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segunda-feira, 27 de novembro de 2023

O Fim está próximo

Dilúvio - quadro feito a pena e nanquim pelo ilustrador francês Gustave Doré (1832 - 1883)

Seguem 4 textos sobre o Dilúvio para serem lidos, antes de tudo.

1. DILÚVIO ASSÍRIO (Epopéia de Gilgamesh, Uruk, 2000 a.C.)

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Gilgamesh então disse a Utnapishtim, o Longínquo: "Olho para ti, Utnapishtim, e vejo que és igual a mim; não há nada estranho em tuas feições. Pensei que fosse encontrar um herói preparado para a batalha, mas aqui estás, confortavelmente refestelado. Conta-me a verdade, como foi que vieste a te juntar aos deuses e ganhaste a vida eterna?" Utnapishtim disse a Gilgamesh: "Eu te revelarei um mistério; eu te contarei um segredo dos deuses."

Naqueles dias, a terra fervilhava, os homens multiplicavam-se e o mundo bramia como um touro selvagem. Este tumulto despertou o grande deus (Anu). Enlil (o guerreiro) ouviu o alvoroço e disse aos deuses reunidos em conselho: 'O alvoroço dos humanos é intolerável, e o sono já não é mais possível por causa da balbúrdia.' Os deuses então concordaram em exterminar a raça humana. Foi o que Enlil fez, mas Ea, por causa de sua promessa, me avisou num sonho.

Ele denunciou a intenção dos deuses sussurrando para minha casa de colmo: 'Casa de colmo, casa de colmo! Parede, oh, parede da casa de colmo, escuta e reflete. Oh, homem de Shurrupak, filho de Ubara-Tutu, põe abaixo tua casa e constrói um barco. Abandona tuas posses e busca tua vida preservar; despreza os bens materiais e busca tua alma salvar. Põe abaixo tua casa, eu te digo, e constrói um barco. Eis as medidas da embarcação que deverás construir: que a boca extrema da nave tenha o mesmo tamanho que seu comprimento, que seu convés seja coberto, tal como a abóbada celeste cobre o abismo; leva então para o barco a semente de todas as criaturas vivas.' 

Quando compreendi, eu disse ao meu Senhor: 'Sereis testemunha de que honrarei e executarei aquilo que me ordenais, mas como explicarei às pessoas, à cidade, aos patriarcas?' Ea então abriu a boca e falou a mim, seu servo: 'Dize-lhes isto: Eu soube que Enlil está furioso comigo e já não ouso mais caminhar por seu território ou viver em sua cidade; partirei em direção ao golfo para morar com o meu Senhor Ea. Mas sobre vós ele fará chover a abundância, a colheita farta, os peixes raros e as ariscas aves selvagens. A noite, o cavaleiro da tempestade vos trará uma torrente de trigo.'

Ao primeiro brilho da alvorada, toda a minha família se reuniu ao meu redor; as crianças trouxeram o piche e os homens todo o resto necessário. No 5º dia eu aprontei a quilha, montei a ossatura da embarcação e então instalei o tabuado. O barco tinha um acre de área e cada lado do convés media 120 côvados, formando um quadrado. Construí abaixo mais 6 conveses, num total de 7, e dividi cada um em 9 compartimentos, colocando tabiques entre eles. Finquei cunhas onde elas eram necessárias, providenciei as zingas e armazenei suprimentos. Os carregadores trouxeram o óleo em cestas. Eu joguei piche, asfalto e óleo na fornalha. Mais óleo foi consumido na calafetagem, e mais ainda foi guardado no depósito pelo capitão da nave. Eu abati novilhos para a minha família e matava diariamente uma ovelha. Dei vinho aos carpinteiros do barco como se fosse água do rio, vinho verde, vinho tinto, vinho branco e óleo. Fez-se então um banquete como os que são preparados à época dos festejos do ano-novo; eu mesmo ungi minha cabeça. No 7º dia, o barco ficou pronto.

Foi com muita dificuldade então que a embarcação foi lançada à água; o lastro do barco foi deslocado para cima e para baixo até a submersão de 2/3 de seu corpo. Eu carreguei o interior da nave com tudo o que eu tinha de ouro e de coisas vivas: minha família, meus parentes, os animais do campo - os domesticados e os selvagens - e todos os artesãos. Eu os coloquei a bordo, pois o prazo dado por Shamash (o Sol) já havia se esgotado; e ele disse: 'Esta noite, quando o cavaleiro da tempestade enviar a chuva destruidora, entra no barco e te fecha lá dentro.'

Era chegada a hora. Caiu a noite e o cavaleiro da tempestade mandou a chuva. Tudo estava pronto, a vedação e a calafetagem; eu então passei o timão para Puzur-Amurri, o timoneiro, deixando todo o barco e a navegação sob seus cuidados. Ao primeiro brilho da alvorada chegou do horizonte uma nuvem negra, que era conduzida por Adad, o Senhor da tempestade. Os trovões retumbavam de seu interior, e, na frente, por sobre as colinas e planícies, avançavam Shul-lat e Hanish, os arautos da tempestade. Surgiram então os deuses do abismo; Nergal destruiu as barragens que represavam as águas do inferno; Ninurta, o deus da guerra, pôs abaixo os diques; e os 7 juizes do outro mundo, os Anunnaki, elevaram suas tochas, iluminando a terra com suas chamas lívidas. Um estupor de desespero subiu ao céu quando o deus da tempestade transformou o dia em noite, quando ele destruiu a terra como se despedaça um cálice. Por um dia inteiro o temporal grassou devastadoramente, acumulando fúria à medida que avançava e desabando torrencialmente sobre as pessoas como os fluxos e refluxos de uma batalha; um homem não conseguia ver seu irmão, nem podiam os povos serem vistos do céu. Até mesmo os deuses ficaram horrorizados com o dilúvio; eles fugiram para a parte mais alta do céu, o firmamento de Anu, onde se agacharam contra os muros e ficaram encolhidos como covardes.

Foi então que Ishtar, a Rainha do Céu, de voz doce e suave, gritou como se estivesse em trabalho de parto: 'Ai de mim! Os dias de outrora estão virando pó, pois ordenei que se fizesse o mal; por que fui exigir esta maldade no conselho dos deuses? Eu impus as guerras para a destruição dos povos, mas acaso estes povos não pertencem a mim, pois fui eu quem os criou? Agora eles flutuam no oceano como ovas de peixe.' Os grandes deuses do céu e do inferno verteram lágrimas e se calaram.

Por 6 dias e 6 noites os ventos sopraram; enxurradas, inundações e torrentes assolaram o mundo; a tempestade e o dilúvio explodiam em fúria como dois exércitos em guerra. Na alvorada do 7º dia o temporal vindo do sul amainou; os mares se acalmaram, o dilúvio serenou. Eu olhei a face do mundo e o silêncio imperava; toda a humanidade havia virado argila. A superfície do mar se estendia plana como um telhado. Eu abri uma janelinha e a luz bateu em meu rosto. Eu então me curvei, sentei e chorei. As lágrimas rolavam pois estávamos cercados por uma imensidade de água. Procurei em vão por um pedaço de terra. A quatorze léguas de distância, porém, surgiu uma montanha, e ali o barco encalhou.

Na montanha de Nisir o barco ficou preso; ficou preso e não mais se moveu. No 1º dia ele ficou preso; no 2º dia ficou preso em Nisir e não mais se moveu. Um 3º e um 4º dia ele ficou preso na montanha e não se moveu. Um 5º e um 6º dia ele ficou preso na montanha. Na alvorada do 7º dia eu soltei uma pomba e deixei que se fosse. Ela voou para longe, mas, não encontrando um lugar para pousar, retornou. Então soltei uma andorinha, que voou para longe; mas, não encontrando um lugar para pousar, retornou. Então soltei um corvo. A ave viu que as águas haviam abaixado; ela comeu, voou de um lado para o outro, grasnou e não mais voltou para o barco. Eu então abri todas as portas e janelas, expondo a nave aos quatro ventos.

Preparei um sacrifício e derramei vinho sobre o topo da montanha em oferenda aos deuses. Coloquei quatorze caldeirões sobre seus suportes e juntei madeira, bambu, cedro e murta. Quando os deuses sentiram o doce cheiro que dali emanava, eles se juntaram como moscas sobre o sacrifício. Finalmente, então, Ishtar também apareceu; ela suspendeu seu colar com as jóias do céu, feito por Anu para lhe agradar. 'Oh, vós, deuses aqui presentes, pelo lápis-lazúli que circunda meu pescoço, eu me lembrarei destes dias como me lembro das jóias em minha garganta; não me esquecerei destes últimos dias. Que todos os deuses se reúnam em torno do sacrifício; todos, menos Enlil. Ele não se aproximará desta oferenda, pois sem refletir trouxe o dilúvio; ele entregou meu povo à destruição.'

Quando Enlil chegou e viu o barco, ele ficou furioso. Enlil se encheu de cólera contra o exército de deuses do céu. 'Alguns destes mortais escaparam? Ninguém deveria ter sobrevivido à destruição.' Então Ninurta, o deus das nascentes e dos canais, abriu a boca e disse ao guerreiro Enlil: 'E que deus pode tramar sem o consentimento de Ea? Somente Ea conhece todas as coisas.' Então Ea abriu a boca e falou para o guerreiro Enlil: 'Herói Enlil, o mais sábio dos deuses, como pudeste tão insensatamente provocar este dilúvio?

Inflige ao pecador o seu pecado, 
Inflige ao transgressor a sua transgressão, 
Pune-o levemente quando ele escapar, 
Não exageres no castigo ou ele sucumbirá; 
Antes um leão houvesse devastado a raça humana 
Em vez do dilúvio, 
Antes um lobo houvesse devastado a raça humana 
Em vez do dilúvio, 
Antes a fome houvesse assolado o mundo 
Em vez do dilúvio. 
Antes a peste houvesse assolado o mundo 
Em vez do dilúvio.

