segunda-feira, 17 de junho de 2013

Sião - da fortaleza até o paraíso

Sião nos tempos de Davi e nos dias atuais. Procure o bode. (clique para ampliar)

O nome de Sião aparece diversas vezes na Bíblia, inicialmente com um significado geográfico (a cidade de Davi) e depois com um significado espiritual (a cidade de Deus). Muitas vezes você provavelmente passou pelo nome de Sião, ou até ouviu um sacerdote proclamar uma bênção a Sião, sem saber exatamente o que isso significava! Aqui tentaremos corrigir essa confusão.

Na Bíblia Sião se torna importante logo após a morte de Saul (~1000 a.C.). O antigo rei havia perdido seus sucessores e Samuel anunciara Davi como o próximo a reinar. Não era uma sucessão tranquila: Davi fora declarado inimigo de Israel e agora ampliava seu poder submetendo os povos vizinhos aos israelitas. Um desses povos eram os jebuseus, que habitavam o monte onde seria levantada a cidade de Jerusalém (ou Jebus, numa pronúncia antiga – 1Cr 11.4).

Quando Abraão fez seu pacto com Deus (~ 5600 a.C.), o Senhor prometeu entregar-lhe muitos povos que habitavam Canaã, entre eles os jebuseus (Gn 15.21), que historicamente se tratava de uma tribo dos hititas ou amorreus. Abraão havia submetido esse povo no passado, mas Davi chegou ao monte onde eles habitavam e invocou novamente a promessa feita:

E partiu o rei com os seus homens a Jerusalém, contra os jebuseus que habitavam naquela terra; e falaram a Davi, dizendo: Não entrarás aqui, pois os cegos e os coxos te repelirão, querendo dizer: Não entrará Davi aqui. Porém Davi tomou a fortaleza de Sião; esta é a cidade de Davi.

Porque Davi disse naquele dia: Qualquer que ferir aos jebuseus, suba ao canal e fira aos coxos e aos cegos, a quem a alma de Davi odeia. Por isso se diz: Nem cego nem coxo entrará nesta casa. Assim habitou Davi na fortaleza, e a chamou a cidade de Davi; e Davi foi edificando em redor, desde Milo para dentro. (2Sm 5.6-9)

A FORTALEZA DOS JEBUSEUS

A primeira identificação de Sião é, portanto, com uma fortaleza dos jebuseus. Os escritores de 2ª Samuel apontam ainda os jebuseus como coxos e cegos, em outras palavras, um povo fraco. Noutras passagens, a cidade-estado de Salém é apontada como fazendo parte do reino dos jebuseus:

E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. E abençoou-o [a Abraão], e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. (Gn 14.18-20) – por volta de 5600 a.C.

Conhecido é Deus em Judá; grande é o seu nome em Israel. E em Salém está o seu tabernáculo, e a sua morada em Sião. Ali quebrou as flechas do arco; o escudo, e a espada, e a guerra. (Sl 76.1-3) – por volta de 1000 a.C.

Se Sião era uma fortaleza jebusita e Salém era uma cidade-estado junto a Sião, podemos entender que Abraão chegou aos jebuseus encontrando um rei Melquisedeque que se rendia pacificamente. Coisa semelhante ocorreu com Davi, pois a Bíblia menciona que Davi dominou os jebuseus, mas não menciona qualquer confronto. Aparentemente, o povo de Melquisedeque se submeteu facilmente ao governo de Davi (outra vez) e até ficou mal-falado como “povo fraco, de cegos e coxos” por isso. No entanto, repare que Mequisedeque também é apontado como “sacerdote do Deus altíssimo”. Isso é notável, quando havia uma divindade dos amorreus chamada Zedek e o nome do rei significaria simplesmente “meu rei é Zedek”.

