artístico, grande o suficiente para ser segurado por um contador de estórias enquanto mostrava as páginas ilustradas para sua platéia e lia o texto no verso. Do que restou dessa obra, temos parte da estória sobre Elias e o príncipe:
Nur ad-Dahr, que em outro lugar se chama Asthe filho do Príncipe Badi'uzzaman, costumava sentar-se na base de uma árvore onde os homens se reuniam diariamente para contemplar sua beleza. Entre esses admiradores estava uma garota infiel (não-muçulmana), filha de um certo Kayvan Buland-Rif’at. Um dia, um demônio (mais tarde identificado como Andarut) conta-lhe que na noite anterior ele havia sequestrado Nur ad-Dahr e jogado ele no mar. A menina, por sua vez, transmite esta notícia perturbadora para o inteligente Umar (uma espécie de herói persa), que está preocupado tanto com a segurança de Nur ad-Dahr quanto com a recalcitrância que isso causaria em Pahlavan Karb. Este príncipe declarara que, até que Nur ad-Dahr fosse localizado, ele renegaria sua promessa de enviar um emissário para Hamza (o herói dos contos Hamzanama). Pela primeira vez, no entanto, o engenhoso Umar não é chamado para resolver esta situação. Em vez disso, o texto narra de maneira prática que "Quando o demônio jogou o príncipe Nur ad-Dahr no mar, o profeta Santo Elias o tirou da água. Nur ad-Dahr descansava ferido em uma ilha."
</span></p><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; white-space: pre-wrap;"><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; white-space: pre-wrap;">²Desde a Antiguidade acredita-se numa passagem subterrânea entre os mares Vermelho e Mediterrâneo, que de fato chegam a pouco mais de 100 Km um do outro, numa região repleta de grandes lagos, chamados pelos Judeus de "lagos amargos".</span></div><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">³Uma Haggadah faz curiosa ponte com o Cristianismo. Lembrando, o Messias judeu é um ser escatológico, cujo aparecimento indicaria o Fim do Mundo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">"Este rabi [Joshua ben Levi] era um dos favoritos de Elias, que até lhe conseguiu uma entrevista com o Messias. O Rabi encontrou o Messias entre a multidão de pobres aflitos reunidos perto dos portões da cidade de Roma, e ele o saudou com as palavras: "A paz esteja contigo, meu mestre e guia!" Ao que o Messias respondeu: "A paz seja contigo, filho de Levi!"</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Rabi então perguntou-lhe quando Ele apareceria, e o Messias disse: "Hoje." Elias explicou ao Rabi mais tarde que o que o Messias queria dizer com "hoje" era que Ele, de sua parte, estava pronto para trazer a redenção de Israel a qualquer momento. Bastava estarem prontos". (Louis Ginzberg, Legends of the Jews)</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">--------------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">OBRAS NAS REBARBAS DO CREDO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Aggadah" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Aggadah</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> - wikipedia</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">ALGOOD, Marcus “Ishma’il”. Moses & the African Al-Khadir (The Green One), 9/13/2016.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://www.britishmuseum.org/collection/object/W_1925-0929-0-1" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Elias and Prince Nur ad-Dahr</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, British Museum of Art.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">GINZBERG, Louis. Legends of the Jews,New York, 1909, v. 4, cap. 7.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">GRAHAN, Ron. </span><a href="https://www.simplybible.com/f40c-bilis-miracles-in-the-wilderness.htm" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Miracles in the wilderness</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, 2012.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Hamzanama" style="text-decoration-line: none;" target="_blank"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Hamzanama</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> - wikipedia</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">IBN KATHEER, Stories of the Quran, reunidas por Imad ad-Deen Isma'il ibn Umar ibn Katheer al-Basri ad-Dimashq, 1300-1374.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 16px; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><a href="https://archive.org/stream/adventuresofhamz00seyl/adventuresofhamz00seyl_djvu.txt" target="_blank">The adventures of Hamza: painting and storytelling in Mughal India</a>, Sackler Gallery, Smithsonian Institute, Washington, DC, 2002. Archive.org</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">WHEELER, Brannon M. The Jewish Origins of Qurʾān 18: 65-82? Reexamining Arent Jan Wensinck's Theory. Journal of the American Oriental Society, p. 153-171, 1998.</span></p></span></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-8286480054303303752020-10-13T21:33:00.020-04:002020-11-05T10:06:54.580-04:00O que fazemos em nome de Jesus? Uma lembrança do Líbano de Sabra e Shatila<p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><img height="401" src="https://lh5.googleusercontent.com/L11sIBGsBY-krknZNe6e4QzGCDiOBpe5X_3nX4ydJFYUJcejKr0BAO_hOYZbbwIKo6o1Em8N_H9ojPkbjWtkx-uk05-jEpZSiQeFMvmR66QFvpYXjoHaFwDTwPQRSnzxqtTW6ZUj" style="font-family: Arial; font-size: 12pt; margin-left: 0px; margin-top: 0px; text-align: left; white-space: pre;" width="602" /></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="background-color: transparent; color: black; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant: normal; font-weight: 400; text-decoration: none; vertical-align: baseline; white-space: pre;">Campo de refugiados de Shatila, nos dias atuais.</span></p><p style="text-align: center;"><span style="color: black; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre;">"</span><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre;">Isto vos mando: que vos ameis uns aos outros</span><span style="color: black; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre;">" (João 15.7)</span></p><div style="text-align: justify;">A história Cristã está repleta de eventos políticos. São dominações de terras, ataques militares, massacres em nome desse ou daquele rei, dessa ou daquela fé. Para qualquer leitor mais atento do Novo Testamento, fica evidente que esses atores da igreja nada têm a ver com Jesus, embora as pessoas sejam inspiradas pelo Seu nome a participar.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por exemplo, o Novo Testamento conta sobre o surgimento da Igreja. Temporalmente, ela começou seu registro literário com as cartas de Paulo para as comunidades que ele havia fundado. Depois, essas várias comunidades, em diferentes tempos, produziram suas narrativas sobre a vida de Jesus. Ele foi um homem pobre, nascido numa família que não podia garantir teto no seu nascimento, criado por um carpinteiro/pedreiro.. Segundo o Alcorão, filho de uma mãe solteira. Seus discípulos foram pescadores e pessoas que não podiam comprar o pão para a janta, que dependiam do favor de empregadores para ganhar seu sustento dia-a-dia. As comunidades originais se moldaram por nada menos que 250 anos antes de envolverem famílias poderosas de Roma e despertarem o interesse do Império.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não deveria haver, no NT, o menor interesse em poder político. Mas as cartas apócrifas de Paulo - isto é, as que assinaram por Paulo¹ - deixam claro que a Igreja estava se organizando politicamente. Era preciso criar um perfil do crente, uma figura do sacerdote, uma hierarquia de poderes, mesmo que isso fosse no caminho contrário de Paulo e de Jesus. Afinal, tratava-se (e ainda se trata) da Igreja inspirada neles, e não a Igreja gerida por eles. Na prática, quer dizer que só se aproveitavam seus nomes e autoridade, a promessa de uma vida Celestial.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Cristianismo que nos chegou, 20 séculos depois de Jesus, é uma reminiscência daquilo que lhe deu o nome. Ele nos vem com doutrinas e filosofias acerca da matéria e o espírito, a vida após a morte, o sentido do mundo, como se vestir e até qual partido deve ganhar as eleições, supostamente deduzidos de alguns ensinamentos para pescadores na Galiléia antiga. Em sua história, vêm juntos o sacrifício pelos amigos e pelos pobres, mas também a tortura e o massacre de nações inteiras. Tentando separar o joio político do trigo Cristão, trago aqui uma história de terror. Algo comum e recorrente, que qualquer um já viu e verá, na esperança de assim - pela advertência - evitar mais uma repetição.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>O LÍBANO</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Na costa mais a leste do Mediterrâneo, o Líbano é uma terra de povoação antiga. Lá fica Baalbeck, uma das cidades sagradas mais antigas do mundo, testemunha da grandiosidade de alguns povos Cananeus. O Líbano também é célebre nos textos do VT pela referência aos grandes cedros, pinheiros imensos que crescem na sua região montanhosa. Tais cedros fizeram parte do Templo de Salomão.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Para lá se deslocaram muitos Gregos, que ajudaram a formar uma nação de comerciantes marítimos conhecidos como Fenícios. O nome da terra vem de um molusco de concha avermelhada, encontrado nas praias dali, do qual se extrai a púrpura, também famosa. Esse corante vermelho se encontra preservado, ainda colorido, em sepulturas de milhares de anos. A púrpura tingiu as túnicas dos nobres Gregos e Romanos, como Alexandre o Grande e Júlio César, e deve ter sido usada na túnica posta em Jesus, após o açoitamento.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Paulo foi uma figura importante na região, fundando ali a igreja de Antioquia da Síria, onde centralizou e passou boa parte da sua vida como pregador. Depois, a Expansão Islâmica converteu grande parte da população nos arredores mas, mesmo hoje, o Líbano detém a maior concentração de Cristãos no Oriente Médio (60%). A maioria desses Cristãos são associados à Igreja Católica Maronita..</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No séc. 1, a Igreja era comandada por 3 patriarcas ou bispos: em Roma, Antioquia da Síria e Alexandria, no Egito. Simão Pedro foi bispo em Roma. João Marcos, provável redator do Evangelho de Marcos, foi bispo de Alexandria. No séc. 4, com a absorção do Cristianismo pelos nobres romanos, criou-se também o bispado de Constantinopla. No séc. 5, Roma criou o bispado de Jerusalém, extremamente próximo de Antioquia. Bem na virada dos sécs. 4 e 5, o monge que seria conhecido por São João Maro saiu de Antioquia para viver sozinho e admirar as criações de Deus nas montanhas do Líbano. Religiosos que o ouviram pegar, depois, contaram sobre ele liderar 15 homens que viviam em oração na mata, sem qualquer teto. Quando morreu, em 410 d.C., São João Maro deixou uma igreja nas montanhas e um grupo de discípulos que entendiam a matéria como manifestação da graça divina. Esse seria o início da Igreja Maronita, na prática uma organização espelhada na Igreja Ortodoxa, mas politicamente vinculada a Roma. Tal vínculo era a forma como Roma mantinha algum contato com as comunidades Orientais, após a cisão da Igreja em 1024.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>AS GUERRAS ANTIGAS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No começo do séc. 7, a região foi tomada de Roma/Império Bizantino (definitivamente) pelo Império Sassânida, que controlava a Pérsia e outras terras a leste. Até o séc. 8, com a conversão dos Sassânidas ao Islã, tanto o Líbano como terras ao sul (ex. Galiléia e Judéia) se tornaram parte de Califados. Os Muçulmanos foram bastante tolerantes com Judeus e Cristãos nas terras dominadas, muito mais do que o Império Bizantino: como a Igreja estava se estruturando em torno do imperador, anexando a religião e a política, credos que não se conformassem à norma (quase militar) eram perseguidos de forma militar. Esses credos, em especial os Maronitas e os Druze² encontraram refúgio nas terras do Islã. Gilo se tornou Jala, Bethlehem (Belém) virou Bet Lahm, e Jericó, Ariha..</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Líbano, Galiléia e Palestina foram palco de enormes confrontos a partir do séc. 10, quando o Império Bizantino somou forças aos reinos descendentes de Carlos Magno (séc. 9), como a França. Tais reinos reunificaram a Igreja do Ocidente, com sede então na França, e juntas, as Igrejas Imperiais Ocidental e Oriental conduziram expedições ao Oriente Médio para reconquistar Jerusalém. Foi a época das Cruzadas, em que os Cristãos podem ser associados com os maiores derramamentos de sangue. Apesar das guerras, a Palestina permaneceu sob comando do Islã.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A imagem dos Muçulmanos como "inimigos de Cristo" de certa forma se popularizou tanto que, por muito tempo, as relações entre Ocidente e Oriente eram quase só relações de guerra. Como dito antes, essa postura "guerreira" dos Cristãos em nada pode ser atribuída ao Novo Testamento, e menos ainda aos ensinamentos de Jesus para os pescadores que o ouviram, no mar da Galiléia. Ela tem sua base na unificação Igreja-Império que aconteceu no Império Bizantino e depois na França (séc. 9), até devolvendo para Roma a sede da Igreja Ocidental.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mais tarde, a partir do séc. 14, o Império Ottomano unificou os pequenos Califados e Sultanatos do Oriente e formou um imenso reino Islâmico. Tal reino até suplantou o Império Bizantino e, no final do séc. 15, o Ocidente marcava o fim da Idade Média com a tomada de Constantinopla. Enquanto o Ocidente combatia os Mouros e ganhava as terras Islâmicas no sul da Espanha (Califado de Córdova) e no Marrocos, no leste europeu as nações se fragmentavam e não poucas foram anexadas pelo Império Ottomano. O Líbano permaneceu com sua população Cristã e Druze, mas também com uma quantidade significativa de Muçulmanos, convertidos dentre sua própria população.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>AS GUERRAS MODERNAS</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É estranho abordar o tema de guerras tentando falar sobre espiritualidade e a Igreja, mas a história não deixou outra alternativa. As comunidades religiosas sempre foram pontos de se inflamar a população contra um inimigo espiritual, representado por esse ou aquele inimigo político. É fácil discordar de alguém gritando na praça e ir embora, mas não de alguém falando no púlpito EM NOME DE DEUS e associando a fé das pessoas com o apoio a sua causa política.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Líbano foi finalmente incluído no Império Ottomano no início do séc. 16. A administração Ottomana, então, só afetou as grandes cidades; na maior parte do país, vigorou a administração de chefes islâmicos locais. O Líbano tornou-se um dos maiores produtores mundiais de Cannabis. Até o início do séc. 18, o Líbano foi governado por famílias Druze. Depois o comando passou a famílias Maronitas. Na 1ª Guerra, o Império Ottomano foi fragmentado e suas terras tomadas pela Inglaterra e França.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Entre a 1ª e a 2ª Guerras, o Movimento Sionista começou a pedir, em várias partes do mundo, uma pátria para os Judeus. Candidatos a essa ocupação dos Judeus foram terras na Amazônia, Argentina, Uganda, etc. Mas obviamente os Judeus desejavam retornar para sua pátria natal, de onde haviam sido expulsos por Roma no séc. 1. Era lá que estavam seus tesouros de fé, os lugares sagrados da sua Escritura.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os Franceses contribuíram para realocar Judeus na Palestina, enquanto os EUA trabalharam na criação do Estado de Israel em 1948. Populações enormes de Judeus foram levadas para a Palestina, com o consequente desalojamento das famílias Palestino-Islâmicas vivendo ali sob o antigo Império Ottomano. Esses habitantes expelidos de suas terras, em sua maioria Sunnitas, foram alocados à força em duas regiões ou subúrbios do país. Devido a influência da Guerra Fria entre EUA e a antiga União Soviética, o apoio dos EUA aos Judeus foi "equilibrado" com apoio da União Soviética aos Muçulmanos e isso inevitavelmente levou à guerra entre os ocupantes das terras e os desalojados. Todos que viveram nos anos 1980 já viram muitas e tenebrosas notícias sobre esses conflitos. Como relatou o historiador e jornalista José Arbex,</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i>“Destruíram vilas e cidades, preservando raras casas com esses traços [Palestinos]: centros culturais, boates, restaurantes e ateliês com ares exóticos. Ao mesmo tempo, as cidades israelenses foram sendo construídas com a imagem ocidental e se constituindo como uma potência francamente estrangeira em uma terra com cultura milenar. Depois, teve início a destruição da agricultura Palestina. Locais onde havia pomares desapareceram, surgindo alimento para gado e laranja. Criou-se o mito de que o Israelense dominou o deserto e que o Palestino não tinha capacidade para produzir alimentos”.