Não fui eu quem revelou o segredo dos deuses; o sábio soube dele através de um sonho. Agora reuni-vos em conselho e decidi sobre o que fazer com ele.'

Enlil então subiu no barco, pegou a mim e a minha mulher pela mão e nos fez entrar no barco e ajoelhar, um de cada lado, com ele no meio. E tocou nossas testas para abençoar-nos, dizendo: 'No passado, Utnapishtim era um homem mortal; doravante ele e sua mulher viverão longe, na foz dos rios.' Foi assim que os deuses me pegaram e me colocaram aqui para viver longe, na foz dos rios.

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2. DILÚVIO GREGO (Mitos reunidos por Thomas Bulfinch, séc. 6 a.C.)

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A mais dura e a pior das idades foi a de Ferro. Uma torrente de crimes eclodiu; a modéstia, a verdade e a honra desapareceram. Em seu lugar vieram a fraude, a dissimulação, a violência e a ambição sem limites.

Então os marinheiros ergueram suas velas aos ventos, e as árvores foram tiradas das montanhas para servir de quilhas aos navios, que arranharam a face do oceano. A terra, que até agora tinha sido cultivada coletivamente, começou a ser dividida em propriedades. Os homens, não satisfeitos com aquilo que a superfície produzia, resolveram rasgar as entranhas da terra para tirar de lá os minérios e metais. O ferro nocivo e o ainda mais nocivo ouro foram produzidos.

Estouraram as guerras utilizando-se de ambos como armas; o hóspede já não se sentia seguro na casa de seu amigo; e os genros e sogros, irmãos e irmãs, maridos e esposas não podiam mais confiar uns nos outros. Filhos desejavam que seus pais estivessem mortos, de modo que pudessem receber a herança; o amor familiar caiu prostrado. A terra estava molhada pelo sangue dos massacres, e os deuses a abandonaram, um por um, até restar apenas Astreia (Inocência), que finalmente partiu também.

Ao ver esse estado de coisas, Júpiter ardeu em fúria. Reuniu os deuses em conselho. Atendendo ao chamado, eles tomaram a estrada para o palácio no céu. A estrada, que qualquer um pode enxergar em noite clara, se estende através da face do céu, e é chamada de Via Láctea. Às margens da estrada erguem-se palácios de deuses ilustres; a plebe celestial vive à parte, de ambos os lados da estrada.

Júpiter dirigiu-se à assembleia, relatando as condições assombrosas das coisas na terra, e terminou revelando suas intenções de exterminar todos os seus habitantes e de criar uma nova raça diferente da primeira, uma raça que seria mais digna de viver e mais devota aos deuses. Assim dizendo, tomou um raio nas mãos e já estava prestes a lançá-lo para destruir o mundo pelo fogo, mas, lembrando-se do perigo que tal conflagração poderia representar caso o próprio céu se incendiasse, mudou os seus planos e resolveu inundar o planeta.

O vento norte que espalha as nuvens foi seguro; o vento sul foi enviado, e logo cobriu a superfície do céu com um manto de negra escuridão. As nuvens, carregadas em bloco, ressoaram com grande estrondo; chuvas torrenciais caíram; as plantações foram arrasadas; o trabalho de um ano do agricultor pereceu em uma hora.

Júpiter, não satisfeito com suas próprias águas, chamou o seu irmão Netuno para ajudá-lo. Este deixou que os rios se derramassem sobre a terra. Ao mesmo tempo, a sacudiu com um terremoto, e trouxe para os litorais o refluxo dos oceanos. Rebanhos, homens e casas foram varridos, e os templos com seus objetos sagrados foram profanados. Se algum edifício permaneceu de pé, foi encoberto pelas águas e suas torres se encontram ocultas sob as ondas. Agora tudo se tornou mar, mar sem litoral.

Aqui e ali alguns indivíduos sobreviveram sobre o topo das montanhas, e alguns outros em barcos, puxando remos onde costumavam puxar o arado. Os peixes agora nadavam entre as copas das árvores; as âncora presas em um jardim. No lugar em que os graciosos carneirinhos brincavam, as focas desajeitadas fazem malabarismos. O lobo nadava entre as ovelhas, os leões amarelos e os tigres se debatiam na água. A força do javali não mais lhe servia, nem a ligeireza do cervo. Com as asas exaustas, os pássaros caiam dentro da água, sem encontrar terra em que pudessem descansar. Os seres vivos que a água poupara caíram em decorrência da fome.

De todas as montanhas, apenas o Parnaso ultrapassava a altura das ondas; e ali Deucalião e sua esposa Pirra, da raça de Prometeu, encontraram refúgio - ele, um homem justo, e ela, uma fiel adoradora dos deuses. Júpiter, quando viu que ninguém havia sobrevivido além desse casal e recordando-se da inofensiva vida deles e de sua conduta piedosa, ordenou aos ventos do norte que levassem as nuvens para longe e revelassem os céus para a terra e a terra para os céus. Igualmente Netuno deu ordens a Tritão que soasse a sua concha, provocando o recuo das águas. As águas obedeceram, e o mar voltou aos seus limites, e os rios retornaram aos seus leitos.

Então Deucalião assim dirigiu-se a Pirra: “Ó esposa, única mulher sobrevivente, unida a mim primeiro pelos laços de parentesco e do casamento, e agora pela experiência de um perigo comum, tivéssemos nós o poder de nosso ancestral, Prometeu, e renovaríamos a raça tal como ele fez a princípio! Mas, como não podemos, vamos àquele templo consultar os deuses sobre o que nos resta a fazer”.

Eles entraram no templo, deformado que estava, cheio de lodo, e se aproximaram do altar, no qual não ardia fogo algum. Ali caíram prostrados em terra e rogaram à deusa que lhes informasse o modo de reaver sua miserável vida. O oráculo respondeu: “Deixai o templo com a vossa cabeça coberta por um véu e com as vestes abertas, e lançai para trás de vós os ossos de vossa mãe”. Eles ouviram essas palavras com assombro. Pirra quebrou o silêncio: “Não podemos obedecer; não ousamos profanar os restos de nossos pais”. Eles procuraram um lugar seguro na floresta e ali refletiram sobre o que lhes dissera o oráculo.

Mais tarde, Deucalião disse: “Ou a minha sagacidade me engana, ou devemos obedecer à ordem sem receio. A terra é a grande mãe de todos; as pedras são seus ossos; são essas que devemos lançar para trás; penso que esse é o significado do que nos disse o oráculo. Pelo menos não haverá dano em tentá-lo”. Eles colocaram o véu sobre as faces, abriram as vestes, apanharam pedras e as jogaram atrás de si. As pedras (maravilhosamente) tornaram-se macias e assumiram formas, que, em diferentes graus, se assemelhavam à silhueta humana, como obras inacabadas nas mãos de um escultor. A umidade e o lodo, que estavam próximos, tornaram-se carne; as pedras tornaram-se ossos; os veios tornaram-se veias, mudando o seu uso e mantendo o nome semelhante. As pedras lançadas pelo homem deram origem a homens, e aquelas lançadas pela mulher tornaram-se mulheres. Era uma raça robusta, bem adaptada ao trabalho, tal como somos nós hoje, fato que denuncia claramente a nossa origem.

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3. DILÚVIO JUDEU (Bíblia, Gênesis 6.1 a 8.22, séc. 6 a.C.)

E aconteceu que, como os homens começaram a multiplicar-se sobre a face da terra, e lhes nasceram filhas, viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram.

Então disse o Senhor: Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem; porque ele também é carne; porém os seus dias serão cento e vinte anos. Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama.

E viu o Senhor que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente. Então arrependeu-se o Senhor de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração. E disse o Senhor: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito.

Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor. Estas são as gerações de Noé. Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus. E gerou Noé três filhos: Sem, Cam e Jafé.

A terra, porém, estava corrompida diante da face de Deus; e encheu-se a terra de violência. E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra.

Então disse Deus a Noé: O fim de toda a carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra. Faze para ti uma arca da madeira de gofer; farás compartimentos na arca e a betumarás por dentro e por fora com betume. E desta maneira a farás: De trezentos côvados o comprimento da arca, e de cinqüenta côvados a sua largura, e de trinta côvados a sua altura. Farás na arca uma janela, e de um côvado a acabarás em cima; e a porta da arca porás ao seu lado; far-lhe-ás andares, baixo, segundo e terceiro.

Porque eis que eu trago um dilúvio de águas sobre a terra, para desfazer toda a carne em que há espírito de vida debaixo dos céus; tudo o que há na terra expirará.

Mas contigo estabelecerei a minha aliança; e entrarás na arca, tu e os teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo. E de tudo o que vive, de toda a carne, dois de cada espécie, farás entrar na arca, para os conservar vivos contigo; macho e fêmea serão. Das aves conforme a sua espécie, e dos animais conforme a sua espécie, de todo o réptil da terra conforme a sua espécie, dois de cada espécie virão a ti, para os conservar em vida. E leva contigo de toda a comida que se come e ajunta-a para ti; e te será para mantimento, a ti e a eles. Assim fez Noé; conforme a tudo o que Deus lhe mandou, assim o fez.

Depois disse o Senhor a Noé: Entra tu e toda a tua casa na arca, porque tenho visto que és justo diante de mim nesta geração. De todos os animais limpos tomarás para ti 7 e 7, o macho e sua fêmea; mas dos animais que não são limpos, dois, o macho e sua fêmea. Também das aves dos céus 7 e 7, macho e fêmea, para conservar em vida sua espécie sobre a face de toda a terra.

Porque, passados ainda sete dias, farei chover sobre a terra 40 dias e 40 noites; e desfarei de sobre a face da terra toda a substância que fiz.

E fez Noé conforme a tudo o que o Senhor lhe ordenara. E era Noé da idade de 600 anos, quando o dilúvio das águas veio sobre a terra. Noé entrou na arca, e com ele seus filhos, sua mulher e as mulheres de seus filhos, por causa das águas do dilúvio.