Nos tempos de Abraão, portanto, Melquisedeque ofereceu presentes ao líder tribal que chegava. E ele os ofereceu em nome do Deus Altíssimo, provavelmente estrangeiro, do qual se diz que ele era sacerdote. Isso certamente agradou Abraão e firmou uma paz entre israelitas e jebuseus, os quais o Senhor havia prometido entregar para Abraão. Por outro lado, os jebuseus eram suficientemente diferentes dos israelitas para não se fundirem com esse povo novo, pois milhares de anos mais tarde Davi reconheceria a fortaleza de Jebus e iria invadi-la – mesmo que outra vez de forma pacífica.

Essa invasão é descrita mais de uma vez na Bíblia:

E partiu Davi e todo o Israel para Jerusalém, que é Jebus; porque ali estavam os jebuseus, habitantes da terra. E disseram os habitantes de Jebus a Davi: Tu não entrarás aqui. Porém Davi ganhou a fortaleza de Sião, que é a cidade de Davi.

Porque disse Davi: Qualquer que primeiro ferir os jebuseus será chefe e capitão. Então Joabe, filho de Zeruia, subiu primeiro a ela; pelo que foi feito chefe. E Davi habitou na fortaleza; por isso foi chamada a cidade de Davi. E edificou a cidade ao redor, desde Milo até ao circuito; e Joabe renovou o restante da cidade. (1Cr 11.4-8)

Aqui aparece um capitão Joabe, reforçando que a tomada de Sião se tratava de uma ação militar do novo rei (Davi), que se apossava dos domínios do rei antigo (Saul). As relações de domínio dos israelitas sobre os jebuseus também são apontadas na época em que a peste varreu boa parte do exército de Davi:

Então o anjo do SENHOR ordenou a Gade que dissesse a Davi para subir e levantar um altar ao SENHOR na eira de Ornã, o jebuseu. Subiu, pois, Davi, conforme a palavra de Gade, que falara em nome do SENHOR. E, virando-se Ornã [ou Araúna], viu o anjo, e esconderam-se seus quatro filhos que estavam com ele; e Ornã estava trilhando o trigo. E Davi veio a Ornã; e olhou Ornã, e viu a Davi, e saiu da eira, e se prostrou perante Davi com o rosto em terra.

E disse Davi a Ornã: Dá-me este lugar da eira, para edificar nele um altar ao SENHOR; dá-mo pelo seu valor, para que cesse este castigo sobre o povo. Então disse Ornã a Davi: Toma-o para ti, e faça o rei meu senhor dele o que parecer bem aos seus olhos; eis que dou os bois para holocaustos, e os trilhos para lenha, e o trigo para oferta de alimentos; tudo dou. E disse o rei Davi a Ornã: Não, antes, pelo seu valor, a quero comprar; porque não tomarei o que é teu, para o SENHOR, para que não ofereça holocausto sem custo. (1Cr 21.18-24)

A ARCA DA ALIANÇA 

Quando Moisés selou um novo pacto com Deus através dos Mandamentos, as tábuas de pedra foram guardadas dentro da Arca da Aliança. Após ser guarda por levitas, roubada pelos fariseus e recuperada, Davi depositou Arca na fortaleza de Sião. A fortaleza havia servido então como ponto de vigia e segurança para que Davi edificasse sobre Salém e a terra de Ornã / Araúna um local de culto ao Senhor a uma nova cidade, que seria a capital de seu reino. Em Salém, foi levantado o Tabernáculo (Sl 76.1-3), um predecessor do Templo que Salomão faria nos anos seguintes.

É interessante notar que um objeto sagrado como a Arca não foi guardado onde as pessoas moravam (Salém) ou mesmo onde prestavam culto (o Tabernáculo), mas numa fortaleza vizinha dali, como que para proteger as pessoas da proximidade de tal objeto. Finalmente, quando o 1º Templo estava terminado, Salomão delimitou o "Santo Lugar" para dispor a Arca e nesse mesmo edifício estariam o local de congregação do povo e morada do Deus Altíssimo.

