segunda-feira, 3 de junho de 2013

Gideão e Esparta - quando 300 é tudo o que você precisa



Por volta de 1180 a.C., Canaã havia sido invadida pelos midianitas, amorreus e amalequitas, que seguidamente saqueavam as cidades. A história de Gideão contada no livro de Juízes vem nos lembrar um passado longínquo do povo de Deus, quando um exército formado por 300 camponeses desarmados colocou em fuga um exército de cerca de 120 mil homens, formados pela união de vários reinos do Oriente e que estavam a oprimir Israel.

(1)300 ESPARTANOS

O filme 300 foi uma super-produção do diretor Zack Snider feita em 2006, sobre uma novela de quadrinhos do famoso cartunista Frank Miller. Por todo o mundo, ficou conhecida a lenda dos 300 espartanos que se opuseram à invasão da Grécia por Xerxes, o monarca persa. Fora dos quadrinhos e do cinema, entretanto, essa foi uma história real, mas não tão fantástica, e sim um belo exemplo de estratégia militar.

Na verdade, os espartanos contaram com bastante ajuda: primeiro, um terreno acidentado, conhecido por eles mas não pelos persas, que vinham do Oriente e seus desertos. Numa viajem dessas, os soldados precisam caçar e pescar para comer... Mas os persas nem conheciam o clima da Grécia, pois atacaram numa época tempestuosa, quando o vento nas montanhas é simplesmente gélido e animal algum fica por lá. Segundo, as outras nações gregas enviaram reforços sim - embora houvessem 300 espartanos na linha de frente, havia sabidamente muito mais soldados atrás deles, num total que devia ultrapassar os 4000 homens, podendo chegar perto dos 8000 soldados. Ainda era pouco, perto do exército de 100.000 que Xerxes possuía, mas os gregos estavam "brigando em casa".

A batalha começou por volta de 480 a.C. e durou por quase 1 ano. Quando os persas encontraram a passagem através das montanhas e cercaram os gregos, estes estavam reduzidos a menos de 1500 homens, entre espartanos, 700 soldados de Thespia, 400 soldados de Thebas e escravos. Foi um massacre: os thebanos renderam-se e todos os demais morreram, inclusive Leônidas, o masculino rei de Esparta. Mas era só mais um capítulo de uma guerra que Xerxes tinha como vencer. Uns 10 anos antes, ele já havia sido derrotado por Atenas na cidade de Maratona. E após um ano dos soldados nas montanhas gregas, as reservas de alimentos estavam quase esgotadas.

Xerxes recuou de lá com um exército faminto, deixando apenas um batalhão na Grécia. No ano seguinte, com uma nova consolidação dos exércitos das nações gregas, esse batalhão isolado foi exterminado na cidade de Platea.

Os gregos também não eram pacíficos: Esparta era uma potência militar, Atenas já havia conquistado outras nações da Grácia e, quase 3 séculos depois, um macedônio chamado Alexandre Magno levaria seus exércitos até o Egito, não deixando de conquistar Israel em sua passagem. Quem nunca ouviu falar da capital Alexandria, que ele fundou no Egito dos faraós? Na Bíblia, a chegada de Alexandre ficou registradoa no livro apócrifo de 1º Macabeus.

Antes de Alexandre, os gregos tinham pouco ou nenhum conhecimento sobre Israel, e provavelmente sequer tinham houvido sobre uma batalha ocorrida em 1180 a.C. no Oriente, quando um número muito menor de soldados (agora realmente 300) foi ao encontro de um exército semelhante ao de Xerxes, sem uma faca sequer nas mãos. Engole essa, Leônidas.

OS JUÍZES

O período de Juízes (1380 -1050 a.C) representa o legado de Josué desde a conquista de Canaã até o início da monarquia, com a coroação de Saul. Nesse tempo, os israelitas estiveram sem reis e foram governados por uma sucessão de 15 líderes militares sob a proteção divina. Tomando como referência o início do livro de Juízes, podemos pressupor que a inexistência de reis se seguiu à miscigenação cultural entre os judeus e os povos que habitavam Canaã, como os cananeus, jebuseus, amorreus, heteus, etc. Deus havia proibido que isso acontecesse! Mais importante que a miscigenação cultural, os judeus passaram a adorar os deuses daqueles povos juntamente com Javé, como se Ele fosse somente mais um ídolo.