Dos animais limpos e dos animais que não são limpos, e das aves, e de todo o réptil sobre a terra, entraram de 2 em 2 para junto de Noé na arca, macho e fêmea, como Deus ordenara a Noé. E aconteceu que passados 7 dias, vieram sobre a terra as águas do dilúvio.

No ano 600 da vida de Noé, no mês 2º, aos 17 dias do mês, naquele mesmo dia se romperam todas as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus se abriram, e houve chuva sobre a terra 40 dias e 40 noites. E no mesmo dia entraram na arca Noé, seus filhos Sem, Cam e Jafé, sua mulher e as mulheres de seus filhos. Eles, e todo o animal conforme a sua espécie, e todo o gado conforme a sua espécie, e todo o réptil que se arrasta sobre a terra conforme a sua espécie, e toda a ave conforme a sua espécie, pássaros de toda qualidade. E de toda a carne, em que havia espírito de vida, entraram de dois em dois para junto de Noé na arca. E os que entraram eram macho e fêmea de toda a carne, como Deus lhe tinha ordenado; e o Senhor o fechou dentro.

E durou o dilúvio 40 dias sobre a terra, e cresceram as águas e levantaram a arca, e ela se elevou sobre a terra. E prevaleceram as águas e cresceram grandemente sobre a terra; e a arca andava sobre as águas. E as águas prevaleceram excessivamente sobre a terra; e todos os altos montes que havia debaixo de todo o céu, foram cobertos. Quinze côvados acima prevaleceram as águas; e os montes foram cobertos. E expirou toda a carne que se movia sobre a terra, tanto de ave como de gado e de feras, e de todo o réptil que se arrasta sobre a terra, e todo o homem. Tudo o que tinha fôlego de espírito de vida em suas narinas, tudo o que havia em terra seca, morreu.

Assim foi destruído todo o ser vivente que havia sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; e foram extintos da terra; e ficou somente Noé, e os que com ele estavam na arca. E prevaleceram as águas sobre a terra 150 dias.

E lembrou-se Deus de Noé, e de todos os seres viventes, e de todo o gado que estavam com ele na arca; e Deus fez passar um vento sobre a terra, e aquietaram-se as águas. Cerraram-se também as fontes do abismo e as janelas dos céus, e a chuva dos céus deteve-se. E as águas iam-se escoando continuamente de sobre a terra, e ao fim de 150 dias minguaram. E a arca repousou no 7º mês, no dia 17 do mês, sobre os montes de Ararate.

E foram as águas indo e minguando até ao 10º mês; no 10º mês, no 1º dia do mês, apareceram os cumes dos montes. E aconteceu que ao cabo de 40 dias, abriu Noé a janela da arca que tinha feito. E soltou um corvo, que saiu, indo e voltando, até que as águas se secaram de sobre a terra. Depois soltou uma pomba, para ver se as águas tinham minguado de sobre a face da terra. A pomba, porém, não achou repouso para a planta do seu pé, e voltou a ele para a arca; porque as águas estavam sobre a face de toda a terra; e ele estendeu a sua mão, e tomou-a, e recolheu-a consigo na arca. E esperou ainda outros 7 dias, e tornou a enviar a pomba fora da arca. E a pomba voltou a ele à tarde; e eis, arrancada, uma folha de oliveira no seu bico; e conheceu Noé que as águas tinham minguado de sobre a terra. Então esperou ainda outros sete dias, e enviou fora a pomba; mas não tornou mais a ele.

E aconteceu que no ano 601, no 1º mês, no 1º dia do mês, as águas se secaram de sobre a terra. Então Noé tirou a cobertura da arca, e olhou, e eis que a face da terra estava enxuta. E no 2º mês, aos 27 dias do mês, a terra estava seca. Então falou Deus a Noé dizendo: Sai da arca, tu com tua mulher, e teus filhos e as mulheres de teus filhos. Todo o animal que está contigo, de toda a carne, de ave, e de gado, e de todo o réptil que se arrasta sobre a terra, traze fora contigo; e povoem abundantemente a terra e frutifiquem, e se multipliquem sobre a terra. Então saiu Noé, e seus filhos, e sua mulher, e as mulheres de seus filhos com ele. Todo o animal, todo o réptil, e toda a ave, e tudo o que se move sobre a terra, conforme as suas famílias, saiu para fora da arca.

E edificou Noé um altar ao Senhor; e tomou de todo o animal limpo e de toda a ave limpa, e ofereceu holocausto sobre o altar. E o Senhor sentiu o suave cheiro, e o Senhor disse em seu coração: Não tornarei mais a amaldiçoar a terra por causa do homem; porque a imaginação do coração do homem é má desde a sua meninice, nem tornarei mais a ferir todo o vivente, como fiz. Enquanto a terra durar, semeadura e sega, e frio e calor, e verão e inverno, e dia e noite, não cessarão.

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4. DILÚVIO ISLÂMICO (Alcorão, 11ª Surata 25-49, Hüd, séc. 7 d.C.)

Enviamos Noé ao seu povo: “Eu sou para vocês um admoestador claro. Vocês não adorarão ninguém além de Deus. Senão, temo por vocês a agonia de um dia doloroso.” Os notáveis que descreram entre seu povo disseram: “Não vemos em você nada além de um homem como nós, e vemos que apenas os piores entre nós o seguiram, aqueles de julgamento imaturo. E vemos que você não tem vantagem sobre nós. Na verdade, achamos que você é mentiroso.”

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Eles disseram: “Ó Noé, você discutiu conosco e discutiu muito. Agora traga sobre nós aquilo com que você nos ameaça, se for sincero". Ele disse: “É Deus quem fará isso sobre vocês, se Ele quiser, e vocês não poderão escapar”.

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E foi revelado a Noé: “Ninguém do seu povo acreditará, exceto aqueles que já acreditaram, então não se preocupe com o que eles fazem. Construa a Arca, sob Nossos olhos e com Nossa inspiração, e não se dirija a Mim a respeito daqueles que fizeram o mal; eles serão afogados.”

Enquanto Noé construía a arca, sempre que alguns do seu povo passavam por ele, zombavam dele. Ele disse: “Se vocês nos ridicularizarem, nós ridicularizaremos vocês, assim como vocês nos ridicularizam. Vocês certamente saberão sobre quem virá um tormento que o humilhará e sobre quem cairá um tormento duradouro.”

Até que, quando chegou Nossa ordem, e as fontes da Terra jorraram, dissemos: “Embarque um par de cada tipo, e sua família – exceto aqueles contra quem a sentença já foi proferida – e aqueles que acreditaram”. Mas aqueles que acreditaram com Noé foram poucos. Ele disse: “Embarque. Em nome de Deus será a sua navegação e o seu ancoradouro. Seu Senhor é realmente Indulgente e Misericordioso.”

Assim navegou com eles em meio a ondas como colinas. E Noé chamou seu filho, que havia se afastado: “Ó meu filho! Embarque conosco e não fique com os descrentes.” Ele disse: “Vou me refugiar em uma montanha – ela me protegerá das águas”. Noé disse: “Não há proteção contra o decreto de Deus hoje, exceto para aquele de quem Ele tem misericórdia”. E as ondas surgiram entre eles, e ele estava entre os afogados.

E foi dito: “Ó terra, engula suas águas” e “Ó céu, limpe”. E as águas baixaram, e o evento foi concluído, e caiu sobre os Judeus, e foi proclamado: “Fora com as pessoas más”. Noé chamou seu Senhor, dizendo “Ó meu Senhor, meu filho é da minha família, e Tua promessa é verdadeira, e Tu és o mais sábio dos sábios”.

Ele disse: “Ó Noé, ele não é da sua família. É uma ação injusta. Portanto, não Me pergunte sobre algo sobre o qual você nada sabe. Eu o advirto, para que você não seja um dos ignorantes.” Noé disse: “Ó meu Senhor, busco refúgio em Ti, para te perguntar sobre coisas que não tenho conhecimento. A menos que você me perdoe e tenha misericórdia de mim, serei um dos perdedores.”

Foi dito: “Ó Noé, desembarca com a Nossa paz, com bênçãos sobre você e sobre as comunidades daqueles que estão com você. E a outras comunidades concederemos prosperidade, e então um doloroso tormento nosso cairá sobre elas.”* Estas são algumas histórias do passado que lhe revelamos. Nem você nem seu povo os conheciam antes disso. Então seja paciente. O futuro pertence aos piedosos.

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O mistério da própria criação sempre foi tema da mitologia dos povos. Aqui, apresento 4 textos antigos sobre a Gênese do mundo que podemos comparar: um da antiga Assíria (2000 a.C.), um da mitologia Judaica (600 a.C.), outra da Grega (600 a.C.), e um texto Islâmico (700 d.C.). Essas datas, obviamente aproximadas, são referências da última versão oral ou fragmentos que deu origem ao texto escrito que nos chegou. Possivelmente são mais antigas, e talvez descendentes uma da outra. Mas é exatamente sobre isso que desejo falar.

O evento narrado é o mesmo: o Dilúvio, uma inundação universal que destruiu todos os homens e animais, com exceção de um seleto grupo favorito do(s) deus(es), e do qual todos na atualidade do texto seriam então descendentes. Trata-se de algo mitológico - uma estória que fornece explicações - até onde sabemos. A Terra guarda registros de inundações, secas, extinções em massa, habitações humanas. Assim como a Jericó fortificada não existia mais nos tempos em que os Hebreus chegaram na Palestina, também não há evidências de uma grande inundação quando os homens já eram capazes de fazer embarcações. Apesar disso, entre tantos mitos de cada povo e época, o relato do Dilúvio aparece preservado entre culturas muito diferentes, enquanto centenas de outros mitos não foram compartilhados. Mas o que esse relato explica? Porque justamente ele se manteve?

