"Worlds without end", do artista Greg Olsen
Esse texto foi escrito sobre a base do belíssimo livro Celebrating the Wonder of Creation, de Martin R. De Haan II, RBC Ministries, 2004. Quando li a obra, antes mesmo que ela fosse organizada em um livro, teve um impacto profundo em mim. Recomendo a todos.
Hoje, faz parte da educação (em quase todo mundo) a noção de que somos responsáveis pela conservação do ambiente. Essa preocupação surge sobretudo porque a Natureza (personificando ela) sustenta e também vitimiza sobretudo as populações mais pobres: os danos ambientais se refletem na qualidade da água consumida, nos parasitas e toxinas a que as pessoas são expostas, nas terras que podem ser habitadas e cultivadas. Embora a religião seja uma forma de organizar como as pessoas interagem, em geral a relação dos homens com o ambiente é uma consequência e um foco secundários da religião. A participação Cristã nesse movimento, por exemplo, só começou após 19 séculos, com a Igreja Apostólica da Armênia plantando 100 hectares de floresta, baseada na necessidade de “cuidar da Criação”. Essa postura da Igreja Apostólica Armênia é mantida até hoje.
Uma força religiosa dentro do “Movimento Ambiental”, desde o final do séc. 20, foram os grupos New Age, que tentam recuperar elementos de crenças nativas (não Cristãs) das Américas e da Europa. Em especial, podemos citar a comunicação com espíritos ou entidades da Natureza que igualam homens, animais, plantas, etc e lembram, de alguma forma os cultos de Baal e Asherah na Canaã antiga (ver texto História do nome de Deus). Como resultado da luta Judaica contra esses cultos no séc. 7 a.C. e depois a luta Cristã contra os deuses celtas (associados a locais sagrados) no séc. 5 d.C., restou a imagem do cuidado ambiental sendo um culto pagão à Terra. Mas há uma diferença entre cuidar da Terra “porque ela é seu deus” e cuidar da Terra porque ela “pertence a Deus”. E tal diferença NÃO ESTÁ na forma como você trata a Terra, e sim a Deus. A Bíblia, claro, condena fortemente a 1ª prática, bastante comum nos tempos do Velho Testamento.
Porventura não sois filhos da transgressão, descendência da falsidade, que vos inflamais com os deuses debaixo de toda a árvore verde, e sacrificais os filhos nos ribeiros, nas fendas dos penhascos? (Isaías 57.4,5)
Volta, ó rebelde Israel … Somente reconhece a tua iniquidade, que transgrediste contra o Senhor teu Deus; e estendeste os teus caminhos aos estranhos, debaixo de toda a árvore verde, e não deste ouvidos à minha voz, diz o Senhor. (Jeremias 3.12,13)
De fato, à medida que o Catolicismo marcou a cultura medieval Européia entre os sécs. 4 e 10 d.C., a Natureza tornou-se um representante de Satã, uma tentação sensorial aos homens para afastá-los da espiritualidade. Florestas, lobos, corujas e corvos foram mencionados muitas vezes como imagens do demônio, na literatura da Idade Média. Basta lembrar as lendas e fábulas Européias. A Natureza era vista como maldita desde a queda do homem (Gênesis 3.17) e seu uso era utilitário, ou seja, para satisfazer os desejos dos homens.
No séc. 21, entretanto, as evidências de sofrimento humano associado com danos ambientais fez grupos Cristãos se filiaram ao movimento ambientalista, o que foi chamado de “Esverdeamento dos Evangélicos” e também causou grandes divisões entre os Cristãos. Alguns abraçaram a missão de cuidar da Criação, outros negaram até mesmo a interferência humana nas transformações climáticas recentes, pois estas seriam obras de Deus.