Repetidamente, o povo afastava-se do Senhor e passava a cultuar deuses pagãos ou importados das nações a leste do Jordão e do Egito; então o Senhor enviava sobre eles o poderio dessas nações para os subjugar. Quando o povo clamava a Deus por misericórdia, o Senhor aparecia a um Juiz, favorecia-o com milagres no campo de batalha e a paz entre os israelitas era reavida, até que o ciclo recomeçasse. Uma frase repetida ao longo do livro, em diversas formas é “Naqueles dias não havia rei em Israel; porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos.” (Jz 21.25). 

Ao longo das vidas de 15 juízes, Deus honrou a promessa que havia feito a Abraão:

E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gn 12.2-3)

MIDIÃ

Esse é apontado como o principal povo que oprimia os israelitas. A primeira aparição de Midiã (ou ainda Madiã, segundo a pronúncia árabe) na Bíblia é no nome de um dos filhos de Abraão que foi mandado ao oriente (~ 4900 a.C.). Por volta de 1700 a.C., José fora vendido aos midianitas por seus irmãos (Gn 37.25-27). Quando a invasão de Canaã pelos midianitas aconteceu (~1200 a.C.), é bastante possível que o filho de Abraão tivesse originado um enorme clã no noroeste da península arábica. 

Os midianitas eram culturalmente bastante aparentados com os amorreus e os moabitas. Tinham uma religião de múltiplos deuses aos quais se ofereciam fezes para adivinhação e crianças em sacrifício (Qemosh ou Baal-Qemosh), sacrifícios de animais (Baal) e ritos de fertilidade (Astarte).

No entanto, a Bíblia relata que entre esse povo também haviam hebreus, pois Moisés habitou em Midiã quando fugiu do Egito, e lá encontrou uma tribo que identificou como “seu povo” por volta de 1550 a.C. Jetro, sogro de Moisés, era um sacerdote midianita, embora não saibamos a qual deus ele se devotava (Ex 2.15-3.1). O parentesco cultural certamente favoreceu muito a disseminação dos deuses de Moab e Babilônicos entre os israelitas.

AMORREUS

Os amorreus eram um povo antigo, também chamado Mar-tu, que migrou para as terras férteis entre os rios Tigre e Eufrates por volta do ano 2400 a.C. A causa dessa migração foi uma seca prolongada, que destruiu os campos próximos ao Golfo Pérsico em 2200 a.C. Quando invadiram as terras onde viviam os Sumérios em suas grandes cidades, os amorreus foram identificados por eles como selvagens e ignorantes:

Os Mar-tu que não conhecem nenhum grão… Os Mar-tu que não têm nenhuma casa, nem cidades, os animais das montanhas... Os Mar-tu que escavam trufas... que não cultivam a terra, que comem carne crua, que não têm casa durante a sua vida, que não são enterrados após a morte... (inscrição suméria)

Apesar de ignorantes, eram um povo de homens “grandes e fortes como cedros” (Am 2.9) e numerosos, o que obrigou os reis sumérios a construírem uma muralha de 300 Km a fim de os manter fora do seu espaço. No entanto, a Suméria vinha sofrendo seguidos ataques do reino vizinho de Elam, de forma que muitos líderes locais sumérios acabavam perecendo nos ataques, quando então os amorreus invadiam as terras e instituíam seus próprios reis ali. Entre 2000 e 1600 a.C., os amorreus governaram o que restou da Suméria e fundaram a Babilônia. Eles foram particularmente rápidos em absorver a cultura suméria, conseguindo apoio popular com a extinção do trabalho escravo e a organização do 1º código de leis (não divinas) escritas conhecido em 1790 a.C. Desse código faziam parte as punições por falso testemunho, roubo, estupro, ajuda a fugitivos e a Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”.

Em sua expansão, os amorreus espalharam-se pelas terras ao norte do rio Arnon, tendo ao sul o reino de Moab. A partir de 1500 a.C., os amorreus começaram a estender-se para além do Jordão, buscando o apoio dos israelitas em Canaã. Nesse período, o único código escrito de leis dos hebreus eram os ensinamentos de Moisés. Não havia, entretanto, um sistema legislativo eficiente que assegurasse o cumprimento dessas leis. Junto com seu sistema "mais organizado" de leis, os amorreus traziam para as terras dos israelitas o culto de Baal e Asherá, seus deus e deusa responsáveis pela fertilidade da terra. 