Alguns apontamentos merecem ser feitos. Primeiro, todos os textos falam sobre a divindade extinguir os humanos que Lhe irritavam, por motivos vários. No texto Assírio, o era o barulho que não deixava os deuses dormirem; no Judeu, a terra estava corrompida pela maldade e violência; o mesmo motivo aparece no texto Grego; no texto Islâmico, era a descrença no Deus único. Uma vez que a motivação de divindades só pode ser inferida, e geralmente isso é feito de modo a produzir alguma advertência no presente, vemos que cada povo tinha seus ideais. Os Assírios queriam silêncio, os Judeus e Gregos queriam paz, os Muçulmanos queriam monoteísmo. A ameaça de uma catástrofe costuma ser útil para obter comportamentos. E o conto sobre uma catástrofe punitiva costuma desestimular que as pessoas busquem no seu passado a justificativa para seus atos.

Cada um dos textos também revela detalhes ao leitor sobre a mecânica do mundo, e assim conquista seu interesse. No Assírio, sabemos que os deuses dormem, brigam entre si, podem sentir raiva, medo e tristeza, que alguns controlam grandes reservatórios de água. No texto Judeu, sabemos da ira e do arrependimento de YHWH, assim como seu controle sobre as chuvas e os ventos. Na versão Grega, sabemos da ira e as preocupações de Júpiter, assim como seu parentesco com Netuno e o controle dos raios e águas. No texto Muçulmano, vemos um testemunho do poder de Allah, preocupado com o destino de cada fiel. Esse ensino teológico está contido nas obras maiores onde o conto sobre o Dilúvio foi incrustado para preservar, pela expansão de situações, o pensamento sobre onde perceber a divindade. Nomeando cada personagem e seus poderes, os textos dão ao leitor uma ferramenta para dialogar com quem controla o mundo. Nós não desejaríamos algo assim?

A divindade escolheu o afogamento coletivo como meio para purificar Seu povo. Esse é um ponto comum dos textos - a destruição do mundo pela água. Certamente algo familiar a qualquer povoamento que já tenha passado pela inundação incontrolável das chuvas, dos rios ou do mar. Mas porque não outro meio, como a simples morte de todos, ataque de um povo conquistador, pragas, terremotos ou incêndio? O Antigo Testamento apresenta destruições de nações por todas essas formas. Mas, aqui, era essencial salvar uma testemunha ocular. A água parece mais adequada, então. Essa intenção se torna clara quando vemos que, a despeito do plano de destruir tudo, alguém foi detalhadamente instruído sobre a data do desastre e o modo de escapar (com exceção da versão Grega). No texto Assírio, um dos deuses instrui Utnapishtim (futuro imortal) sobre como fazer um grande barco; esse mesmo meio aparece no texto Judeu, com Noé. Igualmente, a divindade dita medidas e instruções precisas. No texto Muçulmano, o personagem também é Noé, um profeta a quem Allah fala, mas não há esse detalhamento. No texto Grego não há barco, mas simplesmente uma grande montanha, o Parnaso, onde morava Deucalião. Outro detalhe: apenas nos textos Assírio e Judeu (povos mais agro-pastoris) há o comando para salvar animais, indicando uma catástrofe universal.

Foram salvos aqueles mais bem-quistos da divindade. Utnapishtin tinha uma promessa do deus Ea, que o comanda a enganar a população. Não sabemos de onde veio essa promessa. Noé andava com Deus, era justo e perfeito no que fazia (texto Judeu), um "admoestador claro" (texto Muçulmano). Deucalião era da raça de Prometeu, justo e fiel aos deuses do Olimpo (texto Grego). Esses personagens exemplares são o cerne do texto, aqueles em quem o leitor deve se espelhar para não sofrer o castigo divino. E dos quais ele descende - pois todos os outros morreram. Na verdade, o texto Grego aponta que, aqui e ali, alguns outros se salvaram. Assombrosamente, os próprios Gregos seriam filhos das pedras - não deste nobre Deucalião. No texto Muçulmano, mesmo um filho de Noé é tragado pelas ondas, no momento em que creditou a si mesmo a capacidade para escapar.

Após o Dilúvio, é refeito o pacto entre homens e a divindade. Utnapishtin oferece um sacrifício atraente, os deuses Assírios discutem entre si e Enlil se desculpa abençoando os sobreviventes. Noé também oferece um sacrifício e JHWH diz que não tornará a destruir o mundo. Na versão Muçulmana, Allah abençoa Noé e sugere que nem todos morreram (11.48, marcado com *). No texto Grego, o oráculo de um templo enlameado fala a Deucalião, sinal de seu bem-querer no Olimpo. Esse pacto refeito é o sinal de que há esperança para os viventes que ouvem o texto. Eles são filhos de um homem de fé preservado e de um acordo refeito após o fim de todos os desobedientes. Poderia haver situação que melhor combinasse estímulo e ameaça?

É nesse sentido que o mito trabalha - moldando seu leitor. Esse mito, que ultrapassou a fronteira entre as culturas, hoje faz haver pessoas assegurando ter encontrado os restos da Arca, em montanhas diferentes pelo mundo. Ele se mostrou amplamente útil ao ensino. Não podemos dizer que todas as versões sejam exatamente parentes: duas versões são politeístas e duas são monoteístas; enquanto uma versão se preocupa em listar descendentes para assegurar a posse de terras no mundo pós-Dilúvio, outra versão nem mesmo nomeia as pessoas salvas; os nomes dos deuses e personagens nas estórias são radicalmente distintos; muitos outros mitos postos nos mesmos livros não foram copiados. Mas o valor do Dilúvio, talvez transmitido como poema ou canção (essa dissonância do contexto fica clara nos textos Assírio e Grego) o colocou como escolhido para ser lembrado, pois diz ao homem atual que ele descende de um servo amado e que todos os não-servos foram afogados (por motivos variados, é verdade). Portanto, que tome cuidado!

As versões Assíria (onde Utnapishtin de fato se torna imortal) e Judaica vão além, dizendo que todos os animais PERTENCEM ao mesmo povo, pois foram salvos junto com o preferido dos deuses. A versão Grega não é tão exigente; a versão Muçulmana, permeada de outros discursos entre Allah e o Profeta, somente se preocupa com Noé. 

Seria errado dizer que cada povo adaptou o Dilúvio ao seu mundo, com grandes montanhas ou sem elas. Na verdade, parece que cada um fez o seu próprio Dilúvio, com os antecedentes, salvos e pactos que servissem ao propósito educativo do seu próprio mito. Talvez algo tenha vindo de uma versão mais antiga, e muitas partes sejam novas. Mas, uma vez que a estória foi usada, ela moldou pessoas. Os Assírios souberam que um imortal, testemunha dos deuses, habitava a foz dos rios - para o herói Gilgamesh, ele testemunhou que apenas os deuses podiam conceder a imortalidade. Para os Judeus, Noé findou a época dos patriarcas que se dizia viverem milênios ou séculos. Seus filhos também inauguraram 3 raças a colonizar o mundo agora desabitado: Sem deu origem ao povo de Canaã (Semitas), Cam gerou os africanos e Jafé os Persas. Para os Gregos, Deucalião e suas pedras fizeram um povo vigoroso. Para os Muçulmanos, Noé foi um dos muitos que precederam Muhammad em anunciar um Deus único e poderosíssimo. Esse mito também fez alguns mais silenciosos, outros mais tementes aos deuses, ou ao Deus único, e deu a outros uma explicação de porque são fortes. De modos diferentes, o Dilúvio fez a todos que ouviram sobre ele serem mais entrosados com seu mundo espiritual, dentro do medo de que o desastre voltasse a acontecer, cada vez que uma tempestade se formava.

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O QUE LER NUM BARCO CHEIO DE ANIMAIS


A epopéia de Gilgamesh, Ed. Martins Fontes.

Bulfinch, Thomas. O livro da Mitologia: a idade da fábula - São Paulo: Martin Claret, 2020.


terça-feira, 7 de maio de 2013

ONDE NOÉ PAROU A ARCA


Entre as principais controvérsias da religião com a ciência está a famosa Arca de Noé. Aparentemente, o texto bíblico faz referência a eventos do ano 6000 a.C., ou seja, no meio do que chamaríamos de Pré-história, ou mais propriamente “Período Neolítico”, que quer dizer “pedra polida”. Embora nos venha logo à mente homens barbudos vestindo peles e carregando tacapes ou clavas para caçar dinossauros, a verdade é que a Pré-história simplesmente se refere ao não uso de escrita. Tecnologicamente, estamos falando de pastores vivendo em casebres nas áreas de pastoreio, barcos de pesca e navios carregando tecidos pintados e conchas (para fazer tintas), cerâmicas pintadas e até uso de ouro martelado sobre madeiras variadas. Talvez isso seja bem diferente da famosa imagem dos “Flinstons”.

Segundo uma interpretação bíblica muito difundida, todas as pessoas e os animais do mundo seriam descendentes dos tripulantes da Arca: Noé, Sem, Cão, Jafé, suas respectivas esposas e muitos casais de animais. O parágrafo abaixo define bem o plano de Senhor para o “final dos tempos”:

De todos os animais limpos tomarás para ti sete e sete, o macho e sua fêmea; mas dos animais que não são limpos, dois, o macho e sua fêmea. Também das aves dos céus sete e sete, macho e fêmea, para conservar em vida sua espécie sobre a face de toda a terra. Porque, passados ainda sete dias, farei chover sobre a terra quarenta dias e quarenta noites; e desfarei de sobre a face da terra toda a substância que fiz. (Gn 7.2-4)

A CIÊNCIA DIZ QUE NÃO

A Bíblia fala das águas cobrindo os cumes das montanhas, de forma que nada restasse da vida terrestre, e em especial nada de humano. E isso teria ocorrido por volta de 6000 a.C. É aqui que começam os problemas com a ciência: não há sinais de uma mortandade gigantesca de plantas ou animais ocorrida em menos de 65.5 milhões de anos atrás, quando um grande meteoro atingiu o Golfo do México. Claro que esse último genocídio global deixou rastros como florestas imensas apodrecidas ou queimadas, além de detritos impregnados nas rochas e uma formidável cratera. Os humanos ainda não existiam, e não há nada semelhante que tenha ocorrido durante a permanência humana na Terra.