E acordou Salomão, e eis que era sonho. E indo a Jerusalém, pôs-se perante a arca da aliança do SENHOR, e sacrificou holocausto, e preparou sacrifícios pacíficos, e fez um banquete a todos os seus servos. (1Rs 3.15)

Então congregou Salomão os anciãos de Israel, e todos os cabeças das tribos, os chefes dos pais dos filhos de Israel, diante de si em Jerusalém; para fazerem subir a arca da aliança do SENHOR da cidade de Davi, que é Sião. E todos os homens de Israel se congregaram ao rei Salomão, na ocasião da festa, no mês de Etanim, que é o sétimo mês. E vieram todos os anciãos de Israel; e os sacerdotes alçaram a arca. E trouxeram a arca do SENHOR para cima, e o tabernáculo da congregação, juntamente com todos os objetos sagrados que havia no tabernáculo; assim os trouxeram para cima os sacerdotes e os levitas. (1Rs 8.1-4)

Dessa forma, a fortaleza jebusita de Sião incrivelmente foi o abrigo da Arca entre os anos de 995 a.C. e 953 a.C., antes que ela estivesse no Templo, e na verdade antes que houvesse o Templo. Davi iniciou uma era muito próspera para Israel, com as fronteiras relativamente protegidas e os povos em redor pagando impostos, o que pode ter feito a "cidade de Davi" ganhar novos edifícios e muros, para que fosse digna da habitação de um rei. Um trecho do salmo abaixo nos dá uma idéia da aparência que tinha tal fortaleza.

Alegre-se o monte de Sião; alegrem-se as filhas de Judá por causa dos teus juízos. Rodeai Sião, e cercai-a, contai as suas torres. Marcai bem os seus antemuros, considerai os seus palácios, para que o conteis à geração seguinte. (Sl 48.11-13)

A MORADA DO SENHOR

Nos tempos de Davi, Sião era o centro de governo e ainda a habitação do Senhor, como se o Seu espírito estivesse sobre o monte:

Conhecido é Deus em Judá; grande é o seu nome em Israel. E em Salém está o seu tabernáculo, e a sua morada em Sião. (Sl 76.1-2)

Eis-me aqui, com os filhos que me deu o SENHOR, por sinais e por maravilhas em Israel, da parte do SENHOR dos Exércitos, que habita no monte de Sião. (Is 8.18)

Com o erguimento de Jerusalém, as habitações ao redor da "cidade do Rei” agora reconheciam a edificação no monte de Sião como "cidade de Deus", e isso significava literalmente a morada do Senhor. A muralha que rodeava Jerusalém então tinha uma porta do lado do monte de Sião, que dava acesso ao Templo.

O Seu fundamento está nos montes santos. O SENHOR ama as portas de Sião, mais do que todas as habitações de Jacó. Coisas gloriosas se dizem de ti, ó cidade de Deus. (Selá.) Farei menção de Raabe e de babilônia àqueles que me conhecem: eis que da Filístia, e de Tiro, e da Etiópia, se dirá: Este homem nasceu ali. E de Sião se dirá: Este e aquele homem nasceram ali; e o mesmo Altíssimo a estabelecerá. O SENHOR contará na descrição dos povos que este homem nasceu ali. (Selá.) Assim os cantores como os tocadores de instrumentos estarão lá; todas as minhas fontes estão em ti. (Sl 87)

Quando Jerusalém foi desmantelada pela invasão babilônica, a citadela no monte provavelmente foi destruída, e isso deve ter sido para os israelitas um sinal da fúria e do abandono de Deus. Os profetas voltando do exílio séculos mais tarde ainda mencionavam Sião como a "cidade de Deus", chamando agora Jerusalém de “filha de Sião”.

