Cerco da cidade of Acre - 1291, pintura de Dominique Papety (1815–1849). Embora as Cruzadas até hoje vigorem como maior empreendimento da Igreja, seu propósito e desenrolar não se amostram de forma alguma nos ensinamentos de Jesus.
Texto adaptado de David L. Perry, 'Ética ao meio-dia', ciclo de palestras realizadas na Universidade de Santa Clara em 25 de setembro de 2001. Perry foi professor de Estudos Religiosos e diretor do Programa de Ética no Centro Markkula de Ética Aplicada, Universidade de Santa Clara.
Provérbios 6
"Seis Coisas há que o Senhor odeia e uma sétima que lhe é abominação: olhos altivos; língua mentirosa; mãos que derramam sangue inocente; um coração que maquina projetos perversos; pés pressurosos em correr ao mal; um falso testemunho que profere mentiras e aquele que semeia discórdias entre irmãos".
Cristãos, Judeus e Muçulmanos compartilham a crença em um Deus compassivo e justo. Suas comunidades geralmente homenageiam pessoas que exemplificam a bondade e o compromisso corajoso com a justiça, ambas características de seu Deus. Por isso, a grande maioria dos Muçulmanos, como seus colegas Judeus e Cristãos, fica horrorizada e enojada com o terrorismo.
TEMPOS TENEBROSOS
Apesar dos nobres ideais, o passado das 3 religiões, conta histórias terríveis que frequentemente são motivo de repulsa pelos ateus, outros grupos religiosos não raro entre eles.
Os Judeus supostamente aniquilaram, sob o comando de Deus, os povos Cananeus (ex. Moabitas, Amonitas, etc) entre os sécs. 14 e 10 a.C.¹ Os livros de Êxodo e Josué, imortalizados na Bíblia e na Tanakh, tratam justamente sobre isso - Deus, desgostoso com os povos Cananeus, deu sua terra aos Hebreus que estavam saindo de um período de escravidão no Egito. Para ocupar o vale fértil ao redor do rio Jordão, que já tinha moradores, os Hebreus 'passaram ao fio da espada' homens, mulheres, crianças e até o gado do território ao redor do Mar Morto e a margem oeste do rio, até as terras a leste do grande Lago da Galiléia.
Os Cristãos foram bastante perseguidos por apresentarem um deus novo² entre os sécs. 1 e 3. Lá pelo séc. 4 eles aliaram-se a Roma e passaram a justificar, pelo comando da Igreja, os empreendimentos militares Romanos. No final do séc. 11, isso chegou a sua apoteose com os assaltos ao Oriente Médio, para reconquistar a Terra Santa. O então papa Urbano II, num discurso famoso no Concílio de Clermont-Ferrand, no centro da Franca, convocou os reis Cristãos a recuperar as terras da Antiga Igreja no Oriente Médio. Ele supostamente declarou também que as terras Muçulmanas eram 'TERRA NULLIUS', sem dono, e por isso podiam ser reclamadas por qualquer rei Cristão que as tomasse. Como consequência disso, as expedições ao Oriente Médio não fizeram menos que banhar em sangue os cavaleiros medievais.
Os relatos do estudioso Ali Ibn al-Athîr no lado Muçulmano e os padres Albert de Aix-la-Chapelle (relatos dos cavaleiros), Ralph de Caen e Fulcher de Chartres (participantes da 1ª Cruzada), nos lados Normando e Francês, nos contam que nalgumas batalhas os vencidos foram mortos até o último deles, homens, mulheres e crianças, a ponto de haver sangue nas ruas até os tornozelos, além de eventualmente serem empalados ou até assados vivos e comidos pelos cavaleiros. Para quem pensar em homens agindo pela barbárie, independente da fé, todas essas investidas foram acompanhadas, abençoadas e depois relatadas por padres juntos dos exércitos.
