sábado, 8 de setembro de 2018

O Cristianismo negro - 3ª parte

À esquerda, uma Igreja Batista em Arkansas, estado do Alabama, em 1935. À direita, o coral da Morgan State University, fundada pela Igreja Episcopal Metodista no estado de Maryland.

Esse é o terceiro de uma série de artigos visando resgatar a importância dos negros na construção do Cristianismo. Aqui, em especial, tratarei do desenvolvimento atual do Cristianismo, a partir da metade do séc. 19 (quando encerrou-se o tráfico negreiro, por aprisionamento dos navios pela marinha inglesa) até a atualidade. Essa história envolve, ainda, 3 cenários: a África, o Brasil e os EUA. Leia nos links abaixo os artigos anteriores nessa mesma temática:

O Cristianismo negro - 2ª parte (sécs 15-19, época do tráfico negreiro)
O Cristianismo negro - 1ª parte (sécs. 1-15, os reinos Cristãos africanos)

ÁFRICA

Distribuição de religiões no continente africano, segundo o Pew Forum on Religion and Public Life, abr/2010. Afro indica as religiões autóctones tradicionais. Repare que, em alguns países, há forte sobreposição de pelo menos 2 religiões.

Benin foi o último reino Yorubá destruído pela marinha inglesa, no final do séc. 19. Como se recusavam a seguir as ordens de cessar a compra de escravos do Malí e as execuções humanas, a marinha arquitetou a tomada completa de sua capital Egbo. Os obás reagiram atacando seguidamente os postos da marinha a partir de 1890, mas 7 anos depois um ataque final arrasou a capital, expulsou  as populações nativas e levou para a Inglaterra todos os seus tesouros.

A cristianização da África havia começado na metade do séc. 19, com a chegada de missionários católicos nas terras Yorubá, enviados pela Coroa Portuguesa e destinados a facilitar o comércio com os europeus. A aliança entre a Igreja Católica e as famílias reais européias se fez extremamente presente na África: em favor dos ganhos com a venda de escravos, a Igreja não apenas tornou a escravidão negra aceitável, como passou a batizar os escravos a serem embarcados nos navios negreiros. Muitas vezes, a cruz do batismo era gravada a ferro quente na pele dos escravos. Tal postura com relação à escravidão só mudou no Concílio Vaticano II, em 1962. Dos países protestantes chegavam negros libertos, resgatados pela marinha inglesa dos navios negreiros; e junto com eles foram para a Sierra Leone na África missionários Anglicanos, Luteranos e Metodistas. Esses negros livres eram chamados de Saros, Amaros (colônias inglesas), Creoles (colônias francesas) ou Agudas (colônias portuguesas). Ao se fixarem próximo a litoral, eles levaram para a África a arquitetura americana, desenvolveram criações de animais, plantações de noz de cola (um fruto rico em cafeína, que se tornou ingrediente de muitas bebidas) e a indústria naval a partir da foz do rio Níger.

O destino dos missionários eram  os povos Bérbere e Etíope ao norte do Saara, e mais ao sul os Malí, Yorubá e Hausa. As semelhanças teológicas forjaram híbridos com o Cristianismo e o Islã que só existem na África: nas religiões tradicionais existia uma hierarquia de espíritos, com um deus criador, abaixo do qual estavam os ancestrais lendários¹, depois os deuses dos lugares (que se acreditava recompensarem e punirem os seres humanos de acordo com sua conduta). Os africanos acreditavam em um espírito imortal, que se reunia ao antepassados após a morte e que eles mesmos, os antepassados, habitavam entre os vivos influenciando suas ações e sua sorte. Quanto aos deuses, haviam muitos e variados, associados ao lugar sagrado onde o povo se originara, o rei e seus familiares eram enterrados. Os deuses que tinham revelado poder possuíam altares por toda a parte, e povos vencidos adotavam os deuses dos vitoriosos. Também fazia parte de suas práticas o teste do veneno, em que a verdade e a força de uma autoridade eram testadas bebendo uma mistura de plantas tóxicas; se sobrevivesse, o governante mostrava ao povo que era apoiado por uma divindade.

