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sexta-feira, 22 de abril de 2016

Jesus: nazareno?

Natividade, Willian Bell Scott, 1872

Importante: esse texto não faz referência ao Evangelho da Infância de Jesus (apócrifo), que será abordado noutra ocasião.

Jesus nasceu bem no meio de uma centena de anos turbulenta para a Judéia. Em 36 a.C., o general romano Marco Antônio (mais famoso por seu romance com Cleópatra do Egito) expulsou os gregos e Roma finalmente dominou a Judéia, Galiléia e Síria. Ele estabeleceu como governador da Judéia um de seus favoritos, Herodes I, então com 25 anos. Para fortalecer seu poder na região, Herodes I casou-se com a sobrinha de Antígono, o rei grego antes dele. Porém, Herodes já era casado e tinha um filho, Herodes Antipater. Esse filho foi deserdado e seria, mais tarde, um personagem importante na história política da Judéia.

A trajetória de Herodes ao poder não foi abalada nem quando Octaviano, filho de Júlio César, derrotou Marco Antônio e se auto-declarou Augustus, imperador de todo o mundo. Antipater então era um membro da corte romana e acusou seu pai pela aliança com Marco Antônio, reivindicando para si o governo da Judéia. Herodes I enviou seu filho preferido Arquelau numa viagem até Roma (4000 Km ou 1,5 ano de distância de Jerusalém), para jurar fidelidade ao novo rei. Arquelau tornou-se logo um dos preferidos de Augustus. Para impressionar o soberano, Herodes I mandou construir um grande porto (Cesaréia Marítima) que exportaria o betume do Mar Morto para Roma. Como Herodes considerava-se um judeu (embora fosse chamado de pagão pelos outros judeus), mandou ampliar o Templo de Jerusalém e nomeou os altos sacerdotes segundo seus interesses políticos.

PROFECIAS SOBRE O NASCIMENTO

Segundo a Bíblia, esse era o momento de se concretizarem 2 profecias antigas:

Disse ainda o Senhor a Acaz: "Peça ao Senhor, ao seu Deus, um sinal miraculoso, seja das maiores profundezas, seja das alturas mais elevadas". Mas Acaz disse: "Não pedirei; não porei o Senhor à prova". Disse então Isaías: "Ouçam agora, descendentes de Davi! Não basta abusarem da paciência dos homens? Também vão abusar da paciência do meu Deus? Por isso o Senhor mesmo lhes dará um sinal: a virgem ficará grávida e dará à luz um filho, e o chamará Emanuel. Ele comerá coalhada e mel até a idade em que saiba rejeitar o erro e escolher o que é certo. Mas antes que o menino saiba rejeitar o erro e escolher o que é certo, a terra dos dois reis que você teme ficará deserta. (Isaías 7.10-16, por volta de 730 a.C.)

"Mas tu, Belém-Efrata, embora sejas pequena entre os clãs de Judá, de ti virá para mim aquele que será o governante sobre Israel. Suas origens estão no passado distante, em tempos antigos." Por isso os israelitas serão abandonados até que dê à luz a que está em trabalho de parto. Então o restante dos irmãos do governante voltarão para unir-se aos israelitas. Ele se estabelecerá e os pastoreará na força do Senhor, na majestade do nome do Senhor, o seu Deus. E eles viverão em segurança, pois a grandeza dele alcançará os confins da terra. Ele será a sua paz. Quando os assírios invadirem a nossa terra e marcharem sobre as nossas fortalezas, levantaremos contra eles sete pastores, até oito líderes escolhidos. (Miquéias 5.2-5, por volta de 730 a.C.)

Isaías usa “comer coalhada e mel” diversas vezes como símbolo de prosperidade. Nos anos que se seguiram ao retorno do cativeiro babilônico, os judeus entenderam a profecia de Isaías como se referindo ao Messias que viria. A profecia marcava um momento, ao dizer que Ele viria em uma época de prosperidade para Israel, quando os jovens pudessem “comer coalhada e mel”. De fato, embora subjugada pelos romanos, no governo de Herodes, Israel vivia um momento de modernização e grande influxo de visitantes, de todos os cantos do mundo romano. O Talmude relata, sobre esse época: “Quem nunca viu Jerusalém em sua beleza, não viu uma grande cidade”. Não sabemos, entretanto, se Jesus teve uma infância próspera.

A profecia de Miquéias determinava onde seria o nascimento do Messias, uma cidade pequena a oeste de Jerusalém, tradicionalmente o berço do antigo rei Davi. A profecia colocava a chegada de um rei, que reuniria os israelitas esparsos (talvez pelo cativeiro Assírio, se considerarmos a época de Miquéias). Além disso, a profecia continua dizendo que os filhos de Jacó seriam como o orvalho, uma força de Deus entre os homens, como em Deuteronômio 32.2. Outra analogia a que a profecia se refere é à distinção entre essa força de Deus e os filhos dos homens, mais ou menos como Jesus faz em João 8. Historicamente, Jerusalém sofreu perda de poder político-religioso desde Miquéias, no domínio grego, até sua quase destruição após o período de Herodes. Apesar disso, como força descentralizada, os pregadores cristãos chegaram até o Egito e Ásia no séc. 1, atingindo a Europa durante a conquista romana e mesmo após isso. Inevitavelmente, associa-se a profecia de Miquéias e o “reinado do Messias” a esse movimento de pregação cristã que ocorreu antes do séc. 4.

RELATOS DO NASCIMENTO

O mais detalhado relato sobre o nascimento de Jesus é feito por Lucas. Obviamente, nenhum dos evangelistas foi observador desse momento e o próprio Lucas inclui em seu texto:

Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas. (Lucas 1.1-4)

Assim, não é surpresa que [João] Marcos e João [evangelista] nada falem sobre isso. Os evangelistas ouviram de outros e também podemos creditar a eles que cometam alguns erros.

Tanto Mateus como Lucas são enfáticos ao associar o nascimento de Jesus com o cumprimento de profecias, então sabemos que tais profecias ao menos eram importantes quando a forma escrita do texto foi produzida, no séc. 1.

Mateus apresenta um casal em Belém (na região montanhosa do sul de Israel, distante uns 40 Km de Jerusalém) com o filho bebê, descendente do rei Davi através de sua mãe. Magos vêm do Oriente para adorar o menino e avisam o casal de que Herodes I tencionava matá-lo. Um anjo então aparece e os orienta a fugir para o Egito. Nesse meio tempo, Herodes I comanda o Massacre dos Inocentes. Com a morte do rei (4 a.C.), José, Maria e Jesus retornam para Israel. Porém, Herodes Arquelau - seu filho - logo se mostra como um dominador temeroso; junto de seu aliado general Varus, ele manda crucificar 3000 judeus que não cultuaram ao imperador Augustus. Assustados, a família de Jesus segue para Nazaré, uns 200 Km ao norte dali, nas planícies da Galiléia. Mateus fecha sua narrativa dizendo que os profetas haviam dito: “Ele será chamado Nazareno” (Mateus 2.23). Entretanto, não há esse registro nos livros dos profetas, o que pode significar o contato com profetas orais daquela época.

Lucas é mais detalhista. “No sexto mês Deus enviou o anjo Gabriel a Nazaré, cidade da Galiléia, a uma virgem prometida em casamento a certo homem chamado José, descendente de Davi. O nome da virgem era Maria” (Lucas 1.26,27) introduz o fato de que José e Maria eram de Nazaré. Isso responde ao motivo de terem ido para lá, conforme Mateus, mas coloca a pergunta: porque foram a Belém? Lucas resolve isso citando o recenseamento de Publius Sulpicius Quirinius. José era descendente de Davi, então devia ir até a cidade de Davi para o censo. Esse recenseamento ocorreu para o estabelecimento de taxas na Judéia e causou tantas revoltas que Arquelau foi afastado do trono, no mesmo ano (6 d.C.) (Atos 5.37). Lucas não menciona uma fuga para o Egito nem um pronto regresso a Nazaré:

Completando-se os oito dias para a circuncisão do menino, foi-lhe posto o nome de Jesus, o qual lhe tinha sido dado pelo anjo antes de ele nascer. Completando-se o tempo da purificação deles, de acordo com a Lei de Moisés, José e Maria o levaram a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor (como está escrito na Lei do Senhor: "Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor") e para oferecer um sacrifício, de acordo com o que diz a Lei do Senhor: "duas rolinhas ou dois pombinhos". (Lucas 2.21-24)

DATA E LOCAL

Segundo Lucas, com o exílio de Arquelau, José, Maria e Jesus parecem ter ido ao Templo de Jerusalém antes de voltarem a Nazaré. Reparemos que o trajeto de Lucas (Nazaré → Belém → Jerusalém → Nazaré) é bem diferente do descrito por Mateus ([Nazaré] → Belém → Egito → Nazaré). Além disso, há uma diferença de datas: se José, Maria e Jesus foram até Belém no tempo de Herodes I e a Nazaré para fugir de Arquelau, isso foi antes do censo de Quirino. Se foram a Belém para o recenseamento, sua volta a Nazaré foi depois disso. As imprecisões, é claro, ficam por conta de os relatos não terem sido coletados por Mateus ou Lucas antes de 50 d.C. Considerando outras imprecisões no texto de Mateus, é mais provável que Lucas esteja certo em sua cronologia, com o nascimento de Jesus ocorrendo durante o reinado de Herodes Arquelau e após o censo de Quirino (6 d.C.). Mateus, apesar disso, está certo em fazer referência ao massacre dos sacerdotes no Templo, que chocou a comunidade judaica da época.