Os Islâmicos não foram menos agressivos durante a sua expansão, a partir de Medina. As batalhas de Badr (624 d.C.) e das Trincheiras (627 d.C.) terminaram com a decapitação de todos os dissidentes do Profeta. Outro exemplo foi a batalha de al-Qadisiyah, travada uns 5 anos depois, entre o Califa Umar ibn al-Khattāb (2º Califa, após Muhammad e Abu Bakr) e o Império Persa Sassânida (zoroastrista) pelo controle do que hoje é o Iraque. No séc. 14, o historiador Ibn Battuta referiu que a cidade, outrora grandiosa, havia sido reduzida a uma vila frequentada por mercadores. Na batalha do séc. 7, primeiro o Califa mandou um ultimato ao rei Persa exigindo sua conversão ao Islã (dado sua inferioridade de força) e chamando os Persas de adoradores do fogo. Esse ultimato foi respondido com a afirmação de que o fogo representava aos Persas o que havia de mais positivo em seu deus Ahura Mazda, que os Árabes haviam sido pobres e selvagens no passado. Depois disso, já em negociações de guerra, o general Persa ofereceu provisões ao general Islâmico, dizendo saber que eram pobres. A oferta foi recusada, al-Qadisiyah tomada, grande parte da população trucidada, outra parte convertida à força, e outros ainda foram banidos para oeste, se fixando no centro do deserto Iraniano, onde hoje está a província de Yetz, ou seguindo até Bombay, na Índia. Considerando as metodologias dos Islâmicos, seria justo dizer que foram menos violentos que os Cristãos que os sucederiam, séculos mais tarde.
AS VIOLÊNCIAS MODERNAS
Hoje, investidas violentas em nome do Judaísmo são raríssimas (as investidas existem, porém com declarada motivação política). Em nome dessa política, a atividade militar em Israel parece às vezes recuperar a agressividade da Guerra Fria, incluindo a manipulação por governos estrangeiros.
As violências do Cristianismo geralmente são disfarçadas. Estão principalmente restritas às zonas mais tradicionais e menos desenvolvidas do oeste Africano; como sempre, de forma aliada a empreendimentos militares de Estados não tão simpáticos à própria população. Isso sem contar o financiamento de exércitos dos EUA pelas principais igrejas, além de certos regimes populistas ao redor do mundo.
As investidas do Islã, embora manifestando publicamente suas pretensões teológicas - das quais os piores exemplos são Boko Haram e Estado Islâmico - não costumam ser sansionadas pela Comunidade Islâmica internacional. Por outro lado, os países onde esses grupos transitam também não fazem muito para contê-los.
A VISÃO POPULAR DA BARBÁRIE
Por que, então, alguns membros de comunidades religiosas professando um deus de amor, justiça e caridade acreditam que é sua obrigação moral empreender guerras, aniquilar inocentes em nome de Deus? Que aspectos de suas escrituras e tradições tendem a apoiar a violência contra "infiéis"? Que princípios éticos - religiosos e não religiosos - podemos afirmar em resposta a às idéias e atrocidades que elas às vezes geram?
A religião claramente não é o único, nem o principal catalisador da violência indiscriminada. Por exemplo, apenas alguns dias antes dos ataques de 11/09/2001 nos EUA, um jovem da região de Sacramento matou toda a família e entrou para a lista dos mais procurados pelo FBI. Exércitos não costumam ser liderados por profetas, mas por líderes políticos. Esses líderes e seus seguidores parecem capazes de todo tipo de lógica que justifique matar, sem recorrer à vontade de Deus, exceto para estampar bandeiras e discursos. E algumas das atrocidades mais terríveis da história estão enraizadas não na religião em si, mas no ódio racial ou de classe. Pode até haver uma tendência em nossa espécie, como em nossos parentes chimpanzés, de atacar e matar só porque alguém "não é um de nós". (Wrangham e Peterson)
Mas a violência religiosa pode assumir um caráter particularmente intenso e cruel, se os objetos dessa violência são vistos como blasfemando ou insultando a Deus. Às vezes, fazendo isso por simplesmente levarem suas vidas como sempre fizeram. O problema da guerra santa no Judaísmo, Cristianismo ou Islamismo é que eliminar os "diferentes" está profundamente enraizado em suas tradições e história, mesmo que não esteja nas suas sagradas escrituras. As mesmas tradições religiosas que afirmam que Deus é compassivo, misericordioso e justo também retratam como heróis os líderes do passado que massacraram povos em nome de sua fé. Precisamos encarar essas propagandas de frente e questionar a justificativa moral da guerra santa.
