sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

As Helenas de Jerusalém

Esquerda: sala do palácio de Helena de Adiabene, encontrado em 2007. Direita: capela bizantina do Santo Sepulcro, marcando o suposto local da tumba de Jesus, dentro de uma igreja muito maior, do séc. 4. Abaixo: local do antigo Templo de Jerusalém, com a cúpula dourada do Domo da Rocha marcando o cume da montanha.

Existem duas rainhas Helena cujo nome ficou inscrito nos cantos Cristandade, devido a suas contribuições únicas, em tempos antigos.

A mais antiga, Helena de Adiabene, um reino Armênio, aderiu fervorosamente ao Judaísmo bem na época de Jesus. Suas doações ao 2º Templo e ao povo de Israel marcaram o apogeu dos Fariseus e salvaram os Judeus da fome.

A "mais moderna", Helena de Constantinopla, era mãe do famoso imperador Constantino I, que legalizou o Cristianismo em Roma, no começo do séc. 4. Sua conversão ao Cristianismo também a levou até Jerusalém. Guiada por visões, diz-se que ela encontrou a cruz de Jesus e os cravos que o prenderam. Essa Helena inaugurou a era medieval de peregrinações aos supostos resquícios de Jesus na Cidade Santa.

HELENA DE ADIABENE

Seu reino, Adiabene, era uma província submissa ao império Armênio. No extremo oeste do império ficava a cidade grega de Tarso, onde nasceu Paulo. No extremo leste ficava Arbela, a capital de Adiabene. Helena era esposa de seu irmão Monobazus I, segundo a tradição Zoroastra.

Seu esposo, ela e os dois filhos converteram-se ao Judaísmo, o que denota a influência cultural de Israel mesmo sob dominação Romana. Boa parte dessa influência deve-se a constelação de colônias Judaicas que os gregos fizeram, nas beiradas de seu império, entre os sécs. 2 e 1 a.C. Por volta de 32 d.C., logo após a Crucificação, Helena fez um voto de Nazireu para que Deus protegesse seu filho Izates II na guerra. Ao fim de 7 anos, ela deveria apresentar-se no Templo.

Em 45 d.C., quando Paulo iniciava sua pregação e Izates II governava, a rainha Helena decidiu mudar-se para Jerusalém. Sua chegada com uma vultuosa escolta e riquezas deve ter lembrado os tempos da rainha de Sabá! Chegando na Palestina, ela deparou-se com a destruição das colheitas por condições climáticas ruins e mandou emissários até Chipre e Alexandria para comprar navios de figos secos e trigo, que foram mandados até a Palestina para alimentar a população. Não bastasse isso para colocar ela na história Judaica, Helena ainda presenteou o Templo com valiosos adereços em ouro. Um deles era um grande candelabro sobre a porta de entrada. Essa peça impressionante é mencionada por vários historiadores.

Helena estabeleceu mesmo um palácio ao sul da cidade, que já abrigava a Fortaleza Antônia dos Romanos e o palácio de Herodes o Grande, então ocupado apenas pelos nobres, pois Agrippa era morto. Em 58 d.C., a velha rainha soube da morte de Izates e da coroação de seu outro filho Monobazius II, o que a levou de volta para sua terra. Alguns anos depois, o rei Monobazius II despachou para Jerusalém os ossos da rainha e seu irmão mais novo, para serem sepultados nas pirâmides que ela mandou construir. Essa tumba, descoberta no séc. 19, abrigava 6 nobres de Adiabene.

Curiosamente, algumas escrituras Judaicas surgeriam Monobazius II como filho de Herodes Agrippa, atribuindo uma ligação genética entre as dinastias da Galiléia e de Adiabene. Outros textos citam Monobazius e seu irmão como filhos da família de Ptolomeu, que governava o Egito. Embora essas ligações não sejam reais, é provável que muitos as tenham concluído a partir da proximidade estabelecida entre os reinos de Israel e Adiabene, a partir de Helena. Os textos sagrados dos Judeus, por outro lado, atribuem uma certa ignorância a rainha, a respeito de seus votos junto ao Templo. Isso pode ser devido ao seu matrimônio com o irmão, algo que alarmava os sacerdotes, apesar de reconhecerem o valor de seus presentes em ouro.