</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os Palestinos ficaram conhecidos pelos atentados terroristas nos países apoiando a ocupação Judaica de suas terras.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>E O LÍBANO E A IGREJA COM ISSO?</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Até aqui, tentei mostrar que grandes conflitos religiosos ao redor do Líbano na verdade foram conflitos políticos, com a população "arregimentada" para a guerra "em nome de Deus". Isso foi especialmente verdade no lado Cristão, uma vez que a administração Islâmica de lugares com populações Cristãs tendeu a ser tolerante com os não-Muçulmanos. Tendeu, mas também não foi sempre assim. Em 1948 mesmo, logo após a criação de Israel, muitos Judeus foram exterminados por grupos guerrilheiros dos países Islâmicos. Em 1967, Egito, Síria e Jordânia descarregaram um ataque militar em Jerusalém.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em certo ponto da Guerra Fria, as milícias dos Judeus também começaram a invadir os espaços Muçulmanos em Israel, como se "terminasse a sua benevolência com um adversário já derrotado". Em 1982, o resultado disso foi uma fuga de populações imensas para a Síria e o Líbano. Lá, puseram em desequilíbrio a maioria Cristã/Druze que havia. Novas batalhas por terras começaram.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Vamos entender direito o que foram essas batalhas. Os Palestinos em fuga eram homens, mulheres e crianças desalojados de suas moradias pela 2ª vez, apenas 1 geração após a formação de Israel. Isso poderia colocar eles numa situação de subserviência ao governo do novo país. Mas o controle Francês do governo estava terminando, em ponto de ser substituído por um governo local, novamente Maronita/Druze. Junto dos Palestinos vinham militantes da sua causa em Israel, completamente armados graças à URSS. Esses militantes estabeleceram regiões de milícia, como os morros ocupados pelo tráfico no Rio de Janeiro, e passaram a reivindicar seu lugar na política. Atrás deles, militantes de Israel também entravam armados no Líbano em perseguição ao que chamavam de "movimento terrorista". A resposta do governo Druze/Maronita não podia ser pior: criou sua própria força militar para destruir as guerrilhas entre Israelenses e Palestinos. O velho grupo de sem-tetos de São Maro então virou a Falange Maronita de Elie Hobeika?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Espero estar deixando claro que embora os grupos se identificassem religiosamente como Maronitas, Judeus e Muçulmanos, nunca houve motivação do Novo Testamento, da Torá ou do Alcorão para esses feitos. Nunca existiu um comando divino para matarem um ao outro em nome do equilíbrio do Universo.. Ao contrário disso, havia a resposta inflamada dos Libaneses mais antigos contra a invasão do seu território por refugiados; a organização dos Israelenses antigos ao redor de forças para-militares; e a perseguição dos novos Israelenses ao que consideravam um inimigo perigoso.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A marca do envolvimento popular nas disputas militares, sancionada por líderes religiosos locais (e não os grandes patriarcas, rabinos ou imans de cada lado), infelizmente sempre foi eleger os líderes mais beligerantes. Segundo uma pesquisa do Instituto Gallup, publicada em um jornal de Israel, 46% dos entrevistados apoiavam um ataque em grande escala contra os Palestinos vivendo em seu território.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Um fruto dessa desconfiança religiosa foi o partido Kata'ib, dos Maronitas e Druze que governavam o país desde a saída dos franceses. Curiosamente o partido tinha um apelo forte aos Nazistas. Seu lema era "Deus, nação e família".</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i>" ... Fomos aos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim. E eu vi então essa disciplina e ordem. E eu disse a mim mesmo: "Por que não podemos fazer a mesma coisa no Líbano?" Então, quando voltamos para o Líbano, criamos esse movimento jovem. Na época, quando eu estava em Berlim, o Nazismo não tinha a reputação que tem agora. Nazismo? Em todo sistema do mundo, você pode encontrar algo de bom. Mas o Nazismo não era Nazismo ainda. A palavra veio depois. Em seu sistema, eu vi disciplina. E nós, no Oriente Médio, precisamos de disciplina mais do que qualquer outra coisa"</i>. (Pierre Gemayel, criador do partido)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Kata'ib tornou-se muito poderoso nos anos 1970, proclamando um combate ao Comunismo da URSS e a independência do povo libanês (Fenícios) em relação aos árabes. Já em 1976, o partido contava com diversos grupos de "militantes" ou "para-militares" como Exército do Líbano Livre, al-Tanzim, Milícia dos Tigres, Guardiões dos Cedros, Movimento da Juventude Libanesa, etc, a maioria deles envolvidos em massacres de Palestinos. Um de seus agentes mais famosos foi Elie Hobeika.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Hobeika, líder da "Falange", uma milícia agindo em prol do governo mas não oficialmente vinculada a ele, era ele próprio alguém que perdeu a família nos ataques de milícias Palestinas nos anos 1970. Em 1977, ele já ficava famoso por fuzilar civis na vila de Yarim. Mais um ano e teria eliminado milícias Maronitas concorrentes, sendo nomeado guarda-costas do presidente Libanês.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>AS IGREJAS DE 1982</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Nesse ano em que Israel oficialmente enviou tropas para dentro do Líbano, em perseguição à OLP de Yasser Arafat, cada um dos grupos envolvidos no episódio terrível entre Muçulmanos, Judeus e Cristãos, não o único nem o pior, foram nomeados pelas suas filiações religiosas. E nenhum dos grupos estava pregando sua fé para os demais.. Todas foram ações por ressentimentos, desejos de poder político e interesses econômicos (não esqueçamos como a indústria bélica é lucrativa).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A filiação dos grupos a entidades religiosas foi importante em conseguir apoio popular para as causas de seus líderes, quais fossem os meios terríveis de serem defendidas. A imprensa de todos os cantos do mundo, incluindo o Líbano e Israel, bombardeou a mídia quando souberam do incidente, e de repente todas as pessoas tomavam algum partido, da Falange, do exército Israelense ou dos Palestinos. Cada grupo culpando os demais, ou os próprios homens. A ONU reconheceu um incidente político dos Falangistas Libaneses, com apoio do governo Libanês e coordenação Israelense, a cooperação de inimigos que só acontece nas guerras.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Do lado Israelita, as ordens para dar passagem à Falange vieram do alto comando e grande parte dos soldados envolvidos no cerco a Sabra e Shatila se manifestaram como furiosos com aquilo, no que lhes foi permitido dizer a repórteres.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O Rabbi Menachem Ha-Cohen publicou, poucos dias depois do massacre, um "chamado aos Rabbis de Israel" no jornal Yedioth Ahronoth, expressando sua indignação:</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><i>"Devemos ser comparados a Sodoma? Somos parecidos com Gomorra?³ Se nós permanecermos silenciosos neste momento, tanto os Judeus como os Gentios exclamarão: Esta é a Torá, isto é o Judaísmo. Rabinos de Israel, não guardem silêncio!"</i></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Não houve sequer um movimento nas Sinagogas quanto fazer o massacre parecer correto. Apesar disso, o mundo Judeu estava alarmado com os recentes atentados a bomba em Paris e Roma, onde os criminosos foram amplamente inocentados devido a uma suposta "legítima defesa" contra Israel. Em outras palavras, era o tempo de ordens de Estado fazerem Israel uma nação militarmente agressiva, em prol de auxílios e auxiliadores internacionais, enquanto a população e mesmo os militares desconheciam ou reprovavam tal posicionamento.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O lado Palestino nesses eventos foi o das vítimas, mas nem sempre foi essa a sua posição. Desde os movimentos pan-arabistas no Egito em 1957, liderados pelo presidente Jamāl Abdannāœir, houve ações drásticas contra os ocupantes Judeus em Israel, quase dez anos antes. No Líbano, os Palestinos dos subúrbios representavam o grupo mais mal pago da população, geralmente empregados "sem carteira assinada" de obras civis, que viviam praticamente à margem dos direitos. Isso criou o ambiente para a OLP inserir sua guerrilhas e milícias armadas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">As mesquitas frequentadas pelos novos Libaneses, boa parte deles Shiitas, protestaram fortemente contra as reprimendas Maronitas e Israelenses à presença de Yasser Arafat (famoso líder da OLP) no Líbano. Na época, Arafat era um inflamador das guerrilhas Palestinas. Mais tarde, com a saída de Arafat do país, o vácuo de liderança expôs a classe de trabalhadores militantes a todo tipo de reprimendas por parte do governo, que encontrava apoio nas forças Israelenses de ocupação. Inevitavelmente, os Shiitas viram nas palavras do aiatolá Khomeini uma liderança. Uma ideia religiosa de pureza pela Sharia, mas também uma idéia de repúdio a outras tradições, o que isolou os novos Palestinos (Shiitas) até mesmo dos Palestinos de 1948 (Sunnitas).</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Antes da ocupação Francesa/Inglesa na 1ª Guerra, havia paz entre os grupos religiosos. No entanto, o Império Ottomano manteve os Cristãos Maronitas apenas com sua liberdade religiosa, isso é, sem nenhuma representatividade política ou legal. Com a destruição do Império, essa situação foi invertida e 70 anos depois os Cristãos Maronitas acreditavam lutar por seus direitos culturais. A ameaça de perder tais direitos foi utilizada pela política populista para entrelaçar fé, liberdade e o exemplo Nazista de controle das dissidências.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O presidente Bashir Gemayel, Hobeika e seus Falangistas não estavam em absoluto distantes do que era um entendimento "igrejístico" da guerra, por um lado calçado no envolvimento de Jesus com as temáticas populares, por outro bem longe do ensino Dele sobre amor ao próximo. Na ocasião da Guerra Civil, os monges Maronitas defenderam o armamento da população e a defesa militar da cultura Cristã. Muitos mosteiros serviram como estoques de armas e munição. Enquanto isso, os patriarcas defendiam a moderação, logo após o Concílio Vaticano II, quando a Igreja Católica entrava em um período de diálogo pacífico com Judeus e Muçulmanos.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: center;"><b>O SACRIFÍCIO DOS INOCENTES</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em 16/set de 1982, os três grupos se encontraram de forma terrível. Dois dias antes, uma mala-bomba destruira o quartel-general do Kata'ib, matando o presidente eleito. Como retaliação, as Forças de Defesa de Israel cercaram os campos de refugiados Palestinos chamados Sabra e Shatila, argumentando que guerrilheiros associados com o atentado terrorista podiam estar escondidos lá.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ao anoitecer, os militares deram passagem ao grupo de Hobeika, conhecido pela violência, que adentrou os bairros.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Enquanto os "Israeli" bloqueavam as saídas e disparavam sinalizadores para iluminar as ruas dos bairros às escuras, durante 3 dias e noites "a Falange" matou de forma cruel cerca de 3500 civis morando naqueles assentamentos. Durante o massacre, até tratores foram fornecidos para enterrar os corpos de homens, mulheres e crianças. Qualquer semelhança com a SS (polícia nazista) fuzilando 2000 Judeus no Gheto Geral de Krakovia, na Polônia, em mar/1943, não é mera coincidência.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Os envolvidos do massacre no Líbano jamais foram punidos, mas a investigação feita pela ONU, depois, incluiu cruzes gravadas nas testas de vários cadáveres e boa parte das mortes causada por facas, espadas e espancamentos. Mulheres foram estupradas e estripadas. Crianças foram esquartejadas. Pelo menos 50% das mortes ocorreram nas 1as horas da invasão, antes mesmo do amanhecer.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Em 1991, Hobeika foi anistiado de todos os crimes cometidos durante a Guerra Civil, inclusive sua interação com a CIA estadunidense, iniciando carreira política e sendo nomeado para 4 ministérios em sequência, até 2001. No ano seguinte, ele morreu vítima de um carro-bomba na frente de sua casa, em Beirute. Os líderes militares Arafat e Sharon estenderam suas carreiras políticas.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Eis o que se fez em nome de Jesus. O que você é capaz de fazer em nome de Jesus?</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">----------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">¹ As cartas Paulinas de autoria questionável incluem Efésios, Colossenses, 2ª Tessalonicenses, 1ª e 2ª Timóteo e Tito. Os motivos para esse questionamento são quanto ao conteúdo, local de produção das cartas e estilo de escrita.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">² Os Druze se dizem descendentes de Jethro, sogro de Moisés. São um grupo religioso chamado de Esotérico ou Gnóstico, que mistura elementos Judaicos, Cristãos e Islâmicos. Os Druze acreditam em reencarnação e aproximação sucessiva de uma mente cósmica que identificam com Allah, na verdade absoluta sobre o que se fala, na proteção e ajuda aos irmãos de fé, no repúdio ao mal, na unidade de Deus, na aceitação dos atos de Deus.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">³ "<i><b><span style="color: #b45f06;">Eis que esta foi a iniqüidade de Sodoma, tua irmã: Soberba, fartura de pão, e abundância de ociosidade teve ela e suas filhas; mas nunca fortaleceu a mão do pobre e do necessitado. E se ensoberbeceram, e fizeram abominações diante de mim; portanto, vendo eu isto as tirei dali.</span></b></i>" (Ezequiel 16.49,50)</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Embora seja uma tradição Cristã pregar que o extermínio de Sodoma e Gomorra ocorreram por punição ao homosexualismo, na verdade o texto bíblico é uma narrativa e não uma dissertação. Quer dizer, conta um estória e não as opiniões ou explicações de pessoas. Entre os Judeus, a pregação sobre Sodoma e Gomorra tem outro viés, baseado no texto do profeta Ezekiel. Segundo Ezekiel, Sodoma e Gomorra eram cidades-estado ricas e poderosas, que não auxiliavam suas cidades irmãs, um exemplo de rico caçoando do pobre. Ver<a href="https://www.blogger.com/#"> http://loungecba.blogspot.com/2013/05/sodomia-gomorria.html</a></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">----------------------------------</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><b>RECADOS NUMA PAREDE</b></div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Como começou o conflito no Oriente Médio 1</a> - BBC News Brasil, ago/2020.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Como começou o conflito no Oriente Médio 2</a> - BBC News Brasil, ago/2020.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Como começou o conflito no Oriente Médio 3</a> - BBC News Brasil, ago/2020.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Druze</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Elie Hobeika</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">GERSTENFELD, Manfred. <a href="https://www.blogger.com/#">The war of a million cuts: the struggle against the deligitimization of Israel and the Jews, and the growth of new anti-semitism</a>, Jerusalem Center for Public Affairs (JCPA), 2015.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">HENLEY, Alexander D. M. Politics of a Church at War: Maronite Catholicism in the Lebanese Civil War, Mediterranean Politics, v. 13, n. 3, 353-369, 2008.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Kataeb Party</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Krakow (Cracow)</a>, United States Holocaust Memorial Museum, Washington, DC, encyclopedia.ushmm.org</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Maron</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">MEDINA, Mesas.’Não é com pedras que os palestinos agridem Israel, Jornal da Unicamp, fev/2002.