A BÍBLIA FALANDO DE GUERRA
Um dos mandamentos mosaicos proíbe o assassinato (Êxodo 20.13). Por que o assassinato está errado, além do óbvio conflito com o amor ao próximo?
Levítico 19
17. Não odiarás o teu irmão no teu coração. Repreenderás o teu próximo para que não incorras em pecado por sua causa.18. Não te vingarás; não guardarás rancor contra os filhos de teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor.
Essencialmente, porque as pessoas são feitas à imagem de Deus (Gênesis 1.26-27, 9.6). Pode-se inferir dessa ideia que nenhuma matança de pessoas seria permitida, um dever absoluto de não matar pessoas. Mas não foi isso que os antigos Hebreus concluíram. Muitas ofensas estavam sujeitas à pena de morte (veja exemplos em Êxodo 21-22). Portanto, talvez possamos interpretar a idéia da imagem de Deus como um direito básico de as pessoas não serem mortas. Mas podemos prendê-las se cometerem um crime suficientemente grave. Isso também seria consistente ao punir apenas os culpados de crimes (Deuteronômio 24.16) e limitar o uso de força mortal à defesa de pessoas inocentes ou de si mesmo. Provavelmente, é isso que a maioria dos Judeus e Cristãos afirma hoje.
Mas punições coletivas e guerra também foram ordenadas ou aprovadas na Bíblia Hebraica, especialmente em casos de idolatria. O primeiro dos mandamentos mosaicos proibiu os israelitas de adorar outros deuses além do Senhor. Deus exigiu pureza e estrita obediência, e a idolatria e a blasfêmia foram punidas com a morte (Êxodo 20.3, 5). Os não-israelitas que viviam na área de Canaã foram vistos como uma grande tentação para eles abandonarem sua fé, e justificou o massacre de comunidades inteiras (Deuteronômio 20.10-18).
Suas guerras santas eventualmente inspiraram guerras semelhantes muitos séculos depois por Cristãos que admiravam os guerreiros do AT como Josué: "[o exército de Josué matou todos em Jericó], homens e mulheres, jovens e velhos, bois, ovelhas e burros ... Josué derrotou toda a terra ... ele não deixou ninguém remanescente, mas destruiu completamente tudo o que respirava, como o SENHOR Deus de Israel havia ordenado". (Josué 6.21 e 10.40)
A DUALIDADE GUERRA-PAZ NO ALCORÃO
Na tradição islâmica, há uma mistura semelhante de valores que restringem a guerra, juntamente com outros que a promovem. O Alcorão se refere repetidamente a Deus como compassivo e justo. Também diz que "não há compulsão na religião" (2.256): a submissão a Deus deve ser livremente escolhida, não forçada. O Alcorão pede aos Muçulmanos que usem a "bela pregação" para persuadir as pessoas a aceitar o Islã e que "argumente 'bem" com Judeus e Cristãos, que são vistos como adorando o mesmo Deus.
16.125 Convoca [os homens] à senda do teu Senhor com sabedoria e uma bela exortação; dialoga com eles de maneira benevolente, porque teu Senhor é o mais conhecedor de quem se desvia da Sua senda, assim como é o mais conhecedor dos encaminhados.
29.46 E não disputeis com os adeptos do Livro, senão da melhor forma, exceto com os iníquos, dentre eles. Dizei-lhes: Cremos no que nos foi revelado, assim como no que vos foi revelado antes; nosso Deus e o vosso são Um e a Ele no vis submetemos.
Esta é provavelmente a atitude da maioria dos Muçulmanos hoje. As comunidades Judaica e Cristã têm sido frequentemente toleradas e protegidas pelo domínio Muçulmano.