Os amorreus eram provavelmente conhecidos por suas magias de cura como usar ovos de grilo para curar dores de dente, dentes de raposa viva para ficar acordade e de reposa morta para dormir, etc. Diversas superstições como essa são relatadas no Talmude (Gemara IX). Seduzidos por magias de cura e fertilidade dos campos, além de uma organização legislativa e de poderes estatais, os israelitas acabavam rendendo-se a Baal. De fato, Baal era extremamente popular como deus agrícola, de forma que muitos israelitas dos campos renderam-se ao seu culto, entre eles Joás, o pai de Gideão, e todos os seus vizinhos.

AMALEQUITAS

A Bíblia afirma que esse é o povo mais antigo da terra (Nm 24.20), habitando a terra de Havillah, uma região montanhosa na Península Arábica. Hoje trata-se de um terreno desértico, mas que deve ter contado com diversos rios alguns milênios atrás, quando o Oriente Médio era mais úmido.

Os amalequitas eram provavelmente um povo nômade e guerreiro aparentado com os amorreus, com os quais se uniram durante a consolidação da Babilônia. Quando Canaã é invadida pelos midianitas, esses chegam junto com os amalequitas para saquear as terras dos hebreus (Jz 6.3).

O parentesco com os amorreus é revelado no significado da palavra Amaleque, que vem do árabe Imlik (عملاق) ou Al-malik, que significa “gigante”. Assim como os amorreus, é provável que se tratasse de um povo com grande estatura, aos olhos dos israelitas. Como nômades, sua cultura certamente parecia extremamente “selvagem” aos israelitas e seriam, a exemplo dos amorreus, “um povo que não conhece grão algum nem enterra os seus mortos”.

Desde a chegada dos hebreus a Canaã por volta de 1500 a.C. até o fim do período de Juízes, quando Saul foi eleito rei (1050 a.C.), os amalequitas peregrinaram pelo território entre Havillah (na península arábica) até Sur (norte do Sinai), diversas vezes atacando as cidades e acampamentos dos israelitas. 

Então disse o SENHOR a Moisés: Escreve isto para memória num livro, e relata-o aos ouvidos de Josué; que eu totalmente hei de riscar a memória de Amaleque de debaixo dos céus (Ex 17.14).

Era uma maldição terrível! Alguns séculos depois, um ataque fulminante do rei Saul sobre os amalequitas capturou seu rei (Agag) e ele foi morto pelo próprio profeta Samuel (1Sm 15). Por ter desobedecido o Senhor e trazido espólios do acampamento amalequita (inclusive o rei Agag, que Saul desejava ter como escravo), Saul teve a Graça retirada do seu reinado. Com Deus não se brinca: pouco tempo, o pastor Davi ocuparia seu lugar no trono.

A BATALHA DE GIDEÃO

Na função de Pai, por não menos de 15 vezes foi necessário dar “palmadas” no povo para que se lembrassem de ouvir ao Senhor. Com Gideão não foi diferente: Israel se afastou do Senhor, os amoritas, amalequitas e amorreus caíram sobre eles, saqueando-os; então clamaram outra vez ao Senhor.

Dessa vez o “anjo do Senhor” apareceu a Gideão, filho de Joás, da tribo de Manassés. O episódio é descrito nos capítulos 6 e 7 do livro de Juízes. Sendo um camponês, Gideão reluta em aceitar uma missão militar, e ainda impossível como essa. O Senhor então ordena: “derruba os altares de Baal”, o que Gideão faz escondido pela noite. Quando o povo se revolta, ele é protegido pelo pai Joás (que havia erguido os altares) e ganha o apelido Jerubaal (que Baal se defenda). Chamado a uma missão militar, Gideão pede que o Senhor realize pequenos milagres para confirmar-lhe a promessa de vitória. Deus não deixa de afirmar-lhe o que já havia dito, que ele expulsaria os invasores de Canaã.

Gideão reuniu 32 000 soldados das tribos de Manassés, Aser, Zebulom e Naftali (Jz 6.35). Mas o Senhor repetidamente mandou reduzir o número de soldados, até que só restaram 300 homens... contra algo como 120 mil adversários. Loucura ou extrema fé.

Ao contrário do que seria dos bravos espartanos no futuro, Deus fez com que a vitória viesse sem perdas do lado israelita. Os inimigos simplesmente apavoraram-se, lutaram uns contra os outros e fugiram, para serem perseguidos ainda pelas outras tribos israelitas que não ingressaram no confronto (ex. Efraim).

