quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Crendo na ignorância


Essa é uma tradução que Eliel Vieira fez de um texto no site http://www.reasonablefaith.org/site/News2?page=NewsArticle&id=8490. Wilian Lane Craig é professor de filosofia da religião, escritor de livros teológicos e mantenedor do site, onde responde algumas perguntas de leitores. Nesse trecho ele fala do argumento Kalam, uma palavra árabe que significa palavra ou discurso. Esse argumento é uma "dedução lógica" da existência de Deus, que mais tarde influenciou grandes teólogos ocidentais como Tomás de Aquino. Ele foi elaborado pelo pensador al-Ghazali, nos tempos do império persa. Não se pode negar que há um dedo de Aristóteles nisso. Segundo al-Ghazali, 
  1. Tudo que tem um início de sua existência tem uma causa para sua existência.
  2. O universo tem um começo de sua existência.
  3. portanto: O universo tem uma causa para sua existência.
Se o universo tem uma causa para sua existência, então essa causa é Deus.
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Caro Doutor Craig,

Eu tenho estudado a defesa da fé cristã durante a maior parte dos últimos seis meses. Eu reconheço que seis meses não é muito tempo, entretanto há uma ideia que eu não tenho conseguido vencer ou apresentar uma refutação quando ela é levantada em uma conversa ou debate. Muitas pessoas, incluindo alguns cristãos, alegam ignorância intelectual sobre conhecer alguma coisa sobre a vida, o universo e a lógica. Eles afirmam que uma vez que cada possibilidade ainda não foi explorada, então nada pode ser dito com certeza. Uma vez que nada pode ser dito com certeza, então todas as premissas que você apresenta podem parecer verdadeiras para nós, mas nós não podemos dizer que elas são absolutamente verdadeiras. Se elas não podem ser provadas como absolutamente verdadeiras, então não há razão alguma para acreditar nelas, e o argumento morre logo ali.

Está ficando cada vez mais frustrante e desanimador começar a falar com alguém baseado na lógica que é aceita e provada, e então ter que parar antes que a discussão sequer comece. Por exemplo, no argumento cosmológico Kalam a primeira premissa estabelece que “Tudo o que começou a existir tem uma causa.” Mas muitas pessoas questionam esta premissa baseando-se no fato de que nós humanos não viajamos por todo o universo para podermos concluir esta premissa. Uma vez que nós não exploramos todas as possibilidades no resto do universo, é impossível basear algo em uma ideia que pode ser ou não ser verdadeira em todo o universo.

Eu tenho certeza que você já ouviu isto antes em seus debates, esta idéia da incerteza das coisas. Eu estou inseguro sobre como proceder e falar quando as pessoas pensam desta forma. Qual conselho você me dá para responder a estas objeções?

Christopher
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Resposta do Dr. Craig:

As pessoas que você menciona, Christopher, são vitimas de um ceticismo injustificado e, no fim das contas, autodestrutivo.

Observe que eles igualam conhecimento com certeza. Se você não tiver certeza de que uma proposição P é verdadeira, então você não sabe que P. Mas que justificação existe para esta suposição? Eu sei que eu possuo uma cabeça, por exemplo. Mas eu poderia ser um cérebro em uma cuba de produtos químicos sendo estimulado por um cientista maléfico para que eu pense que eu tenho um corpo. Esta simples possibilidade implica que eu não sei que eu tenho uma cabeça? Se sua resposta for “Sim”, peça a eles que apresentem sua justificação para sua idéia de que o conhecimento exige certeza. Para qualquer coisa que eles disserem você pode perguntar a eles, “Você tem certeza?” Se eles disserem “Não”, então eles não sabem que o conhecimento exige certeza. Se eles disserem “Sim”, então não é verdadeiro, afinal de contas, que nós não podemos saber alguma coisa sobre a vida, o universo e a lógica.

O ceticismo, ironicamente, puxa o tapete onde seus próprios pés estão. Por exemplo, seus amigos afirmam saber que “uma vez que todas as possibilidades não foram exploradas, nada pode ser dito com certeza.” Esta mesma declaração é uma afirmação de conhecimento! (Uma afirmação notoriamente falsa, mas deixa para lá!) Como eles sabem disto? Ou, novamente, como eles sabem que “uma vez que nada pode ser dito com certeza, nós não podemos dizer que suas premissas são absolutamente verdadeiras”? Esta é uma afirmação de conhecimento (novamente, uma afirmação falsa). Ou, o que dizer da afirmação “se as premissas não podem ser provadas como absolutamente verdadeiras, então não há razão alguma para acreditar nelas”? Como eles sabem disto? (De novo, isto parece ser notoriamente falso, mas deixe isto para lá.) De onde estes céticos retiraram todo este conhecimento?