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Munhofen III, Nicholas Blair. The Origins of Hizbollah: Lebanon’s Islamic Resistance to Israeli Occupation. Tese em História (graduação), University of Georgetown, 2010.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">Pseudepigrapha</a> - wikipedia</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">RABINOVICH Abraham. <a href="https://www.blogger.com/#">Journalist reckons with Israeli blame for Sabra and Shatila</a>, timesofisrael.com, set/2020.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">ROSA, João Maurício, Os garotos das fundas, Jornal da Unicamp, dez/2001.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">SALMON, Jago. Massacre and mutilation: understanding the Lebanese Forces through their use of violence, Workshop on the ‘Techniques of Violence in Civil War’, PRIO, Oslo, 2004.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">SHIFF, Zeev. Reactions to the Massacre, Journal of Palestine Studies, v. 12, n. 2, p. 175-179, 1983.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><a href="https://www.blogger.com/#">The medieval papacy</a> - britannica.com</div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-33205049526502850962020-10-02T09:45:00.012-04:002020-10-02T15:53:31.014-04:00 O Islã e a forjadura do Cristianismo no Nordeste<span id="docs-internal-guid-3cbebfe3-7fff-1a50-d665-7c0569d7b7a9"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 311px; overflow: hidden; width: 602px;"><img height="311" src="https://lh3.googleusercontent.com/my9EmjgZF0phvh7MiAH9XJdNzz60XNL-1HhkCBRfiFu5zAMw_inMjRdgh70p-tLDxtY9aafKiw7_scc02L0opyxvLSfpZSd8MsUYU9ql-yNUso6vaasmyfQ-ZasKkH3UyRyv1cr1" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="602" /></span></span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Imagens dos Haussá</span></p><div><span><br /></span></div><span style="font-family: Arial; font-size: 16px; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1GHZ6bGrJgMMe80F74w1-bsttw-cmqeNx/view?usp=sharing" target="_blank"><b>baixar PDF</b></a></span><br /></span><div><span><br /></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 16px; white-space: pre-wrap;">Esse artigo se relaciona a outros:</span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial;"><span style="white-space: pre-wrap;"><a href="http://loungecba.blogspot.com/2017/12/o-cristianismo-negro-1-parte.html">O Cristianismo negro - 1ª parte</a></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial;"><span style="white-space: pre-wrap;"><a href="https://loungecba.blogspot.com/2018/03/o-cristianismo-negro-2-parte.html">O Cristianismo negro - 2ª parte</a></span></span></div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial;"><span style="white-space: pre-wrap;"><a href="http://loungecba.blogspot.com/2018/09/o-cristianismo-negro-3-parte.html">O Cristianismo negro - 3ª parte</a></span></span></div><div><span><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #85200c; font-family: Arial; font-size: 18pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">N</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">o comecinho do séc. 19, o Brasil recebia a família real portuguesa no Rio de Janeiro, junto com uma imensa corte e a maior parte da biblioteca imperial. Isso mudaria muito a situação educacional na colônia, até então basicamente um canto inculto do mundo. Mais ao norte, a costa da Bahia era um lugar muito diferente. A paisagem era composta de grandes fazendas de tabaco, mercados e veleiros. Os navios negreiros e baleeiros desembarcavam negros e óleo para lamparinas num dos maiores portos do Brasil. Salvador havia deixado de ser a capital nacional a apenas 50 anos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Tão urbanizada quanto o Rio de Janeiro, Salvador concentrava a maior parte da população em atividades relacionadas com o porto e seu comércio marítimo. Muitos escravos vendidos ali eram empregados no comércio da própria cidade, alguns até possuindo seus subalternos. Esses "escravos de ganho" entregavam boa parte da renda ao proprietário, mas com o tempo aconteceu de vários serem capazes de pagar o próprio preço, ou seja, comprar a sua liberdade (isso exigia cerca de 9 anos de trabalho). Alguns eventualmente prosperaram no comércio e se tornaram ricos (como Manoel Joaquim Ricardo, que morreu em 1865, deixando 28 escravos, 4 casas e uma senzala, e era um dos homens mais ricos de Salvador). Quase 1/5 dos negros livres era possuidor de outros escravos. Desse modo, Salvador era uma mistura de brancos, negros livres e escravos. Essa variedade financeira, como num grande mercado, seria crítica para formar personagens ativos na história do Brasil.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os africanos que chegavam em Salvador eram prisioneiros de uma outra guerra acontecendo no outro lado do Atlântico, na planície do rio Níger. Ali era o grande território Yorubá, formado por uma coleção de reinos independentes. Na parte mais baixa do território e ao sul ficavam os reinos politeístas comerciantes de óleos, marfim e armas de ferro, cada qual com seu sistema de divindades. Na parte mais alta e mais próxima do grande deserto ao norte, ficavam as nações agro-pastoris, produtoras de peles e grãos, em sua maioria islâmicas. As guerras entre as nações das terras baixas e das terras altas geravam muitos prisioneiros. Enquanto os reinos pastoris Malí, Ghana e Songhai vendiam esses prisioneiros como escravos para o mundo árabe, os reinos portuários Oyó e Benin vendiam escravos islâmicos para os Portugueses e Ingleses. Eram esses homens e mulheres capturados, na maior parte da nação Haussá/Hauçá que eram postos nos navios tumbeiros e chegavam no mercado de Salvador, 40 dias depois de embarcados.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Formada dessa maneira, a população de Salvador em 1810 tinha uma constituição religiosa muito única para o Brasil. Eram brancos Católicos, majoritariamente nascidos no Brasil, misturados a negros Muçulmanos, livres ou escravos. Como a Igreja não se importava muito com a fé dos negros, isso criou uma cisão religiosa. Só mais tarde, quando a Inglaterra e Portugal declarassem guerra aos reinos Africanos, chegariam escravos das nações politeístas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os negros de Salvador que desfrutavam de liberdade inclusive se filiavam em congregações Islâmicas para seus cultos e orações. E recebiam, através dos escravos novos, notícias das guerras em suas pátrias. Em pouco tempo, revoluções iniciadas na África seriam espelhadas em Salvador.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os negros islâmicos que tinham alguma hierarquia na comunidade inclusive usavam seus barretes vermelhos*, anéis de prata e batas como sinal de status. Eram chamados “malês”, uma palavra que vem do iorubá "imale", sem dúvida referente ao reino Malí, na África, e significando “muçulmano”. Eles mesmo se chamavam de “moslim”, outra palavra iorubá que vem de "mu’allim", em árabe, um nome para os letrados e clérigos islâmicos. Esses negros eram alfabetizados em árabe, possuíam cópias manuscritas do Alcorão e faziam bom uso da matemática, algo que era então privilégio dos Portugueses.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">OS MALÊS DE SALVADOR</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em 1804, um líder africano chamado Usman dan Fodio ou (Ibn Fodio) começou um movimento de purificação nas terras pastoris que terminou com muitos capturados e vendidos entre o povo Haussá. Na verdade, Dan Fodio e seus seguidores esvaziaram cidades inteiras, em uma Jihad contra o costume étnico de escarificar a face (um símbolo familiar, e também de status), de chorar sobre os mortos, de rezar sem ter feito as abluções, de as mulheres andarem sem véu e a escravização de Muçulmanos (escravizar os não Muçulmanos ou os Muçulmanos impuros estava ok). Dan Fodio fundou o Califado de Sokoto (1804-1903) e esses "impuros" acabaram justamente como os principais escravos vendidos na Bahia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Entre os Malês, havia notável mistura de religiões politeístas africanas e o Islamismo. Esse arranjo era comum e ainda é assim na região Yorubá, onde há cultos de possessão espiritual, devoções a divindades de árvores, montanhas, grutas e rios, etc, por sua vez sincretizadas com o Islã, através do misticismo Sufi (grupo Muçulmano que valorizava muito a meditação e práticas rituais). Conta-se que faziam adivinhações, danças, portavam amuletos (trechos do Alcorão dentro de pequenas bolsas de couro costuradas) e faziam apelos aos santos islâmicos contra aqueles que os maltratavam, ou mesmo os djinns. Essa natureza do Islamismo bahiano seria outro ponto importante, nos desdobramentos futuros.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Conde de Gobineau, estudioso das raças, esteve no Rio de Janeiro para visitar D. Pedro II em 1869-1870. Ele deixou um retrato curioso do Brasil que encontrou:</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #4a86e8; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">… Malgrado esta aparência, pude constatar que [os Africanos] devem guardar bem fielmente e transmitir com grande zelo as opiniões trazidas da África, pois que estudam o árabe de modo bastante completo para compreender o Alcorão ao menos grosseiramente. Esse livro se vende no Rio nos livreiros ao preço de 15 a 25 cruzeiros, 36 a 40 francos. Os escravos, evidentemente muito pobres, mostram-se dispostos aos maiores sacrifícios para possuir este volume. Contraem dívidas para esse fim e levam algumas vezes um ano para pagar o comerciante. O número de Alcorões vendidos anualmente eleva-se a mais ou menos uma centena de exemplares (...)</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em Salvador, a educação dos Malês começava aos 10 anos de idade, em escolas caseiras. Provavelmente, alguns eram capazes de recitar todo o Alcorão. Centros educacionais famosos dos Malês foram a casa do alufá Manoel Calafate, a venda de fumo do Mestre Dandará, localizada no Mercado de Santa Bárbara, sob a direção do alufá Sanin, e a mesquita construída por James e Diogo, escravos pertencentes ao inglês Abraham Crabtree**.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em terras africanas, aqueles homens teriam pertencido a diversas nações, com línguas diferentes e até inimigas entre si. No Brasil escravista, eles encontraram o árabe como língua comum e o Islamismo como sentido social. Por causa disso, em várias ocasiões os Malês se organizaram em movimentos revolucionários de ordem religiosa. Sem excessão, tais movimentos explodiam após uma organização silenciosa dos líderes, objetivando a liberdade de escravos, destruição das plantações e templos Católicos (sinônimos de conversão forçada), assim como instaurar governos Muçulmanos. Nenhum desses movimentos vingou, mas todos foram significativos para entender como se organizavam os representantes brasileiros de Haussá.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Negros livres eram vistos fazendo proselitismo do Islã em vários locais de Salvador, como o beco da Mata-Porcos, na ladeira da Praça e no Cruzeiro de São Francisco. Nestas pregações eles até faziam propaganda contra a missa Católica, dizendo que a veneração de santos era o mesmo que “adorar um pedaço de pau” e opondo seus rosários aos rosários Católicos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O LEVANTE MALÊ</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O movimento de revolta Malê em 1835 não foi isolado. Já haviam ocorrido pelo menos duas manifestações antes, na Bahia. Entretanto, eram populações rurais e a midiatização de uma ocorrência em Salvador ganhou proporções nacionais. Além disso, o caso gerou uma quantidade enorme de documentos que, muito tempo depois, testemunham sobre um Brasil negro do qual pouco se falava.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Até 1835, os Malês eram tão bem tolerados que o liberal Mr. Crabtree permitiu aos escravos erguerem uma espécie de palhoça com a função de mesquita e escola corânica, no distrito de Vitória, em Salvador. Nos anos seguintes, para lá se dirigiram muitos escravos e libertos da região, a fim de realizarem seus cultos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em dezembro de 1834, a mesquita de Vitória foi o local de celebração do Lailatul Miraj, a viagem noturna do profeta Muhammad aos céus. A comemoração reuniu grande número de fiéis. O evento, porém, foi interrompido pela chegada do inspetor de polícia, intimando os Malês a se dispersarem. Para evitar problemas com as autoridades, Abraham Crabtree, dono dos escravos, ordenou que eles próprios demolissem a mesquita. Esse foi o estopim da revolta dos Malês.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em 1834, um ato adicional à Constituição já alertava contra "doutrinas Haitianas" circulando entre os negros organizados em "sociedades secretas", destinadas a amotinar os escravos nas lavouras. Havia, em todo o mundo escravista, o medo de algo semelhante à Revolução Haitiana (1791-1804), quando escravos tomaram conta da Ilha de São Domingos, expulsando ou matando os colonos espanhóis.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na noite de 24 do mês de Ramadã² (Janeiro) de 1835, quando os Católicos comemoravam a festa de Nossa Senhora da Guia³, um grupo Malês reuniu-se. Era uma das 10 últimas noites sagradas, chamada Laylat al Qadr, quando Mohammed havia recebido a revelação do Alcorão. Mas a Rebelião já havia sido denunciada às autoridades. Conforme um relatório policial da época:</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #4a86e8; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Depois pelas partes recebidas [denúncias], soube que no acto da busca em huma casa junta de Guadalupe, à ladeira da Praça, por denúncia particular, quando quis entrar o Juiz de Paz, não lhe quis abrir a porta huma parda, dizendo que ali não havia pessoa alguma; e como se dispusesse o Juiz a arrombá-la, abriu-a, ao passo que a outra se fechou. Mas, crescendo a desconfiança, e entrando o Commandante da Companhia dos Permanentes, o Tenente Lázaro Vieira do Amaral, repentinamente a hum signal dado, dizem, pela referida parda, abriu-se a porta sahindo de dentro hum tiro de bacamarte, e apoz delle hum grupo de 60 pretos, pouco mais ou menos, armados de differentes armas, principalmente de espadas, os quaes dispersarão a pequena força surpehendida, ferindo gravemente ao referido Tenente Lazaro, e a outros que forão encontrando em sua passagem.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A Revolta acabou sendo denunciada por duas escravas libertas, uma por fidelidade ao seu senhor e a outra por motivos passionais. Apesar disso, não houve grande tempo para a preparação da polícia, que travou combate feroz com os rebelados.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O movimento religioso se revelava na pouca participação de negros brasileiros. Em Salvador, os nascidos na África chegavam a mais de 30% da população total (ao todo, os negros representavam 2/3 da população urbana). As lideranças dos Malês eram também líderes religiosos: Ahuna (um Yorubá com o rosto marcado por sinais, escravo de um comerciante de aguardente), Pacífico Licutan (Yorubá idoso e magro, também de face marcada, alufá respeitado que trabalhava como enrolador de fumo no cais e era escravo dum médico), Luís Sanin (outro alufá, parceiro de Licutan no enrolamento de fumo, era também um mestre em finanças), Manoel Calafate (alufá idoso e liberto), Mestre Dandará (o "filho de Daurá", um pequeno reino Haussá, era um alufá liberto e proprietário de um comércio de fumo próximo à mesquita), Sule e Mama (junto com Buremo, esses três eram os líderes da mesquita no distrito de Vitória).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Sufi faziam juramentos de lealdade aos seus mestres, estabelecendo linhagens de ensino ou Tariqas. Licutan era um renomado alufá, o que indicava que muitos em Salvador eram juramentados a ele, que havia sido confiscado para pagamento de dívidas de seu senhor e estava na prisão. Sanin levava comida para Licutan todos os dias. Foi para a prisão que se dirigiram os revoltosos, partindo da casa de Calafate. Haviam feito juramento diante de uma bandeira branca para morrer em batalha, e não de doenças. Era o mesmo juramento dos discípulos de Dan Fodio, na África...