segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A carta perdida


Certa feita uma carta não foi entregue. Quem deveria levá-la, deixou-a sobre um muro, onde todos pudessem pegar.

Passou um homem feliz, rindo-se da vida e tudo nela. Em seu cérebro, quando via uma formiga estouravam milhares de descargas de serotonina, que lembravam da antiga casa de criança; e lembravam do afeto da mãe quando via uma senhora, do cão amigo quando passava um vira-latas. O homem viu a carta ali... Que ótima surpresa alguém ter deixado uma carta para ele! Abriu e leu atentamente... De repente uma gargalhada. Devia ser uma carta do seu amável pai, e que bom era ter feito uma surpresa assim. O homem voltou a carta onde estava e foi cantarolando comprar um presente para o pai.

Minutos depois veio um menino, resmungando a bronca que levara por ter batido no irmão. Nada de serotonina para ele, ao invés disso, muita noradrenalina. Chutou uma lata, atirou um pau no cachorro no meio-fio e agarrou a carta, amassando-a entre os dedos. Olhou o remetente. Ele o conhecia e tinha medo dele. Será que estava no muro dele? Olhou em volta, preocupado. Colocou a carta no lugar e fugiu.

Um senhor passou, procurando o neto. Quando se apoiou no muro, pôs acidentalmente a mão sobre a carta. Não era para ele, mas ficou curioso. Abriu-a e passou meia hora lendo, admirando-se com os detalhes. Era um milagre! A carta falava de toda a sua vida, e das vidas de muita gente que ele conhecia, falava até onde estava o seu neto. O senhor a fechou cuidadosamente, desamassando e a voltou no lugar. Voltaria para agradecer o dono daquela casa, mas antes precisava buscar o garoto. Tomou seu rumo e saiu, pensativo.

Um bêbado passou, segurando no muro. Tinha pisado no “presente” que um cão deixara no meio da rua. Quando viu a carta, foi incisivo: limpou seu sapato com ela, amassou e jogou por sobre o muro.

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Em um livro famoso, B.F. Skinner fala sobre o “mundo sob a pele”, que é todo o entendimento de uma pessoa sobre si mesmo. E todo esse entendimento é só dela! Quando aprendemos algo, toda informação desse mundão de Deus precisará pular o “muro” que separa o “fora de nós” do mundo “dentro de nós”. Não é pouca coisa: do lado de dentro da mente há trilhões de conexões entre células eletro-químicas, que de alguma forma assombrosa formam um ser organizado, como um grande cardume de pequenos peixes que juntos fingem ser um peixe grande. Nesse mundo não há letras nem sons e as idéias são muito reais, como ondas passando pela multidão de pequenos seres.

Para pular esse muro, passar para o lado de dentro, tudo na verdade é traduzido. A bola vermelha se transforma em “idéia da bola” e “idéia do vermelho”. A idéia da bola é construída com pedaços de antigas recordações sobre uma forma redonda, enquanto a idéia do vermelho é buscada entre todo o vermelho já visto na vida. Uma bola vermelha, ali, não é uma bola nem é vermelha. Ela é uma coletânea de todas as bolas, em todos os tempos, e de todos os vermelhos. Essa gigantesca biblioteca que se chamará “bola vermelha” vai, algum dia, ser buscada quando pular para dentro outro objeto redondo ou outro objeto vermelho, como a coleira vermelha de um cão. E idéias NÃO SÃO só informações desses objetos, elas carregam as emoções relativas a cada um. Essas emoções são repassadas a novas idéias, são modificadas, mes sempre estão lá.

O que dizer da Palavra de Deus? Como ela vai para esse mundo surreal que é o nosso interior?

Quando lemos, a imagem de cada palavra pula o muro porque é traduzida por informações prévias de toda leitura que já foi aprendida. Lá, não são mais palavras: são idéias de cenas já vistas, de experiências vividas, de expectativas (quando há baixa serotonina associada), desagrados (quando há noradrenalina associada), são muitas emoções e recordações que se unem para traduzir a leitura em idéia. Dependendo do humano, cada um faria a sua interpretação particular da Palavra (e de fato o fazem...).

A unidade das interpretações, da tradução de palavra escrita em vida (pois idéias são vivas e dependem de haver vida) e dada pelo Espírito Santo, segundo conta Pedro:

Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo. (2Pedro 1:20-21)

Não há ciência que explique isso; como o fluxo de informações eletroquímicas gerando uma idéia pode ser cirurgicamente guiado. Parece curioso que, ao invés do livre-entendimento, possamos querer contar com um entendimento direcionado! Mas o Espírito Santo não apenas modifica as idéias, Ele também ensina. Paulo não foi um seguidor de Jesus quando ele andava entre os homens. Enquanto Jesus ensinava, Paulo era um instruído fariseu, de família rica, que se tornara oficial romano (Roma sempre usou forças locais em seus exércitos e administração) e atuara junto ao Sinédrio para coibir o alastramento da “seita” cristã.

No caminho de Damasco, Jesus produziu uma mudança gigantesca em Paulo. Não apenas o tornou um cristão (e não haviam escritos cristãos onde ele pudesse aprender), mas iluminou-o com conhecimento/inspiração para escrever as cartas das quais recebemos instrução milhares de anos depois. Ao contrário dos profetas, que receberam instrução sobre o que haveria de vir, Paulo recebeu conhecimento profundo do presente e pôde saber das bases espirituais sobre as quais o mundo se constrói, longe das vistas de todos. Quantos inspirados por Deus andarão entre os homens, falando da Palavra de Deus sem terem sido instruídos pelo ensino humano? E quantos andarão enganados, inspirados por homens e achando que falam de Deus?

Enquanto os católicos defendem que apenas o sumo pontífice - sucessor funcional de Pedro - é capaz de interpretar a palavra de Deus, desde o século XVI os protestantes argumentam que qualquer um PODE ser inspirado a ter a compreensão apropriada do que está escrito. 

E, chegando Jesus às partes de Cesaréia de Filipe, interrogou os seus discípulos, dizendo: Quem dizem os homens ser o Filho do homem? E eles disseram: Uns, João o Batista; outros, Elias; e outros, Jeremias, ou um dos profetas. Disse-lhes ele: E vós, quem dizeis que eu sou? E Simão Pedro, respondendo, disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivoE Jesus, respondendo, disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus. Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus. (Mateus 16:13-19)

Enquanto dependermos do lado humano lendo, buscando conhecimento, está claro que muitas opiniões diferentes existirão, e estão por aí centenas de teologias para mostrar que isso acontece. Quando porém somos agraciados com o entendimento que Deus fornece, todas essas filosofias e diferenças sucumbem a uma voz maior. Seremos capazes de ouvi-la?

Algum de nós quererá falar com o autor da carta?

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