Além disso, um dilúvio global coloca o problema da origem de toda essa água. Para cobrir todos os montes da Terra em 40 dias, seria preciso uma precipitação (ou taxa de chuva) acima de 200 metros por dia, o que significaria a água subindo essa distância todos os dias. Os lugares mais chuvosos do mundo dificilmente chegam a uma taxa de 1 m por dia, durante uma pequena parte do ano, o que se agrava pelas dificuldades de escoamento da água. Além disso, toda a água do planeta elevaria o nível dos oceanos em apenas 2-5 metros (para os povos que vivem em ilhas, isso já representaria um dilúvio). Simplesmente não há água suficiente para cobrir a superfície da Terra!

O número de espécies animais e vegetais existentes tornaria impossível colher exemplares de todos eles. A variedade genética dos animais que existem hoje não poderia ser produzida pela reprodução deles a não ser em dezenas de milhões de anos. Pensando na queda do meteoro, temos algo aceitável. Mas desde 6000 a.C., muito pouca coisa mudou: todos os macacos seriam muito semelhantes, assim como todos os leões e mesmo todas as pessoas. O mundo que conhecemos parece muito mais velho do que o dilúvio.

Por fim, uma precipitação fantástica de água doce (a menos que presumamos que choveu água salgada) teria destruído grande parte da vida marítima, adaptada à água salgada. Também não há sinais de que isso tenha ocorrido nos últimos milhões de anos.

PENSANDO NO DILÚVIO

Em quem acreditar? A resposta mais simplista até coloca a ciência como uma obra de Satanás para enganar o homem, como se Deus atuasse de forma mais ou menos secreta, e Suas obras não pudessem ser conhecidas... (bem, então temos toda a Bíblia mostrando o quê?). Outra resposta simplista é fazer da Bíblia um livro alegórico, com textos surgidos da imaginação de um autor perdido no tempo. Os dois lados são problemáticos e distanciam-se muito de uma “busca pela sabedoria” (Pv 1).

Ao recordar no texto da Bíblia algo que ocorreu milhares de anos antes da sua própria época, e especialmente muito antes da escrita, Moisés entretanto tornou a Bíblia uma referência histórica como jamais houve. Se pensarmos que ele precisou de uma tremenda inspiração divina para isso, ainda, talvez devêssemos olhar cuidadosamente seu texto.

PROPÓSITO

Moisés escreveu o texto do gênesis para recordar as origens do seu povo, cuja identidade já havia sido fortemente ameaçada pelo cativeiro no Egito. Os povos escravizados rapidamente perdem sua identidade, e isso ficou muito claro quando o povo construiu um bezerro de ouro como deus, reproduzindo assim o ídolo Ápis do Egito. Assim, ele registrou um conhecimento que tinha do próprio povo e do que lhe foi provido pelo Senhor. Não podemos pensar que isso tenha a intensão de uma descrição de verdade absoluta, mas que seja algo necessário e suficiente para as pessoas que receberam tal conhecimento.

Na história de Noé, Moisés nos conta como Deus preservou a dinastia de Sete enquanto eliminava a de Caim, que havia produzido um povo violento no leste no Éden. Seguindo o que o livro de Gênesis fala dos patriarcas, Noé devia ser um líder político-religioso e o significado de seu nome - “conforto” - indica que talvez ele tenha vivido uma época de relativa paz, ao contrário de seus ancestrais. De forma surpreendente, todos os ancentrais de Noé (de Adão a Matusalém e Lameque) morreram de “causas naturais” pouco antes do dilúvio, após habitarem a terra por muitos séculos. E na idade em que os filhos de Noé foram gerados (~ 100 anos), seus antecessores também registravam o nascimento dos sucessores dinásticos, de maneira que deverímos prestar especial atenção à passagem do poder de Noé para seus filhos, e especialmente Sem, cuja descendência sabemos que levaria até Davi. Há mesmo a possibilidade de que o dilúvio não represente uma extinção de pessoas, mas de linhagens tribais ou mesmo de aldeias inteiras, das quais apenas uma teria restado.

De fato, a Bíblia coloca os filhos de Noé como fundadores de grandes nações. Sem, o filho mais velho, cujo nome significa “cinzento”, teria originado os povos semitas da Síria, Palestina e Pérsia. Cão significa “negro” e o Salmo 105 sugere que os egípcios seriam seus descendentes; dele teriam vindo os cananitas e etíopes. Jafé significa “largo” (Gn 9.27) e teria originado os povos da Ásia, como armênios, medos, gregos, curdos, eslavos, etc. Assim, Noé seria o ponto comum de todas as nações descendendo de Sete e Adão.

Por outro lado, a Bíblia fala pouco de Noé, especialmente no que se refere ao Dilúvio. Sabemos que ele seguiu o conselho de Deus para construir um barco de proporções bem delineadas. A Bíblia registra, de fato, mais detalhes do barco do que dos animais (sabemos apenas que alguns eram puros - e seria sacrificados depois - e outros não), da família de Noé (nada há sobre as esposas deles) e quase nada há sobre a vida a bordo da embarcação. E eles ficaram mais de 300 dias navegando! Esse lapso é significativo, pois indica que as histórias guardadas por Moisés não vieram dos personagens (Noé ou sua família), mas de pessoas que souberam do ocorrido. Por outro lado, a atenção aos detalhes da embarcação pode sugerir um vislumbre dela ou da necessidade de uma embarcação colossal para preservar os animais importantes. Noé novamente aparece como uma ponte entre o passado remoto e a atualidade (do neolítico) através de uma calamidade.

CONTEÚDO

Fala-se de uma inundação que destruiu o mundo. Mas Noé não teria como saber disso, nem tampouco os que vieram após ele. Eles saberiam, é claro, da destruição de uma grande faixa de terra (o lugar onde vivem) pelas águas. Esse tipo de inundação é comum... todos os povos já presenciaram desastres semelhantes. De fato, quase todos os povos guardam lendas de super-inundações, mesmo os da África, onde esse tipo de ocorrência sempre foi muito raro pela altitude dos terrenos.

Existem pelo menos 35 histórias de inundações destruindo povos inteiros, nas mais diferentes culturas, todas com semelhanças e diferenças com a história de Noé.

clique na figura para ver um comparação de
diversas estórias

Algumas delas guardam semelhanças notáveis, como a lenda Masai sobre um homem chamado Tumbainot. A população da Terra era então muito desobediente aos deuses, até o dia em que um homem chamado Nambija matou seu colega Suage e Deus decidiu destruir tudo com uma grande chuva. Tumbainot havia se casado com a viúva do irmão, e então agradou a Deus, que lhe avisou sobre a destruição. Ele construiu um barco, tomou as duas esposas e seus filhos (3 de cada esposa), junto com um casal de animais de cada espécie. Então choveu muito, a Terra foi inundada e todos morreram, exceto os que estavam no barco. Quando as chuvas pararam, ele soltou uma pomba, que retornou. Depois soltou um corvo, que não voltou, e Tumbainot soube que as águas haviam baixado. O sinal divino de que a ira havia passado foi o aparecimento de 4 arco-íris no céu.

Os Masai (ou Maasai) estão entre os habitantes mais antigos da África. O rastreamento genético apontou sua origem nas terras ao sul da Núbia (Egito) e Etiópia, tendo eles provavelmente se deslocado para o sul com o passar do tempo (atualmente estão na margem leste do Lago Vitória). Outras histórias Masai como a criação do jardim de Deus após a queda de um grande dragão, a proibição de que o homem comesse de uma certa fruta e a expulsão do homem pela “estrela da manhã” após ser tentado por uma serpente faz pensar em uma conexão direta com o Oriente Médio... e talvez a descendência de Cão, o filho de Noé. Por outro lado, povos africanos onde a conexão com o Oriente Médio é clara (como o Egito) não têm qualquer história de um dilúvio.

Um pouco menos surpreendente é a semelhança do relato bíblico com a lenda de Utnapishtim, o Longínquo, um personagem da saga babilônica de Gilgamesh. O que sabemos dessa história foi escrito por volta de 800 a.C. em placas de argila. Ela fala sobre um antigo imperador da cidade de Uruk, chamado Gilgamesh, que era o mais poderoso de todos os homens e também um tirano. O povo clamava por causa da opressão de Gilgamesh, e os deuses fizeram então um semelhante dele, Enkidu, que o poderia desafiar. Enkidu aprendeu entre as feras do campo, foi encontrado por um caçador e conduzido à cidade. Após lutar com o tirano, os dois tornaram-se irmãos e partiram pelo mundo em busca de aventuras. Entretanto, numa delas Enkidu morre e Gilgamesh corre pelo mundo em desespero pela perspectiva da própria morte. Um dia ouve sobre Utnapishtim, o Longínquo, a quem os deuses haviam concedido a vida eterna e de quem ele queria aprender como não morrer. Gilgamesh adentra o mundo dos deuses por uma gigantesca e escura caverna (uma alusão talvez à morte), chegando a um jardim maravilhoso próximo ao sol (deus Shamah, o magnífico). Outros deuses orientam ele e este encontra o barqueiro de Utnapishtim, que o conduz até o ancião, que vivia além da foz do grande rio*.

Utnapishtim disse que Gilgamesh não poderia dormir se quisesse conhecer o segredo da vida eterna. Mas, cansado, ele adormeceu por 7 dias. Utnapishtim então conta a ele que os homens faziam muito barulho e isso havia incomodado o deus Enlil, que resolvera destruir o mundo com uma grande tempestade. Mas outro deus, Ea, contou o plano a Utnapishtim, que morava então em uma casa de madeira de colmo. Utnapishtim desmontou sua casa e com ela fez um grande barco, onde levou sua mulher, uma tripulação e sementes de todas as coisas vivas. Quando a tempestade chegou, até os deuses de assustaram e fugiram para o alto do firmamento. A deusa Ishtar então arrependeu-se de ter deixado que Enlil destruísse o mundo. A tempestade foi violenta por 7 dias e então acalmou-se. Por mais 7 dias as águas foram baixando, até que Utnapishtim soltou uma pomba, que voltou. Ele soltou no dia seguinte um corvo, que não retornou, e então ele soube que havia terra seca. Quando Enlil soube que alguns homens haviam sobrevivido, a deusa Ishtar acalmou-o e ele abençoou o casal em seu barco, concedendo-lhes a vida eterna. Mas disse para morarem além do mar, porque eram diferentes.