Mateus e Lucas marcam o nascimento de Jesus em Belém da Judéia, cidade do antigo rei Davi. Mateus não identifica um lugar rural, antes disso fala em magos do Oriente chegando à cidade:

E, entrando na casa, acharam o menino com Maria sua mãe e, prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra. (Mateus 2.11)

Lucas é quem coloca o ambiente normalmente representado nos presépios:

Ora, havia naquela mesma comarca pastores que estavam no campo, e guardavam, durante as vigílias da noite, o seu rebanho. E eis que o anjo do Senhor veio sobre eles, e a glória do Senhor os cercou de resplendor, e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse: Não temais, porque eis aqui vos trago novas de grande alegria, que será para todo o povo: Pois, na cidade de Davi, vos nasceu hoje o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: Achareis o menino envolto em panos, e deitado numa manjedoura. E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus, e dizendo: Glória a Deus nas alturas, Paz na terra, boa vontade para com os homens.

E aconteceu que, ausentando-se deles os anjos para o céu, disseram os pastores uns aos outros: Vamos, pois, até Belém, e vejamos isso que aconteceu, e que o Senhor nos fez saber. E foram apressadamente, e acharam Maria, e José, e o menino deitado na manjedoura. (Lucas 2.8-16)

Lucas não relata o Massacre dos Inocentes, nem uma fuga, nem qualquer intenção do rei acerca de Jesus. Não há magos peregrinos avisando o rei sobre o Messias, mas pastores locais avisados por anjos, que não levam presente algum. Com 8 dias de vida (período da purificação), Jesus é levado mesmo ao Templo da capital Jerusalém e apresentado aos profetas dali: Simão, o velho e Ana, filha de Fanuel. Sem nenhuma ameaça das autoridades judaico-romanas, o jovem Jesus apresentado por Lucas poderia gozar de sua infância e adolescência tranqüilamente em Nazaré, cidade dos seus pais.

E, quando acabaram de cumprir tudo segundo a lei do Senhor, voltaram à Galiléia, para a sua cidade de Nazaré. E o menino crescia, e se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele. (Lucas 2.39,40)

A JUVENTUDE DE JESUS

Mateus não relata nada sobre isso, sugerindo que obteve informações de pessoas não tão próximas de Jesus. O Jesus de Mateus reaparece já um galileu adulto, para ser batizado por João.

Então veio Jesus da Galiléia ter com João, junto do Jordão, para ser batizado por ele. (Mateus 3.13)

Lucas, por outro lado, conta sobre um aparecimento de Jesus para a famosa festa da Páscoa em Jerusalém, como contado no Talmude.

Ora, todos os anos iam seus pais a Jerusalém à festa da páscoa. E, tendo ele já doze anos, subiram a Jerusalém, segundo o costume do dia da festa. E, regressando eles, terminados aqueles dias, ficou o menino Jesus em Jerusalém, e não o soube José, nem sua mãe. (Lucas 2:41-43)

Como devia ser usual na época, Jesus cresceu em uma família numerosa, sendo o mais velho de diversos irmãos.

E, chegando à sua pátria [Nazaré], ensinava-os [ao sábado] na sinagoga deles. E foi-lhe dado o livro do profeta Isaías; e, quando abriu o livro, achou o lugar em que estava escrito: “O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os quebrantados de coração, a pregar liberdade aos cativos, e restauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor”. E, cerrando o livro, e tornando-o a dar ao ministro, assentou-se; e os olhos de todos na sinagoga estavam fitos nele. Então começou a dizer-lhes: “Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos”. De sorte que se maravilhavam, e diziam: De onde veio a este a sabedoria, e estas maravilhas? Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão entre nós todas as suas irmãs? (Mateus 13.54-56, Marcos 6.2,3, Lucas 4.17-22)

Lucas nos faz pensar em um Messias bem instruído, conhecedor profundo dos livros tradicionais do judaísmo, mas não faz qualquer inferência sobre a origem desse conhecimento. Aliás, ao apresentar Jesus como um jovem de 12 anos instruindo doutores no Templo, Lucas é o responsável por acharmos que o conhecimento de Jesus seja de origem sobrenatural.

A nova aparição de Jesus é relatada de forma muito historicamente precisa por Lucas:

E no ano 15 do império de Tibério César, sendo Pôncio Pilatos presidente da Judéia, e Herodes tetrarca da Galiléia, e seu irmão Filipe tetrarca da Ituréia e da província de Traconites, e Lisânias tetrarca de Abilene, sendo Anás e Caifás sumos sacerdotes, veio no deserto a palavra de Deus a João, filho de Zacarias. (Lucas 3.1,2)

Foi Herodes Antipas, filho de Herodes I e irmão Arquelau, quem João acusava de roubar a esposa (Herodias) de seu irmão. Isso foi o motivo de Herodes Antipas encarcerar e condenar João à morte nos anos seguintes.

O imperador Tibério César (na verdade Tiberius Caesar Divi Augusti Fīlius Augustus) assumiu o trono em 14 d.C., o que colocaria João batizando em 29 d.C., ele e Jesus tendo cerca de 23 anos (se pensarmos que ele nasceu no ano do censo de Quirino). Lucas continua dizendo “E o mesmo Jesus começava a ser de quase 30 anos, sendo (como se cuidava) filho de José” (Lucas 3.23), de forma que João deve ter pregado nas margens do Jordão, em Betânia (Marcos 1.9, João 1.28) por cerca de 7 anos antes do aparecimento de Jesus, seu parente materno (Lucas 1.26-40).

Jesus certamente cresceu em Nazaré da Galiléia, visto a acusação que foi posta em sua cruz: JESUS NAZARENO REI DOS JUDEUS* (Mateus 27.37, Marcos 15.26, Lucas 23.38, João 19.19). Lucas ou qualquer outro evangelista não relatam de que Jesus se ocupou até ser batizado, uma vez que os judeus tomavam o trabalho familiar quando atingiam a maioridade (13 anos). Maria reaparece no curso da história, mas não José, o que traz a opinião comum de que ele teria morrido entre os 12 e os 30 anos de Jesus. A preocupação de Jesus com as viúvas pode ser um reflexo de sua história familiar. Nesses anos entre a Páscoa em Jerusalém e o batismo em Betânia, é possível que Jesus, seu pai e irmãos tenham trabalhado como carpinteiros na construção de Tiberíades (anos 20), como sugerido por Frei Betto em “Um homem chamado Jesus”.

INFORMANTE PRIVILEGIADA?

Um ponto interessante do relato de Lucas é a repetição que ele faz, e de forma única, da frase “Maria guardava todas essas coisas em seu coração” (Lucas 2.19, Lucas 2.51). Aliando a isso o grande detalhamento de sua narrativa (Lucas 1.1-4) e a descrição de uma pesquisa que ele mesmo fez, faz pensar que talvez Maria tenha sido uma informante. Isso daria a Lucas uma grande confiabilidade sobre o que diz dos primeiros anos de Jesus.

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nota de rodapé:

Ele [Jesus] disse: "Um homem de nobre nascimento foi para uma terra distante para ser coroado rei e depois voltar. Então, chamou dez dos seus servos e lhes deu dez minas. Disse ele: ‘Façam esse dinheiro render até à minha volta’. Mas os seus súditos o odiavam e depois enviaram uma delegação para lhe dizer: ‘Não queremos que este homem seja nosso rei’. … E aqueles inimigos meus, que não queriam que eu reinasse sobre eles, tragam-nos aqui e matem-nos na minha frente!" (Lucas 19.12-14,27)

Uma vez que Jesus usava contextos conhecidos do povo para fazer suas parábolas, muitos acreditam que essa parábola seja uma referência à viagem de Herodes Arquelau até Roma para reivindicar o trono de seu pai a Augustus. Vendo a possibilidade da troca de governante, as famílias mais poderosas da Judéia comandaram revoltas em toda parte, o que levou o general Varus e sua legião até Jerusalém, terminando com a crucificação dos revoltosos. Augustus por fim reconheceu a herança de Arquelau, o que incluiu Antipater entre os perseguidos de Varus, assim como todos que o apoiaram. Apesar disso, o governo de Arquelau foi desastroso e Antipas assumiu o trono após o meio-irmão ter sido exilado na Síria.