Evidentemente, a vitória dos israelitas só aconteceu pelo favor divino. Mais ainda, Deus disse a Gideão que ele levasse apenas 300 homens PARA QUE OS ISRAELITAS NÃO PENSASSEM QUE A VITÓRIA ERA MÉRITO SEU. Talvez os midianitas estivessem em desvantagem no terreno de Canaã, mas certamente o Senhor fazia questão que todos soubessem do papel dele em prover o que precisavam, muito mais que a própria força.

Muitas outras vezes ao longo da Bíblia Ele fez semelhantemente: "peçam a mim", "não tentem fazer por sua força", "não se considerem merecedores", até que Jesus apareceu para nos dar uma lição maravilhosa de humildade, justamente Quem poderia realmente gabar-se de Seu poder.

PAPAI DO CÉU

Curiosamente, todo pai ensina aos filhos como serem independentes, como confiarem cada vez mais em si para conseguir o que precisam. Afinal, um dia deverão LHE suceder. Mas quem irá algum dia suceder ao Senhor?

Talvez isso explique muita coisa! No caso de Gideão, Ele ainda escolheu um sujeito bastante medroso - essa é a palavra perfeita para Gideão, se acompanharmos o que a Bíblia mostra dele - para realizar algo grandioso. Não um valente, ou qualquer um que confiasse em si mesmo, mas justamente aquele que menos confia. Então, por intervenção divina, os midianitas (e talvez todos eles) foram atormentados na noite anterior por um sonho sobre a vitória dos inimigos.

SONHO TERRÍVEL

Chegando, pois, Gideão, eis que estava contando um homem ao seu companheiro um sonho, e dizia: "Eis que tive um sonho, eis que um pão de cevada torrado rodava pelo arraial dos midianitas, e chegava até à tenda, e a feriu, e caiu, e a transtornou de cima para baixo; e ficou caída". E respondeu o seu companheiro, e disse: "Não é isto outra coisa, senão a espada de Gideão, filho de Joás, varão israelita. Deus tem dado na sua mão aos midianitas, e todo este arraial." (Jz 7.13-14)

Não sabemos quanto tempo Gideão levou reunindo soldados, mas isso o tornou conhecido em toda terra de Canaã, dada a menção de seu nome pelo exército midianita. Repare que 32 000 homens é bem mais do que TODAS AS NAÇÕES GREGAS poderiam oferecer contra Xerxes no futuro. E, fazendo a comparação com a situação de Esparta, os midianitas também tinham fome: eles pareciam saquear as vilas de Israel sempre em busca de alimentos, e não escravos, como faria uma nação imperialista (Jz 6.4 e 6.11).

Sonhos podem ser grandes modificadores do comportamento, sejam lembrados ou não. Normalmente, a função do sonho é “remediar” lembranças traumáticas de forma que elas possam ser processadas pelo cérebro quando a pessoa está acordada. Nesse caso, porém, a breve descrição de como os midianitas reagiram lembra a forma como presas reagem diante de um predador, com desespero e confusão. Tal desespero generalizado pode, em muitos casos, se tornar em agressividade desordenada, com ataque a objetos ou até as pessoas mais próximas. Como se o sonho tivesse seu papel invertido... Mas qual o sinal que Gideão deu que despertou essa reação extremada?

Na noite do ataque, nada menos que 120 000 soldados se viram cercados por um exército de tochas nas mãos e tocando trombetas (símbolo de guerra), mas de fato nenhum soldado armado. No pavor de estarem cercados por um exército colossal (pois haviam sempre centenas de soldados para cada trombeteiro e Gideão tinha 300 trombeteiros), os homens desesperaram-se. Trombaram uns com os outros, degladiaram entre si, e no fim fugiram! Tudo dá a entender que os presságios durante a noite anterior tiveram grande participação no pânico entre os midianitas.

Fica um ensinamento valoroso:

[Filho meu,] Quando te deitares, não temerás; ao contrário, o teu sono será suave ao te deitares. Não temas o pavor repentino, nem a investida dos perversos quando vier. (Pv 3.24-25)

PODE LÊ, LÊ SIM Ó

Babilonian Talmud, Regulations concerning what garments (serving as ornaments) women go out with on the Sabbath, Mixná IX.

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