E [eu, o Senhor] acampar-me-ei ao redor da minha casa, contra o exército, para que ninguém passe, nem volte; para que não passe mais sobre eles o opressor; porque agora vi com os meus olhos. Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém; eis que o teu rei virá a ti, justo e salvo, pobre, e montado sobre um jumento, e sobre um jumentinho, filho de jumenta. (Zc 9.8-9)

No final do século 1 d.C., quando o cristianismo se separava do judaísmo praticado pelos fariseus, Paulo também se referia a Sião como a cidade de Deus:

Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, E desviará de Jacó as impiedades. E esta será a minha aliança com eles, Quando eu tirar os seus pecados. (Rm 11.24-27)

Obs: o zambujeiro, ou oliveira-brava, é um tipo de oliveira com frutos de pouca polpa e produção de óleo pequena. Como cresciam nos mesmos terrenos dos olivais nativos, eram considerados “imprestáveis” pelos povos do Oriente Médio que vendiam azeite.

A SIÃO CELESTIAL

Após Jesus, os primeiros difusores do Evangelho se deparam com povos para os quais Jerusalém não era dotada de nenhum significado especial – e na verdade era uma terra estrangeira da qual muitos nunca haviam ouvido falar. Quanto mais a "cidade de Davi"! Quando a mensagem indicava que o Senhor ESTAVA em Sião, esse nome passou a significar uma espécie de cidade celestial, onde Deus habita.

... tão terrível era a visão [do Senhor], que Moisés disse: Estou todo assombrado, e tremendo. Mas [vocês, os cristãos] chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel. (Hb 12.21-24)

No livro de Apocalipse, o monte de Sião também representa o local de retorno do Senhor à terra para que essa seja renovada:

E olhei, e eis que estava o Cordeiro sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que em suas testas tinham escrito o nome de seu Pai. E ouvi uma voz do céu, como a voz de muitas águas, e como a voz de um grande trovão; e ouvi uma voz de harpistas, que tocavam com as suas harpas. E cantavam um como cântico novo diante do trono, e diante dos quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra. Estes são os que não estão contaminados com mulheres; porque são virgens. Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vá. Estes são os que dentre os homens foram comprados como primícias para Deus e para o Cordeiro. (Ap 14.1-4)

ONDE FICA SIÃO, AFINAL ? EXISTE AINDA?

(clique para ampliar)

Certamente que muita coisa mudou nos últimos 7000 anos desde Abraão, incluindo o relevo, o clima e os lugares onde as pessoas habitam. Já os apóstolos encontravam dificuldade em explicar aos crentes o valor de Sião como terra natal, mas podiam ensinar seu valor como lugar onde um pacto foi firmado, onde Davi estabeleceu o povo de Deus e onde o Senhor mostrou a João de Patmos que viria sobre a Terra. O povo gradualmente esqueceu-se da antiga fortaleza jebusita, da pequena Salém de repente transformada na cidade de Jerusalém e a "morada do Senhor" sobre o monte.

Aparentemente, o monte de Sião permaneceu desocupado. Talvez fosse considerado um local sagrado. A notícia mais antiga que temos daquele ponto é sua ocupação pela 10ª Legião  (romana) no séc. 3 d.C., onde ficaram acampados, talvez em alguma ruína. Quando a legião deixou o local, os cristãos ergueram ali uma igreja chamada Haggia Sião, que permaneceu até 1009 d.C., quando as batalhas entre islâmicos e cruzados a destruíram. Tudo o que sabemos dela se resume a um mapa da região onde ela foi desenhada. Por volta de 1100 d.C., os cruzados reuniram várias ruínas no local sob o teto de uma Igreja de Santa Maria de Sião, que perdurou até o séc. 13. Esta também foi destruída parcialmente nos anos seguintes, pela ocupação árabe/egípcia.

No começo do séc. 19, um grupo de monges beneditinos identificou as ruínas no monte e ergueu ali a Abadia da Dormitação, onde uma tradição católica diz que Maria teria sido morrido (ou onde ela "dormiu"). Esse prédio, de cúpulas cinza-azuladas, ainda ocupa o topo do monte Sião. Agora pode voltar na foto lá encima para procurar ele...

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