</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ao todo, a Revolta dos Malês contou com 200-250 homens e durou dois ou três dias. A quantidade de negros nas ruas acendeu todos os terrores de uma nova Revolução Haitiana. A maioria vestia as batas/abadás brancos usados nos cultos e os líderes portavam seus barretes vermelhos. Na abordagem inesperada após a denúncia dada pelas mulheres, metade deles tomou as ruas com paus, foices e ferramentas de cortar gado para tentarem chegar onde o alufá Licutan estava preso. Esse movimento foi de encontro com a força policial, e muitos caíram baleados antes que soltassem Licutan.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Com a notícia do estouro, um outro grupo lançou-se às ruas despreparado, antes do momento, e no confronto escaparam para a zona rural da cidade. Lá incendiaram algumas plantações e foram perseguidos e fuzilados um a um, outros se jogando no rio, onde morreram afogados. Um tanto deles acabou preso nas matas e plantações de fumo, sendo depois fuzilados ou mortos a chicotadas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Há o registro dos sobreviventes que foram presos e nomes mencionados por eles, mas só há vagos indícios dos que morreram. Como os documentos sobre o levante foram obtidos de forma policial, muito pouco se sabe sobre o líder Ahuna. Os inquiridos tentaram a todo custo esconder sua identidade. Mesmo o nome Ahuna é duvidoso, pois trata-se de uma corruptela de Arão, o líder Hebreu.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E A CRISTANDADE COM ISSO?</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Nesse ponto, o leitor costumeiro talvez esteja algo interessado nas estórias sobre baianos falando árabe, e quem sabe se pergunte "Esse não era para ser um espaço de falar do Cristianismo?". A explicação está na forma como a cultura Malê foi influente no desenvolvimento do Cristianismo na costa Nordeste do Brasil.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Obviamente, a Igreja Católica não estava interessada nos negros até o tempo da República. Ou pelo menos não cogitava interferir no sistema escravista. No máximo, havia conversões forçadas que não concediam aos negros o status de fiéis nem permitiam sua entrada nas igrejas, e era quase somente um mecanismo para desfazer as congregações em que eles se vinculavam. Apesar disso, os negros eram maioria populacional no Nordeste e a abolição da escravatura os misturaria indelevelmente com a população cabocla mais pobre. Essa miscigenação não seria somente genética, mas também cultural.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No Nordeste do séc. 19, por exemplo, os senhores de escravos permitiam celebrações afro-católicas vinculadas a irmandades negras, entendidas como uma ferramenta de Catequese, como forma de "apaziguar os pretos". Uma forma famosa dessas festas são as celebrações de Nosso Senhor do Bonfim, que permaneceram até os dias de hoje, com danças Sufi e batuques Yorubá se misturando ao Catolicismo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os negros tiveram cada vez mais proibidas as suas práticas e após 1835 o Brasil seguiu em rumo de supressão do Islã, até então desprezado. Elementos islâmicos, mesmo letras em árabe, eram evidências de conspiração.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A medida entre os comandos políticos do Rio de Janeiro e a prática comunitária de "apaziguar os pretos" foi curiosamente encontrada dentro da Igreja, na forma de Confrarias de Pretos. Estas eram irmandades de convertidos e devotos (como as irmandades Sufi, a que os Africanos estavam acostumados), onde os negros tinham acesso aos espaços Católicos. Lá, em nome de pseudo-tradições monásticas, podiam encontrar alguma privacidade para seus cultos e rituais fúnebres. As confrarias dedicadas a São Benedito (um monge Franciscano negro da Itália), Nossa Senhora do Rosário (que numa visão instruiu São Domingos de Gusmão sobre como derrotar os Cátaros, no séc. 13, através da reza de um rosário muito parecido ao dos Muçulmanos) e Nosso Senhor do Bonfim (cuja festa coincidiu com o Qadr islâmico) tiveram quase 90% dos negros Católicos de Salvador. Dependendo do Estado nordestino, outras confrarias importantes foram Santa Ifigênia, São Jorge, Santo Elesbão, São Gonçalo, etc.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As aproximações entre as religiões no séc. 19 podem ser testemunhadas pelas chamadas "bolsas de mandinga", um adereço que foi bastante característico dos negros no final do Império, e perseverou bastante no Nordeste, entre os mulatos e caboclos. Mandinga era o nome dado aos reis do Império Malí, na África. As bolsas ou patuás serviram como proteção contra feitiços, o mal, qualquer coisa. Na tradição jagunça do sertão do séc. 19, acreditava-se que poderiam mesmo fazer alguém ter "corpo fechado" e resistir a facadas e tiros. Eram pequenas e amarradas no pescoço, braço, tronco, etc, feitas de couro ou tecido e contendo ossos humanos (de inimigos, parentes ou religiosos), sementes, desenhos de Cristo crucificado, orações Católicas, versículos bíblicos ou do Alcorão.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na Casa das Minas em Maranhão (referência ao grupo religioso de Candomblé chamado Tambor de Minas) já houve uma profusão de imagens santos Católicos. Hoje, distanciando-se do Catolicismo, ainda são cultuados alguns voduns "devotos" de Católicos: Doçú, que adora São Jorge, Nochê Sepazim, que adora o Divino Espírito Santo, Averequete, que adora São Benedito, Polibogi, que adora Santo Antônio, Badé que adora São Pedro, Sobô que adora Santa Bárbara e os gêmeos Toçá e Tocé, identificados com Cosme e Damião.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No final do Império, essa flexibilização do Catolicismo nordestino foi crucial para absorver os negros libertos e a explosão populacional de mulatos/mamelucos que surgiu da miscigenação de negros, brancos caboclos e indígenas. Os mestiços, distantes dos dogmas Católicos, acabavam nascendo numa religiosidade bem brasileira, que se formava entre o Islã, os cultos Yorubá e o Catolicismo lusitano. Mais próximo ao Rio de Janeiro, o Catolicismo se fechou às influências Africanas, que fundiram o Islã e as religiões Yorubá dentro dos terreiros de Candomblé e Umbanda.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">DEPOIS DOS MALÊS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O legado dos Malês propriamente ditos não desapareceu facilmente. Conto aqui algumas decorrências do que aconteceu na Bahia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O iman Abdurrahman Bin Abdulal al-Baghdadi, de Bagdá, era um intelectual do Império Ottomano¹, que então controlava o Oriente Médio. Em 1866, ele embarcou em Istambul/Turquia como responsável pelo cuidado espiritual da tripulação, que deveria circunavegar a África, mas um furacão fantasticamente fez com que a embarcação cruzasse o Atlântico e viesse à costa do Rio de Janeiro. Ao desembarcar na capital do Império, al-Baghdadi foi abordado por diversos negros que reconheceram suas vestes e status e o saudaram: “As-Salamu Alaikum”. Estes negros, ao entrarem no navio, afirmaram “eu, muçulmano” e não, “eu, malê”, cientes de que tal nomeação era rejeitada no mundo islâmico.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Al-Baghdadi percorreu a costa brasileira de barco até Recife, parando nas capitais costeiras e relatou, em seu retorno, o fato de negros brasileiros serem Muçulmanos e praticarem os rituais de oração, além de terem o cuidado de manter partes do Alcorão no idioma árabe e guardados dentro de pequenos cofres. Por causa da perseguição aos Malês se iniciando, Al-Baghdadi tutelou por nada menos que 3 anos cerca de 500 negros brasileiros no estudo do Alcorão. Seu relato em Bagdá contou sobre 19 mil Muçulmanos vivendo no Brasil. Nas palavras dele:</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #4a86e8; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Com freqüência lhes perguntei pelo motivo por que escondem tanto sua religião, embora os países garantam todas as liberdades que se queiram. E eles me relataram que houvera uma guerra entre eles e os Cristãos. Os negros tinham a intenção de controlar as terras, mas a vitória ficou com os Cristãos. Era publicamente conhecido entre eles que a raiz desse levante estava em uma comunidade Muçulmana que havia entre os grupos dos negros. Foram eles que decidiram essa coisa entre si, pois existem diversas religiões [entre os africanos]. Os Muçulmanos inclusive negam sua religião até mesmo hoje [1865, trinta anos depois], por temor do perigo de que os Cristãos, se notarem que alguém segue o Islã, talvez o matem, o deportem ou o encarcerem para o resto da vida.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em 1904, no Rio de Janeiro, relatou-se a presença de um Islã misturado ao Candomblé, em que alufás vestidos com abadás (batas islâmicas rituais) e as cabeças cobertas com barretes vermelhos sentavam-se sobre tapetes de pele de tigre ou de carneiro para ler o Alcorão, fazer preces e rezar o rosário. Esses religiosos não comiam carne de porco e guardavam o Ramadan.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Curiosamente, nesse início do séc. 20, a separação entre os Yorubá e Malês parecia ainda existir, dentro do que era conhecido de forma comum como "terreiro", ou espaço de culto e feitiçaria, praticado por ambos os sectos. O historiador João do Rio registrou que “os alufás não gostam da gente de santo, a quem chamam de auauadó-chum; a gente de santo despreza os alufás, que não comem porco, chamando-os de malês”. Registrou-se que essas comunidades de negros “adoravam Alá, Olorun-uluá (Olorum + Alláh, um sinal forte de sincretismo) e Mariana-mãe-de-Deus (outro sincretismo). Palavras como Oxalá (divindade Yorubá associado com Jesus) também seriam uma derivação de isha-Alláh (queira Deus)".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Na culinária Baiana, ficou conhecido o arroz de Haussá, feito sem sal, óleo ou tempero e cozido com bastante água. Esse era o prato preferido do escritor Jorge Amado (1912-2001), famoso habitante de Salvador.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Nas cerimônias do Candomblé difundido a partir da Bahia, o colorido das roupas afro (inclusive em países islâmicos) ainda hoje é substituído pelo branco. De forma semelhante ao Islã, também, os sapatos são retirados antes das cerimônias, como no encontro de Moisés com Deus no monte Horeb.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">--------------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">* Famoso personagem do folclore brasileiro, o Saci não deixa de ostentar um barrete Malê. Além disso, muitos envolvidos no movimento Malê trabalhavam com fumo, sendo o cachimbo outro adereço do nosso negrinho fazedor de travessuras.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">** Esses pormenores foram todos obtidos de documentos de 1835, do processo contra os Malês capturados e executados pela polícia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">¹ O Império Ottomano foi uma das maiores extensões de terra sob um único Califa. Surgiu em 1299 a partir do Sultanato de Rum, na atual Turquia, e ganhou força com as unificações de reinos sob Osman/Ottoman I. Em 1453, derrotou o Império Bizantino e anexou a famosa cidade de Constantinopla, capital de Roma Oriental. Seu maior líder foi Suleiman o Magnífico (1520-1566). Em 1683, no apogeu de seu território, o Império chegou a reunir sob um único Cafifa todo o norte da África, Grécia, Sul da Rússia e o Oriente Médio. Aos poucos, o território foi se fragmentando e novas lideranças surgindo, até que a 1ª Guerra Mundial separou em definitivo as nações sob domínio Ottomano.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">² O Ramadan segue o calendário lunar islâmico, que não coincide com o calendário Romano em vigor no Ocidente. Por isso, em 1835 o Ramadan aconteceu em dezembro, mas em 2020 ele ocorreu em abril.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Ramadan é o 9º mês do calendário islâmico e a época do ano mais sagrada do Islamismo. “Ramadan” é uma palavra árabe que significa “calor intenso”. Este mês ficou conhecido desta forma por causa do clima que predominava na época em que o nome foi escolhido. Foi o período em que o profeta Mohammed começou a receber as revelações do Alcorão enquanto meditava na caverna de Hirá, em Meca. Neste mês, os Muçulmanos não devem ingerir bebidas (nem água) e alimentos, também se abstendo de relações sexuais durante o dia, entre o nascer e o pôr do sol. Além disso, devem demostrar caridade e generosidade e evitar quaisquer ações que possam levá-las ao pecado.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">³ As festas de Nossa Senhora da Guia honram Maria como tutora de Jesus na Infância. É bem curioso que os textos referentes à infância de Jesus não constam há muito do ensino Cristão. Um dos principais é justamente o Evangelho de Barnabé, um livro apócrifo que participou da composição do Alcorão.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Devido ao navio da Marinha Portuguesa comandado por Theodósio Rodrigues de Faria ter chegado em Salvador com as imagens de Nossa Senhora da Guia e também do Nosso Senhor do Bonfim (representação da Ascenção de Jesus) em 1740, ambas as festas são comemoradas juntas. Ambas são cheias de elementos islâmicos e Yorubá, além de coincidirem com a data do Qadr, momento final e mais sagrado do Ramadan.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">--------------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">FALHAS AO ANOTAR</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">BERNARDO, André. </span><a href="https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44011770" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O legado de muçulmanos que se rebelaram na Bahia antes do fim da escravidão</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, BBC, 09/05/2018.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">CAIRUS, José Antônio Teófilo. Jihad, Cativeiro e Redenção: escravidão, resistência e irmandade, Sudão Central e Bahia. 2002. Dissertação de Mestrado no PPG em História Social, UFRJ.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">COSTA, Valéria Gomes. Irmãos do Rosário e sectários da religião maometana: sociabilidades entre africanos no Recife oitocentista. Topoi (Rio de Janeiro), v. 19, n. 37, p. 33-56, 2018.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Domingos_de_Gusm%C3%A3o#:~:text=A%20apari%C3%A7%C3%A3o%20da%20Virgem%20Maria%20e%20a%20revela%C3%A7%C3%A3o%20do%20Santo%20Ros%C3%A1rio,-Domingos%20de%20Gusm%C3%A3o&text=Em%201214%2C%20S%C3%A3o%20Domingos%20estava,cidade%20de%20Toulouse%2C%20em%20Fran%C3%A7a.&text=Ap%C3%B3s%20a%20apari%C3%A7%C3%A3o%20mariana%2C%20S%C3%A3o,tocar%20sem%20qualquer%20interven%C3%A7%C3%A3o%20humana" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Domingos de Gusmão</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> - wikipedia</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">DOS SANTOS GOMES, Ronaldo. A Erudição Islâmica na Bahia do Século XIX: O Islã como fundo ideológico do movimento malê. Tempos Acadêmicos, n. 7, 2013.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">OLIVEIRA, Eduardo. Cosmovisão africana no Brasil: elementos para uma filosofia afrodescendente, Editora</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space: pre;"> </span></span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Publicação Ibeca, 2003, Universidade do Texas.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">FERRETTI, Sérgio E. Sincretismo afro-brasileiro e resistência cultural. Horizonte Antropológico, p. 182-198, 1998.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">IPHAN, </span><a href="http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Dossie%20Festa%20do%20Bonfim.pdf" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Dossiê Festa do Bonfim - a maior manifestação religiosa popular da Bahia</span></a></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">MELO, Suzana Leandro de et al. A religiosidade no Brasil colonial: o caso da Bahia (séculos XVI-XVII). 2010, dissertação de mestrado no PPG em Ciências das Religiões, UFPb.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Nossa_Senhora_da_Guia" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Nossa Senhora da Guia</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> - wikipedia</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://iqaraislam.com/ramadan" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ramadan: o que é o mês sagrado e de jejum do Islam?</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, iqaraislam.com</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">REIS, João José. De escravo a rico liberto: a trajetória do africano Manoel Joaquim Ricardo na Bahia oitocentista. Rev. Hist. (São Paulo), São Paulo , n. 174, p. 14-67, 2016.