Diz-se que Muhammad praticou a não-violência no início de sua carreira profética, mas logo passou a acreditar que Deus ordenava o uso da força, não apenas em defesa de sua crescente comunidade religiosa, mas também na forma de Jihad ofensiva para expandir o território do Islã. (Kelsay; Firestone)
22.39 Ele permitiu (o combate) aos que foram atacados; em verdade, Deus é Poderoso para socorrê-los. 40 São aqueles que foram expulsos injustamente dos seus lares, só porque disseram: Nosso Senhor é Deus! E se Deus não tivesse refreado os instintos malignos de uns em relação aos outros, teriam sido destruídos mosteiros, igrejas, sinagogas e mesquitas, onde o nome de Deus é freqüentemente celebrado. Sabei que Deus secundará quem O secundar, em Sua causa, porque é Forte, Poderosíssimo.
A palavra Jihad, a propósito, significa luta ou esforço. A Jihad pode se referir à luta do Muçulmano individual para conformar sua vontade à de Allah, ou a um esforço pacífico para convencer os outros a aceitar o Islã. Mas a Jihad também pode significar guerra santa. De fato, há um sentido em que a única guerra completamente justa em termos Islâmicos é uma guerra santa, uma vez que precisa ser aprovada pelas autoridades religiosas apropriadas e travada para defender ou promover o Islã ou a comunidade muçulmana. (Kelsay; Johnson)
Apesar da declaração do Alcorão contra forçar a religião de outras pessoas, os líderes Muçulmanos às vezes ameaçam matar os incrédulos se não aceitarem o Islã (Peters). Embora o Islã tenha se espalhado para algumas partes do mundo como a Indonésia principalmente por meio de "belas pregações", boa parte de sua expansão em outros lugares se deveu a guerras ofensivas, primeiro por Muhammad para unificar a Arábia, depois por seus seguidores na conquista da Palestina, Síria, Iraque, Pérsia, partes da Índia, norte da África, Espanha, Turquia e Balcãs.
Muhammad e seus sucessores expressaram algumas regras morais importantes para as guerras santas: mulheres, crianças e idosos não deveriam ser atacados diretamente (embora pudessem ser escravizados). A Jihad não deveria ser uma guerra envolvendo assassinatos.
Mas líderes Muçulmanos foram autorizados a matar todos os soldados capturados e civis do sexo masculino, se não fossem Muçulmanos ou tivessem abandonado o Islã. O fato de você ser um civil ou um soldado que se rendeu não necessariamente o protegeria de ser morto após o término de uma batalha. Assim, o Islã tradicionalmente não possuía um princípio genérico de imunidade aos não combatentes. Hoje, entretanto, muitos líderes muçulmanos defendem esse princípio. (Kelsay; Johnson)
Certamente, os Muçulmanos são tão propensos quanto Cristãos e Judeus a ver em suas escrituras sagradas apenas o que desejam, ignorando outras passagens que contradizem suas crenças preconcebidas. Alguém deduzindo um mandato de guerra a partir do ayat 9.5, "Mate os idólatras onde quer que os encontre", só poderia fazê-lo ignorando o contexto histórico específico dessa passagem.
9.1 Sabei que há imunidade, por parte de Deus e do Seu Mensageiro, em relação àqueles com quem pactuastes, dentre os idólatras. 2 Percorrei (ó idólatras) a terra, durante quatro meses, e sabereis que não podem frustrar a Deus, porque Ele aviltará os incrédulos. 3 E eis aqui a advertência de Deus e de Seu Mensageiro aos homens, para o dia da grande peregrinação: Deus e seu Mensageiro não são responsáveis pelos idólatras. Se vos arrependerdes, será melhor para vós; porém, se vos recusardes, sabei que não podereis frustrar Deus! Notifica, pois, aos incrédulos, que sofrerão um doloroso castigo. 4 Cumpre o ajuste com os idólatras, com quem tenhais tratados, e que não vos tenham atraiçoado e nem tenham colocado ninguém contra vós; cumpre o tratado até à sua expiração. Sabei que Deus estima os tementes. 5 Mas quando os meses sagrados do pacto houverem transcorrido, matai os idólatras, onde quer que os acheis; capturai-os, acossai-os e espreitai-os. Caso se arrependam, observem a oração e paguem o zakat, abri-lhes o caminho. Sabei que Deus é Indulgente, Misericordiosíssimo.