Raízes da repulsão ao cuidado ambiental
No VT, árvores eram sinais de segurança e fertilidade da terra. Por diversas vezes as nações são equiparadas a árvores que crescem ou caem, grandes ou pequenas, com animais abaixo de si ou pássaros em seus galhos. E o destino de tais árvores inequivocadamente pertence a Deus. Apesar disso, o VT também deixa claro que a função das árvores é servir aos propósitos dos homens:
Quando sitiares uma cidade por muitos dias, pelejando contra ela para a tomar, não destruirás o seu arvoredo, colocando nele o machado, porque dele comerás; pois que não o cortarás (pois o arvoredo do campo é mantimento para o homem), para empregar no cerco. Mas as árvores que souberes que não são árvores de alimento, destruí-las-ás e cortá-las-ás; e contra a cidade que guerrear contra ti edificarás baluartes, até que esta seja vencida. (Deuteronômio 20.19,20)
Ao mesmo tempo, o texto bíblico dá a entender que tudo que é vivo sobre Terra, ligado ao homem ou não, depende de Sua bênção:
Não temas, ó terra: regozija-te e alegra-te, porque o Senhor fez grandes coisas. Não temais, animais do campo, porque os pastos do deserto reverdecerão, porque o arvoredo dará o seu fruto, a vide e a figueira darão a sua força. E vós, filhos de Sião, regozijai-vos e alegrai-vos no Senhor vosso Deus, porque ele vos dará em justa medida a chuva temporã; fará descer a chuva no primeiro mês, a temporã e a serôdia. E as eiras se encherão de trigo, e os lagares transbordarão de mosto e de azeite. (Joel 2.21-24)
Preocupações religiosas com a terra
É muito discutível se podemos chamar plantações de Natureza, mesmo sendo plantações de árvores. Mas certamente todos os povos que dependiam de plantações pediram a benção de seus deuses sobre a produção agrícola. Os romanos faziam isso pedindo a Robigus proteção contra as pragas do trigo. Na mesma data de início da Primavera, no séc. 5, os Cristãos de Roma implantaram os "dias de rogação", com peregrinações por entre as lavouras para pedir a benção de Deus sobre as culturas e agradecendo a Ele por Sua provisão. Esta prática foi comum na América do Norte até o século 19.
Só bem recentemente os homens estenderam sua preocupação às terras não plantadas. Em seu ensaio "A idéia de uma sociedade Cristã” (1939), T. S. Eliot¹ escreveu: "Uma atitude errada em relação à Natureza implica, em algum lugar, uma atitude errada em relação a Deus". No caso do ambiente bíblico, as terras de Jerusalém secaram consideravelmente desde os tempos de Davi (1000 a.C.) pela elevação geológica do terreno, mas também pelo retiro de madeiras durante as batalhas em Canaã. Os montes provedores de pinheiros próximos a Tiro e Sidom foram muito desmatados pelos Fenícios e mais ainda pelos Gregos. Por isso, não há como negar que houve, entre o Velho e o Novo Testamentos, um dano grande à Natureza, que não é de forma alguma abordado na Bíblia. A observação de danos ambientais aparentemente nunca surgiu entre os Judeus, Gregos e Romanos, ainda que uma leitura dos textos bíblicos torne claro que tal devastação seria perceptível ao homem moderno.
Por exemplo, os carvalhos mencionados em Gênesis 12.6 não são mais citados depois, assim como a floresta ao norte de Jerusalém nos tempos de Davi (2ª Samuel 18.6) e os bosques frondosos a que Isaías e Ezequiel se referem. No Novo Testamento, as únicas árvores silvestres mencionadas são os sicômoros/figueiras à beira das estradas. Nenhum bosque natural ou floresta é mencionado.
Questionamentos
Se pensarmos que a deterioração do ambiente leva ao empobrecimento dos solos, escassez de alimentos e piora na qualidade da água, o homem moderno poderia se preocupar com isso, e não os moradores de Canaã nos tempos bíblicos, mas e quanto a Deus? Teria Ele se ofendido tanto com o culto de Asherah que fechara os olhos para o Seu povo destruindo Sua obra impune- ou inconscientemente, com prejuízo para as próprias gerações futuras?
O célebre mandamento “Amai ao teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 19.19, Marcos 12.31, Lucas 10.27, não tem em João) poderia, dado o que sabemos hoje sobre a interação entre as pessoas e o ambiente, incluir a preservação ambiental. Talvez a preservação da Natureza fosse até um ponto importante desse mandamento. Mas, ao mesmo tempo, o Apocalipse de João fala sobre a destruição desse mundo e sua substituição por outro, melhor, onde os filhos de Deus viverão (Apocalipse 21.1). Logo seria gentil, mas não necessário, nos preocuparmos com o ambiente.