Uma das pessoas salvas da fome pela ajuda de Helena foi o general Flavius Josephus, depois incorporado a Roma como historiador. Quase tudo que sabemos sobre os Judeus da época do 2º Templo, até sua destruição em 70 d.C., sabemos pelos escritos de Josephus.

HELENA DE CONSTANTINOPLA

No início do séc. 4, as famílias mais poderosas de Roma eram adeptas do Cristianismo. Entre um imperador e outro, a nova religião havia sido perseguida ou tolerada, dependendo de quem ocupava o trono. Muitos legionários e nobres, que obrigatoriamente passavam pela carreira militar, até incluíram elementos do culto de Mitra² no Cristianismo, definindo por exemplo a data de nascimento do Messias. Constantino I, quando derrotou seu companheiro de trono e re-unificou as duas Romas, provavelmente já tivera um extenso contato com o Cristianismo. Ao invocar um ícone Cristão como responsável por uma de suas vitórias militares, ele inclusive assumiu a construção da religião. De fato, após legalizar o Cristianismo em 313 d.C., Constantino simplesmente assumiu para si a posição de "patriarca", ou líder político-religioso. Até os bispos Cristãos foram convocados a sua presença para escrever uma "legislação religiosa", em 325 d.C.

Entre a família de Constantino, entretanto, também se cultuava o Sol Invictus, um ícone Romano do poder. Entre suas primeiras obras como grande rei esteve a construção da Catedral de Santa Sophia, em Bizâncio, cidade grega que passou a ser chamar Constantinopla. Não sabemos em que momento, se antes ou depois do filho, sua mãe Helena converteu-se ao Cristianismo. Helena devia ter então seus 50 anos.

Sua viagem a Palestina ocorreu em 327 d.C., quando Helena já passava dos 70 anos, idade só possível entre os nobres. A viagem foi contada em detalhes pelo famoso historiador Eusebius, bispo de Cesaréia Marítima em 341 d.C. Como a Helena anterior, tal viagem foi um evento para ser notado, com uma grande corte e portentosa soma em ouro.

Quando ela chegou a Jerusalém, a cidade tinha o nome de Aelia Capitolina¹ e um templo de Vênus/Afrodite junto do Calvário. Esse templo foi demolido por ordem da Augusta Imperatrix. Devota dos ícones Cristãos, Helena empenhou seus recursos e sua participação pessoal na reforma de igrejas como a Natividade (Belém) e Eleona (Elevação, no Monte das Oliveiras), além de ser responsável pela construção da Igreja do Santo Sepulcro.

Segundo diversos historiadores, Helena foi guiada por visões até um local das ruínas do templo de Vênus onde haviam 3 cruzes enterradas, além de diversos cravos. Ela teria mandado seus homens retirarem as cruzes do solo e depois, junto com Macário, bispo da cidade, teria tocado com cada uma delas uma mulher doente. Como uma das madeiras produziu a pronta cura da mulher, Helena reconheceu aquela como a cruz onde Jesus fora pregado. Os cravos ela enviou a Constantinopla, para seu filho, que os fundiu em sua armadura. Os fragmentos da Cruz e outras relíquias encontradas por Helena estão até hoje em monastérios da ilha de Chipre, embora existam inúmeros supostos fragmentos da Cruz espalhados por toda Europa³.

MUNDO MEDIEVAL

Com a tomada de Roma Ocidental pelos Germânicos ao final do séc. 5, os monastérios Beneditinos e Roma Oriental tornaram-se os redutos do Cristianismo. Constantinopla alcançou o posto de cidade mais rica do mundo e iniciou-se a Idade Média, uma era de peregrinações dos nobres europeus convertidos, assim como de gregos Cristãos, para Aelia Capitolina, até que o Islã tomasse a cidade, no séc. 7.