Os Bérberes do norte eram islâmicos desde o séc. 7, mas os europeus os reduziram a grupos espalhados pelo Saara, a partir do séc. 15. No final do séc. 19, o Egito e a Etiópia eram islâmicos e tinham boas relações comerciais com a Europa. Não faltaram incursões do Islã para a costa leste e as planícies ao sul do Saara. Por isso, os povos Etíope, Hausa e Malí foram fortemente islamizados. No entanto, a fragmentação natural de seus reinos por volta do séc. 18 criou um território fértil para novas experiências religiosas, onde geralmente um rei era declarado divino. Esses arranjos despertaram movimentos islamizantes mais radicais que fundaram, ao sul do Saara, reinos teocráticos como Futa-Djalon, Futa-Toro, Sokoto e Bornu. Tais reinos fundamentalistas lembravam muito os califados guerreiros que existiram na Arábia durante a implantação do Islã.

Hoje, talvez um dos produtos mais visíveis do Islã africano seja a cultura Swahili, da região dos grandes lagos, rodeados por savanas e uma fauna de elefantes, girafas, leões e rinocerontes que se tornou símbolo da África. Os Swahili misturaram o Islã com sua cultura tradicional, produzindo uma arte destituída de imagens, seja de pessoas ou animais, mas poderosa na combinação de formas geométricas e cores. A vestimenta típica dos Swahili, a Kanga, se tornou famosa em todo mundo: panos multicoloridos retangulares que são enrolados no tronco, até os joelhos e deixando os braços nus, geralmente com uma manta de cor vermelha ou branca cobrindo a parte superior e o pescoço. Sua filosofia positivista (hakuna matata = não há problema) também foi difundida com os clássicos personagens do desenho “O Rei Leão”. Embora se considerem islâmicos, os Swahili utilizam o Alcorão de forma bastante mística, como fonte de adivinhações e mensagens proféticas, semelhantemente a algumas denominações do Cristianismo Pentecostal.

Os europeus fizeram poucas tentativas de tomar terras islâmicas, com as quais havia tratados comerciais. Como dizia uma  funcionário francês em 1912: “Os negros islamizados são geralmente pessoas amáveis, reconhecendo a segurança que nossas armas lhes trouxeram; eles não pensam senão em viver em paz, à sombra de nosso poder”. Muitos africanos até consideravam o Islã uma religião nativa, pois os negros islâmicos eram altamente entrosados na sociedade, ao contrário dos Cristãos.

Os missionários Cristãos fizeram notáveis progressos na interiorização do continente a partir de 1850. Essas missões, além de evangelistas, pretendiam substituir a cultura africana (considerada ausência de cultura) pela européia, a única digna de seres humanos. Assim, os missionários abriram caminho para as empresas colonizadoras inglesas, belgas, holandesas, francesas e alemãs estabelecerem postos comerciais na África. Longe de serem postos de desenvolvimento, tais instalações direcionavam os produtos extrativistas (diamantes, ouro e marfins) e agrícolas (frutas e óleos) para os portos no Atlântico em troca de pagamentos mínimos à população ou, ainda, apenas ao governante local, muitos estabelecidos à força de armas pelos colonizadores. Uma figura que ficou conhecida nesse final do séc. 19 foi o médico inglês Dr. David Livingstone, movido para a África como missionário da Igreja Congregacional, uma denominação protestante. Hoje, várias cidades africanas mantém estátuas de Livingstone como herói civilizador.

Livingstone lutou contra o tráfico negreiro na região do rio Zambezi. Ele acreditava que o escravismo desapareceria quando fosse substituído por uma atividade comercial legítima, que viria da cristianização dos povos, sua educação, serviços sociais e organização europeia das cidades. Foi pessoalmente responsável pela implantação de serviços médicos e comerciais num lugar que sofria anualmente com epidemias de malária. Décadas após sua morte, os seus seguidores de fato levaram à abolição do tráfico negreiro por alguns povos, como os Swahili.