Utnapishtim curou Gilgamesh da sua jornada e contou-lhe sobre uma planta que restaurava a juventude dos homens, para que ele não voltasse de mãos vazias. O herói colheu essa flor, mas uma serpente roubou-a no caminho (as serpentes costumam privar o homem da vida eterna...). Por fim, Gilgamesh voltou a Uruk como tinha saído e escreveu sua história.

Muitos acreditam que o dilúvio bíblico e a história de Utnapishtim sejam na verdade uma só, dada a localização próxima das suas origens e a origem comum das culturas suméria - babilônica - hebraica (afinal, Abraão era da terra de Ur, cuja capital era Uruk). Assim como na Bíblia, os planos da embarcação de Utnapishtim são detalhados, e é dito que todos os homens se converteram em barro (o que pode sinalizar uma inundação real). Noé enfrentou 40 dias de tempestade (o numeral 40 costuma ser usado para indicar “muitos”), permanecendo mais de 300 dias na Arca, de onde nenhum relato veio. Diferentemente, Utnapishtim ficou apenas 2 semanas a bordo da embarcação e trata de descrever cada um desses dias, ainda que diga, apenas, que só havia escuridão. A estória que Gilgamesh escreve não enfoca Utnapishtim como um patriarca, isso fica subentendido do texto (afinal, Gilgamesh era parte deus e morava em uma cidade habitada por homens e deuses).

UM DILÚVIO BEM REAL

Embora existam muitos argumentos contra um dilúvio universal, as histórias citando uma inundação destruidora no Oriente Médio são tão parecidas entre si que não podemos ignorar isso. Pela cronologia bíblica, tal inundação teria acontecido por volta de 6000 a.C. (portanto antes da 1ª dinastia do Egito em 3100 a.C., mas encontrando a origem dos Masai e dos povos semitas) e certamente foi devastadora o suficiente para que os clãs na região fossem exterminados. Pelo auxílio divino (e todas as lendas concordam com isso) foi que um deles sobreviveu para repovoar a região.

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Uma inundação candidata para isso é a tomada do Mar Negro pelas águas do Mediterrâneo, entre 7000 e 5000 a.C. Originalmente o Mar Negro era um grande lago formado pelo derretimento das geleiras da última glaciação. Essa vida de água doce é evidenciada pelos restos de animais e conchas no fundo. Mais baixo que o Mediterrâneo, o Mar Negro ficou isolado até que mudanças no terreno permitiram as águas do Mediterrâneo inundar a planície conhecida atualmente como Mar de Mármara e daí escoarem para o Mar Negro. Pode parecer um processo lento, mas as evidências geológicas são de que em menos de um ano o Mar Negro elevou-se em mais de 100 metros, cobrindo uma área de quase 40 000 Km² (mais ou menos o tamanho do estado do Rio de Janeiro), principalmente na margem noroeste.

Em 1997, essa tese foi apresentada pelos geólogos William Ryan e Walter Pitman, que estudavam a região. Em 2000, operando um submarino, o arqueólogo Robert Ballard (o mesmo que encontrou o Titanic afundado) encontrou vestígios de construções no fundo do Mar Negro, mostrando que era uma área habitada pelas pessoas. Ele avalia que o lago deve ter tragado mais de 1 Km de terra por dia durante quase 1 ano, revolvendo com força os sedimentos do fundo (ou “transformando tudo em barro”). Ao final da catástrofe, a água salgada matou toda vida que existia ali e criou o gigantesco cemitério submerso que existe no Mar Negro atualmente. Curiosamente, bem ao sudeste do Mar Negro ficava uma terra habitada desde a antigüidade mais remota, conhecida como Urartu. A capital de Urartu ficava bem aos pés da montanha conhecida como Ararat, e a pronúncia antiga de Urartu também era Ararat.

E lembrou-se Deus de Noé, e de todos os seres viventes, e de todo o gado que estavam com ele na arca; e Deus fez passar um vento sobre a terra, e aquietaram-se as águas. Cerraram-se também as fontes do abismo e as janelas dos céus, e a chuva dos céus deteve-se. E as águas iam-se escoando continuamente de sobre a terra, e ao fim de cento e cinqüenta dias minguaram. E a arca repousou no sétimo mês, no dia dezessete do mês, sobre os montes de Ararate. (Gn 8.1-4)


É possível que a liderança tribal de Urartu descendesse do único clã poupado quando o Mar Negro subiu, e então Noé nos dá uma afirmação precisa não da história de um homem, mas do destino que todo um povo teve. Eles habitavam as margens de um grande lago no Neolítico, num período sócio-histórico conhecido pelos arqueólogos pelo nome “Ubaid”, onde desenvolveram o cultivo de grãos e a criação de gado. Eram um povo camponês que habitava pequenas vilas construídas com blocos de pedra, que teve suas terras destruídas (e provavelmente eles mesmos pereceram) numa inundação colossal. A inundação destruiu os praticantes de outros cultos (a linhagem de Caim) e também o lago de onde tiravam seu sustento, poupando apenas um líder tribal, seja ele Noé, Utnapishtim ou Tumbainot, que Deus colocou depois a oeste da catástrofe, para refazer todo o seu mundo. Dessa terra nasceria Abraão, ancestral de Davi e de Jesus.

ONDE A ARCA PAROU, AFINAL

Um ponto comum nas principais histórias sobre o dilúvio é justamente esse: um grande barco carregando animais e a família do patriarca, que certa hora parou sobre os montes. Tudo indica que essa embarcação divinamente inspirada realmente existiu. E, incrivelmente, muitas pessoas esperam encontrar a Arca - de madeira - parada sobre alguma montanha, 8000 anos depois.

Faze para ti uma arca da madeira de gofer; farás compartimentos na arca e a betumarás por dentro e por fora com betume. E desta maneira a farás: De trezentos côvados o comprimento da arca, e de cinqüenta côvados a sua largura, e de trinta côvados a sua altura. Farás na arca uma janela, e de um côvado a acabarás em cima; e a porta da arca porás ao seu lado; far-lhe-ás andares, baixo, segundo e terceiro. (Gn 6.14-16)

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Na terra de Ararat, em um monte conhecido como Durupinar, um homem chamado Ron Wyatt encontrou em 1960 uma estrutura de pedra que lembra por demais o formato de um barco. Mesmo as medidas do “barco” podem ser as da Arca, se considerarmos que o “côvado” usado por Noé como aproximadamente 50 cm (essa era a medida do “côvado Egípcio”). Entretanto, análises feitas por pessoal menos ansioso por encontrar Noé mostraram se tratar simplesmente de rocha vulcânica erodida, de forma que a Arca de Wyatt nada mais é do que uma formação natural. Apesar disso, há um intenso turismo nessa região da Turquia, promovido por pessoas que desejam ver a Arca ainda esperando pelos nossos olhos, 8000 anos depois. Ron Wyatt já encontrou também a Arca da Aliança e amostras do DNA de Cristo...

Se tomarmos o monte Ararat (e não a terra Ararat) como ponto de parada, chegamos a uma montanha com 3600 m de altura desde a sua base, cujo topo atualmente está coberto permanentemente pelas neves. Bem no alto há uma estranha formação (e ninguém sabe exatamente do que se trata, pela dificuldade de acesso ao local) que lembra um barco emborcado. As dimensões do objeto sob a neve também lembram a arca de Noé, porém com um comprimento de 15 Km. Essa “anomalia do Ararat” apareceu pela 1ª vez em fotos aéreas da OTAN, e logo começaram as especulações sobre uma prova do dilúvio sendo ocultada. Uma expedição em 1960 dinamitou um dos lados da formação e constatou que se tratava simplesmente de uma mistura exótica de gelo e lava solidificada, formada em tempos mais “vulcânicos” da montanha..

Na encosta do Ararat, uma equipe chefiada por Bob Cornuke encontrou em 2006 os restos de uma grande construção de madeira. Em 2008, outra equipe chefiada por Ahmet Ertugrul e Yeung Wing-Cheung encontrou ali indícios de ocupação humana pré-suméria e dataram a madeira no local como tendo mais de 5000 anos. Como o Ararat é uma montanha que está em processo de elevação, é bem possível que o seu cume estivesse numa altura habitável há 8 milênios atrás. Foi feito um vídeo no local (de autenticidade muito questionável, pois as autoridades presentes foram todas dispensadas no dia da filmagem) e trazidos resquícios de lá, mas nada indica que seja mesmo a Arca, exceto a esperança das pessoas.

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*O “grande rio” pode ser o Tigre ou o Eufrates, que desaguam no Golfo Pérsico, uma das possíveis localizações do Éden.