Em 691 d.C., o califa Abd al Malik mandou construir o Domo da Rocha no lugar onde ficava o 2º Templo, que também era o monte onde Abraão subiu para sacrificar Isaac e o local onde Mohammed foi levado pelo anjo Gabriel até o céu para falar com Allah. Esse edifício está lá até hoje.

Apesar do domínio político, os Muçulmanos foram complacentes com as viagens de peregrinos Judeus e Cristãos aos seus lugares sagrados. Da 1ª Helena restou somente o nome, pois seu palácio e tumba ficaram sob os escombros da antiga Jerusalém até 2007. Da 2ª Helena ficaram os ícones visitados pelos Cristãos até hoje, além da consagração a Santa pela Igreja Ortodoxa, sendo venerada pelo descobrimento da Cruz.

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¹ Esse nome foi posto pelo imperador Hadriano em 130 d.C., quando começou a reerguer a cidade que foi arrasada pelas catapultas romanas em 70 d.C. As obras "pagãs" do imperador e a proibição dos Judeus de frequentar a cidade sagrada levaram a revolta de Bar Kohba em 132 d.C. O nome Aelia Capitolina, entretanto, foi mantido enquanto durou o governo Romano, até 638 d.C.

² Mitra era um deus do Oriente associado com o Zodíaco, que as legiões abraçaram e divulgaram por todo o Ocidente. No sistema celeste de Roma, a Terra ficava estacionária no Cosmo, com o Sol, a Lua e as 12 Constelações girando a seu redor. As pessoas que nascem sob o signo de Áries, por exemplo, encontram o Sol entre a Terra e a constelação de Áries. Mas os Gregos perceberam que as próprias constelações se deslocam, o que hoje entendemos como uma precessão do eixo da Terra, que completa sua volta com 25800 anos. Nos tempos de Roma, quando cada constelação era associada a um deus, isso deu origem a um novo e poderosíssimo deus: Mitra, capaz de influenciar todos os demais. O culto a Mitra era exclusivo dos homens e tinha como prerrogativa o reconhecimento da honra pessoal por militares. O nascimento de Mitra foi marcado para o dia mais curto do ano em Roma: 25 de Dezembro.

³ A imperatriz sem dúvida foi responsável por erigir diversos ícones Cristãos em Jerusalém. Porém, a lenda sobre Helena de Constantinopla ter encontrado a Cruz é muito pouco provável. Primeiro, a descrição desse achado miraculoso ocorreu uns 50 anos após o fato, enquanto relatos de peregrinos da época de Helena não viram nada semelhante em Aelia Capitolina. Segundo, as cruzes de madeira (e os cravos) usadas pelos legionários romanos para executar condenados eram objetos ordinários, reutilizados ou descartados. É bem pouco crível que tais objetos tenham sido enterrados e guardados, especialmente perante a perseguição dos Fariseus aos Cristãos, na época do 2º Templo. Aparentemente, os historiadores Romanos contratados pela família de Constantino para escrever sobre sua linhagem tentaram deliberadamente associar milagres Cristãos a Helena.

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NÃO FOI DEIXADO POR HELENA


BRALEWSKI, Sławomir et al. The Pious Life of Empress Helena, Constantine the Great’s Mother, in the Light of Socrates of Constantinople and Sozomen. Studia Ceranea. Journal of the Waldemar Ceran Research Centre for the History and Culture of the Mediterranean Area and South-East Europe, n. 7, p. 27-39, 2017.

Center for Israeli Studies, Helenes palace believed to be found, 6/dez/2007.

Simkovich MZ, Queen Helena of Adiabene and her sons in Midrash and history, thetorah.com

Stacey A, A viagem noturna e a ascensão, islamreligion.com, 24/jan/2016.

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