* Apenas Lucas e João incluem a nominação NAZARENO na acusação de Jesus. O que dá força a esses relatos é o detalhamento de Lucas acerca do fatos e a presença física de João no local da crucificação, junto com Maria [mãe de Jesus], Maria [irmã de Lázaro] e Maria [de Magdala].

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PARA LER QUANDO FOR ADULTO

Fisher M, Publius Quinctilius Varus - Ancient History Encyclopedia
Frei Betto, Um homem chamado Jesus, 2009, ed. Rocco.
Herodes o grande - wikipedia
Herodes Antipas - wikipedia
Jerusalem in the second temple period - wikipedia
Why do Matthew and Luke’s genealogies contradict one another? - Bible.org

domingo, 10 de janeiro de 2016

Legalismo

Bíblia ilustrada de 1897; Charles Foster

Talvez uma diferença básica entre ateus e teístas seja o fato de que os primeiros creem num mundo governado por regras, enquanto os últimos acreditam na governança de uma entidade racional a quem chamamos de Deus, Jeová, Javé, etc. Enquanto leis podem ser escritas ou matematizadas, pois são constantes e imutáveis, um deus não pode ser teorizado. Por exemplo, as leis da genética estabelecem que os filhos sejam da mesma espécie que seus pais, probabilisticamente 50% homens e 50% mulheres, além de herdar semelhanças físicas, padrões de crescimento e, segundo sabemos hoje, até aspectos mais gerais da personalidade. Um deus por outro lado cuidaria de gerar filhos segundo seu interesse ou em favor de seus protegidos, homens ou mulheres segundo o que a comunidade precisa (ex. Eva, produzida a partir de células masculinas), com personalidades atribuídas segundo seus desígnios e intenções/conhecimento de ações futuras. Eventualmente, os filhos poderiam ser gerados até mesmo sem um ou os dois pais ou sintetizados diretamente do não humano, como Adão.

Nada impede que um deus estabeleça leis naturais, mas eventualmente ele precisa quebrar ou mudá-las para testemunhar a sua independência e existência como ser. Isto é, a genética não precisa ser uma entidade, ela se basta como matemática, estatística, como regra. Já a criação de um homem a partir do não humano, a formação de uma mulher a partir do homem ou até a atribuição de características não herdáveis necessita de uma mente, um ser que os produza. O aparecimento/desparecimento súbito de uma doença crônica pode ser atribuído à ação divina. Pelas regras naturais, tanto um como outro são processos lentos. A abertura de uma passagem no mar é outro exemplo de ação divina. Em toda história, nenhum acontecimento semelhante foi registrado de forma não-religiosa. Uma inundação catastrófica pode ser natural, mas também nunca foi um fenômeno previsível.

Em poucas palavras, um deus se caracteriza pela violação de regras. Bem ao inverso da base que sustenta toda teologia. Em teologia, as ações e pronunciamentos de Deus são estudados para que se teorize ou se matematizem leis, princípios básicos de como Deus (theos) reage e se comporta. Uma oferenda de carne de ovelha é boa, enquanto uma oferenda de legumes não é. Se você pedir com o coração e com fé será atendido; se faltar sinceridade ou fé, não será. Se você seguir as leis terá prosperidade; se violá-las terminará humilhado como foi Jó. E havendo regras, ainda que Deus as coloque em prática, ele não dará nenhuma evidência de sua existência como ser/indivíduo a menos que as quebre. Ao final do livro de Jó, Deus se apresenta a ele e seus amigos, inquirindo qual deles estava presente quando Ele fez o mundo. Em outras palavras, Ele dizia que o sofrimento de Jó não era conseqüência previsível das ações de Jó; era simplesmente a vontade (imprevisível) de Deus. Em ainda outras palavras, o sofrimento de Jó ocorreu porque Ele quis.

A coisa toda fica mais interessante quando é o próprio Deus quem cria as leis. Moisés escreve uma parte delas em Êxodo e as esmiúça sobremaneira em Levítico e Deuteronômio. Partindo dos 10 mandamentos (que em hebraico são, na verdade, 10 palavras), chega-se rapidamente a um código de leis com muito mais de 100 ítens. Grande parte delas aplica-se aos detalhes do culto religioso, outras muitas aos problemas comuns de uma comunidade agropastoril. Entre os mandamentos, está, por exemplo, “não matareis”. Logo após ver o bezerro de ouro que Arão tinha feito, Moisés entretanto deu ordem par cada um da cerimônia pagã matar o seu irmão ou amigo (Êxodo 32.27). Seu sucessor, Josué, matou todos os povos no caminho: homens, mulheres, crianças e até os animais (Josué 6.21). Nas cidades sitiadas, foram destruídos os pomares, contrariamente ao que Deus tinha estabelecido (Deuteronômio 20.19). A menos que pensemos nos implantadores da Lei como pessoas que não a valorizavam tanto assim (o que talvez seja verdade), a Bíblia tem muitos exemplos das leis sendo quebradas. E quantos Judeus não morreram nas invasões Babilônicas, orquestradas como punição pelos pecados de Judá?

Vejam que hoje ponho diante de vocês vida e prosperidade, ou morte e destruição. Pois hoje lhes ordeno que amem o Senhor, o seu Deus, andem nos seus caminhos e guardem os seus mandamentos, decretos e ordenanças; então vocês terão vida e aumentarão em número, e o Senhor, o seu Deus, os abençoará na terra em que vocês estão entrando para dela tomar posse. Se, todavia, o seu coração se desviar e vocês não forem obedientes, e se deixarem levar, prostrando-se diante de outros deuses para adorá-los, eu hoje lhes declaro que sem dúvida vocês serão destruídos. Vocês não viverão muito tempo na terra em que vão entrar e da qual vão tomar posse, depois de atravessarem o Jordão. (Deuteronômio 30.15-18)

Esse princípio geral do Judaísmo, que norteia os livros sapienciais como caminhos para uma vida tranqüila e abençoada, jamais poderia ser aplicado a Jó, aos profetas assassinados, os zelotes que preferiram a morte em Massada, os pobres a quem Jesus falava ou às vítimas da perseguição romana nos primeiros séculos do Cristianismo. Estes todos sofreram justamente por sua fidelidade a Deus. Por outro lado, desde os tempos de Davi e Salomão os salmistas registravam: “Até quando os ímpios, Senhor, até quando os ímpios exultarão?” (Salmos 94.3). Nos tempos do cativeiro Babilônico, Jeremias também se lamentava:

Por que o caminho dos ímpios prospera? Por que todos os traidores vivem sem problemas? Tu os plantaste, e eles criaram raízes; crescem e dão fruto. Tu estás sempre perto dos seus lábios, mas longe dos seus corações. (Jeremias 12.1,2)

E o sábio autor de Eclesiastes (quem sabe Salomão) também reclamava:

Nesta vida sem sentido eu já vi de tudo: um justo que morreu apesar da sua justiça, e um ímpio que teve vida longa apesar da sua impiedade. (Eclesiastes 7.15)

Assim, embora Moisés apresentasse um Deus legalista, que se manifesta na forma de regras imutáveis abençoando ou condenando (mais condenando que abençoando) as ações humanas, outros autores bíblicos não deixam de mostrar que Deus nunca foi previsível ou manipulável, mesmo pelo mais bem-intencionado dos homens. Em sua força-tarefa para restaurar Jerusalém nos tempos do rei Dario, o Persa, Neemias não se priva de pedir abertamente recompensas por seus feitos na cidade sagrada. Não sabemos se ele alcançou êxito, mas os livros dos Macabeus nos testemunham que Jerusalém voltou a ser sitiada e arrasada. Massada nos testemunha ainda que, apesar de sua fé, os judeus foram esmagados pelos romanos profanadores do Templo. Assim, apesar de toda tentação teológica de prever Deus e substituir seu arbítrio por um sistema legal, o favor divino continua dependendo da incontrolável vontade do Senhor.

Sendo quem era, Jesus também não deixava de atropelar as questões legais para torcer e mudar o que a Lei de Moisés dizia. Pecadores eram perdoados apesar de suas más obras, ímpios eram curados apesar de sua fé diferente, até ladrões eram convidados ao reino celestial. Jesus fugia ao mais hábil escrutínio dos Fariseus, e mesmo do Diabo. Pois se um homem não deixaria de afirmar sua vontade quase aleatória, qual deus não faria isso?