CARA, TÁ BOM DE LER ISSO AQUI

terça-feira, 23 de abril de 2013

O QUE DEUS FAZIA ANTES DE NOÉ - A DESCENDÊNCIA DE ADÃO

Após cuidar de Adão e Eva no jardim que chamou de Éden, Deus baniu de lá o 1º casal, que passou a gerar descendência sobre a terra, povoando-a. Fora do jardim, contudo, o Senhor não se afastou deles. A última fala de Deus à família dos patriarcas se dá justamente quando Caim o enfureceu, depois chorando porque seria morto por quem o encontrasse. Deus o protegeu com um sinal e ele afastou-se de onde fosse visto:

O SENHOR, porém, disse-lhe: "Portanto qualquer que matar a Caim, sete vezes será castigado". E pôs o SENHOR um sinal em Caim, para que o não ferisse qualquer que o achasse. E saiu Caim de diante da face do SENHOR, e habitou na terra de Node, do lado oriental do Éden. (Gn 4.15-16)

Segundo a Bíblia, não menos de 1500 anos se passaram desde que Deus falou a Caim (entre 9000 e 7600 a.C.), até que Ele novamente se manifestou a Noé:

Então disse Deus a Noé: "O fim de toda a carne é vindo perante a minha face; porque a terra está cheia de violência; e eis que os desfarei com a terra. Faze para ti uma arca da madeira ... " (Gn 6.13-14)

Primeiro, é necessário dizer que os livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) dão fortes indícios de terem sido escritos por uma única pessoa, que provavelmente foi Moisés (~ 1600 a.C.). Nesse caso, ele relatou no Gênesis eventos que devem ter ocorrido por volta de 8000 a.C., ou seja, 64 séculos antes. Muito disso estava na tradição oral dos judeus, como longas histórias sobre a sua descendência e figuras do passado, além do que Moisés pode ter contado efetivamente com a ajuda divina nessa tarefa de escrever o que as pessoas lembravam. O fato de ele não ter escrito detalhadamente sobre a vida de muitos revela tão somente que Moisés sabia pouco sobre eles, não que tenham tido vidas curtas (e os únicos dados que ele deu de alguns foi o seu tempo de vida excepcionalmente grande) ou tenham sido pessoas pouco importantes. Muito menos que Deus tenha se esquecido deles!

Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? e nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai. E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais, pois; mais valeis vós do que muitos passarinhos. (Mt 10.29-31; Lc 12.7)

Nessa passagem, Jesus conta que Deus se preocupa mesmo com os pequenos e desprezados. Não cuidaria de todos nós? Não cuidaria das 24 gerações entre Adão e Moisés? Mesmo que o patriarca escritor não tenha se lembrado deles, ou não tivesse de onde tirar informações sobre eles, foram 24 famílias sobre a Terra construindo o povo que deus chamaria de Seu. Assim, alguns deles tiveram detalhes sobre a sua vida registrados por Moisés, outros simplesmente não. Por exemplo, a Bíblia não cita os nomes das mulheres nos casais, embora alguns livros apócrifos mais antigos falem sobre isso. Também, o livro de Gênesis sempre comenta que os patriarcas tiveram muitos filhos e filhas, mas somente nomeia um deles, que provavelmente havia se tornado o líder tribal. Dessa forma, o que o Gênesis oferece não é uma genealogia como a entendemos (com primos, tios, etc), e sim uma “dinastia” de chefes tribais. É uma viagem à mais remota antigüidade humana, em uma terra (e literalmente com esse nome) onde as pessoas estavam começando a habitar, sem instrumentos, armas, ferramentas ou quaisquer utensílios que não os feitos pelas suas próprias mãos a partir dos recursos naturais, e cujos registros que restaram não falam ainda das pessoas como um todo, mas apenas dos líderes que Deus proveu para comandá-los.

SETE ou SETH

Era por volta do ano 7400 a.C., iniciando o período que a história conhece como Neolítico, uma época de sociedades tribais cuja principal tecnologia consistia no uso de madeira e pedras. O filho tardio de Adão e Eva foi concebido depois da fuga de Caim, quando Adão já somava cerca de 130 anos (ele viveu até os 930 anos, ou 930 A.M., de Anno Mundi):

E tornou Adão a conhecer a sua mulher; e ela deu à luz um filho, e chamou o seu nome Sete; porque, disse ela, “Deus me deu outro filho em lugar de Abel; porquanto Caim o matou”. (Gn 4.25)

Uma vez que a linhagem de Caim foi destruída, a Bíblia considera Sete o herdeiro da linhagem de Adão até os últimos dias. Algumas versões trazem “Deus plantou uma nova semente”, que é um trocadilho com o nome de Sete, palavra que significa “plantar” algo na terra. Talvez fosse mesmo uma referência ao começo da agricultura entre os homens.

No apócrifo chamado Livro dos Jubileus, Sete casa-se em 231 A.M. com Azura, sua irmã 5 anos mais velha. Desse casamento Deus proveria o nascimento de Enos.

A semente plantada por Deus foi boa - Sete viveu até os 912 anos. Os muçulmanos acreditam que a tumba de Sete está preservada até hoje em Al-Nabi Shayth (que significa O Profeta Sete), no Líbano. Em seu livro “Antiguidades”, o historiador romano Josephus fala sobre monumentos deixados por Sete; entretanto, os historiadores posteriores desqualificam cada um deles, concluindo que qualquer resquício de antes do dilúvio tenha sido soterrado.

ENOS

Nessa 3ª geração desde Adão, nasceu aquele que o nome significa “homem mortal”, mesmo que ele tenha vivido não menos que 905 anos.

Há bem pouca informação sobre esse descendente de Adão (que continuou vivo para assistir muitas gerações suas). Sete tinha 105 anos quando Enos nasceu. Na Bíblia, após o nascimento de Enos “então se começou a invocar o nome do SENHOR” (Gn 4.26). Isso significa que houve um reavivamento espiritual ou que os homens começaram a dividir-se segundo os que criam no Senhor e os que veneravam outros deuses ou ídolos (Gn 31.19). De fato, a palavra hebraica para “começar” aqui é “huchal”, que pode significar “profanar”.

No Livro dos Jubileus, Enos casou-se com sua irmã No'am e deles Deus proveu o nascimento de Cainã em 325 A.M., quando Enos chegava aos 95 anos.

QUENAN ou CAINÃ

A 4ª geração desde Adão começa em 7260 a.C. (325 A.M.), com um curioso personagem de nome significando “artífice” ou “artesão”. Mais tarde, esse nome seria usado principalmente pelas pessoas que moldavam ferro (ex. blacksmith, em inglês). Mas não havia ainda o manejo do ferro... isso requer certa tecnologia com minerais, fornos e ferramentas que só apareceria por volta de 1300 a.C. Mesmo a fundição de bronze ainda estava longe, e só aconteceria lá por 3500 a.C. Então, talvez o nome do ancestral bíblico se referisse a uma ocupação na fabricação de utensílios com qualquer outro material, peles, madeiras, etc.

A linhagem de Adão era de homens excepcionalmente longevos, característica provida por Deus: Cainã teria vivido também até os 910 anos. De acordo com o Livro dos Jubileus, ele seguiu o costume e casou-se com sua irmã Mualeleth. Desse casal nasceu Maalael, concebido aos 70 anos do patriarca.

MAALAEL

A cidade mais antiga que se conhece é Ugarit, no extremo noroeste da Síria, junto ao Mediterrâneo. A cidade foi fundada em cerca de 6000 a.C. por navegantes egípcios, provavelmente. Entre o pouco que restou de Ugarit, está uma placa de pedra que fala sobre o culto ao pai celestial El, figura que representava uma espécie de patriarca dos povos nômades e - admire-se - era identificado como “o leão”, ou “senhor dos leões”. A semelhança com o nome “El-Shadday” não é coincidência, se lembrarmos que Abraão era originário do povo cananeu e, portanto, da terra que hoje chamamos de Síria.

Com Maalael, vemos pela primeira vez a inclusão do sufixo -el no nome, como em Isra-el, lembrando também a vinculação ao Pai celestial. Essa ligação do líder tribal ao Senhor indica que por volta de 7200 a.C. havia um culto (ao Senhor) entre o povo e o patriarca era visto como uma espécie de sacerdote. Uma vez que a Bíblia descreve cuidadosamente a dinastia dos líderes, é de supor-se que esses patriarcas não permaneciam como líderes até a morte (quase todos morreram bem próximo ao Grande Dilúvio em ~6000 a.C.), mas eram substituídos por seus filhos talvez perto dos 70 anos, quando se casavam.

Segundo a Bíblia, Maalael viveu 895 anos, compartilhando então a velhice com todos os seus antecessores, incluindo o próprio Adão. O Livro dos Jubileus acrescenta que ele deposou a prima Diná, de quem nasceu seu sucessor Jared, quando tinha 65 anos. Em outro livro apócrifo, foi na casa de Maalael que Enoque (seu neto) recebeu a visão do apocalipse, a qual foi interpretada por Maalael (Enoque 83.6).

JAREDE

A 6ª geração de Adão começou quando a humanidade contava 460 anos, segundo o relato bíblico. Como seus antecessores, Jarede viveu seus 962 anos, casando-se então com Beraka (segundo o Livro dos Jubileus), de quem nasceria o profeta Enoque, quando ele tinha 162 anos (pode se tratar então de um filho homem sobrevivente, ou talvez um nascido após muitas filhas).

Seu nome significa “descendente” pois, segundo Enoque, quando ele nasceu os anjos vieram ao monte Hermon para unirem-se às filhas dos homens.

Viram os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que escolheram. … Havia naqueles dias gigantes na terra; e também depois, quando os filhos de Deus entraram às filhas dos homens e delas geraram filhos; estes eram os valentes que houve na antiguidade, os homens de fama. (Gn 6.2-4)

Naqueles dias, quando os filhos dos homens se multiplicaram, aconteceu que lhes nasceram filhas muito belas. E os anjos, os filhos do céu, viram-nas e desejaram-nas, e eles disseram uns aos outros "Venham, vamos escolher esposas para nós entre as filhas dos homens, para nos gerarem filhos". Semyaz, sendo seu líder, disse-lhes: "Eu temo que talvez vocês não vão consentir que este ato seja feito, e só me tornarei responsável por este grande pecado". Mas todos eles responderam-lhe: "Vamos todos fazer um juramento que ligue todos entre nós por uma maldição a não abandonarmos este propósito". Então, todos eles juraram juntos e ligaram-se um ao outro pela maldição. E eles eram duzentos ao todo, e desceram para Ardos, que é o ápice da montanha de Hermon. E eles chamavam o monte Armon, porque ali juraram e amarraram um ao outro por uma maldição. E os seus nomes são os seguintes: Semyaz, o líder do Arakeb, Rame'el, Tam'el, Ram'el, Dan'el, Ezeqel, Baraqyal, As'el, Armaros, Batar'el , Anan'el, Zaqe'el, Sasomaspwe'el, Kestar'el, Tur'el, Yamayol e Arazyal. Estes são seus chefes de dezenas e de todos os outros com eles (Enoque 6)

Na Bíblia, a união dos anjos com as filhas dos homens resultou em Deus decidindo que a vida humana duraria apenas 120 anos.

