domingo, 23 de outubro de 2011

In vino, veritas?

O texto original é do Clóvis Gonçalves. A culpa não é minha. Só um pouco.

Sou abstêmio convicto, motivado especialmente por caso de alcoolismo na família e por compreender o dano social causado pelo consumo de bebidas alcoólicas. Portanto, este texto não pretende ser uma apologia a nada, exceto talvez ao equilíbrio bíblico, tendo em conta a advertência:

Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, que eu vos mando. (Dt 4:2).

A obediência aos mandamentos começa por não ficar aquém nem ir além de onde a própria Bíblia vai. Fiz uma busca rápida por vinho no Novo Testamento e a encontrei em cerca de 30 versículos. Além disso, o grego e o hebraico usam muitas palavras diferentes associadas a vinho (parece que eles conhecem bem o assunto). Algumas dessas palavras são estudadas a seguir.

OINOS

Esta palavra aparece 33 vezes em 25 versículos (em alguns versículos ocorre repetidamente), e é traduzida “vinho” em todas as ocorrências pela Revista e Atualizada. Que vinho [oinos] contém álcool fica claro na seguinte passagem: “E não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18). A Septuaginta usa oinos para traduzir os hebraicos yayin, chemer, ieqev, sove, asis, shekar, shemer e tirosh, indistintamente. Embora no português vinho seja especificamente uma bebida fermentada, os antigos usavam "vinho" para definir o que era extraído da uva. Assim havia o "vinho" novo, ou suco da fruta, e o "vinho" velho ou fermentado. As palavras Yayin e Tirosh eram usadas especificamente para o vinho novo. Chemer e Asis eram usados para o vinho velho.

Quanto ao vinho usado na última ceia, não é dito de que tipo era, visto que a palavra vinho não ocorre nesse contexto. De qualquer forma, as igrejas apostólicas celebravam a ceia com vinho inebriante. Paulo os repreende afirmando que “ao comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao passo que há também quem se embriague” (1Co 11.21). Note que em suas repreensões à forma desordenada na qual a igreja corintiana celebrava a ceia do Senhor, Paulo não inclui o tipo de vinho utilizado.

Interessante notar, também, que Jesus foi acusado de bebedor de vinhos [oinopotes]: “Veio o Filho do Homem, comendo e bebendo, e dizeis: Eis aí um glutão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores!” (Lc 7.34). Em uma passagem da primeira epístola de Pedro, bebedices é tradução de um termo derivado de oinos [oinophlugia]: “Porque basta o tempo decorrido para terdes executado a vontade dos gentios, tendo andado em dissoluções, concupiscências, borracheiras, orgias, bebedices e em detestáveis idolatrias” (1Pe 4.3).

A conclusão é de que o termo mais comumente traduzido vinho no Novo Testamento refere-se a uma bebida capaz de causar embriaguez se consumida em grande quantidade. É possível que o vinho feito por Jesus em Caná e o utilizado na última ceia fossem do mesmo tipo consumido comumente pelos judeus de seus dias, que bebido puro e em grande quantidade era embriagante. No caso da ceia em Corinto, é-nos permitido concluir que a mesmo continha álcool, pois ninguém se embriaga com suco de uva.


GLEUKOS

Em Atos 2.13 a Revista e Corrigida traduz gleukos como mosto, um suco doce de uva espremida: “Outros, porém, zombando, diziam: Estão embriagados!” (At 2.13). Tecnicamente, mosto é o vinho ainda não totalmente fermentado. De qualquer forma, deveria ser embriagante, visto que a Revista e Atualizada traduz “cheios de mosto” como “embriagados”. A própria expressão dos ouvintes requeria que eles estivessem alterados.