Evidentemente, uma religião assim não poderia sustentar governo algum, da mesma forma que os oráculos do mundo greco-romano antigo não sustentavam seus governos. Num Cristianismo estatal, Jesus PRECISA ser traduzido em leis, Deus precisa estar na forma de regras escritas ou tradicionais. Deus precisa ser previsível para que a vontade dos governantes, essa sim, seja individual. Na Idade Média, o mundo testemunhou a gradiosidade dos seus reis-deuses, havia muito perdida com a destruição de Roma. Com as Repúblicas, mesmo os governantes se traduziram em leis e, assim, um deus que fala a cada momento ficou muito distante, quase inimaginável. Talvez uma figura lendária associada aos profetas de outrora. Talvez uma entidade pouco compreensível mostrada pelos oráculos, digo, profetas das muitas igrejas neopentecostais. Mas haveria um consenso em todas essas revelações, como seria esperado de um ser ciente de tudo?

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EU NÃO LERIA

Biblical Archaeology Society, Masada, The Dead Sea’s Desert Fortress, 2014.
Greenberg G, 101 Myths of the bible, cap. 78, 2000.
Vermes G, Ressurreição: história e mito, cap. 2, 2013.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

O Homem contra Deus


_ Senhor Eremita, haveria maior mérito em acreditar na trindade de Deus do que em conhecê-la? A vontade poderia amar mais pela ignorância que pelo conhecimento?

_ Em uma cidade havia muitos costumes contra Deus, contra a justiça e contra o regimento do príncipe. Aqueles costumes eram franquias e liberdades pelas quais o rei da cidade não podia lhes acusar. Um dia, aconteceu que um homem daquela cidade cometeu homicídio e o rei quis puni-lo, mas por algumas destas liberdades havia sido pago, e o absolvera e perdoara. Muito desagradou o rei o fato de ter deixado de fazer justiça por causa das cartas de franquia, e disse aos homens estas palavras: ‘Dois pecadores estavam diante de um altar. Um rogava a Deus que lhe perdoasse, porque O temia. O outro clamava por misericórdia porque O amava. Desejo que vós, que contra a justiça alegais vossos maus costumes, me respondais a qual daqueles homens Deus deve primeiro perdoar.’ Um Conselho foi feito para responder a pergunta do rei, e acordaram em responder que Deus devia perdoar o homem que O amava. Quando o rei ouviu isso, falou: ‘Estou satisfeito com a resposta. Saibais que, conforme vossas palavras, devo mais amar a Deus que vos temer, e amando a Deus me convém fazer justiça convosco ao invés de vos perdoar por medo.’

Assim, belo filho, aqueles que amam a trindade de Deus e não desejam entendê-la na verdade amam mais a si mesmos do que a Deus. Como pensam ter maior mérito em crer no que não entendem, temem mais perder a glória dos homens do que amam a Deus.

(Ramon Lull, Félix o El Libre de meravelles, 1288)

Deus não é alguém com quem se brigar... É meio idiota fazer isso, como um operário desafiar o presidente da empresa, mas acontece. Até mesmo com o operário, geralmente para sua infelicidade. Quando Moisés mediou a Aliança através da Lei, Deus já avisava: se vocês não Me ouvirem e não colocarem em prática todos esses mandamentos, se forem infiéis à Minha aliança, Eu lhes trarei pavor repentino, doenças e febre, fugirão sem perseguidores, semearão inutilmente, a terra não dará colheita nem as árvores darão fruto, os inimigos comerão as suas sementes. Tropeçarão uns nos outros. Vocês comerão, mas não ficarão satisfeitos. Vocês não terão fruto algum, ou será ruim, ou outros vos matarão. Basicamente isso. (Levítico 26). No entanto, Ele sempre teve de lidar com os homens não lhe conferindo a importância necessária.

Lúcifer desacreditou a Deus e foi jogado dos céus, com seus compatriotas. "Subirei aos céus; erguerei o meu trono acima das estrelas de Deus; eu me assentarei no monte da assembléia, no ponto mais elevado do monte santo. Subirei mais alto que as mais altas nuvens; serei como o Altíssimo" (Isaías 14.13-14). Essa velha estória foi o que a serpente contou a Eva: "Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele [do fruto] comerem, seus olhos se abrirão, e vocês serão como Deus, conhecedores do bem e do mal" (Gênesis 3.4-5). E os homens continuaram sua herança, contando e recontando a estória uns para os outros, e para si mesmos... Tiraram Deus do lugar devido, e brigam para sentar nesse trono.

Claro, acreditar no que Deus disse sobre ignorá-Lo já é uma demonstração de fé. E pode estar atrelada à fé de que “Deus não verá” ou “eu posso esconder isso”. Diversos escritores bíblicos falam sobre a prosperidade dos ímpios, inconformados sobre como eles prosperam enquanto o justo sofre. Mas quem atribui o conceito de prosperidade? Porque ela é importante? Porque está atrelada a felicidade, e todos desejam ser felizes. Mas olhemos bem o aviso de Deus: vocês não ficarão satisfeitos. Aviso do fabricante, sutil como se Ele soubesse dos nossos eletroquímicos circuitos cerebrais de prazer.

Enquanto Moisés conduzia o povo pelo DESERTO e não havia comida, o Senhor lhes fez brotar comida.. DO NADA. Certamente seria motivo de perpétuo agradecer e maravilhamento aos que tinham fome, mas não o seria para quem comer (e simplesmente comer) era adoração a si mesmo. Partiram eles do monte Hor pelo caminho do mar Vermelho, para contornarem a terra de Edom. Mas o povo ficou impaciente no caminho e falou contra Deus e contra Moisés, dizendo: 'Por que vocês nos tiraram do Egito para morrermos no deserto? Não há pão! Não há água! E nós detestamos esta comida miserável!' (Números 21.4-5) Era preciso que o Senhor [seu servo] proporcionasse algo saboroso, que agradasse o requintado paladar e não desapontasse o sagrado Eu.

Mas porque alguém disputaria com o Criador? Que sentido há em entrar numa briga que não se pode ganhar? Justamente essa 2ª questão supõe que NÃO SE PODE GANHAR, e ele tem atrelado o 1º Mandamento: “amarás a teu Deus, acima de tudo”. Um famoso descumprimento disso está em amar algo ou a si mesmo acima de Deus.

Já dizia o profeta Jeremias: “A quem posso eu falar ou advertir? Quem me escutará? ... A palavra do Senhor é para eles desprezível, não encontram nela motivo de prazer. ... Desde o menor até o maior, todos são gananciosos. Profetas e sacerdotes igualmente, todos praticam o engano. Eles tratam da ferida do meu povo como se não fosse grave. ‘Paz, paz’, dizem, quando não há paz alguma.” (Jeremias 6:10-14). O profeta prenunciava a invasão de Israel pelos caldeus, cujo império crescia no Oriente (e todos sabiam disso). Acabou preso por suas manifestações contra os sacerdotes. A história mostra que Jeremias estava certo. Mas então porque os sacerdotes se empenhavam tanto em anunciar a paz quando não era o Senhor quem lhes falava isso? Tratava-se de um clero protegido e beneficiado pela realeza. E mais, essa previsão era exaltava os protetores egípcios de que Israel gozava. Em outras palavras, os sacerdotes aprenderam a amar mais às recompensas do que à verdade que Deus oferecia. Simplesmente tentador… se Deus ficar desacreditado.

E Jeremias ainda anunciava os pecados do seu povo: “Há ímpios no meio do meu povo: homens que ficam à espreita como num esconderijo de caçadores de pássaros; preparam armadilhas para capturar gente. Suas casas estão cheias do fruto de suas artimanhas, como gaiolas cheias de pássaros. E assim eles se tornaram poderosos e ricos, estão belos e bem alimentados. Não há limites para as suas obras más! Não se empenham pela causa do órfão, nem defendem os direitos do pobre. Não devo Eu castigá-los?” (Jr 5.26). A casta poderosa de Israel e mantida pelo Egito enriquecia às custas da exploração do povo, da conversão de homens livres em escravos e venda desses ao Egito. Judeus enriquecendo suas casas com a venda de judeus ao cativeiro. O mandamento sobre “amar ao próximo como a ti mesmo” (ou “não matareis”, sua versão na Lei mosaica) estava muito longe de ser cumprido. Claro que vivemos em outra Era, em outros tempos, nos quais a regra capitalista de “ganhe mais do que você dá” jamais se aplicaria. E em especial não às pessoas que negligenciamos (ex. alguém que pede ajuda) ou prejudicamos deliberadamente (ex. um concorrente) sem nos importarmos com o que sobrevirá ao outro. Não se aplica às pessoas que condenamos para sermos admirados como “exemplos”, até mesmo dentro das igrejas. E definitivamente não se aplica aos amigos ou parentes que negligenciamos em prol de nossa santa deusa tranqüilidade.