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">REIS, João José. Há duzentos anos: a revolta escrava de 1814 na Bahia. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro , v. 15, n. 28, p. 68-115, 2014.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">RIBEIRO, Lidice Meyer Pinto. A implantação e o crescimento do islã no Brasil. Estudos de religiao, v. 26, n. 43, p. 106-135, 2012.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 10pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">SOBREIRA, Juazer Caesar Malta et al. Negro, Escravo e Muçulmano: um breve estudo da influência islâmica na “Revolta dos Malês”. Revista de Teologia e Ciências da Religião da UNICAP (Descontinuada), v. 1, n. 1, p. 141-152, 2011.</span></p><div><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><br /></span></div></span></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-49826150416750084582020-09-22T01:23:00.003-04:002020-09-22T01:23:41.778-04:00As cabeças chifrudas do Cristianismo<div class="separator"><p style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img height="339" src="https://lh5.googleusercontent.com/Ps1hffuSX3tzyPKTxD4-e3UaYdSi7OUAae_2bnk0ruE3vm5kGaM1jrrDmzqCLvsVJ6C2rw9AgOCrRzqkRMfX5XyOA-iv0HqIt8bpCVds6WUjdIHdY7OqIkx9oyDgzFdw3YFDELaE" style="font-family: Arial; font-size: 12pt; margin-left: 0px; margin-top: 0px; text-align: justify; white-space: pre-wrap;" width="602" /></p></div><span id="docs-internal-guid-bb94db05-7fff-0042-2ebe-fd15675707e7"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Apollonius, o adivinho - cena do filme. Há a referência a um Apolônio de Tyana que de fato existiu e foi contemporâneo de Jesus.</span></p><div><span><br /></span></div><span style="font-family: Arial; font-size: 16px; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1MjPUiqWXs9vjaYt0qY8XcBQD2dYN4Ch7/view?usp=sharing" target="_blank"><b>gerar PDF</b></a></span></span><div><div style="text-align: justify;"><span style="font-family: Arial;"><span style="font-size: 16px; white-space: pre-wrap;"><br /></span></span></div><span><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: red; font-family: Arial; font-size: 18pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> título desse texto é uma memória do antigo filme “</span><a href="https://www.facebook.com/watch/?v=1043133839157010" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As 7 Faces of Dr. Lao</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">” (1964), feito a partir do livro “O Circo do Dr. Lao” (1935). No filme e no livro, Dr. Lao era um misterioso chinês comandando um circo onde monstros dignos das fantasias gregas não eram lendas, mas sim atrações, naquele velho esquema da exposição de bizarrices. Trago aqui algo semelhante, criaturas estranhas, que são bizarrices dentro do Cristianismo. Nenhuma foi chamada assim em seu local e tempo, mas certamente são impressionantes às pessoas vivendo um Cristianismo mais próximo da Bíblia, ainda que isso seja vago e problemático.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Como uma das atrações mais fantásticas do Dr. Lao, o monstro de 7 faces, o Cristianismo é grande. No filme, o mesmo ator interpreta todas as atrações do circo, assim como o Dr. Lao. O Cristianismo também já interpretou muitos e estranhos Cristianismos dentro de si, em locais e tempos muito diferentes. Escolhi aqui algumas dessas “atrações” por seu distanciando enorme daquilo que poderíamos chamar de "bíblico". Deixarei ao final para especificar quais são, a fim de não gerar preconceitos. Chamarei essas versões de Guilherme, Clemente, Armand e Catulé. Não são nomes fictícios...</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> </span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">GUILHERME</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Guilherme era um Cristianismo jovem, ainda lidando de forma conturbada com um Deus todo-poderoso que permitia a existência do mal. A despeito das Bíblia atuais, que trazem o Velho e o Novo Tratamento emendados como se fossem continuidade um do outro, Guilherme negava em completo sua conexão histórica com o Judaísmo, vendo os deuses do VT e do NT como duas figuras distintas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No VT havia um Deus criador do mundo (Rex Mundi), mas que matava e adoecia os homens segundo seu parentesco com os Judeus, um povo detestável que perambulava por suas terras. Esse Deus inclusive produziu Satã, o enganador, sendo os dois figuras que mais ou menos se misturavam. Ele convenceu muitos anjos a se poluírem habitando a matéria.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Deus do NT era completamente diferente. Chamavam-no de Grande Pai. Ele absorvera todos os homens como Seu povo. Não criou nada terreno, mas prometeu um Reino Celestial. Esse outro Deus, do qual Jesus fazia parte, não compactuava com a matéria. Isto é, Jesus não era realmente carnal. Por isso não nasceu de verdade, apenas tornou-se visível. Não foi batizado, nem crucificado: apenas ascendeu de volta ao Céu após ensinar sobre esse lugar diferente, onde os homens poderiam chegar. Miguel e outros anjos fiéis ao Grande Pai também permaneceram tentando convencer os homens de seu erro. Diversas vezes Miguel se metamorfoseou em uma pomba para falar aos homens e dar-lhes poder contra Satanás.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As semelhanças com o evangelho de João e com o Alcorão não são casuais. Um texto de Guilherme, chamado A Ceia Secreta, trazia Jesus contando os segredos da Criação a João Evangelista. Jesus contava, por exemplo, sobre o anjo corrompido Elias reencarnado como João Batista, cujo Batismo de água condenaria as pessoas a uma vida carnal; Ele, Jesus, por outro lado, oferecia um Batismo de Fogo, após o que teriam liberdade para voltarem ao estado de pureza. No Alcorão, Jesus também é elevado aos Céus e toda a Crucificação é uma farsa apresentada aos homens.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Cristianismo Guilherme surgiu das aventuras Cristãs no mundo islâmico, das comunidades afastadas que absorveram textos Cristãos da época Romana, dos Zoroastras vivendo nas Montanhas Balkans (atual Bulgária) que defendiam sua fé antiga tentando traduzir ela para o Cristianismo e o Islã. Sua prática envolvia um culto ao ascetismo e pureza, para libertar o espírito do seu corpo pecaminoso.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Após um juramento público, que substitui o Batismo, os homens e mulheres podiam ser chamados de "puros" ou "perfeitos". Tal liberação finalmente devolveria os humanos ao seu estado de anjos. E assim, como anjos, deveriam viver na Terra sem divisão, sexualidade ou prazeres carnais.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Tanto o mundo terreno como os escritos dos profetas ou os Evangelhos eram vistos como altamente corruptos, criações de Satanás para distrair os homens de seu propósito angelical. Ainda assim, quase tudo em Guilherme parece uma re-elaboração de textos Cristãos... Não sabemos se Guilherme chegou a escrever seu próprio Evangelho, mas com certeza seu credo escrito existia particionado em vários textos, e deles muito nos foi contado sobre ele. Algo entre o Judaísmo Essênio, o Cristianismo e o Islã, Guilherme desprezava os escritos de Isaías mas valorizava os de Ezekiel, usava partes de João e abominava os outros evangelistas. Conhecia as cartas de Paulo, que foram produzidas pela incorporação do próprio Jesus nele, mas tinha outras cartas e o Apocalipse como demoníacos. Comiam somente verduras e peixes, não se reproduziam, não tinham ocupações fora da religião se estivessem suficientemente altos na hierarquia social.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O apelo de fé de Guilherme foi notável por um tempo. A separação radical de homens e mulheres se aliava com um comprometimento dos homens entre si e das mulheres entre si. A chance de ascender dentro desse mundo religioso através de suas ações em prol da pureza também eram atraentes, e conquistaram os camponeses. Ao invés da separação com a Igreja, Guilherme lhes permitia experimentar o Céu, ou pelo menos os níveis mais baixos deste. Sua fé desprezava a hierarquia religiosa, assim como os templos construídos. Por isso haviam feito muitos fiéis em áreas rurais, como a Macedônia e a Holanda.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Interrogatio Iohannis ou A Ceia Secreta</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">E mais uma vez eu, João, questionei o Senhor, dizendo: "Quando Satanás caiu, em que lugar ele morava?" Em resposta, Ele me disse: “Por causa de sua exaltação própria, meu Pai decretou sua transformação”, retirando dele a luz de sua glória. A face de Satanás era como um ferro brilhando no fogo, e todo o aspecto de seu semblante era como o de um homem. ... E ele tinha sete caudas com as quais arrancou a terceira parte dos anjos de Deus. Ele foi expulso de diante do trono de Deus e da mordomia do céu. Caindo do céu, Satanás não encontrou paz neste mundo, nem os que estavam com ele. E rogou ao Pai, dizendo: 'Eu pequei. Tem paciência comigo, e eu te pagarei tudo.' O Senhor teve pena dele e deu-lhe paz para fazer o que quisesse até o sétimo dia. Então Satanás tomou seu assento acima do mundo e deu ordem ao anjo que estava sobre o ar e ao anjo que estava sobre as águas, de modo que eles levantassem dois terços das águas bem alto no ar. Do terço restante eles formaram os mares.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Guilherme não sobreviveu aos séculos, mas produziu por algum tempo uma mini-civilização alternativa. Guilherme contava com prosperidade econômica, estabilidade de governo e mesmo uma propaganda forte contra a Igreja Católica. Claro que podemos reconhecer mesmo hoje suas partes circulando nas igrejas, mas em algum tempo ele despertou a ira da Igreja Ocidental por criar seus próprios textos-base do Cristianismo, por não pagar dízimos aos clero, por se aproximar demais do Islã e por finalmente angariar uma riqueza que Roma desejava possuir.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Guilherme acabou fulminado no meio da guerra interna do Cristianismo, que durou pelo menos 200 anos. Nessa perseguição, grande parte dos documentos foi queimada, muitas pessoas morreram (inclusive 2 reis franceses) e quase tudo o que sobrou foram ruínas, em nome do que é correto pensar sobre Jesus.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 57px; overflow: hidden; width: 69px;"><img height="57" src="https://lh6.googleusercontent.com/19oc45MGbDbV9G0LALBiTBmf2pSHNJ5XJ_pItxvpoUamMKtXLCJDarjb4x4v2nxMos4KANd3I54iohXPgSaTAbBhIYxwZl2UkiL70-tEpjvr-Raj6RHC-0Ssxmz97K7CfOSXBl4s" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="69" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">CLEMENTE</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A atitude de Jesus para com os doentes sempre foi de curá-los (segundo escrito), fossem Judeus ou Romanos, ou mesmo se tratando de doenças mentais que, então, eram entendidas como possessões demoníacas. Os Evangelhos de Mateus e Lucas anunciaram fartamente as curas de Jesus, salvador enviado por Deus ante a abominação Romana. Em Atos, os apóstolos guiados por Pedro também exercem esse poder de cura. Paulo não conta sobre tais milagres em suas cartas, mas reforça o Cristianismo como prática de Judeus, Gregos e demais Gentios.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No final da recessão produzida pela fragmentação de Roma Ocidental e tomada das terras por povos guerreiros (ex. Francos, Saxões, etc), que depois foram cristianizados, a Europa estava em pleno processo de caça-às-bruxas. As árvores, lugares, animais e principalmente pessoas estavam sendo histericamente acusados por todo tipo de mal-acontecido, de ventos fortes e plantações mal desenvolvidas a dores-de-dente. Clemente era um Cristianismo participativo nesses eventos, que nos legou muitas obras sobre os poderes ocultos do mal e as formas mais incríveis de combater ele, como escrever versículos em papéis e rechear sua roupa com eles. Em especial para nós aqui, os Cristãos da época decidiram que muitos animais (além das serpentes) eram canais do Diabo para esse mundo. Os gatos, por exemplo, eram mortos tanto por serem portadores do mal quanto por seu sacrifício ser um talismã contra o mal (gato morto significava algo bom).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em algum momento, o comércio Ocidental ressuscitou. Infelizmente, nessa época, um excesso de aridez na região dos Mongóis, na Ásia Central, fez os ratos portadores de pulgas com uma bactéria mortal migrarem para os campos e casas das pessoas. Os Mongóis levaram a bactéria para o litoral da China, em carregamentos de grãos que foram vendidos para a Índia, Arábia e Constantinopla. Enquanto metade do Islã perecia da doença Hindi, infectados pela população grande de pulgas compartilhadas entre humanos e animais, Constantinopla era o centro do Ocidente, e de seu grande porto a bactéria foi levada para Síria, Egito e Rússia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Muçulmanos e Egípcios a levaram para o norte da África e a parte islâmica da Espanha. Em menos de 50 anos, a Praga alcançou a Britânia, Escandinávia e Germânia. Como as pulgas hospedeiras eram habitantes dos ratos e humanos, e as más condições de higiene aumentaram o preço a ser pago. Mais ou menos metade de toda a população da Ásia e Europa morreu. Na Itália e França, centros importantes do Cristianismo, isso chegou a 80% dos habitantes. O célebre livro Decameron (uma fantástica novela de 100 capítulos escrita por Giovanni Boccaccio) conta sobre as pessoas se isolando no campo, fugindo das cidades atulhadas de cadáveres.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Clemente era um Cristianismo hospedado dentro dessa Europa em desespero, no tempo em que a Ciência postulava um alinhamento de planetas atraindo vapores nocivos de dentro da Terra, e recomendava como proteção tudo que tivesse aroma forte - de latrinas a alho e rosas. Clemente culpou os Judeus por aquilo tudo que estava acontecendo. Os Judeus se diziam o povo de Deus e haviam matado Jesus. Eles habitavam as terras da Europa desde antes da conversão dos povos ao Cristianismo. Eles rejeitaram o Cristianismo. Logo, estavam espalhando venenos pelo mundo, para eliminar os Cristãos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Podemos pensar em cultos nas igrejas das planícies Européias exaltando as pessoas sobre matar os Judeus nas ruas. Isso aconteceu. Haviam estátuas de Judeus devorando crianças vivas. Uma cidade chegou a trancafiar 900 Judeus num prédio, que foi incendiado, como medida preventiva - a peste ainda não havia chegado lá. Embora o líder máximo dos Clemente nomeasse a Praga como ira de Deus, um movimento de flagelantes logo roubou sua credibilidade.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Flagelantes eram Cristãos que iam de cidade em cidade, moíam seus corpos a golpes de chicote e lâminas, pedindo perdão de Deus para com os habitantes. Eles têm seu par no Islã Shiita. Seu número crescia a cada lugar que passavam. Não raro eram os Flagelantes que animavam a população para a matança dos Judeus. Suas idas e vindas entre as cidades, assim como a aglomeração de camponeses que os seguiam em Procissão foram fortes propagadores de Praga, até bem depois que ela estava desaparecendo.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os Judeus eram rotineiramente suspeitos de envenenar poços, assassinar crianças em ritos secretos e praticar várias formas de magia para ferir ou matar Cristãos. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">"[Os habitantes da cidade] Pedindo a expulsão dos Judeus, afirmaram que seu perigo para a comunidade se estendia muito além de um ocasional assassinato de crianças, pois eles secam o sangue que assim obtêm, moem até virar pó e o espalham nos campos cedo de manhã, quando há forte orvalho no solo; então, em três ou quatro semanas, uma praga atinge os homens e o gado, num raio de meia milha, de modo que os Cristãos sofrem severamente enquanto os ardilosos Judeus permanecem em segurança dentro de casa".