Versículos em outros lugares exigem usos defensivos e limitados da força, como no ayat 2.190: "Combatei pela causa de Deus aqueles que vos combatem; porém, não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os agressores".
PACIFISMO JUDAICO-CRISTÃO
Voltando ao Cristianismo, sua história inicial foi caracterizada por uma forma bastante estrita de pacifismo, reunindo Judeus e Gregos, soldados, cobradores de impostos, etc. Essa abordagem deu lugar lentamente a uma aceitação da violência em defesa dos inocentes, entre os sécs. 4 e 8. E, infelizmente, alguns líderes cristãos acabaram advogando a força contra hereges e infiéis, e até guerra no interesse de defender e expandir a fé, diga-se bem, as terras de reis Cristãos, nos sécs. 10 a 16. (Bainton)
Apesar do teor amoroso e pacífico de seus ensinamentos e do exemplo geral, mesmo Jesus demonstrou raiva na ocasião em que confrontou os comerciantes no Templo (João 2. 13-16). O Rabi também mostrou seu parentesco com João Batista ao destilar palavras duras contra Saduceus e Fariseus, as quais Ele não chegou usar contra possessos por demônios.
Não há sinal de que Jesus repelisse militares; mas nenhum deles, até onde se sabe, o acompanhava de fato. Essa mesma não-repulsa aos militares aparece entre Pedro e Paulo.
Paulo, em Romanos 13, declarou: "Toda pessoa fique sujeita às autoridades governantes. Pois não há autoridade exceto de Deus, e as que existem foram instituídas por Deus". Este texto foi citado por muitos Cristãos posteriores como justificativa divina para a força militar. A situação ficou entretanto complexa para os Cristãos, quando a tarefa dada por Jesus era 'ide e pregai' mas as autoridades Romanas insistiram em proibir isso. E ficou especialmente fora de contexto quando as autoridades usavam exércitos Cristãos para matar, conquistar e destruir.
Jesus estabeleceu padrões éticos muito altos para seus seguidores, incluindo uma disposição ilimitada de perdoar más ações, não retaliação contra o mal e amor aos inimigos (Mateus 5). Três dos evangelhos dizem que Ele repreendeu Pedro por usar uma espada para defendê-lo, quando foi preso. Muitos de seus primeiros seguidores parecem ter interpretado as ordens de Jesus de proibir todos os usos da força pelos Cristãos, mesmo em defesa dos inocentes.
Paulo ecoou a mensagem de não-violência de Jesus em sua carta aos Romanos, cap. 12: "Não retribuis a ninguém o mal pelo mal ... nunca se vinguem". Mais de 1 século depois, Tertulliano argumentou que ocupar cargos públicos e ser soldado exigiria inevitavelmente ações proibidas aos Cistãos; em sua opinião, "é mais permitido ao Cristão ser morto do que matar". Hipólito também pensava que os Cristãos não deveriam se juntar ao exército; mas se eles já estavam no exército, eles deveriam desobedecer às ordens de matar.