Pela mesma palavra [de Deus] os céus e a terra que agora existem estão reservados para o fogo, guardados para o dia do juízo e para a destruição dos ímpios … Os céus desaparecerão com um grande estrondo, os elementos serão desfeitos pelo calor, e a terra, e tudo o que nela há, será desnudada … Naquele dia os céus serão desfeitos pelo fogo, e os elementos se derreterão pelo calor. (2ª Pedro 3.7-12)
Isentando a Bíblia
Em outras palavras, a Bíblia não traz instruções, não aprova nem desaprova objetivamente investir esforços para preservar o ambiente, apesar das implicações sérias na vida das pessoas. Algumas interpretações simples disso seriam (1) Deus ignora as interações entre ambiente e pessoas; (2) Deus não interfere ou não se importa com o que fazemos uns aos outros; (3) os autores bíblicos nunca lidaram com problemas ambientais; (4) não importa conservar ou não, mas como isso é feito.
A primeira afirmação é facilmente contestada por passagens do Êxodo onde Deus conduz Seu povo para uma terra cuidada por Ele mesmo e Moisés institui regras que são descaradamente medidas sanitárias (ex. não consumir a carne de certos animais vetores de parasitoses, sepultar os mortos longe do acampamento, banhos de purificação, etc).
A segunda afirmação bate diretamente contra o caráter legislativo de vários livros do Velho e Novo Testamentos, às vezes super-valorizado pelas Igrejas Protestantes de hoje, como eram pelos Fariseus e Saduceus.
Quanto à terceira afirmação, o VT associa pestes, fome, sede, etc com punições divinas (por ex. as que foram invocadas sobre o Egito e sobre Jerusalém), não indagando qualquer causa humana para elas. No NT, centrado no mundo Romano, uma das poucas fomes na Judéia anotadas (ver Atos 11.28-30) se deu em 45-46 d.C., no curto reinado de Claudius. Ao invés de indagar causas, o texto bíblico apresenta reações da Igreja. Essa visão “anterógrada” do NT (isto é, do acontecimento para frente) também norteia a quarta afirmação, onde importam as escolhas feitas nas ocasiões de calamidades, não o que gerou elas. Tal mudança (observar respostas ao invés de causas) tem a ver com a vinculação dos textos bíblicos primeiro à realeza Judaica (de forma que os governantes eram responsáveis/causadores dos problemas ambientais) e depois a um grupo submisso, os Cristãos, vítima das decisões Romanas nas quais não tinha participação.
O texto bíblico, quando muito, vê as catástrofes ambientais como ferramentas de Deus para punir o Seu povo, excluindo por completo a participação humana (ex. exploração excessiva de recursos, superpopulação, má higiene, mal uso do solo, etc). A responsabilização das pessoas pelo ambiente, na Bíblia, simplesmente não existe. Ela está substituída por uma responsabilidade humana quanto ao culto correto/nacional de Deus, enquanto o próprio Senhor organiza o que chamamos de Natureza. Para os povos pagãos (ex. Cananeus, para não ir muito longe), a Natureza era uma manifestação viva de seus deuses, de forma que a ação religiosa e o cuidado ambiental eram quase a mesma coisa. Não impressiona a preocupação com áreas naturais ter nascido dentro do Paganismo e dentro do Cientificismo (séc. 18), mas não no Cristianismo.
Extrapolando as Escrituras
Não só o Cristianismo, mas também o Islamismo deixa de conter em suas Escrituras mais fundamentais a semente de uma ação ambiental. Apesar disso, num e noutro parece que os ideais partilhados foram além das Escrituras.
E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa. Se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pedir, e não te desvies daquele que quiser que lhe emprestes. ... Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus. (Mateus 5.40-44)
E, vendo Jesus que ele [o jovem rico] ficara muito triste, disse: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! (Lucas 18.24)
E [os Cristãos] perseveravam na doutrina dos apóstolos, na comunhão, no partir do pão e nas orações. (Atos 2.42)
O ideal de vida simples e comum, longe de riquezas, aparece desde escritos pós-bíblicos muito antigos, como o Pastor de Hermas. Nesse livro, é desenvolvida a idéia de que Deus ouve somente aos pobres. No séc. 4, o conceito de simplicidade e do luxo como inimigo da fé foi aperfeiçoado por Santo Agostinho e norteou o modo de vida ao longo de toda Idade Média. Esse ideal de “dividir, ter somente o necessário”, embora não claramente ligado à proteção ambiental, se vincula a ela pelo fato de que as grandes devastações, mesmo na Antigüidade, estiveram ligadas à cobiça por poder ou riquezas. Essa exploração desnecessária do ambiente é movida pelos ricos/poderosos no sentido de obter mais do que lhes é necessário e pelos pobres no sentido de compensar o que lhes é tirado pelos ricos, conforme defendido por Richard Foltz, estudioso de cultura do Oriente Médio.