A emenda do soneto é a seguinte: “Os profetas contam mentiras, os sacerdotes governam por sua própria autoridade, e o meu povo gosta dessas coisas.” (Jr 5.51). Em meio à tormenta, não nos esqueçamos do principal – o povo gosta. Um rei cheio de ouro, sacerdotes aliados do rei, todos aliados do poderoso Egito, a própria segurança e poder apesar do que eles produzem. Também importa-nos que os governantes sejam bonitos, prestigiados, com dinheiro para grandes shows e aparições na mídia. Elegemos comediantes, atores, jogadores, apresentadores e milionários... E também empresários, aristocratas, latifundiários. Porque todos os invejam. Mesmo as pessoas que sofrem por falta dos serviços básicos, de trabalho, de qualificação, de justiça, mesmo esses apoiam o sagrado sistema que lhes põe no topo essas pessoas sagradas. Aplaudem e saúdam quem lhes tira o que é justo, porque dão o que o povo gosta. Eis as bocas que só prometem recompensas, a riqueza e a fama, os nossos deuses acima do Deus dos órfãos e pobres. Quem puder ler, que entenda.

Anos depois de Jeremias, no grande reino dos caldeus, entre os deportados, o profeta Ezequiel voltava a advertir as castas dos israelitas: “Eu mesmo tomarei conta das minhas ovelhas... a rebelde e forte eu destruirei. ... Julgarei entre uma ovelha e outra, e entre carneiros e bodes. Não lhes basta comerem em boa pastagem? Deverão também pisotear o restante da pastagem? Não lhes basta beberem água límpida? Deverão também enlamear o restante com os pés? Deverá o meu rebanho alimentar-se daquilo que vocês pisotearam e beber daquilo que vocês enlamearam com os pés? ... elas não mais serão saqueadas. Julgarei entre uma ovelha e outra.” (Ez 34.15-22). Na metáfora das ovelhas, o Senhor ameaçava os poderosos da Sua nação, por destruírem e enlamearem o que é de todos, por excluírem e machucarem os mais fracos. E a semelhança cultural dos hebreus e caldeus não demorou a misturá-los (lembremos de onde vira Abraão), colocando alguns hebreus entre a corte de Nabucodonosor. Se a separação de castas e a exploração do pobre já existia em Israel, quanto mais numa terra estrangeira e entre um povo dominador. O amor ao próximo de repente esfriou-se… como não ocorreria jamais sob o sistema legalista atual, isento de poderosos que ferem o povo e desperdiçam recursos da humanidade para enriquecer, como poderia ser numa galáxia muito distante.

Para mostrar que o tempo não é suficiente para apagar uma mancha dessas na Humanidade (o que mostra que o povo gosta e recompensa isso), Jeremias escreveu por volta de 580 a.C. e se passaram 6 longos séculos até que o apóstolo Judas [Tadeu] fizesse sua preciosa observação sobre o povo de Líbia e da Pérsia, por onde foi andar. “Esses tais difamam tudo o que não entendem; e as coisas que entendem por instinto, como animais irracionais, nessas mesmas coisas se corrompem. Ai deles! Pois seguiram o caminho de Caim, buscando o lucro, caíram no erro do prêmio de Balaão e foram destruídos na rebelião de Corá [contra Moisés]. Esses homens são manchas nas festas de fraternidade que vocês fazem, comendo com vocês de maneira desonrosa. São pastores que só cuidam de si mesmos. São nuvens sem água, impelidas pelo vento; árvores de outono, sem frutos, duas vezes mortas, arrancadas pela raiz. São ondas bravias do mar, espumando seus próprios atos vergonhosos; estrelas errantes, para as quais estão reservadas para sempre as mais densas trevas.” (Judas 1.10-13) Sim, fazer-se melhor que os os outros e oprimi-los recompensa. Mas não conte com Deus para isso.

João [o discípulo amado por Jesus], estendia essa observação ao futuro longínquo: “Adoraram o dragão, que tinha dado autoridade à besta, e também adoraram a besta, dizendo: ‘Quem é como a besta? Quem pode guerrear contra ela?’ À besta foi dada uma boca para falar palavras arrogantes e blasfemas, e lhe foi autoridade para agir por muito tempo. Ela abriu a boca para blasfemar contra Deus e amaldiçoar o Seu nome, Seu tabernáculo, e os que habitam no céu. Foi-lhe dado poder para guerrear contra os santos e vencê-los. Foi-lhe dada autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação.Todos os habitantes da terra adorarão a besta, a saber, todos aqueles que não tiveram seus nomes escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a criação do mundo.” (Apocalipse 13.4-8). Quem poderá fazer diferente, desafiar o poder das recompensas, do poder e da pressão pública?

Se passaram mais de dois mil anos e você ainda acha que isso se aplica à sociedade onde VOCÊ MESMO vive. Chapolin, e agora quem poderá nos defender?

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O orgulho separa e Deus une novamente - a guerra dos tronos entre os judeus

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No ano 735 a.C., a Assíria (ou reino de Aram) havia se tornado um grande império do norte, que se estendia sobre as nações vizinhas. Isso se dava com a exigência de tributos em forma de soldados, metais preciosos ou produtos agrícolas. Os reinos que não pagavam eram invadidos, os camponeses se tornavam escravos e todos os bens lhes eram tomados. O reino dos hebreus estava repartido em dois: ao norte Israel, também chamada Efraim (pois era essa a tribo dominante), com a capital em Samaria; ao sul Judá, com a capital em Jerusalém. Era um reino dividido, fraco e no caminho entre a Assíria e o mar Mediterrâneo. Em meio à ameaça de uma invasão, o governante de Judá era Acaz, um jovem rei de apenas 20 anos (2Cr 28.1). Ele seria responsável por séculos de sofrimento de um povo. 

Talvez alguém se pergunte como um jovem rei poderia gerenciar o conflito com a poderosa Assíria de Tiglat Pileser III. Ele era apenas mais um na sucessão ao trono: rei após rei, cada um assassinava seu antecessor poucos anos após a coroação, ou este morria nas mãos dos generais israelitas, sempre em busca de mais poder. Era uma época de militarismo e reis jovens. Os sacerdotes haviam se separado do povo e agora andavam reclusos, servindo à monarquia. Já não invocavam o Senhor para escolher os reis como era nos tempos de Samuel: agora, os reis eram escolhidos por generais. Acaz não era especial, apenas estava sucedendo o pai Jotão, que sentou no trono dos 25 aos 41 anos. 

Israel se organizou com as nações vizinhas (Síria e Damasco) para resistir à Assíria, mas Judá recusou a aliança para cuidar dos próprios problemas (ex. os filisteus). Numa época de militarismo, isso foi o estopim para a invasão de Judá. Nessa invasão, Israeleneses (sob o comando do rei Peca) e sírios (sob o comando do rei Rezim) mataram centenas de milhares de judeus... Na crise, Deus foi em socorro de Acaz, mesmo que esse não o buscasse. Um dia foi a até rei o profeta judeu Isaías, anunciando que uma criança destruiria os dois reis inimigos.

DEUS OFERECE EMANUEL

Então disse o SENHOR a Isaías: Agora, tu e teu filho Sear-Jasube, saí ao encontro de Acaz, ao fim do canal do tanque superior, no caminho do campo do lavandeiro. E dize-lhe: Acautela-te, e aquieta-te; não temas, nem se desanime o teu coração por causa destes dois pedaços de tições fumegantes; por causa do ardor da ira de Rezim, e da Síria, e do filho de Remalias [Peca]. Porquanto a Síria teve contra ti maligno conselho, com Efraim, e com o filho de Remalias, dizendo: Vamos subir contra Judá, e molestemo-lo e repartamo-lo entre nós, e façamos reinar no meio dele o filho de Tabeal. 

Assim diz o Senhor DEUS: Isto não subsistirá, nem tampouco acontecerá. Porém a cabeça da Síria será Damasco, e a cabeça de Damasco será Rezim; e dentro de sessenta e cinco anos Efraim será destruído, e deixará de ser povo. Entretanto a cabeça de Efraim será Samaria, e a cabeça de Samaria o filho de Remalias [Peca]; se não o crerdes, certamente não haveis de permanecer. 

E continuou o SENHOR a falar com Acaz, dizendo: Pede para ti ao SENHOR teu Deus um sinal; pede-o, ou em baixo nas profundezas, ou em cima nas alturas. Acaz, porém, disse: Não pedirei, nem tentarei ao SENHOR. Então ele [Isaías] disse: Ouvi agora, ó casa de Davi: Pouco vos é afadigardes os homens, senão que também afadigareis ao meu Deus? Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel. Manteiga e mel comerá, quando ele souber rejeitar o mal e escolher o bem. Na verdade, antes que este menino saiba rejeitar o mal e escolher o bem, a terra, de que te enfadas, será desamparada dos seus dois reis. (Isaías 7:3-16

A VINGANÇA COMO ESCOLHA 

Acaz duvidava de Deus, mas teve ajuda oferecida pela boca de Isaías. E não creu que o Senhor pudesse livrá-lo... Ao invés de Emanuel, o jovem rei preferiu buscar ajuda contra Israel justamente onde menos deveria: junto ao poderoso rei Tiglat Pileser III. Ressentido pelas perdas, em troca da destruição de seus irmãos israelitas ele ofereceu ao soberano os tesouros do templo, soldados (o que era muito útil a uma potência em expansão) e ainda o culto do seu povo aos deuses assírios. Tiglat Pileser já estava em curso contra a Síria e Israel, mas saberia cobrar duramente essas promessas! 