E se nós não podemos saber nada sobre lógica, como eles podem ter seguido o raciocínio abaixo?
  1. Uma vez que todas as possibilidades não foram exploradas, nada pode ser afirmado com certeza.
  2. Uma vez que nada pode ser afirmado com certeza, todas as premissas que você apresenta podem parecer verdadeiras pra nós, mas não são absolutamente verdadeiras.
  3. Se elas não podem ser provadas como absolutamente verdadeiras, então não existem razões para acreditarmos nelas.
Estas premissas se parecem com as premissas de uma inferência lógica chamada silogismo hipotético! Mas se esta regra de inferência não é correta, então nenhuma conclusão segue de (1-3) e nós não temos nenhuma razão, portanto, para duvidar do meu argumento original.

O problema fundamental com o ceticismo é que ele pressupõe que, a fim de conhecer P, você precisa saber que você sabe que P. Mas se eu posso saber um pouco de verdade sem saber como é que eu sei disto, então a espinha do ceticismo é cortada. O cético na verdade está fazendo uma afirmação muito radical para a qual ele não pode apresentar nenhuma justificação sem também serrar o galho no qual ele está pendurado.

O ceticismo é, portanto, estranhamente arrogante e autodestrutivo. Ele se baseia na suposição de termos conhecimento de afirmações não muito óbvias. O cético não pode fornecer nenhuma justificação destas afirmações, fazendo com que sua visão se torne, ela própria, incoerente; sem estas afirmações, entretanto, seu ceticismo entra em colapso. Portanto, a falta de certeza certamente não implica que eu não tenho conhecimento.
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Não é a primeira vez que um cético tenta DEDUZIR a existência de Deus. Isso aconteceu diversas vezes na Antiguidade mas, como diz Wilian Lane Craig, o ceticismo termina por cerrar o próprio galho. Segundo o sistema de lógica estudado pelo grego Euclides e Kurt Gödel no começo do século passado, todo teorema ou afirmação se apóia em axiomas, ou verdades simplesmente aceitas como absolutas. A lógica não se constrói do nada!

Bom, seria proveitoso perguntar se algum axioma poderia ter Deus como teorema, ou seja, se a existência de Deus poderia ser deduzida a partir de alguma verdade mais facilmente aceita. Talvez essa verdade possa ser, no fim das contas, alguma necessidade humana tão comum que todos a entendam. Nesse caso, explica-se a variedade de crenças a respeito de Deus. Se a Bíblia for tomada como base (e pergunto porque o seria, sem a crença em Deus como dogma), ela afirma sobre a própria sabedoria que “Eu amo aos que me amam, e os que cedo me buscarem, me acharão.” (Pv 8:17). Essa descrição da sabedoria como uma entidade é muito interessante:

"Desde a eternidade fui ungida, desde o princípio, antes do começo da terra. Quando ainda não havia abismos, fui gerada, quando ainda não havia fontes carregadas de águas. Antes que os montes se houvessem assentado, antes dos outeiros, eu fui gerada. Ainda ele não tinha feito a terra, nem os campos, nem o princípio do pó do mundo. Quando ele preparava os céus, aí estava eu, quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; quando firmava as nuvens acima, quando fortificava as fontes do abismo, quando fixava ao mar o seu termo, para que as águas não traspassassem o seu mando, quando compunha os fundamentos da terra. Então eu estava com ele, e era seu arquiteto; era cada dia as suas delícias, alegrando-me perante ele em todo o tempo." (Pv 8.23-30)

O autor desse provérbio afirma que a sabedoria é, talvez, uma das entidades mas antigas do mundo. Pelo menos tão antiga quanto o mundo. No entanto, repare-se que a sabedoria “ama quem a ama”. Trata-se de algo diferente do que a Bíblia diz sobre Deus, que ama por ser ele mesmo o amor. Assim, está a sabedoria abaixo de Deus (e não?). Talvez isso signifique que um axioma não poderia justificar Deus.

Ainda tomando a Bíblia como autoridade, o autor não identificado da Carta aos Hebreus fala muito seriamente em que “é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que ele existe, e que é galardoador dos que o buscam” (Hb 11:6). Sendo a sabedoria inferior a Deus e havendo a necessidade de fé [em Jesus] para chegar a Deus [pela misericórdia Dele mesmo], parece razoável que não se chegue a Deus segundo a lógica. Um personagem do livro “O Peregrino” de John Bunyan parece chegar a esse impasse perante as portas do reino de Deus, onde encontra o seu fim. Bunyan também argumentava sobre a necessidade de fé.

Se deixamos a verdade Bíblica para trás, por outro lado, Deus pode assumir muitas formas, ao bel prazer e necessidade do homem. É um caminho bem facinho, embora Paulo advirta Timóteo sobre isso também:

Porque virá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo comichão nos ouvidos, amontoarão para si doutores conforme as suas próprias concupiscências; e desviarão os ouvidos da verdade, voltando às fábulas.” (2Tm 4.3-4)

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