</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A Praga só abrandou na medida em que faltaram pessoas para ser infectadas e o trabalho com grãos nos campos diminuiu. Nem as perseguições, nem os Flagelantes deixaram versões escritas desse novo Evangelho de acusações, mas as acusações e execuções foram guardadas pelos historiadores. A onda selvageria, mortes e auto-violência que se espalhou na França, Holanda, Alemanha, Áustria e Itália só foi menos cruel que a Praga, pela qual culpavam uns aos outros. Mais recentemente, os acusados pelo mundo têm sido os Comunistas, Umbandistas, Gays e Palestinos; e ainda hoje Clemente fala nas igrejas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 76px; overflow: hidden; width: 80px;"><img height="91.4448487856982" src="https://lh5.googleusercontent.com/5gvrd8XMHgsmTHU049XyLVhippOpppdPNyiRiI80yjEI-H1Xrq0lpK1fX2RBL_nppdWb-YhlQZB_4KDbRli592-AluY1Z_ii7ZyK42OljW8DTylU_wVLxINPbD8Kx4MwMD2bDgY3" style="margin-left: -7.12468193384224px; margin-top: -9.539396443421161px;" width="91.6030534351145" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">ARMAND</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Armand se concretizou como um dos famosos e numerosos filhos do Cristianismo com a Monarquia. Bem perto da cidade de Richelieu, centro de uma região da França imperial pertencente à família dum poderoso religioso e político, formou-se um convento das irmãs Ursulinas. A Madre Superiora do convento, que não chegara ainda aos 30 anos, foi indicada pelo mesmo religioso que construiu a cidade, e seu nome era Jeanne des Anges.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Foi a Madre Superiora e os exorcistas mandados pelo rei quem registrou os relatos das freiras ali. Basicamente, um homem bem vestido começou a ser visto nos arredores, depois dentro do convento. Por fim, o homem apareceria às freiras à noite, até dentro dos clautros, fazendo propostas de sexo. Algumas freiras começaram a ter convulsões, se contorciam pelo chão, falavam em idiomas desconhecidos e eram tomadas de súbita lascívia, combinada com gritos e ofensas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Havia uma ciência medieval de reconhecimento das possessões demoníacas. Desde o ano 1400, os demônios deixaram de ser tentadores do espírito para se tornarem agentes físicos de incesto, sodomia e infanticídio. Constuiu-se uma comissão para investigar as possessões no convento de Loudun. Observavam-se ali o conhecimento de língua estrangeira, clarividência e força sobre-humana. Todos eram atributos necessários a um demônio (e também celebrados como dons do Espírito, ver Marcos 16.17-18, 1ª Coríntios 12.7-10).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Des Niau, The History of the Devils</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Elas passavam de um estado de quietude para as mais horrendas convulsões, sem aumento da pulsação. As freiras possuídas batiam com força no peito e na cabeça, por vezes saltavam no ar ou se atiravam contra as paredes agitando os braços em devaneio. Se feriam nessas demonstrações de loucura. Quando terminavam exauridas, ficavam imóveis, deitadas sobre o estômago com as palmas das mãos tocando o chão. O rosto transfigurado por um tormento interno. Os olhos piscando e a boca abrindo e fechando, por vezes proferindo obscenidades. As línguas terrivelmente inchadas, enegrecidas e duras por vezes se mostravam cobertas de verrugas. Elas proferiam horríveis gritos tão altos que ninguém conseguia ficar no mesmo aposento que elas. O comportamento delas era indecente e tão indecoroso que causaria constrangimento no mais depravado dos homens, enquanto seus atos, expondo e convidando aqueles presentes causava enorme repulsa. Nem mesmo nos mais baixos antros e bordéis se via algo semelhante. Elas amaldiçoavam a Trindade e os Santos, fazendo uso de palavras tão execráveis que jamais poderiam </span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; white-space: pre-wrap;">ter surgido na mente de pessoas sãs.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Esse relato bastante convincente foi colhido por uma das autoridades, que depois revogou várias partes dele. A própria Madre Superiora hospedava então 7 demônios, entre eles um alojado em sua testa, um abaixo da última costela em seu lado direito, outro na base de seu estômago. O mapa das correspondências entre hierarquias diabólicas e as residências fisiológicas de demônios constituía a certificação de quem analisava o caso. Foram feitos vários exorcismos, até que Loudun se tornou uma espécie de palco onde milhares de pessoas iam para ver a luta-livre do bem contra o mal. E então uma das freiras possuídas disse o nome do pároco Urbain Grandier.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Grandier presidia uma igreja próxima e tinha um histórico de vida repleto de deslizes com mulheres, todos encobertos pela família capaz de pagar as autoridades e seus julgamentos. E, mais interessanteu ainda, era um opositor político dos Richelieu indicado como futuro bispo da região. As provas contra ele eram um erótico buquê de rosas deixado no dormitório das moças (segundo o demônio que deu tal confissão durante o ritual) e um juramento formal de lealdade dele ao diabo, escrito com sangue, que a Madre Superiora (?) apresentou aos exorcistas. Pareciam provas conclusivas? Verdade como esse bilhete, claro que sim.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Grandier foi preso por bruxaria e torturado até se extrair dele uma confissão de ser o responsável por tudo o que ocorrera no convento de Loudun. A presença de uma mordida de animal em sua pele e uma verruga no pênis fecharam a conclusão de que Grandier se relacionava com demônios. Quando as provas foram questionadas, os juízes ordenaram que qualquer pessoa tentando defender o padre seria preso e acusado junto. E isso mediante um documento do cardeal de Richelieu, assinado pelo próprio rei Louis XIII, que dava prioridade aos religiosos nessa questão em particular. Grandier morreu queimado na fogueira em 1634.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os exorcismos no convento duraram por mais 4 anos. Então Jeanne des Anges alegou terem aparecido escritos na sua mão os nomes de Jesus, Maria, José e Francisco de Sales, santo que tinha sua tumba milagrosa perto dali. Após uma peregrinação ao local, as possessões cessaram. Ela deixou suas memórias para a posteridade, escritas em Paris, onde ela foi viver sob a proteção do cardeal de Richelieu.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 76px; overflow: hidden; width: 76px;"><img height="107.43284105429468" src="https://lh5.googleusercontent.com/Iin9pgbwzKuUgR9bfGTtpb8wtIDWlJZ1GVVvt0_weZGe_D9sqzyx28n_bgGT_auSD-beQ46_69Hq5ehy1SV1dfDRH_9diyABleDsJRu7fqp1wzjXz_dmnbQ_we1AWfvgbWF_QWMF" style="margin-left: -36.62899461058631px; margin-top: -10.77104619776899px;" width="143.7387848848347" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">CATULÉ</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Essa é a ocorrência mais recente, e não menos bizarra dentro da estranha história do Cristianismo. Tudo começou com 10 famílias aparentadas entre si, estabelecidas numa clareira da mata chamada Catulé, na fazenda de Minas Gerais chamada São João da Mata/Itatiaia. Os mais velhos, da 1ª geração, tinham por volta de 40-65 anos e vieram após os filhos, com 20-30 anos, a maioria já carregando suas crianças com aprox. 5 anos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Dois desses colonos converteram-se à Igreja Adventista da Promessa, que descende da Igreja Adventista do Sétimo Dia e, assim, do movimento Millerita nos EUA. Os Milleritas previram a data do retorno de Cristo no séc. 19 e, falhando nisso, instituíram diversos profetas para os direcionarem, sendo o mais famoso Hellen White. Tal denominação não é muito diferente de outras Protestantes, senão pela observância do Sábado, diretrizes alimentares, o seguimento de profetas contemporâneos e a crença de que o perdão da Humanidade por Jesus se iniciou exatamente em 1844. Os colonos convertidos começaram a converter os demais e tornar o grupo altamente religioso, ao que um missionário da igreja foi mandado para lá. No entanto, os dois já haviam adquirido status de líderes e não foram suplantados. E entre eles já existia uma hierarquia, também.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Joaquim, o líder, entrou em conflito com o membro mais velho do grupo, e que era seu antigo líder. O desentendimento evoluiu para o testemunho do Espírito Santo em favor de Joaquim. Em algum tempo, Joaquim começou a castigar fisicamente outros do grupo, em público, para afugentar Satanás, que havia entrado neles.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mal tinham começado a dispersar-se quando Geraldo R. dos S. gritou que Satanás aparecera no seu terreiro. Todos correram para ver, e ele indicou um pedaço de rapadura dizendo que surgira misteriosamente. Interrogado por nós sobre as razões que o induziram a pensar que a rapadura tivesse conotações demoníacas, não conseguiu explicá-las, e admitiu que podia ter sido roubada pelo gato e depois deixada no terreiro. Em todo o caso, naquela noite, após as tumultuosas experiências da reunião, depois que Maria dos Anjos fora acusada de ter o diabo no corpo, parece que era suficiente para Geraldo ver a rapadura num lugar fora do comum para atribuir a culpa ao demônio.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os membros do grupo religioso logo começaram a apontar o demônio uns nos outros, em cães, galos, etc. Assim como na época da caça-às-bruxas, um dos poucos meios de provar que o demônio não estava em si era apontá-lo em outro. Joaquim em especial tirava pessoas da cama na madrugada para exigir que se humilhassem uns perante os outros, e também os agredia para expulsar os demônios, sem aviso prévio. Isso evoluiu para violências contra crianças e assassinatos das mesmas na frente de todos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Um novo passo do grupo foi trocarem seus nomes, mais ou menos como Jesus fazia. Joaquim passou a ser Elias. Apareceram também Eucride e Paulo. Conflitos amorosos de Joaquim passaram a ser tratados com exorcismos e humilhações, enquanto Satanás passava ao gato, a uma criança, um pano, uma verruga, etc. Embora a seita formada ganhasse força entre os adeptos, a distância e falta de relações entre as comunidades rurais da época mantiveram ela restrita ao Catulé. Ali, ao prazo de alguns dias, os acontecimentos tornaram-se cada vez mais assombrosos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Apontava ora à direita ora à esquerda, dizendo: Ele vem aí. E como os outros nada vissem, acusou-os de pouca fé. Enquanto olhava para o alto, Joaquim começou a assoviar, depois parou e disse: “Vocês não sabem que assovio é este”. Pediu que o imitassem, mas ninguém o conseguiu. Ordenou então que fechassem os olhos; quando ele parasse de assoviar deveriam abri-los e ele fecharia os seus. Dado o sinal, viram que as nuvens se espalhavam e as estrelas se juntavam para mostrar o lugar onde ficava a Cidade Celeste de Canaã.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Joaquim foi até Conceição, pegou-a no colo e repetiu-lhe a mesma pergunta, acrescentando: “Revela o meu verdadeiro nome”. Conceição respondeu: “O seu nome é Jesus”. Largando a menina, aproximou-se de Maria, mulher de Sebastião, perguntou-lhe se estava disposta a pagar qualquer preço pela salvação. Maria aceitou, e Joaquim ordenou-lhe que jogasse na mata o filho que trazia nos braços. Maria relutou em obedecer: era um preço muito alto. Joaquim pegou a criança e atirou-a para longe. ... Joaquim agarrou a criança e estrangulou-a. Artuliana declarou que todos os filhos de pessoas “casadas no padre” tinham Satanás no corpo</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">De repente, os que estavam em casa de Cristina viram Joaquim sair da cozinha e entrar no quarto de Onofre onde, sentando-se à beira da cama, com as costas contra o muro, começou a masturbar-se. Quis que todos vissem o que era o pecado. ... Joaquim levantou-se e, pondo uma mão nos olhos e a outra nos órgãos genitais, saiu para o terreiro andando na ponta dos pés. Lá masturbou-se diante dos que tinham ficado do lado de fora repetindo que todos deviam ver o que era o pecado. Entrando de novo em casa confessou que se masturbava “em louvor de Germana”, mas era pecado fazer do homem mulher e da mulher homem, por isso estava perdido. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Joaquim pousou a sua Bíblia no meio do terreiro e espalhou milho ao redor; depois matou as galinhas e os pintinhos que não se aproximavam para comer. Mostrou a Bíblia também às galinhas, cães e gatos, matando a pauladas os animais que, assustados, fugiam.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Após esse período de crescente inquietação geral, ocorreu de o mais velho do grupo chamar a polícia. A chegada dos policiais juntou ao caso ainda outras mortes, entre elas Joaquim.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Há muitos indícios, na narrativa construída por pesquisadores, bem mais tarde, para se supor um caso de delírio psicótico. No entanto, os demais membros do grupo, à excessão dos mais velhos, uniram-se no delírio de Joaquim a ponto de abandonarem suas identidades e compactuar no assassinato dos próprios filhos. Uns 23 anos depois ocorreria o massacre de Jonestown, não? Não tão longe assim do que se passou em Catulé, ainda vemos por aí, rondando às vezes, um Cristianismo de imitação cega. Somos então presenteados com bizarrices do universo religioso, no qual não apenas um líder estranho participa, mas toda sua comunidade. Eventos desconexos com a cultura local, com o bom senso e, mesmo 2000 anos mais tarde, ainda desconexos com a religiosidade do NT.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><span style="border: none; display: inline-block; height: 76px; overflow: hidden; width: 76px;"><img height="76" src="https://lh5.googleusercontent.com/fD8ZjR0W4-Os0snsVPRph1V3yE15pPBW_l71kqfJRfPrpBYceYzbe67DRvAIJAxgSSkzOUylugHSYAQ34_RzyJbAdD7wxCZqZ2WLCUcWRuxdb2NLE-xB0UF0eNClTlZJhaP4Px2L" style="margin-left: 0px; margin-top: 0px;" width="76" /></span></span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">-------------------------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Guilherme</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> era um nome comum entre os nobres do Sul da França, na fronteira com a Itália. Ele faz referência ao movimento religioso conhecido como Bogomils (esse era um antigo título de sacerdote) ou mais popularmente Cátaros. São conhecidos do séc. 10 ao 13 como estrutura religiosa, mas movimentos populares e a literatura do Leste Europeu mostram sua atividade até o séc. 18 e possivelmente até hoje. Guilherme representa o Cristianismo se remodelando por fatores culturais e tentando corrigir problemas internos (no caso, a hierarquia de poderes e riquezas dentro da Igreja), a despeito de sacrificar e re-escrever seus próprios textos sagrados. A ação da Igreja contra a região de influência dos Cátaros foi uma re-afirmação da hierarquia e poder, empreendendo uma guerra de conquista e genocídio.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Clemente VI</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> foi o papa Católico durante a Peste Negra (1346-1353). Embora o alto clero fosse contra as medidas de perseguição e os Flagelantes, obviamente houve uma perda de controle sobre as pequenas paróquias. No fim, a Praga diminuiu tanto o poder da Igreja, vista como incapaz de parar o castigo divino, que favoreceu a quebra do Sistema Feudal e a Reforma Protestante. O movimento popular enfrentado pelo papa Clemente representa o Cristianismo mais "figadal", que passou de minoria perseguida a maioria perseguidora, pronta reunir multidões para exterminar os mais fracos. Reparemos que, em nenhum ponto do NT, nem Jesus, seus seguidores próximos, Paulo ou as comunidades fundadas por ele, jamais viveram tal situação de se direcionarem a esmagar minorias. Ao contrário, costumavam ser eles a minoria. E, entre os convertidos ao Cristianismo em suas 1as gerações, estavam sobretudo os Judeus. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Armand Jean du Plessis</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, Cardeal de Richelieu, Duque de Richelieu e de Fronsac foi um político francês, primeiro-ministro de Luís XIII entre 1628 e 1642. Ficou famoso como vilão fictício no livro Os Três Mosqueteiros, de Victor Hugo, muito tempo depois. Aqui, Armand representa um Cristianismo teatral, perfeitamente alinhado com manipular as opiniões populares em prol de interesses políticos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os eventos em Loudun foram relatados pela Madre Superiora, ela mesma acusada de possessão demoníaca, e por uma série de exorcistas que revogaram ou quiseram modificar suas versões, posteriormente. O posicionamento das autoridades em todo o tempo sugere uma “sombra” do Cardeal conduzindo os eventos, tanto sua ocorrência quanto as testemunhas e os julgamentos. De fato, ele aumentou muito sua popularidade nessa época, além de convenientemente esmagar adversários políticos. Tais alianças da Igreja, após a Revolução Francesa (1789) e após a Revolução Russa (1917-1923) conduziram diversas nações a repelir a participação religiosa nos governos. No caso da Rússia, chegou mesmo a haver um “expurgo” de toda atividade religiosa.