Eis como diferentes autores contaram sua aventura: 

Tinha Acaz vinte anos de idade, quando começou a reinar, e dezesseis anos reinou em Jerusalém; e não fez o que era reto aos olhos do SENHOR, como Davi, seu pai. Antes andou nos caminhos dos reis de Israel, e, além disso, fez imagens fundidas a Baalins. Também queimou incenso no vale do filho de Hinom, e queimou a seus filhos no fogo, conforme as abominações dos gentios que o SENHOR tinha expulsado de diante dos filhos de Israel. Também sacrificou, e queimou incenso nos altos e nos outeiros, como também debaixo de toda a árvore verde. Por isso o SENHOR seu Deus o entregou na mão do rei dos sírios, os quais o feriram, e levaram dele em cativeiro uma grande multidão de presos, que trouxeram a Damasco; também foi entregue na mão do rei de Israel, o qual lhe infligiu grande derrota. (2Cr 28.1-5

E Acaz enviou mensageiros a Tiglate-Pileser, rei da Assíria, dizendo: Eu sou teu servo e teu filho; sobe, e livra-me das mãos do rei da Síria, e das mãos do rei de Israel, que se levantam contra mim. E tomou Acaz a prata e o ouro que se achou na casa do SENHOR, e nos tesouros da casa do rei, e mandou um presente ao rei da Assíria. E o rei da Assíria lhe deu ouvidos; pois o rei da Assíria subiu contra Damasco, e tomou-a e levou cativo o povo para Quir, e matou a Rezim. Então o rei Acaz foi a Damasco, a encontrar-se com Tiglate-Pileser, rei da Assíria; e, vendo um altar que estava em Damasco, o rei Acaz enviou ao sacerdote Urias o desenho e o modelo do altar, conforme toda a sua feitura. (2Rs 16.7-10

Aqui vemos que não apenas Acaz havia se afastado do senhor como os reis de Israel, mas recusou o presente que Deus lhe oferecia para promover em Judá o que Tiglat Pileser lhe ordenasse. Para quê cultuar um deus do rei mais poderoso? Porque o deus cultuado simplesmente não era importante! O deus de Acaz era Tiglat Pileser, não Javé. A história mostra que esse “deus” lhe exigiu que produzisse de Judá tantos soldados quanto fosse possível. Acaz estabeleceu que as mulheres de sua terra teriam filhos de todos os homens quanto pudessem. Os laços familiares que o Senhor ensinara através de Moisés, e pelos quais até Davi havia sido punido, foram substituídos pelo ser humano como animal gerador de exércitos. Alguém se lembra das práticas nazistas? 

E se o projeto de Deus havia sido abandonado, o resultado era óbvio. Acaz retirou partes do Templo para entregar como tributo a Tiglat Pileser, depois reproduziu em Judá os altares assírios e fomentou os cultos politeístas entre seu povo. Nos montes altos e pequenos, assim como nos bosques, eram feitas oferendas a vários deuses. Com mais soldados, o soberano assírio imediatamente começou a invasão de Israel. Isso consistia em remover o povo de seu local “sagrado” e os levar a terras distantes. Por outro lado, era interessante ao novo governo que a terra fosse cultivada. Assim, outros povos foram levados para habitar a Terra Prometida: 

Porque o rei da Assíria subiu por toda a terra, e veio até Samaria, e a cercou três anos. No ano nono de Oséias [último rei de Israel, não o profeta], o rei da Assíria tomou a Samaria, e levou Israel cativo para a Assíria; e fê-los habitar em Hala e em Habor junto ao rio de Gozã, e nas cidades dos medos … E os filhos de Israel fizeram secretamente coisas que não eram retas, contra o SENHOR seu Deus; e edificaram altos em todas as suas cidades, desde a torre dos atalaias até à cidade fortificada. E levantaram, para si, estátuas e imagens do bosque, em todos os altos outeiros, e debaixo de todas as árvores verdes. E queimaram ali incenso em todos os altos, como as nações que o SENHOR expulsara de diante deles; e fizeram coisas ruins, para provocarem à ira o SENHOR. (2Rs 17.1-11

E o rei da Assíria trouxe gente de Babilônia, de Cuta, de Ava, de Hamate e Sefarvaim, e a fez habitar nas cidades de Samaria, em lugar dos filhos de Israel; e eles tomaram a Samaria em herança, e habitaram nas suas cidades. E sucedeu que, no princípio da sua habitação ali, não temeram ao SENHOR; e o SENHOR mandou entre eles, leões, que mataram a alguns deles. Por isso falaram ao rei da Assíria, dizendo: “A gente que transportaste e fizeste habitar nas cidades de Samaria não sabe o costume do Deus da terra; assim mandou leões entre ela, e eis que a matam, porquanto não sabe o culto do Deus da terra”. (2Rs 17.24-26) 

O REPOVOAMENTO 

O 2º livro dos reis segue descrevendo brevemente algo maravilhoso. O Senhor não suportou povos estrangeiros em Sua terra, naquela que havia jurado a Abraão! Mesmo com os israelenses habitando em outras terras e seguindo os deuses estrangeiros, dos lugares selvagens leões saíam para atacar os povos que Tiglat Pileser mandou para lá. No entendimento dos assírios, que cultuavam deuses pagãos (ou seja, ligados ao solo e ao lugar), o problema era simples: os novos moradores de Israel não sabiam cultuar o deus daquela terra. Era preciso ensiná-los, para que fossem bem-sucedidos. E de um entendimento pagão, o soberano mandou que esses povos então cultuassem ao Senhor: 

Então o rei da Assíria mandou dizer: “Levai ali um dos sacerdotes que transportastes de lá; e vá e habite lá, e ele lhes ensine o costume do Deus da terra”. Veio, pois, um dos sacerdotes que transportaram de Samaria, e habitou em Betel, e lhes ensinou como deviam temer ao SENHOR. 

Porém cada nação fez os seus deuses, e os puseram nas casas dos altos que os samaritanos fizeram, cada nação nas cidades, em que habitava. E os de babilônia fizeram Sucote-Benote; e os de Cuta fizeram Nergal; e os de Hamate fizeram Asima. E os aveus fizeram Nibaz e Tartaque; e os sefarvitas queimavam seus filhos no fogo a Adrameleque, e a Anameleque, deuses de Sefarvaim. 

Também temiam ao SENHOR; e dos mais baixos do povo fizeram sacerdotes dos lugares altos, os quais lhes faziam o ministério nas casas dos lugares altos. Assim temiam ao SENHOR, mas também serviam a seus deuses, segundo o costume das nações dentre as quais tinham sido transportados. Até ao dia de hoje fazem segundo os primeiros costumes; não temem ao SENHOR, nem fazem segundo os seus estatutos... (2Rs 17.27-34

Hoje, temos uma situação semelhante. Pessoas afluem à igreja de todas as partes, de todas as culturas e de todas as religiões. Uns levam para a igreja as tradições de seus países, outros levam as tradições de suas religiões antigas. E por fim temos um Cristianismo-mosaico, criado dos cacos de muitas culturas e religiões. Num lugar os pastores vestem-se de paletós pretos... noutro canto seguram cajados ou rodopiam por horas murmurando sobre um palco para mostrar o Espírito Santo, noutro ainda brandem paletós sagrados e derrubam as pessoas de seus assentos, ou ainda fazem aparecer dentes de ouro gritando aleluias. No tempo de Acaz, esses “novos israelenses” aceitaram o nome de “povo de Deus” e até se circuncidaram. E o Senhor não havia de querer também a eles? 

Muitos séculos depois, nos tempos de Jesus, esses “novos” faziam seus cultos junto ao monte Gerizim, de onde Moisés abençoou a Terra Prometida. Eram chamados simplesmente de “samaritanos” e, por não menos de 6 séculos, mesmo durante o cativeiro na Babilônia, eles foram considerados “escória” pelos judeus. Sob Nabucodonosor as antigas castas dos israelenses e judeus foram desfeitas (605-562 a.C.); sob o domínio de Alexandre, seus generais e sucessores, os templos foram profanados (332-156 a.C.); sob Roma (63 a.C. - séc 5 d.C.), os sacerdotes foram feitos aliados do governo estrangeiro, mas somente com Jesus (nascido dos judeus) houve a restauração da amizade com os samaritanos (Jo 4), que ainda falavam a língua siríaca.