Então disse o SENHOR: Não contenderá o meu Espírito para sempre com o homem; porque ele também é carne; porém os seus dias serão cento e vinte anos. (Gn 6.3)

No entanto, muitas gerações super-longevas ainda passariam antes que isso acontecesse. Até a geração de José, senhor do Egito (por volta de 5800 a.C.), nenhum patriarca viveu menos de 120 anos.

ENOQUE

Apontado como profeta, Enoque foi o patriarca que menos tempo viveu, chegando apenas aos 365 anos. No entanto, o final de sua vida foi diverso da de todos os demais.

E viveu Enoque sessenta e cinco anos, e gerou a Matusalém. E andou Enoque com Deus, depois que gerou a Matusalém, trezentos anos, e gerou filhos e filhas. E foram todos os dias de Enoque trezentos e sessenta e cinco anos. E andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o tomou. (Gn 5.21-24)

Diversas interpretações foram dadas ao texto, porém a palavra para “tomou” nas primeiras traduções gregas do hebraico original levam “metatithemi” (μετατίθημι), que literalmente é “levar de um lugar para outro”. Essa visão é reafirmada na Carta aos Hebreus:

Pela fé Enoque foi transladado para não ver a morte, e não foi achado, porque Deus o transladara; visto como antes da sua trasladação alcançou testemunho de que agradara a Deus. (Hb 11.5)

Em outras palavras, a vida breve de Enoque se deve a uma glorificação e tomada dele para os Céus por volta de 6600 a.C., como se deu com Elias. Essa glorificação de Enoque fez dele uma figura principal do misticismo judaico no 1º milénio a.C., pois acreditava-se que Enoque tivesse tido acesso ainda em vida a conhecimentos dos anjos. Boa parte desse credo paralelo foi registrado no Livro de Enoque ou simplesmente 1º Livro de Enoque, onde Enoque recebe diversas visões sobre o Paraíso, o mundo espiritual e o Apocalipse. O Livro de Enoque era amplamente difundido entre os judeus, e prova disso é a citação de uma passagem sua por Judas Tadeu:

E destes [os que proclamam doutrinas sobre o que não conhecem] profetizou também Enoque, o sétimo depois de Adão, dizendo: Eis que é vindo o Senhor com milhares de seus santos; para fazer juízo contra todos e condenar dentre eles todos os ímpios, por todas as suas obras de impiedade, que impiamente cometeram, e por todas as duras palavras que ímpios pecadores disseram contra ele. (Jd 1.14-15)

Segundo o Livro dos Jubileus, a esposa de Enoque chamava-se Edna. Talvez grande parte da lenda ao redor de Enoque venha da confusão com um Enoque anterior, o filho de Caim:

E conheceu Caim a sua mulher, e ela concebeu, e deu à luz a Enoque; e ele edificou uma cidade, e chamou o nome da cidade conforme o nome de seu filho Enoque; e a Enoque nasceu Irade, e Irade gerou a Meujael, e Meujael gerou a Metusael e Metusael gerou a Lameque. E tomou Lameque para si duas mulheres; o nome de uma era Ada, e o nome da outra, Zilá. E Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e têm gado. E o nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e órgão. E Zilá também deu à luz a Tubalcaim, mestre de toda a obra de cobre e ferro; e a irmã de Tubalcaim foi Noema. (Gn 4.17-22)

Alguns estudiosos vêem na linhagem de Caim uma mensagem embutida, pois a Bíblia primeiro fala da fuga dele para o Oriente e depois repentinamente sua linhagem surge, mais ou menos sem explicação. Os nomes dos personagens são sugestivos: Lameque é “servo de Deus”; Ada é “poente”; Zilá é “sombra”; Jabal é “pastor”; Jubal é “músico”; Tubalcaim é “ferreiro” e Noema é “beleza”. Assim, a passagem poderia ser “O servo de Deus tomou duas esposas, a luz e a escuridão. A luz trouxe o pastor, que era o pai dos moradores das tendas, e pastores, e seu irmão era o músico, que era o pai dos harpistas e gaiteiros. Mas a escuridão trouxe o ferreiro, mestre do bronze e do ferro, e sua irmã era o prazer.

No ano de 7000 a.C., isso sugere uma mudança tecnológica drástica na vida das pessoas, que trocavam a vida nos campos pelas cidades.

MATUSALÉM

Chegamos ao ano 6780 a.C. com a 8ª geração desde Adão, para encontrar o homem que mais viveu na história da humanidade, segundo a Bíblia. Matusalém nasceu quando Adão e todos os patriarcas anteriores ainda eram vivos (e Adão contava apenas 687 anos), porém sua vida se estendeu para além da morte de todos eles. Curiosamente todas essa geração morreu por volta de 7000 a.C., mas Matusalém permaneceu vivo até 6000 a.C., época do Grande Dilúvio. Ele ultrapassou inclusive a morte de seu herdeiro, nascido quando Matusalém tinha 187 anos.

Pela segunda vez, um patriarca gerou seu herdeiro em idade muito além dos 70 anos, o que pode indicar a morte prematura de outros herdeiros ou uma sucessão de mulheres. Matusalém significa “homem com lança”, o que sugere uma época de conflitos e favorece justamente a 1ª hipótese. No livro dos Jubileus, sua esposa tinha o mesmo nome de sua mãe, o que talvez indicasse um nome de família real, como Cleópatra.

Placas de argila encontradas na cidade suméria de Shuruppak (~3000 a.C.) falam do Grande Dilúvio e um grande rei (Ubaratutu), filho de um profeta, que teria vivido desde os tempos longínquos até aquela data.

LAMEQUE

A 9ª geração encontra Matusalém gerando seu sucessor Lameque aos 187 anos. Esse nome entretanto não aparece uma única vez na Bíblia, assim como Enoque. O Lameque filho de Caim lembra sua maldição:

E disse Lameque a suas mulheres Ada e Zilá: Ouvi a minha voz; vós, mulheres de Lameque, escutai as minhas palavras; porque eu matei um homem por me ferir, e um jovem por me pisar. Porque sete vezes Caim será castigado; mas Lameque setenta vezes sete. (Gn 4.23-24)

A linhagem de Caim extinguiu-se com a grande inundação que houve nas terras da Ásia Menor. O filho de Matusalém nasceu em 7100 a.C., bem distante da linhagem de Caim (mas também chamando-se “servo do Senhor”, o que sinaliza outra vez a função do patriarca como sacerdote) e viveria ainda até os 777 anos. Com 182 anos ele geraria Noé, mais uma vez provavelmente o restante de vários herdeiros anteriores.

Lameque foi o primeiro a assistir a morte dos patriarcas: até os seus 100 anos de idade, ele viu morrerem todas as gerações anteriores (sinal do final dos tempo?) com excessão única de seu pai, que viveria ainda depois da sua morte. Segundo a Bíblia, somente a dinastia de Noé (seu filho) sobreviveu ao Dilúvio.

NOÉ

E viveu Lameque 182 anos, e gerou um filho, a quem chamou Noé, dizendo: Este nos consolará acerca de nossas obras e do trabalho de nossas mãos, por causa da terra que o SENHOR amaldiçoou. (Gn 5.28-30)

Assim começa a 10ª geração, a última antes do Dilúvio. A Bíblia enfatiza que apenas Noé, de toda a sua geração, foi capaz de agradar ao Senhor. Novamente, isso talvez o colocasse como uma espécie de sacerdote.

E viu o SENHOR que a maldade do homem se multiplicara sobre a terra e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era só má continuamente. Então arrependeu-se o SENHOR de haver feito o homem sobre a terra e pesou-lhe em seu coração. E disse o SENHOR: Destruirei o homem que criei de sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Noé, porém, achou graça aos olhos do SENHOR. (Gn 6.5-8)

A terra, porém, estava corrompida diante da face de Deus; e encheu-se a terra de violência. E viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque toda a carne havia corrompido o seu caminho sobre a terra. (Gn 6:11-12)

Os antecessores de Noé não foram destruídos pelo Dilúvio, mas de alguma forma o Senhor esperou que eles morressem pela própria idade, e o mesmo se deu com até com Matusalém. Como se nenhum dos patriarcas devesse ver a destruição da terra... Na Bíblia, o plano de destruição da aparece logo após os anjos unirem às filhas dos homens e, mesmo que a ordem cronológica aí não seja clara, parece que isso deixou Deus furioso. De fato, quase tudo desde Caim até Noé parece simplesmente uma descrição de dinastia, uma série de líderes artesãos, guerreiros, etc, e sem dúvida sacerdotes do Senhor. Não se tratava da descendência de Caim, mas de Sete... Por isso, quando Deus resolveu destruir a tudo que tinha criado, aquilo que tanto o havia agradado no Início, Ele simplesmente esperou que os patriarcas morressem de velhos. Então a quem Deus desejava destruir?

A Bíblia quase não dá indícios de onde estaria o mal a que o texto se refere. No entanto, parece que ele não estava nos descendentes de Sete. Tudo o que sabemos é que, após um “silêncio” de mais de 1500 anos, o Senhor voltou a falar a Noé, para instruí-lo em 6000 a.C. sobre a construção da arca que salvaria sua família. Ele não esteve tão quieto quanto nos possa parecer, mas sem dúvida esteve sendo o Senhor que todos poderiam esperar: tolerante e cuidador. Pelo menos com os que que o seguiram...

SE DUVIDA VAI LER LÁ Ó
A linhagem de Adão (em Anno Mundi)