Desse modo, ao minar tanto a distinção de classes quanto o enriquecimento, a prática Cristã (e entendamos isso fora da Igreja) favoreceu indiretamente a conservação ambiental. O mesmo ocorreu no Islã: embora o al-Quran não aborde diretamente o tema, também os ensinos de Maomé revelam uma preocupação com sustentabilidade, qualidade de vida e respeito pela Criação. Nos Hadiths, ou ensinamentos do Profeta, há instruções sobre não jogar excrementos nas águas, não permitir que animais o façam, não desperdiçar água mesmo para purificações rituais, manter a fertilidades dos solos, substituir cada árvore velha derrubada por uma nova, etc. Apesar da base ambientalista mais aprimorada que os Cristãos, que assistiram a depredação da paisagem bíblica, os Islâmicos também participaram na devastação das Cruzadas e, recentemente, assistiram o desaparecimento do mar de Aral (Cazaquistão / Uzbequistão) pelo desvio de rios, a desertificação na África sub-saariana pela retirada de florestas, a queima dos depósitos de petróleo no Oriente Médio, a destruição das florestas na Indonésia e Malásia, além do bombeamento de água subterrânea para agricultura na Arábia Saudita, o que resultou em progressiva salinização do solo. Em outras palavras, nem o Cristianismo ou o Islamismo tiveram atuação ambiental significativa. Quanto a outras religiões, como Induísmo e Budismo, não encontramos uma história de reservação diferente. Aparentemente, somente as tradições pagãs (em sua maioria desaparecidas) foram significativas em proteger os recursos naturais.
No séc. 13, em plena Idade Média, uma contribuição ao ambientalismo Cristão foi dada por Giovanni di Bernardone, mais conhecido como São Francisco de Assis. Após iniciar um movimento de pregação entre os leprosos e os mais pobres da região de Assis, na Itália, ele desenvolveu uma liturgia baseada na irmandade de toda Criação - homens, plantas e animais - perante Deus, o que dava um novo sentido ao “dominar” do texto de Gênesis. Além disso, a imagem e semelhança de Deus deveria cuidar, e não explorar os demais seres. Apesar de não ser uma prática Cristã até a atualidade, não é difícil entender a inspiração de Francisco:
Então disse Deus: "Cubra-se a terra de vegetação: plantas que dêem sementes e árvores cujos frutos produzam sementes de acordo com as suas espécies". E assim foi. … Deus fez os animais selvagens de acordo com as suas espécies, os rebanhos domésticos de acordo com as suas espécies, e os demais seres vivos da terra de acordo com as suas espécies. E Deus viu que ficou bom. Então disse Deus: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão". Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. (Gênesis 1.25-27)
Tudo o que tem vida louve o Senhor! (Salmo 150.6)
É a partir da grandeza e da beleza das criaturas que, por analogia, se conhece o seu autor. (Sabedoria 13.5)
Seu é tudo o que existe nos céus e na terra; e todos quanto se acham em Sua Presença, não se ensoberbecem em adorá-Lo, nem se enfadam disso. Glorificam-No noite e dia, e não ficam exaustos. (Sura 21.19-20)
[Pedro] Olhei para dentro dele e notei que havia ali quadrúpedes da terra, animais selvagens, répteis e aves do céu. … A voz falou do céu segunda vez: ‘Não chame impuro ao que Deus purificou’. (Atos 11.6-9)
Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas. (Romanos 1.20)
A percepção de Deus através da Criação certamente impõe uma restrição ao uso utilitário dos recursos naturais. Essa percepção aparece sutilmente no Judaísmo, no Islamismo e apareceu no modo simplório dos Benedictinos (séc. 6 d.C.). Como regra, os Benedictinos organizaram a vida medieval sobre um sentido de humildade que refreou bastante a exploração ambiental característica dos tempos Romanos. Francisco foi educado dentro dessa visão.
Grande parte da influência dele sobre o Cristianismo (ele é, no Catolicismo, a 3ª figura mais reverenciada, depois de Maria e Jesus) se deu a partir da popular obra Fioretti (Pequenas flores), de Frei Ugolino Brunforte, no final do séc. 14. A obra apresenta 53 pequenas lendas/estórias sobre a vida de Francisco, muitas das quais envolvem milagres como desafiar e amansar um lobo perigoso. Essa coleção de textos resgatou uma ligação religiosa entre o homem e a Natureza na época, permitindo um vislumbre de ambientalismo enquanto as florestas da Europa e do Oriente Médio eram derrubadas pela nascente nobreza. Francisco também absorveu valores do contato com o Islã nos reinos Mouros e nas terras envolvidas nas Cruzadas. Mas sua influência foi limitada pelo seu tempo: muitos historiadores vêem Francisco, Anselmo de Canterbury² (séc. 11), Hugh de Lincoln³ (sec. 12) e Ramon Lull* (séc. 13) como mentes libertas do pensamento medieval.