A NOVA ONDA DO CRISTIANISMO
Embora alguns Cristãos tenham servido como soldados romanos durante o início da história da Igreja, ocorreu uma mudança muito significativa no pensamento Cristão sobre a guerra no séc. 4, quando o imperador Constantino começou a usar o Estado Romano para apoiar a Igreja. Segundo o bispo Eusébio de Cesaréia (265-339 d.C.), o pacifismo Cristão deveria ser estritamente para clérigos, monges e freiras; os Cristãos leigos poderiam se obrigados a defender o Império pela força. (Bainton; Swift)
Ambrósio de Milão (340-397 d.C.), outro bispo importante da época, sustentou que os Cristãos não poderiam usar a força em legítima defesa pessoal. Mas ele também achava que o amor Cristão implicava o dever de usar a força para defender terceiros inocentes - de fato, um Cristão que se recusasse a impedir ferimentos a outra pessoa seria tão ruim quanto aquele que o infligia. Ambrósio mudou o foco da preocupação moral Cristã do ato de violência para a atitude do agente: os soldados Cristãos deveriam amar seus inimigos, mesmo quando os repelissem com força mortal! Com efeito, Ambrósio "batizou" as virtudes militares romanas para fins Cristãos: 'arriscar a vida para defender o Império' tornou-se corajoso, justo e nobre para os Cristãos. (Ibidem)
Mas ele e seu famoso aluno Santo Agostinho (354-430 d.C.) também acreditavam que deveria haver limites morais à guerra. Mesmo nos casos em que Agostinho considerava a guerra o menor dos males, ele considerava a morte como trágica, exigindo sempre uma atitude de luto e arrependimento por parte dos Cristãos. Em parte devido à sua influência, durante a maior parte do período medieval, matar na guerra foi considerado um pecado muito sério. Se um soldado Cristão matasse um soldado inimigo, mesmo em uma guerra considerada justa, o soldado Cristão teria que fazer penitência pelo assassinato, geralmente em jejum e oração por um ano ou mais. (Verkamp)
A partir do século 8, já com a antiga Roma suplementada pela nova capital Constantinopla e os reinos do Oeste sendo unificados pela Igreja pós-Carlos Magno, ocorreu outra importante evolução do pensamento Cristão. Matar os incrédulos foi declarado pelos papas Leão IV e João VIII como espiritualmente benéfico para os soldados Cristãos: seus pecados poderiam ser apagados se eles matassem em defesa da Igreja. No ano de 1095, o Papa Urbano II lançou a Primeira Cruzada, solicitando os líderes europeus a resgatar as terras sagradas Cristãs de seus ocupantes não-cristãos. Ele se referiu aos Muçulmanos que controlavam a Palestina como uma "nação impura" que poluiu os lugares sagrados Cristãos. Matar Muçulmanos tornou-se uma forma de penitência para os Cristãos, pela remissão de seus pecados!
As regras morais que governavam a conduta da guerra foram abandonadas e táticas ilimitadas foram permitidas em nome da fé. Em nome daquele Galileu pacifista! Ninguém estava imune ao ataque de cruzados Cristãos; cidades inteiras foram massacradas.(Halsall)
SOBRE A ÉTICA DE BATALHAS
Tragicamente, alguns defensores da guerra religiosa ainda podem ser encontrados no Judaísmo, no Cristianismo e no Islamismo. O que eles não podem legitimamente reivindicar, porém, é que sua posição é a expressão autêntica de sua fé. Toda tradição religiosa importante contém princípios éticos incompatíveis com a guerra.
Pessoas de todas as religiões podem concordar, espero, que civis inocentes nunca devem ser diretamente alvejados; que armas e táticas nunca devem ser usadas de maneira a produzir grandes baixas civis; que soldados capturados não devem ser torturados ou executados, mas tratados humanamente. Espero também que, em nossa atual crise, possamos resistir à tentação de desculpar o assassinato "indireto" de pessoas como "dano colateral" de uma "necessidade militar ".
Explicitamente no campo religioso, um passo necessário para alcançar um consenso sobre essas coisas é o reconhecimento e o repúdio de valores às vezes enraizados nas escrituras e tradições religiosas. Muitas delas foram forjadas num ambiente de guerra, em que o diferente era tratado como ameaça e fazer isso seria aprovado pela sua versão particular de Deus. Essa versão espelharia a luta humana, girando conta as versões de outros.
Das principais religiões no mundo, a mais antiga e mais escriturada desses valores é o Judaísmo. Eles tiveram tempo suficiente para abandonar tais práticas. Absorver os textos antigos de uma época de barbárie e trazer a barbárie extinta de volta, pretendendo com isso agradar a Deus, não parece sensato. É como se obrigar a viver de leite materno, sendo adulto, porque Deus te fez assim no início.