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Catulé</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> é o nome de um lugar, onde se passou uma estória digna de filmes de terror. Os acontecimentos em Catulé se deram entre set/1954 (fundação da seita, ainda como grupo da IAP) e abr/1955. Foi na última semana desse período que as mortes aconteceram. A imprensa da época teceu toda espécie de explicações, geralmente envolvendo pobreza, atraso, ignorância, superstição, loucura e ingenuidade dos protagonistas, em suas manifestações de “fanatismo” e “delírio coletivo”. A Igreja Católica emendou nisso o erro de interpretações não autorizadas da Bíblia, ludibriando os ignorantes com promessas de salvação fácil. A Igreja Adventista do Sétimo Dia também se manifestou, na época, advertindo os chefes “divisionistas” das consequências de seu “desejo de mando, ignorância, má-fé, falta de base bíblica, complexos ou insatisfação pessoal”.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O “Jesus do Catulé” em que Joaquim se transformou exigia obediência, mas oferecia também provas de seu poder, “fazendo milagres” e “curando os enfermos” à sua maneira, com cuspes e fazendo sarar cansaços. Quando a força policial chegou ao lugar, encontrou todos banhando-se ritualmente numa cacimba da mata, olhando para as estrelas. Tratava-se, assim, de um reprodução do início do Cristianismo. Os Evangelhos, entretanto, não nos mostram Jesus combatendo os portadores de demônio (e, diga-se, a Tentação em Lucas 4 é a única aparição do diabo em todo Novo Testamento, e a cena teatral do início do livro de Jó é a sua única aparição no Velho Testamento). Todas as derivações do Cristianismo, entretanto, enveredaram por essa caça ao demônio. As ocorrências em Catulé são uma boa representação disso.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">-------------------------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">TEXTOS QUEIMADOS QUE NUNCA FORAM ESCRITOS</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">CASTALDI, Carlo. </span><a href="https://www.scielo.br/pdf/ts/v20n1/a16v20n1.pdf" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A aparição do demônio no Catulé</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. Tempo Social, v. 20, n. 1, p. 305-357, 2008.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">DA SILVA QUEIROZ, Renato. </span><a href="http://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/13753/15571/" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O demônio e o messias: notas sobre o surto sociorreligioso do Catulé</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. Revista USP, n. 82, p. 104-127, 2009.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Dia_do_Grande_Desapontamento" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Dia do Grande Desapontamento</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> - wikipedia</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Hoyos FM, </span><a href="http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597263-as-pandemias-e-o-fantasma-do-medo" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">As pandemias e o fantasma do medo</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, ihu.unisinos.br, mar/2020.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="http://gnosis.org/library/Interrogatio_Johannis.html" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Interrogatio Johannis</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, gnosis.org</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Johnson A, </span><a href="https://museumhack.com/black-cats-black-death/" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Did Pope Gregory IX order a medieval purge of black cats that caused the Black Death?</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, museumhack.com, fev/2020.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">King in Yellow, </span><a href="https://mundotentacular.blogspot.com/2020/09/o-horror-de-loudun-o-sinistro-caso-das.html" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O horror de Loudun - o sinistro caso das freiras possuídas</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, mundotentacular.blogspot.com, set/2020.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mark JJ, </span><a href="https://www.ancient.eu/article/1541/religious-responses-to-the-black-death/" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Religious responses to the black death</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, ancient.eu, abr/2020.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">McDonald J, </span><a href="http://www.cathar.info/cathar_origins.htm" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Cathars and Cathar beliefs in the Languedoc</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, fev/2017.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Olson RW, </span><a href="http://www.centrowhite.org.br/pesquisa/artigos/5865-2" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Juízo investigativo nos Escritos de Ellen G. White</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, centrowhite.org.br</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Stephenson CE, </span><a href="https://thepsychologist.s3.eu-west-2.amazonaws.com/articles/pdfs/0214look.pdf?X-Amz-Algorithm=AWS4-HMAC-SHA256&X-Amz-Credential=AKIA3JJOMCSRX35UA6UU%2F20200922%2Feu-west-2%2Fs3%2Faws4_request&X-Amz-Date=20200922T043204Z&X-Amz-SignedHeaders=Host&X-Amz-Expires=10&X-Amz-Signature=1ba6a4a3ac2b5650dd0265b4f82ff73bbb89d205812716f0fd2c4dce3bd276e3" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">The possessions at Loudun</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, Looking Back, v. 27, n. 2, p.132-135, 2014.</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://www.crf-usa.org/bill-of-rights-in-action/bria-26-2-the-black-death-a-catastrophe-in-medieval-europe.html" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">The Black Death - A catastrophe in Medieval Europe</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, Bill of Rights in Action, v. 26, n. 2, 2010.</span></p><br /></span></div>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1091726980069900010.post-15089713111910779642020-09-07T20:05:00.003-04:002020-09-07T20:05:25.367-04:00As duas torres<p style="text-align: center;"><img height="412" src="https://lh5.googleusercontent.com/fnSneCXQLLd7xbZICgLx_-34xI0b2PmjKcc8rGIMndf0_h20PH3x5DHInvR85cy2GhjO4Imf4YrOon6SlOSBTTpUIwBpCgQqFQigSUROmp4h1sD-grvD8PVLofz8J5Rlt3yfg6_K" style="font-family: Arial; font-size: 12pt; margin-left: 0px; margin-top: 0px; text-align: justify; white-space: pre-wrap;" width="602" /></p><span id="docs-internal-guid-b05ef6c8-7fff-8c18-aea2-8b4d555254f7"><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Vista aérea das ruínas da igreja Bizantina no Monte Gerizim e os ornamentos do seu assoalho, ainda visíveis. Ao lado, Mapa de Canaã mostrando o Templo de Jerusalém em vermelho e o Templo de Gerizim em azul.</span></p><div><span style="font-family: Arial; font-size: 16px; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><br /></span></div><div><span style="font-family: Arial; font-size: 16px; text-align: justify; white-space: pre-wrap;"><a href="https://drive.google.com/file/d/1IN4voQOKwr_H4RUNUBPFeIXNkpVf2ZfN/view?usp=sharing" target="_blank"><b>baixar PDF</b></a></span></div><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Deuteronômio 11</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">29. Quando o Senhor, vosso Deus, te tiver introduzido na terra que vais possuir, pronunciarás a bênção sobre o monte Gerizim, e a maldição sobre o monte Ebal. 30. Essas montanhas encontram-se além do Jordão, do outro lado do caminho do ocidente, na terra dos cananeus que habitam nas planícies defronte de Gálgala, perto dos carvalhos de Moré. [no livro dos Samaritanos, aqui lê-se "perto de Siquém"]</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Deuteronômio 27</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">11. No mesmo dia, Moisés ordenou ao povo o seguinte: 12. Quando tiverdes passado o Jordão, estarão sobre o monte Gerizim para abençoarem o povo: Simeão, Levi, Judá, Issacar, José e Benjamim; 13. e sobre o monte Ebal, para amaldiçoar: Rúben, Gad, Aser, Zebulom, Dã e Neftali. 14. E os levitas tomarão a palavra e dirão em alta voz a todos os homens de Israel.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Josué 8</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">33. Todo o Israel, seus anciãos, seus oficiais e seus juízes conservaram-se de pé ao redor da arca, diante dos sacerdotes, dos levitas, que levavam a arca da aliança do Senhor. Ali estavam tanto os estrangeiros como os israelitas, metade deles do lado do monte Gerizim, e metade do lado do monte Ebal, segundo a ordem antes dada por Moisés, servo do Senhor, para abençoar o povo de Israel. 34. Depois disso, Josué leu todo o texto da lei, a bênção e a maldição, assim como estão escritas no livro da lei.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #990000; font-family: Arial; font-size: 14pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">D</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">esde a suposta ocupação de Canaã pelos Hebreus retornando do Egito, começou um processo de sacralização de diversas montanhas. Uma delas é o monte Moriah, onde Abraão teria subido para sacrificar seu filho Isaac por volta de 2000 a.C. A posição do Monte Moriah na geografia, entretanto, já era confusa para os Hebreus. Os Judeus o identificaram com a montanha escolhida para construir, em seu topo, o Templo de Salomão, no séc. 10 a.C. O Templo era uma representação da incrível prosperidade que Israel alcançou nessa época, contando com muito ouro, madeiras valiosas, marfins e tecidos caros. Em 616 d.C., após o cerco de Jerusalém pelas tropas do rei babilônio Nabucodonosor II, o Templo foi saqueado e incendiado. A maior parte da população de Judá foi levada cativa.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Em 538 d.C. os Judeus foram repatriados por Ciro o Persa. Em seu retorno, encontraram as terras ocupadas por Samaritanos, que se opuseram à volta dos Judeus. Mediante o decreto do rei, entretanto, os Samaritanos se ofereceram para ajudar a reconstruir o Templo. Com prerrogativas de pureza, os Judeus repeliram a participação dos Samaritanos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">NEGÓCIOS DE FAMÍLIA</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Neemias 13</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">23. Naqueles dias, encontrei Judeus que haviam desposado mulheres de Azot, de Amon e de Moab. ... 28. Ora, um dos filhos de Joiada, filho do sumo sacerdote Eliasib, tornara-se genro de Sanballat, o horonita; expulsei-o para longe de mim.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O relato bíblico termina dessa maneira sobre a mistura de linhagens entre um membro da nobreza sacerdotal empenhada em reconstruir o Templo e o povo local, que ficou em Israel. O historiador Flavius Josephus, escrevendo sobre os Judeus no séc. 1, entretanto, adicionou uma continuidade desse caso.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">"Quando Eliasib, o sumo sacerdote, morreu, seu filho Judas foi bem-sucedido no sumo sacerdócio; e quando ele morreu, seu filho João assumiu essa dignidade; ... 2. Agora, quando João partiu desta vida, seu filho Jaddua foi bem-sucedido no sumo sacerdócio. Ele tinha um irmão, cujo nome era Manassés. Ora, havia um Sanballat, enviado por Dario, o último rei da Pérsia, em Samaria. Ele era um Cutheam de nascimento (Samaritano). Este homem ... deu voluntariamente sua filha, cujo nome era Nicaso, em casamento a Manassés, pensando que essa aliança seria uma garantia de que a nação dos Judeus continuaria sua boa vontade com ele. ... Mas os anciãos de Jerusalém, muito preocupados que o irmão de Jaddua, o sumo sacerdote, casado com uma estrangeira, fosse um parceiro dele no sumo sacerdócio, discutiram com ele ... então eles ordenaram a Manassés que se divorciasse de sua esposa, ou não se aproximasse do altar. O próprio sumo sacerdote juntou-se ao povo em sua indignação contra seu irmão, e afastando-o do altar. Em seguida, Manassés foi até seu sogro, Sanballat, e disse-lhe que, embora amasse sua filha Nicaso, ele não estava disposto a ser privado de sua dignidade sacerdotal por causa dela ... E então Samballat prometeu-lhe não apenas preservar para ele a honra de seu sacerdócio, mas também obter para ele o poder e a dignidade de um sumo sacerdote, e o tornaria governador de todos os lugares que ele agora governava, se ele mantivesse seu filha como esposa. Disse-lhe também que iria construir para ele um templo como o de Jerusalém, no monte Gerizim, que é o mais alto de todos os montes de Samaria; e ele prometeu que faria isso com a aprovação do rei Dario. ... Sanballat deu-lhes dinheiro e dividiu entre eles terra para cultivo e também habitações, e tudo isso para agradar a seu genro de todas as maneiras."</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> (</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Flavius Josephus, Antiguidades dos Judeus, livro XI</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">)</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Segundo Josephus, a disputa entre Samaritanos e Judeus no retorno da Babilônia teria fragmentado a classe sacerdotal dos Judeus, originando um outro Templo no monte Gerizim. Essa montanha é onde os Samaritanos dizem ser Moriah, e onde de fato houve um clone do 2º Templo, construído na era dos Persas.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O TEMPLO DE GERIZIM</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Juízes 9</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">7. Sabendo disso, subiu Joatão ao cimo do monte Gerizim e exclamou: Ouvi-me, homens de Siquém, para que Deus vos ouça! 8. As árvores resolveram um dia eleger um rei para governá-las e disseram à oliveira: reina sobre nós!</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Siquém era uma antiga capital religiosa dos Cananeus, próxima de Samaria, a capital do território Samaritano, antes alocado para a tribo de Efraim. A cidade ficava num vale entre as duas montanhas, Gerizim e Ebal. O território é alto e rochoso, uns 400 m de altitude sem rios próximos, e cada uma das montanhas sobe outros 500 m, ficando cobertas de neve no inverno. Nos textos antigos, tal local era assinalado como rico em grandes carvalhos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Josephus fazia grandes erros de datas em seus escritos, por isso não sabemos se o Sanballat mencionado por ele é o mesmo do tempo de Esdras e Neemias, mas tudo indica que sim. As ruínas encontradas no topo do monte Gerizim indicam um Templo com mesma estrutura, mesma função e compartilhando até peças artesanais com o de Jerusalém. Por exemplo, as escavações no local encontraram um topo de coluna esculpido com a árvore da vida, o que era um entalhe Fenício bem típico da era Persa. As descrições de autores antigos que viram o Templo de Salomão elogiavam justamente uma peça assim em sua entrada.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Foram encontrados os restos de grandes cisternas ou piscinas, como também havia em Jerusalém. Em Gerizim, no entanto, pode-se pensar em reservatórios para água da chuva. E havia também grandes depósitos de ossos de animais queimados (sobretudo carneiros e bodes, mas também vacas e pombas). Era um local para sacrifícios, e sabemos que os Judeus encerraram os sacrifícios a YHWH por ocasião da destruição do Templo de Jerusalém. As inscrições sobre votos e agradecimentos nas pedras também não deixam dúvida sobre a divindade YHWH cultuada ali. Até o altar estava alinhado com os pontos cardeais na mesma posição de Jerusalém.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">É curioso que em nenhum ponto da Torá Judaica, de onde vem o nosso VT, há referências a um Templo em Gerizim. Muito pelo contrário, os Samaritanos são desdenhados no texto hebraico, com Sanballat de Hawara/Horon (aprox. 450 d.C.) retratado como o grande rival do governador Neemias. Tudo isso faz pensar em um Templo rival, que por séculos foi um centro de culto em Samaria. Esse Templo era rival mesmo na sua significação, pois os Samaritanos viam Gerizim como o Monte Moriah de Abraão e Siquém como o local de fixação de Josué, durante a conquista de Canaã. Mas as conexões com Jerusalém não terminam aí...