Hoje, os Cristãos envolvidos com movimentos ambientais reforçam o fato de que Deus apreciou Sua criação mesmo antes de fazer os humanos e, portanto, a Criação é valiosa a Deus mesmo sem o homem. Outro argumento está na legislação Mosaica sobre a terra não poder ser vendida em absoluto, pois não pertence ao homem (Levíticos 25.23). De forma análoga à maldição sobre a terra por causa de Adão, em diversas ocasiões Deus arrasou a terra para punir os homens e, assim, o destino de um e outro estariam ligados. Infelizmente, mesmo quando vemos pessoas poderosas se filiando ao Cristianismo, não vemos a adesão delas no sentido de reverter sequer explorações trabalhistas (isto é, de humanos sobre humanos), quanto mais de reverter explorações ambientais. Isso significa mais ou menos que o Cristianismo aceita inimigos da filosofia Cristã (que não é claramente ambientalista), ao invés de moldá-los.Tal cisão entre a filosofia e a prática Cristãs não é diferente noutras religiões, exceto as mais pagãs.
Compartilharemos o mundo com as gerações futuras
Guardai e buscai todos os mandamentos do Senhor vosso Deus, para que possuais esta boa terra, e a façais herdar a vossos filhos depois de vós, para sempre. (1ª Crônicas 28.8)
Mas, se alguém não tem cuidado dos seus, e principalmente dos da sua família, negou a fé, e é pior do que o infiel. (1ª Timóteo 5.8)
Na década de 1980, costumava-se chamar a geração mais nova de "Geração do Eu" ou "Geração do agora". Via-se uma atitude perturbadora entre os jovens que, em essência, era "Eu quero tudo, e quero agora". Considerando a ganância e o materialismo que a geração mais jovem viu nos adultos do anos 1980, as milhares de horas de exposição ao consumismo, a perda de interesse na história, a desintegração dos valores familiares e religiosos, é compreensível que eles se caracterizem pelo Egocentrismo. Isto é, uma preocupação maior com o Eu do que com o restante do mundo.
Contraste isso com o que chamamos Altruísmo - a preocupação com o bem-estar dos outros. Quando os valores de fé em um Deus eterno, compaixão pelos outros, auto-sacrifício e a esperança no futuro desaparecem da cultura geral, há poucas chances de que o Altruísmo sobreviva. Na verdade, a maioria das pessoas hoje provavelmente teria dificuldade em até mesmo definir o termo Altruísmo sem enviesar para uma auto-proteção.
Como as passagens das Escrituras acima indicam, deve haver uma preocupação Cristã quanto a prover seus filhos e deixar para eles uma herança de fé e boa terra. O filósofo-fazendeiro Cristão, Wendell Berry, um consagrado escritor e ambientalista norte-americano, escreveu uma série de livros que ressaltam o amplo significado da terra, animais, vizinhos e familiares na comunidade. Seu trabalho é devotado à manutenção auto-sustentável das pequenas comunidades. Em vários livros e artigos, ele questiona o desdém que as pessoas tiveram e têm com suas terras e os prejuízos que isso trouxe a elas mesmas, bem longe do serviço de mordomos da Criação. Estas palavras do livro "Para que existem as pessoas?" fazem pensar com mais cuidado no nosso legado:
Não precisamos criar um "mundo do futuro". Se cuidarmos o mundo do presente, o futuro receberá nossa justiça completa. Um bom futuro está implícito nos solos, florestas, pastagens, pântanos, desertos, montanhas, rios, lagos e oceanos que temos agora. A única "futurologia" válida disponível para nós é cuidar dessas coisas. Não precisamos inventar o "futuro da raça humana"; temos a mesma necessidade que sempre tivemos - amar, cuidar e ensinar nossos filhos.