Em muitos cultos Cristãos, é uma prática comum alguém ler em voz alta uma passagem da Bíblia e indicar o final da passagem dizendo: "A Palavra do Senhor", após a qual a congregação responde: "Graças a Deus". Imagine que você está sentado em sua congregação respeitosa, ouvindo as seguintes leituras:
"Cantarei louvores ao teu nome, ó Altíssimo. ... Com efeito, perseguistes as nações, destruístes o ímpio; apagastes, para sempre, o seu nome. Meus inimigos pereceram, consumou-se sua ruína eterna; demolistes suas cidades, sua própria lembrança se acabou. ... O Senhor é rei eterno, as nações pagãs desaparecerão de seu domínio" (Salmo 9)
"O rei confiou no Senhor, que não será abalado. Que tua mão, ó rei, apanhe teus inimigos, atinja os que te odeiam.Tu os tornarás como fornalha ardente, quando apareceres diante deles. Que o Senhor em sua cólera os consuma, e que o fogo os devore. Que faça desaparecer da terra a posteridade deles, e a sua descendência dentre os filhos dos homens". (Salmo 21)
Essas palavras terríveis podem e já foram usadas para inflamar populações a ir para a guerra. Muitas vezes, contra um 'inimigo' que não as estava atacando. Outras:
"Quantas populações de cidades exterminamos por sua iniqüidade, e suplantamos por outras? ...Disseram: 'Ai de nós!' Em verdade, fomos iníquos! E não cessou esta sua lamentação, até que os deixamos inertes, tal qual plantas segadas" (Sura 21)
Nos escritos Judeus e Islâmicos, há situações em que agredir é justificado. Mas essa agressão deve parar com a submissão do agredido. Seja aqui ou lá, entre Judeus, Cristãos ou Muçulmanos, os textos sagrados passaram pela guerra e pela paz, trazem instruções de sabedoria, sobre tolerância e amor, mas também instruções de ódio e destruição. É difícil julgar situações de milênios atrás, se seria melhor isso ou aquilo, porque não sabemos e nunca poderemos saber como seria o mundo transcorrido de outra forma.
Também é complexo juntar tudo - amor, justiça e o comando de matar a todos - num único Deus. Mas sempre é uma escolha dentro de todo o texto sagrado, já íntegro, pegar essa passagem ou aquela. Qual for escolhida fará toda a diferença sobre como o não seguidor do seu Deus vai ver você que O segue, se vai sentir-se querendo abraçar essa idéia ou se vai se proteger. Maior ainda é a responsabilidade de autoridades religiosas que inspiram as atitudes daqueles que os seguem.
Considere a possibilidade de que, havendo ensinamentos de paz e compaixão nas escrituras sagradas, você não blasfema ou insulta Deus ao tomar esses princípios morais e não aqueles. Dizer o que Deus faria ou deseja é bastante presunçoso da parte de qualquer homem e, geralmente, quem o faz tem seus próprios ganhos a partir do sacrifício de outros.
ALGUNS PENSAMENTOS FINAIS
Se pudermos concordar juntos na rejeição da guerra, ainda assim precisamos lutar com algumas perspectivas éticas conflitantes sobre o uso da força.
De acordo com os Evangelhos de Mateus e Lucas, Jesus disse para "dar a outra face" quando atingido, para não resistir ao mal ou retaliar contra ele. Mas é realmente errado usar a força para defender uma pessoa inocente (incluindo você mesmo) contra um agressor injusto e violento? E não é correto prender e aprisionar pessoas que cometem crimes horríveis? Observe que um sistema de justiça criminal quase sempre exige algum grau de força usada para manter a ordem.
Também de acordo com os evangelhos de Mateus e Lucas, Jesus disse para amarmos nossos inimigos, pois amar aos amigos todo mundo consegue. Mahatma Gandhi (Hindu, 1869-1948) e Abdul Ghaffār Khān (Muçulmano, 1890-1988), Martin Luther King Jr. (Cristão, 1929-1968), Chen Alon (Judeu, 1967-) e muitos outros mostraram que é possível converter alguns inimigos em amigos através de respostas não violentas à injustiça. Mas seria possível amar mesmo um inimigo que te ataca?