O QUE OCORREU COM OS EXILADOS 

O profeta Oséias se indignou pela agonia de Judá e Jerusalém, que se entregaram ao culto dos deuses assírios. Das 12 tribos originais, 10 delas foram levadas cativas para as terras da Assíria, e foram chamadas de “tribos perdidas”. A Assíria foi depois tomada pela Babilônia, e esta foi finalmente anexada ao Império Medo-persa. Ao contrário das tribos de Judá que foram libertas após a queda da Babilônia, as tribos de Israel jamais retornaram coletivamente ao seu local de origem. 

Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o. A sua bebida se foi; lançaram-se à luxúria continuamente; certamente os seus governadores amam a vergonha [porque produz futuros soldados para a Assíria]. Um vento os envolveu nas suas asas, e envergonhar-se-ão por causa dos seus sacrifícios. (Os 4.17-19

Vejo uma coisa horrenda na casa de Israel, ali está a prostituição de Efraim; Israel está contaminado. Também para ti, ó Judá, está assinada uma sega, quando eu trouxer o cativeiro do meu povo. (Os 6.10-11

À medida que a expansão assíria se processava sobre Israel e tomava também Judá (pois era questão de tempo), os sucessores de Acaz procuraram auxílio se aliando com a 2ª potência mais próxima, o Egito. Oséias já havia alertado sobre isso, afirmando que o plano de arrumar outro aliado (o que era geralmente chamado de “prostituir-se”) não seria salvação perante o Senhor. Eis o que escreveu o profeta Oséias, que andava nas terras do reino do norte: 

... fui eu quem ensinou Efraim a andar, tomando-o nos braços; mas eles não perceberam que fui eu quem os curou. ... Acaso não voltarão ao Egito e a Assíria não os dominará porque eles se recusam a arrepender-se? A espada reluzirá em suas cidades, destruirá as trancas de suas portas e dará fim aos seus planos. (Os 11). 

A instrução do Senhor para que se livrassem da opressão era simples: “busquem-me”. Mas isso não era o que os líderes ou os sacerdotes de Judá e Israel faziam: 

Porque eu quero a misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos. (Os 6:6

O sucessor de Tiglat Pileser, Sargão II (721 - 705 a.C.), deixou gravado nas paredes do seu palácio: “Em meu primeiro ano de reinado *** o povo de Samaria *** eu os levei em número de 27290. Escolhi cinquenta carruagens do meu equipamento real. Eu reconstruí a cidade. Eu a fiz maior do que era antes. O povo das terras que conquistei eu os levei para outros lugares. Meu oficial (Tartan) eu lhes coloquei como governador” 

Sargão considerou a conquista de Israel / Efraim uma pequena parte de seus feitos. Os registros históricos sobre essa população deslocada não são muito claros, a partir de então. Segundo o relato de Oséias, tratava-se gente que havia aderido ao culto dos deuses assírios e, dessa forma, talvez tenham sido simplesmente absorvidos por outras populações deslocadas nas terras de Hala e Habor. O livro apócrifo de 2ª Esdras (talvez escrito por Neemias) faz uma referência a esse povo: 

Essas são as 10 tribos, que foram levados prisioneiros de sua própria terra, no tempo de Oséias o rei, que Salmanasar, rei da Assíria, levou cativos, e ele levou-os sobre as águas, e assim chegaram em outra terra. Mas eles tomaram este conselho entre si, que deixariam a multidão das nações, e iriam adiante para um país ainda além, onde a humanidade nunca habitou; que eles poderiam manter lá os seus estatutos, que eles nunca mantiveram em sua própria terra. E entraram no Eufrates pelos lugares estreitos do rio, e o Altíssimo fez sinais para eles, e realizou ainda a inundação, até que eles passassem. Por meio desse país houve um grande caminho a percorrer , de um ano e meio, e a mesma região é chamada Arsareth. Então eles habitaram ali até os últimos tempo, e agora quando eles começam a vir, o Altíssimo deve manter as nascentes do córrego novamente, para que possam passar, por isso viste a multidão em paz. Mas aqueles que foram deixados para trás do teu povo são os que se encontram dentro das minhas fronteiras. Agora que Ele destruiu a multidão das nações que estão reunidas, ele deverá defender seu povo que restou.E então ele vai declarar-lhes grandes maravilhas. (2 Esdras 30.40-50

No séc.19, o historiador George Rawlinson traduziu a pedra de Behistum, uma placa gravada nos tempos do império assírio, onde ele identificou referências ao povo Gimirri (ou cimérios) como evidentes de sua chegada extremo ao norte da Assíria e Média no séc. 8 a.C. Ainda, o historiador encontrou semelhanças notáveis entre as inscrições dos cimérios e as de Beth-Khumree, na Samaria. No entanto, os cimérios lutaram contra Sargão em 705 d.C. e foram mesmo responsáveis por sua morte, o que é pouco provável de se esperar de um povo estrangeiro fixado pelo rei numa terra desconhecida deles. 

Alguns historiadores acreditam numa versão bem menos dramática da invasão. Segundo eles, os assírios teriam dificuldade em realocar tantas pessoas e, se tivessem feito isso, certamente teriam registrado detalhes do processo. Apenas uma parte da população de Israel (que devia chegar perto de 200 000 pessoas) teria removida e então alocada em cidades assírias onde mantiveram seus costumes (condenáveis, segundo Oséias) pelos séculos seguintes. A maior parte dos israelenses teria fugido para Judá durante a invasão. Esses historiadores argumentam que as “tribos perdidas” dos escritos rabínicos posteriores provavelmente são uma referência à morte dos líderes tribais (o que é provável, considerando o ataque assírio) e tomada de suas terras ancestrais. Junto com as terras, em poucos anos desapareceu a linhagem de Omri, Acabe, Jeú, até Peca, que haviam introduzido os cultos a Baal e os deuses assírios. O último rei israelense curiosamente foi Oséias, que morreu em 721 a.C., apenas 14 anos depois do início dos conflitos. 

De fato, Judá aumentou rapidamente seu número de habitantes nessa época (mesmo os homens sendo levados para ser soldados no exército assírio) e precisou urgentemente da construção de novas fontes públicas de água, o que aconteceu durante o reinado de Ezequias (739-686 a.C.), filho de Acaz, que ampliou enormemente a antiga fonte de Siloé, tornando-a uma grande piscina pública. Ao que perece, após seguir a subordinação de seu pai por um tempo, Ezequias agiu com sabedoria perante o mal que Acaz havia feito, e foi não apenas poupado, mas protegido pelo Senhor dos ataques assírios. Ele de fato foi recordado como um dos grandes reis de Judá... Bastava que voltasse o amor a Deus e aos irmãos! 

Ezequias, porém, se humilhou pela exaltação do seu coração, ele e os habitantes de Jerusalém; e a grande ira do SENHOR não veio sobre eles, nos dias de Ezequias. E teve Ezequias riquezas e glória em grande abundância; proveu-se de tesouraria para prata, ouro, pedras preciosas, especiarias, escudos, e toda a espécie de objetos desejáveis. Também de armazéns para a colheita do trigo, e do vinho, e do azeite; e de estrebarias para toda a espécie de animais e de currais para os rebanhos. Edificou também cidades, e possuiu ovelhas e vacas em abundância; porque Deus lhe tinha dado muitíssimas possessões. Também o mesmo Ezequias tapou o manancial superior das águas de Giom, e as fez correr por baixo para o ocidente da cidade de Davi [para a piscina de Siloé, através de um longo túnel]; porque Ezequias prosperou em todas as suas obras. (2Cr 32.26-30)

segunda-feira, 25 de junho de 2012

O antigo Cristo


Conta uma antiga lenda nativa que, muito tempo atrás, numa terra remota do Novo Mundo, um autor chamado Caio Fábio escreveu essa revelação, vinda supostamente do Mundo das Idéias. ESTAMOS TRANSCREVENDO abaixo uma tradução dos hieróglifos hindu-arábicos no dialeto luso-brasílico.

Quando Jesus disse: “Abraão viu os meus dias e regozijou-se” (Jo 8.56) - o que imediatamente se pensa é em uma visão de natureza profética, completamente subjetiva, dada a Abraão. Já quando Jesus diz: “Antes que Abraão existisse, eu sou” (Jo 8.58) - se imagina apenas a afirmação da pré-existência divina de Jesus em relação a Abraão. Ficamos, todavia, em razão das amarras teológicas sem mística e sem a simplicidade apresentada na Bíblia, impossibilitados de simplesmente aceitarmos o que sobejamente se diz nas Escrituras; ou seja: que nelas não apenas há o que a respeito de Jesus constava como profecia, mas, também, como manifestação do Cristo anterior ao Jesus da História; o qual, fartamente, se manifestou aos homens; e que, no ambiente das Escrituras bíblicas do chamado Velho Testamento, faz inúmeras inserções soberanas de Si mesmo antes da Encarnação de Deus em Jesus.