Em “Unsettling of America”, Berry diferencia “exploradores” de “cuidadores”: os primeiros usam a terra e se mudam atrás de novos recursos, enquanto os segundos entendem cada lugar como sua casa, onde um equilíbrio precisa ser mantido. E ele alerta que os primeiros ainda predaram os segundos em toda história, sob o impulso colonialista e capitalista. Em outro livro, "Another turn of the crank", ele escreve:
Não sei de nada que questione tão fortemente a nossa capacidade de cuidar do mundo como nossos atuais abusos. Como podemos cuidar de outras criaturas, nascidas como nós, se abandonarmos as qualidades de cultura e caráter que formam as crianças? Seja qual for o motivo, estamos conduzindo uma espécie de guerra contra elas. Estão sendo abortadas ou abandonadas, abusadas, drogadas, bombardeadas, negligenciadas, mal criadas, mal alimentadas, mal treinadas e mal disciplinadas. Muitos deles não encontrarão nenhum trabalho digno, ou nenhum trabalho de qualquer tipo. Herdarão um mundo diminuído, doente e envenenado. Nós jogamos sobre eles não apenas nossos pecados, mas nossas dívidas. Nós criamos ante eles milhares de maus exemplos - governamentais, industriais e recreativos - sugerindo que o caminho violento é o melhor caminho. E então temos a hipocrisia de ser surpreendidos quando eles carregam armas e usam elas.
Eu gostaria de pensar que ele descreveu não-cristãos. Mas como dito acima, a Bíblia é sutil o suficiente em sua pregação ambiental para que poucas mentes tenham visto essa mensagem e menos ainda a tenham a posto em prática. Tenho medo de ver muitos desses comportamentos e atitudes entre nós. Estamos muito longe de ser a comunidade que protege o presente e assegura o futuro, indiferentes a Deus ou certos de que Ele nos deu toda a Criação para usufruirmos irresponsavelmente. Enquanto vigiamos o retorno de Cristo em qualquer momento, não podemos nos desculpar do dever de entregar a Criação de Deus a nossos filhos. E numa forma capaz de prover-lhes o mesmo que deu para nós.
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¹ Thomas Stearns Eliot (1888-1965) foi um dos maiores poetas modernos da língua inglesa, desde sua mocidade. Após sua conversão ao Cristianismo, ele produziu trabalhos de profundo intimismo e análise das relações entre as pessoas e os lugares onde vivem.
² Anselmo de Canterbury (Inglaterra), Anselmo d’Aosta (Itália) ou Anselme du Bec (França) foi um filósofo Cristão muito atuante na política medieval. Seus trabalhos sobre a natureza de Deus misturavam as lógicas de Aristóteles e de Santo Agostinho, sendo precursores da Reforma Protestante no que se refere à Graça como favor imerecido. Ele não foi propriamente um ambientalista, mas deu significação religiosa ao ambiente quando usou fartamente imagens da Natureza para seu raciocínio, tomando como exemplos peixes, moinhos, gado, etc, assim como castelos, servos e coroas.
³ Hugh bispo de Lincoln ficou famoso, na Idade Média, por desafiar o rei da Inglaterra e cuidar das populações mais desfavorecidas, como leprosos e Judeus, ao invés de endossar guerras. Também não se tratava de um ambientalista, mas suas medidas de proteção aos pobres resgataram valores Cristãos havia muito estavam esquecidos, de forma a preservar áreas onde as populações mais carentes habitavam.
* Ramon Lull ficou famoso por sua argumentação Cristã e pacifista junto aos Islâmicos, na Idade Média. Ao mesmo tempo, ele levou para a Europa diversos valores Islâmicos como o cuidado de áreas naturais, pois se tratavam de presentes de Deus aos homens.
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Escritos sem papel
- Altman N, Sacred water: the spiritual source of life, cap. 2, ed. Hiddensping, 2002.
- Any mentions of Environmental protection in Bible?, Christianity Stack Exchange, 2013.
- Berry W, Another Turn of the Crank: Essays, cap. “Conserving forest communities”, Counterpoint Press, 2011
- Berry W, The unsettling of America, Ed. Counterpoint, 1977.
- Carr S, Anselm of Canterbury - a writer to discover, Placefortruth.org
- Christian views on environmentalism - wikipedia
- Chuvieco E, Religious approaches to water management and environmental conservation. Water policy, 14(S1), 9-20, 2012.
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- Goldberg GJ, New Testament parallels to the works of Josephus, The Flavius Josephus home page.
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- The famine which took place in the reign of Claudius, Church History - Eusebius Pamphilius, Biblehub.com
- Ugolino B, Little flowers of St. Francis of Assisi (Fioretti), séc. 14.
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