Eu posso optar por amar ou perdoar meus agressores se eles mostrarem remorso. Talvez eu possa ser moralmente obrigado a fazê-lo. Mas tenho o direito de amar ou perdoar alguém que mata ou estupra outra pessoa? O personagem Ivan, de Fyodor Dostoevsky, no capítulo "Rebelião" de Irmãos Karamazov, conta diversos casos sobre crianças brutalmente torturadas por soldados, por terceiros, pelos próprios pais, e emenda que ele pode entender o castigo aos adultos, que comeram do fruto proibido e conheceram o bem e o mal, tentando ser como deuses. Mas que não poderia aceitar jamais um Deus que castiga crianças despidas até mesmo desse pecado original, que abraçavam seus torturadores.
Em suma, se a compaixão deve moderar nossa fúria e nos impedir de travar guerras, também haverá momentos em que a justiça deve anular a nossa misericórdia?
Pós-escrito: Na discussão pública após o meu discurso, os colegas do corpo docente sugeriram que era necessária uma definição de "amor". Aqui está o que proponho que seja incluído nesse conceito: sentimentos benevolentes em relação a pessoas específicas; um desejo de que eles floresçam, que consigam coisas boas e sejam felizes; empatia pelo sofrimento deles; respeito por sua dignidade, direitos e autonomia racional. Com esse conceito em mente, considere novamente se é possível amar um inimigo e, se sim, se somos moralmente obrigados a fazê-lo.
Fontes citadas:
Abdullah Yusuf Ali, O Significado do Sagrado Alcorão (Amana Publications, 1989).
Roland Bainton, Atitudes Cristãs em relação à Guerra e à Paz (Abingdon Press, 1960).
Reuven Firestone, Jihad: A Origem da Guerra Santa no Islã (Oxford University Press, 1999).
Paul Halsall, coleção de textos da era das Cruzadas, http://www.fordham.edu/halsall/sbook1k.html
James Turner Johnson, A idéia da guerra santa nas tradições ocidentais e islâmicas (Pennsylvania State University Press, 1997).
John Kelsay, Islam and War (Westminster / John Knox Press, 1993).
A Nova Bíblia Anotada de Oxford: Nova Bíblia Inglesa Revisada com os Apócrifos (Oxford University Press, 2001).
Rudolph Peters, Jihad no Islã Clássico e Moderno (Markus Wiener, 1996).
Louis Swift, Os Primeiros Pais na Guerra e no Serviço Militar (Michael Glazier, 1983).
Bernard Verkamp, O tratamento moral dos guerreiros que retornam no início dos tempos medievais e modernos (Universidade de Scranton Press, 1993).
Richard Wrangham e Dale Peterson, Homens Demoníacos: Macacos e as Origens da Violência Humana (Houghton Mifflin, 1996).
Outras leituras recomendadas:
Anthony Coates, A Ética da Guerra (Manchester University Press, 1997).
John Ferguson, Guerra e Paz nas Religiões do Mundo (Oxford University Press, 1977).
Peter Harvey, Uma Introdução à Ética Budista (Cambridge University Press, 2000), cap. 6, "Guerra e Paz".
David Perry, uma lista de sites recomendados sobre ética e guerra,
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LITERATURA DOS DEMÔNIOS PAGÃOS
Abraão em questão, loungecba.blogspot.com, mar/2018.
Battle of al-Qadisiyyah - wikipedia
Jackson AVW, Perdida, past and present, The Zoroastrians of Yezd (Chapter 23), 1906.
Muçulmano assado: uma iguaria das cruzadas, historiaislamica.com
Yucel CK, Worship my true god or die, exmuslimsofnorway.com
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¹ Os rastreamentos genéticos sugerem algo diferente. Aparentemente, os Judeus de hoje são 94% semelhantes com os esqueletos Cananeus anteriores a 1400 a.C. Isso sugere não uma substituição de populações, mas uma mistura delas ou simplesmente a troca de identidade nacional, religião, etc, sem mudar os moradores do local.
² Segundo as próprias escrituras religiosas, o Deus louvado por Judeus, Cristãos e Muçulmanos e único, compartilhando uma mesma hagiografia e, portanto, o mesmo. Nas zonas pacificamente ocupadas por mais de um grupo, as conversões sempre foram comuns. As formas de culto diferentes, no entanto, muitas vezes fizeram com que um grupo matasse os do outro sob o nome de infiéis.
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