Várias em que aparece o Anjo do Senhor¹ - esse ente Santo, supra-angelical, que evoca para Si mesmo prerrogativas divinas e que aceita adoração humana - se está falando do Cristo antes de Jesus. Ora, esse Anjo do Senhor pervade as páginas das narrativas bíblicas sem pudor ou salvo resguardo algum. Na existência histórica de Abraão, por exemplo, Ele aparece sem pedir salvo conduto. Simplesmente chega, é visto, é adorado, é tratado como Deus; e como Deus/Senhor fala sem qualquer reserva. No restante da história de Israel o mesmo acontece em diversas ocasiões, embora não seja meu objetivo discorrer sobre tais ocasiões aqui. O que me interessa, no entanto, é esse Cristo antes de Jesus na História humana.

A teologia mais crente vai bem até aí em relação ao que estou afirmando, mas impõe limites; e, os tais limites são o pacto de Deus com Israel; ou seja: Cristo teria se manifestado antes de Jesus, mas apenas na História de Israel; sendo Israel, portanto, uma fronteira para Deus em Cristo antes de Jesus.

Eu, todavia, como creio na Liberdade Absoluta de Deus, e não o vejo preso nem a Israel e nem a Abraão; posto que aquele Melquizedeque, sacerdote do Deus Altíssimo, que aparece do nada a Abraão, e que é interpretado pelo escritor dos salmos e do da carta aos Hebreus como sendo claramente uma figura Crística², não aparenta carregar umbilicalidades de nenhuma natureza com Abraão ou com qualquer outro.

Na realidade o Anjo do Senhor, o Cristo antes de Jesus, sempre se manifestou aos humanos; de tal modo que nem mesmo no mundo inteiro - como diria João - caberiam as narrativas de tais acontecimentos.

De fato, o amor de Deus pelo mundo não tem nenhuma fronteira em Israel; não teve nem mesmo nos dias do Jesus Histórico; e, portanto, não teria no Cristo antes de Jesus. Este mundo de humanos tem sido objeto da revelação do Cristo Eterno desde sempre; e nunca deixou e nem jamais deixará de ser. Jesus é a manifestação encarnada Dele entre nós; é o testemunho explícito Dele a ser dado a todos os homens; mas não é o limite da Sua manifestação livre; afinal trata-se do Cristo antes de Jesus; mas Jesus é o Cristo; sendo por isto Jesus Cristo; não uma emanação budista de um dos Budas; mas o único Cristo de Deus, o único Cordeiro de Deus; o mesmo que também foi imolado antes de haver História; ou, como afirmam as Escrituras, antes dos tempos eternos, ou antes da fundação do mundo; ou, como diz Miquéias: “desde os dias da eternidade” (Mq 5.2).

Sua única manifestação Crística encarnada, todavia - com nascimento, morte e ressurreição - aconteceu em Jesus, e em Jesus somente.

Porém, Sua manifestação na História é aquela que nunca faltou em nenhuma fase da História Humana. Ele não é apenas “o Cristo de todos os caminhos”, mas também o Cristo de todos os tempos. O que na Bíblia se chama de “Ordem de Melquisedeque”, é apenas uma designação para determinar o Cristo livre de toda circunstância humana, racial, étnica, histórica, social ou religiosa - além de claramente reconhecer Suas revelações graciosas, soberanas e salvadoras.

Abraão viu os Seus dias e regozijou-se!... E pergunto: E quantos mais também não o viram ou o têm visto e se regozijado? Ele é o Senhor, o Salvador e o Deus de toda Criação; e é triste que a Religião pretenda Dele fazer um deus seitificado, religiogizado, não apenas manifestado na História, mas preso aos acontecimentos da cronologia de dois mil anos atrás; em cuja ocasião Ele se deu a conhecer na linearidade do tempo/espaço, como a revelação do mistério antes a nós oculto; mas já agora revelado de modo não sequencial a muitos, se não, a todas as formas de criatura e criação.

Esse Anjo/Cristo/Deus que se encarnou em Jesus, é o Deus de todos, mesmo antes do menino Jesus torná-Lo um fenômeno de fraqueza em morte no tempo/espaço. Em Jesus o Cristo entra na História da mortalidade e dos limites absolutos; na História da Tentação; na História da Morte; na História da Ressurreição; na História da Humilhação e da Glória como vitória sobre a dor, a fraqueza, o sofrimento experiencial e o andar em carne de mortalidade. Ele, porém, nunca negou Quem fosse; e disse aos que tinham em Abraão a suprema referencia do seu parentesco com Deus em fé: “Antes que Abraão existisse, Eu Sou!” (Jo 8.58).

Nele, que é de fato Deus e Senhor de tudo e de todos,

Caio Fábio

* Nesse texto, Caio Fábio defende um Cristo se manifestando largamente pela história, de forma diferente do Jesus encarnado, na verdade ocupando o lugar dos anjos sem nome que aparecem por toda a Bíblia. Alguns estudiosos apontam que muitos anjos refereidos nas várias culturas seriam, em verdade, representações de antigos deuses (ex. deus da cura, deus do sol, etc) agora em forma submissa ao Senhor dos hebreus.

A Bíblia oferece, é verdade, muito menos detalhes dos seres chamados de anjos do que outras referências, como as encontradas no judaísmo. Em alguma ocasiões, tais anjos aceitam sacrifício e se auto-denominam como o Senhor, a exemplo do homem que combateu Jacó no vau do Jaboque (Gn 32) e a sarça ardente que Moisés encontrou, de maneira que muitos estudiosos apontam aí uma manifestação legítima do próprio Deus, que proíbe Ele mesmo o culto a qualquer outro ser. Em outras ocasiões, os anjos comem e conversam como homens, ou voam e passam misteriosamente espalhando destruição, sem darem maiores evidências de serem ou não uma manifestação de Deus.

Embora Caio Fábio assuma toda manifestação de seres celestiais como o próprio Cristo, é um anjo que anuncia o nascimento deste, e que anuncia também sua ressurreição, colocando em questão se Cristo estaria simultaneamente em vários locais. Atitudes como cegar pessoas ou exterminar um exército também não parecem do feitio de Jesus, de forma que é preciso grande cuidado antes de assumir que toda manifestação celestial se trate do próprio Cristo.

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¹ No poço falando a Sara, grávida de Ismael (Gn 16); na montanha, impedindo Abraão de sacrificar Isaque (Gn 22); na sarça ardente, falando a Moisés (Ex 3); no caminho do profeta Balaão até Moabe, para o matar (Nm 22); em Boquim, repreendendo o povo israelita pela sua aliança com os povos da palestina (Jz 2); amaldiçoando a cidade de Meroz (norte da Galiléia) porque seus habitantes não foram em auxílio dos israelitas (Jz 5); debaixo do carvalho em Ofra, falando a Gideão (Jz 6); no campo, profetizando aos pais de Sansão (Jz 13); junto à fazenda de Araúna, o jebuseu de quem Davi comprou as terras para levantar um altar (2Sm 24); debaixo do zimbro, no deserto perto do monte Horebe, falando a Elias (1Rs 19); contando a Elias sobre a morte do rei Acazias, de Samaria (2Rs 1); matando os soldados de Senaqueribe, rei da Assíria, quando se preparavam para atacar Judá (2Rs 19), na mesma passagem citada em 2Cr 32 e Is 37; junto à eira de Ornã (ou Araúna), pronto a destruir sua família, após o censo que Davi pediu (1Cr 21); montado em um cavalo vermelho, entre as murtas de um desfiladeiro, na visão de Zacarias (Zc 1); aparecendo a José, durante um sonho, para lhe contar do nascimento de Jesus (Mt 1) e depois, no Egito, para dizer que voltassem ele, Jesus e Maria à Galiléia (Mt 2); sentado sobre a pedra que selava o túmulo de Jesus, depois que Ele ressuscitou (Mt 28); no Templo, junto ao profeta Zacarias, para lhe anunciar o nascimento de João (batista) (Lc 1); junto a 3 pastores no deserto, para lhes anunciar o nascimento de Jesus (Lc 2); libertando os apóstolos da prisão, onde os saduceus os mandaram trancar (Atos 5); mandando Filipe ao encontro do eunuco etíope (Atos 8); libertando Pedro na prisão (Atos 12) e depois matando Herodes, por querer a glória de Deus. As aparições eminentemente em forma humana estão em negrito.

² Melquisedeque é apontado em Gênesis 14 como sacerdote do Deus Altíssimo e rei de Salém, mas recebe o dízimo de Abraão, patriarca dos hebreus. Alguns teólogos apontam nisso que Abraão reconheceu nele uma figura superior, o próprio Cristo. Essa visão é compartilhada por Paulo e o autor de Hebreus.