OXOS

Outra palavra traduzida por vinho é oxos: “deram-lhe a beber vinho com fel; mas ele, provando-o, não o quis beber” (Mt 27.34). Era uma mistura de vinho azedo ou vinagre e água que os soldados romanos estavam acostumados a beber. De fato, a palavra só ocorre nos Evangelhos e somente no episódio da crucificação de Jesus (Mt 27:34, 48; Mc 15.36; Lc 23.36; Jo 19.29-30), sendo traduzida mais comumente como vinagre. Logo, este seguramente não era o vinho utilizado na última ceia, na ceia do Senhor da igreja primitiva e nem mesmo o vinho consumido normalmente pelos judeus nos dias de Jesus.


SIKERA ou SHEKAR

É uma palavra traduzida como bebida forte ou intoxicante, citada quando o anjo do Senhor aparece ao profeta Zacarias, anunciando o nascimento de João: “Pois ele será grande diante do Senhor, não beberá vinho nem bebida forte e será cheio do Espírito Santo, já do ventre materno” (Lc 1.15). Não era exatamente vinho, mas uma bebida feita da uma mistura de ingredientes doces, derivados de grãos ou legumes, ou do suco de frutas (tâmara), ou de uma decocção do mel. Hoje, poderia ser entendida como um tipo de grapa ou licor de uvas.


METHE

A palavra beberrão, bêbado, bebedices, etc, deriva de methe que significa embriaguez, bebedeira, intoxicação: “Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais” (1Co 5.111Co 6.10). Methe e seus derivados estão associados ao consumo excessivo de bebidas. E este excesso é claramente proibido nas Escrituras, como por exemplo Ef 5.18, onde a proibição não é quanto ao consumo de vinho [oinos], mas à embriaguez [methusko], pois como demonstrado acima, Jesus bebia vinho (Lc 7.34, citado acima), mas o irmão beberrão deveria ser evitado (1Co 5.11, citado acima).


Não há uma proibição do tipo “não beberás vinho”. Parece que o ensino bíblico é mais no sentido da moderação. Por exemplo, nas descrições dos requisitos para os oficiais da igreja, a proibição é quanto ao excesso: “É necessário, portanto, que o bispo seja... não dado ao vinho” (1Tm 3.2-3), “semelhantemente, quanto a diáconos, é necessário que sejam... não inclinados a muito vinho”, “quanto às mulheres idosas, semelhantemente, que sejam... não escravizadas a muito vinho” (Tt 2.3).

A proibição geral é quanto ao embriagar-se, não quanto ao consumo em si, feito com moderação. É neste sentido que temos advertências do tipo “não vos embriagueis com vinho” (Ef 5.18), “acautelai-vos por vós mesmos, para que nunca vos suceda que o vosso coração fique sobrecarregado com as conseqüências da... embriaguez” (Lc 21.34),“Andemos dignamente... não em orgias e bebedices” (Rm 13.13), pois “não herdarão o reino de Deus os que tais coisas praticam” (Gl 5.21).

Ao lado disso, há a recomendação do experiente Paulo ao jovem Timóteo para que este bebesse um pouco de vinho, devido a seus problemas de saúde. “Não continues a beber somente água; usa um pouco de vinho, por causa do teu estômago e das tuas freqüentes enfermidades” (1Tm 5:23). É interessante aqui observar duas coisas, a quantidade e a finalidade. Era para tomar “um pouco” de vinho e “por causa” de seus problemas gástricos, ou seja, com finalidade terapêutica.

Concluindo, se alguém me perguntar o que eu acho sobre o crente beber com moderação, direi que o mesmo deve evitar, pelas razões que expressei na introdução. Mas se alguém me perguntar se a Bíblia proíbe ao crente beber de forma moderada, para ficar em paz com minha consciência, direi que não. Pois de fato ela não o faz. Ela proíbe a embriaguez, mas não o consumo moderado.

Soli Deo Gloria

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Esse texto foi colhido de uma parreira de cinco solas das terras de  http://cincosolas.blogspot.com/2010/11/e-pecado-beber-vinho.html, pisado e fermentado em tonéis de cedros do Líbano. Algumas referências foram tiradas ebriamente de http://www.cai.org/files/theme-sheets/en/b/sb0074au.pdf. Agradecemos a preferência.

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