</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Uzzi é um nome que aparece nos textos Samaritanos. Trata-se de um ancestral do sacerdote Esdras, enviado de Babilônia para reconstruir o Templo de Jerusalém, da mesma família que guardava o Templo desde os tempos de Salomão. Os textos Samaritanos diziam que quando Uzzi morreu, a chama eterna do Templo foi extinta (provavelmente pela chegada de Nabucodonosor II) e os vasos onde ela queimava foram escondidos nas cavernas de Gerizim, à espera do Messias no fim dos tempos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Neemias 13</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">10. Soube também que as dádivas devidas aos levitas não lhes tinham sido entregues, e que os levitas e os cantores encarregados do serviço tinham se retirado cada um para as suas terras. 11. Censurei os magistrados e disse-lhes: Por que foi abandonada a casa de Deus? Depois reuni os levitas e cantores, e os recoloquei em seus postos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Malaquias 1</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">6. O filho respeita seu pai e o servo, seu senhor. Ora, se eu sou Pai, onde estão as honras que me são devidas? E se eu sou o Senhor, onde está o temor que se me deve? - diz o Senhor dos exércitos a vós ... 10. Vá, antes, um de vós e feche as portas. Não acendereis mais inutilmente o fogo no meu altar.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Tanto os textos de Neemias quanto de Malaquias, contemporâneos do período Persa, dão a entender que o Templo de Jerusalém passava por dificuldades financeiras nessa época. Jerusalém estava sendo reerguida, o Templo sendo refeito, e havia - hoje temos certeza - um outro Templo centralizando os recursos da região de Samaria, a apenas 40 Km dali.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Ao redor do Templo, nas alturas de Gerizim, foi estruturada uma pequena cidade para os sacerdotes e levitas, das quais conhecemos o nome Romano: Flavia Neapolis, hoje fundida a Siquém na grande cidade de Nablus. Alguns historiadores mesmo cogitam se levitas de Jerusalém não migraram para Gerizim e vice versa, durante os 250 anos que esse Templo funcionou. </span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">AS GUERRAS DO PERÍODO GREGO</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Yoma 69</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O dia 25 de Tevet (entre Dez/Jan) é conhecido como o dia do Monte Gerizim, que foi estabelecido como um dia de felicidade e no qual elogios fúnebres não são permitidos. O que aconteceu nessa data? Foi nesse dia que os Samaritanos [kutim] solicitaram a Casa de Nosso Senhor a Alexandre, o macedônio, a fim de destruí-la, e ele a deu a eles, ou seja, deu-lhes permissão para destruí-la. Os homens vieram e informaram ao Sumo Sacerdote, Shimon HaTzaddik [Simão o Justo, filho de Onias I, 310–291 a.C.] do que havia acontecido. .... eles esfaquearam os Samaritanos, os penduraram na cauda dos cavalos e os arrastaram sobre os espinhos e cardos até chegarem ao monte Gerizim ... Quando chegaram ao monte Gerizim, onde os Samaritanos tinham seu templo, eles semearam a área com alho-poró, um símbolo de destruição total.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Esse trecho do Talmude Judaico conta sobre a chegada de Alexandre o Grande entre a contenda dos Samaritanos e Judeus. Diversas passagens do Talmude são bastante inverossímeis historicamente, e o historiador Flavius Josephus parece ter se baseado nelas para escrever várias de suas crônicas. Essa, por exemplo, envolve o Sumo Sacerdote reconhecendo a santidade de Alexandre.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O período Persa terminou por volta de 330 a.C., quando o grego Alexandre o Grande (também conhecido como Alexandre da Macedônia) conquistou todas as terras entre o Egito e a Índia. Depois que ele morreu, esse território imenso foi dividido entre seus generais, que fundaram poderosas dinastias e começaram o período Grego. No séc. 3 a.C., essas dinastias empreenderam batalhas históricas entre si. Canaã, em especial, passou muitos anos sendo perdida e reconquistada pelos Ptolomeus (centrados em Alexandria, no Egito, de cuja família nasceu a célebre Cleópatra) e pelos Selêucidas (centrados em Selêucia, hoje Baghdad, e depois em Antioquia, na Síria).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Os reis Selêucidas foram especialmente duros com o Judaísmo, chegando a proibir os idiomas hebraico e aramaico e fechar o Templo de Jerusalém por 20 anos. Em 167 a.C, essa opressão detonou a Revolta dos Macabeus, cujos líderes souberam manobrar aliados aqui e ali para instalarem uma nova monarquia em Israel. Eles foram chamados de reis Hasmoneus, sendo Judeus que governaram no Período Intertestamentário, até a chegada de Roma e sua derrota para a dinastia de Herodes. João Batista foi decapitado e Jesus foi julgado, ambos no reinado do 3º Herodes da Judéia.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No início do séc. 2 a.C., o Templo de Gerizim foi ampliado, passando de 95x95 m para 212x136 m. A vila ao seu redor chegou a ter 400 habitantes. Esse auge foi associado ao estabelecimento de poder dos Selêucidas em Samaria, que agora se tornava politicamente inimiga de Jerusalém, uma protegida dos Ptolomeus. As ruínas do Templo de Gerizim, na época de sua maior riqueza, revelaram um grande número de cerâmicas e moedas de bronze, prata e outro, algo bastante à altura de Jerusalém.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando os duelos entre Ptolomeus e Selêucidas passaram de ameaças para os campos de batalha, tanto um Templo como o outro foram severamente atingidos. Os Macabeus deixaram sua visão do que acontecia em Gerizim:</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">2ª Macabeus 5</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">21. Tendo Antíoco roubado ao templo [de Jerusalém] mil e oitocentos talentos [1 talento = 20 kg de ouro], voltou sem demora para Antioquia. Com o espírito exaltado, ele cria, em sua soberba, poder navegar sobre a terra e caminhar sobre o mar. 22. Contudo, por motivo de seu ódio para com os judeus, deixou atrás de si oficiais com a incumbência de molestar o povo: em Jerusalém, Filipe, da Frígia, mais bárbaro ainda que seu senhor; 23. no monte Gerizim, Andrônico e, adjunto a estes, Menelau, que se encarniçava contra seus concidadãos de modo mais terrível que os outros.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">2ª Macabeus 6</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">1. Pouco tempo depois, um velho ateniense foi enviado pelo rei para forçar os Judeus a abandonar os costumes dos antepassados, banir as leis de Deus da cidade, 2. macular o templo de Jerusalém, dedicá-lo a Júpiter Olímpico e consagrar o do monte Gerizim, segundo o caráter dos habitantes do lugar, a Júpiter Hospitaleiro. 3. Dura e penosa foi para todos essa avalanche de mal. 4. O templo encheu-se de lascívias e das orgias dos gentios que se divertiam com meretrizes, unindo-se às mulheres nos átrios sagrados e introduzindo coisas ilegais. 5. O altar estava coberto de vítimas impuras, interditas pelas leis.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A QUEDA DE GERIZIM</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A luta dos Macabeus contra os Selêucidas fez o Templo de Gerizim como vítima. Logo que assumiu o trono de Judá, o rei-sacerdote João Hyrcanus (neto do 1º Macabeu) sofreu várias derrotas para Antiocus VII Sidetes, rei dos Selêucidas. Hyrcanus chegou a evacuar Jerusalém (</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Flavius Josephus, Antiguidades dos Judeus 13.240</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">) e pagar Antiocus para que a cidade sagrada não fosse destruída. O preço foi bem alto: 3000 talentos de ouro, retirados da tumba de Davi, e soldados Judeus para o exército de Antiocus (</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Flavius Josephus, Guerras dos Judeus I cap 2.5</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">).</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando soube da morte de Antiocus numa batalha contra os Persas em 113 a.C., o rei Judeu resolveu vingar-se das derrotas passadas e lançou um ataque feroz contra a Samaria. Os Selêucidas moveram 6000 soldados para a região, mas não foram suficientes. Após mais de 1 ano de batalha, os Selêucidas foram derrotados. Siquém foi destruída e seus habitantes feitos escravos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Templo de Gerizim foi incendiado e demolido por João Hyrcanus, junto com a vila ao seu redor, em 111-110 a.C. Diversos estudiosos interpretam a data festiva de 25/Tevet como uma comemoração da queda do Templo de Gerizim, uma vez que nada nos escritos do Talmude se associa com a "destruição total" profetizada, ou a proibição do lamento pelos mortos. Nos anos seguintes, Samaria foi lentamente repovoada, mas Siquém e a vila ao redor do Templo permaneceram vazias.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: center;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">DEPOIS DA TORMENTA</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O topo do monte Gerizim ficou 200 anos desabitado, ainda que permanecesse um local sagrado para os Samaritanos. Os primeiros a construir algo ali foram os Romanos, no início do séc. 2 d.C. Tratava-se de um Templo de Zeus, pouco ao norte das ruínas do antigo Templo e próximo a Flavia Neapolis, a vila reconstruída.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Já no período Bizantino (Roma agora era Cristã e tinha como capital Constantinopla, na Turquia), o imperador Zeno (476-491 d.C.) ordenou a construção da Igreja de Maria Theotokos [mãe-de-Deus] no topo da montanha, mais ou menos sobre onde ficava o Templo dos Samaritanos. A estrutura octogonal era característica da indicação de lugares sagrados.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Quando os Samaritanos começaram a se organizar contra a igreja em 529 d.C., o imperador Justiniano declarou o Samaritanismo ilegal e igreja foi transformada em uma espécie de fortaleza, de onde os Romanos lutaram contra os Samaritanos.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">No início do séc. 8, com o aumento do poder do Islã, a igreja foi abandonada e a região de Canaã logo tomada. No séc. 16, Gerizim se tornou a maqam/tumba do Sheique Ghanem, um dos comandantes do famoso rei Salah al-Din, sultão do Egito e Síria. As atuais ruínas do local foram escavadas e amplamente estudadas pelo arqueólogo Yitzhak Magen.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">João 4</span></p><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #b45f06; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-style: italic; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">[Jesus] Deixou a Judéia e voltou para a Galiléia. Ora, devia passar por Samaria [essa notação é curiosa, pois o caminho dos Judeus entre a Judéia e a Galiléia não passava por Samaria]. Chegou, pois, a uma localidade de Samaria chamada Sicar, junto das terras que Jacó dera a seu filho José. Ali havia o poço de Jacó. E Jesus, fatigado da viagem, sentou-se à beira do poço. Era por volta do meio-dia. Veio uma mulher de Samaria tirar água. Pediu-lhe Jesus: Dá-me de beber. (Pois os discípulos tinham ido à cidade comprar mantimentos.) Aquela Samaritana lhe disse: Sendo tu Judeu, como pedes de beber a mim, que sou Samaritana!... (Pois os Judeus não se comunicavam com os Samaritanos.) ... Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que és profeta! Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Curiosamente, o destino do Templo de Jerusalém espelhou seu irmão, quase 200 anos depois. O Templo, assim como a cidade sagrada, foram saqueados, incendiados e demolidos pelas legiões em 70 d.C., após um longo cerco, durante a 1ª guerra judaico-romana.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Uns 60 anos mais tarde, o imperador Hadriano empreendeu obras de revitalização e, no lugar do Templo de Jerusalém, ergueu um Templo de Vênus. Jerusalém foi reformada e recebeu o nome de Aelia Capitolina.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Após a ocupação Muçulmana, no séc. 7, o local do Templo foi transformando na mesquita de Al Aqsa, onde fica o santuário do Domo da Rocha, que permanece lá até hoje.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">O Cristianismo começou com a pregação no Templo de Jerusalém, entre os Judeus, onde provavelmente Pedro, Estevão e Tiago Boanerges foram líderes. Outra vez de forma hilária, o NT traz 4 Evangelhos: 3 deles baseados no ensino de Pedro e Paulo (Lucas em especial se dedica a mostrar isso, no livro de Atos), e 1 deles (João) com grandes chances de ter emergido de uma comunidade Samaritana.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">-------------------------------</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">ESCRITOS NUMA PEDRA DA MONTANHA</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Bourgel J, </span><a href="https://drive.google.com/file/d/12YgByTpN9P4TlyX958WaVlZnePLcNNtZ/view?usp=sharing" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">The destruction of the Samaritan Temple by John Hyrcanus: a reconsideration</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">. </span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Journal of Biblical Literature</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, v. 135, n. 3, p. 505-523, 2016.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://en.m.wikipedia.org/wiki/John_Hyrcanus" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">John Hyrcanus</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> - wikipedia</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">JoLynne M, </span><a href="https://scholarsarchive.byu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1251&context=studiaantiqua" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">A Samaritan Temple to rival Jerusalem on Mount Gerizim</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, </span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; font-weight: 700; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Studia Antiqua</span><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, v. 16, n. 1, p. 21-29, 2017.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Kirby P, </span><a href="http://www.earlyjewishwritings.com/" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">http://www.earlyjewishwritings.com</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, 2013</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Magen Y, </span><a href="http://www.antiquities.org.il/Article_eng.aspx?sec_id=36&subj_id=286&id=472" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">The temple on Mount Gerizim</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, Israel Antiquities Authority.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://www.biblewalks.com/mountgerizim" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mount Gerizim</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"> - biblewalks.com</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><a href="https://whc.unesco.org/en/tentativelists/5706/" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Mount Gerizim and the Samaritans</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, whc.unesco.org, abr/2012</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Sauter M, </span><a href="https://www.biblicalarchaeology.org/daily/the-temple-on-mount-gerizim-in-the-bible-and-archaeology" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">The temple on Mount Gerizim - In the Bible and Archaeology</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, Bible History Daily, biblicalarchaeology.org, ago/2019.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Steve, </span><a href="https://israelseen.com/2012/07/17/shmuel-browns-on-mount-gerizim/" style="text-decoration-line: none;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">Shmuel Browns on Mount Gerizim</span></a><span style="font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;">, israelseen.com, jul/2012.</span></p><br /><p dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt; text-align: justify;"><span style="color: #1155cc; font-family: Arial; font-size: 12pt; font-variant-east-asian: normal; font-variant-numeric: normal; text-decoration-line: underline; text-decoration-skip-ink: none; vertical-align: baseline; white-space: pre-wrap;"><a href="https://www.sefaria.org/texts/Talmud" style="text-decoration-line: none;">Talmude online</a></span></p></span>Lounge Cuiabáhttp://www.blogger.com/profile/13000759133954147995noreply@blogger.com0