Os missionários Cristãos e os reis africanos duelavam quanto ao individualismo. Os primeiros ensinavam sobre um mundo secular, terreno, e um mundo espiritual, habitado pelo Espírito Santo. As consequências dos atos humanos eram cobrados de cada pessoa. Já as religiões africanas enfatizavam uma noção de todo, como no Velho Testamento, onde ações boas ou ruins recairiam sobre todo o povo, todos os seres e até mesmo o clima. A negação do contato com os mortos também era crítica, pois a noção de ser a todo momento observado e ajudado por seus antepassados eram um dos pilares da organização de vida africana. Outro ponto era o desprezo Cristão pela feitiçaria: os africanos não apenas a praticavam, mas se filiavam a esse ou aquele deus e até se mudavam para outra terra como proteção de ameaças mágicas. Frequentemente, os africanos abandonavam as missões se um feiticeiro declarasse que mataria todos ali. Esse embate levou certos povos a declararem guerra aos missionários, atacando suas aldeias, escolas e igrejas.

A resposta das empresas coloniais também foi hostil: exércitos expulsaram povos de suas terras sagradas, destruíram santuários aos deuses locais e os governantes tornaram crime algumas práticas que marcavam as pessoas como seguidor deste ou daquele deus. Sociedades secretas como os Poro (Sierra Leone) e os Maji Maji (Quênia) se organizaram para, através da religião tradicional, expulsar os estrangeiros. Entre suas práticas estava a confecção de bebidas sagradas que, acreditavam, os protegeria das balas dos colonizadores. Na esfera política, tais sociedades conseguiram tantos afiliados que semearam os futuros movimentos de independência. Os Nyabingi, uma vertente dos Maji Maji, por exemplo, conseguiram desestruturar 3 governos coloniais de Ruanda, até 1934.

Assim como no caso do Islã, alguns povos misturaram o Cristianismo e as religiões tradicionais para preservar sua cultura e afastar as perseguições coloniais. Em 1935, surgiram os Bamucapi, no Zâmbia, que vestiam roupas européias e visitavam aldeias convocando uma refeição ritual para o deus local. Quando os aldeões chegavam, eles os olhavam no espelho para identificar feiticeiros, e então exigiam seus ingredientes de poções e feitiços. Os Bamucapi também invocavam a ajuda de Deus para produzir poções que, diziam, levariam os feiticeiros à presença de Jesus ou protegeriam as pessoas contra seus poderes.

O Cristianismo deu acesso à educação e saúde para os povos africanos. Mas sua aliança ao Colonialismo também transformou a sociedade, criando órfãos e idosos abandonados onde isso não existia antes. Não por acaso, a palavra em Sierra Leone para Cristãos e brancos era a mesma: “poto”. Aos poucos, o registro dos falares africanos levou ao surgimento da literatura escrita. Para os missionários, alfabetizar os nativos era habilitar seu contato com a Bíblia. Na teologia de grupo dos africanos, isso teve o efeito de transformar cada convertido ao Cristianismo em um propagador da nova fé, resultando numa explosiva cristianização dos povos ocidentais ao sul do Saara e na parte sul do continente. Conforme Livingstone anunciara, a economia se modificou em torno das missões: as plantas estrangeiras como cacau (América Central), café (Etiópia), tabaco (Américas), algodão (Índia) e cana-de-açúcar (Índia) fizeram partes da África serem regiões agrícolas proeminentes no início do séc. 20. Mas ao contrário do que ele previu, o novo sistema produziu a escravidão de africanos por outros africanos. O escravismo só foi efetivamente abolido com os movimentos republicanos após a 2ª Guerra Mundial.

Os primeiros grupos a aceitar o Cristianismo foram aqueles subjugados ou de baixa hierarquia. Leprosos, inválidos e doentes eram prontamente aceitos pelas missões e, logo, foram transformados em mestres alfabetizadores. Alguns célebres missionários foram Canon Apoio Kivebulaya (1866-1933), que trabalhou entre os pigmeus do Congo Belga, o bispo anglicano Samuel Ajayi Crowther (1809-1891), que produziu materiais escritos na línguas Yorubá, o profeta itinerante William Wade Harris (1860-1929), da Libéria, que converteu centenas de milhares na Costa do Marfim e na Costa do Ouro, fundando a Église Harriste (Igreja Harrista, Costa do Marfim) e a Twelve Apostles Church (Igreja dos Doze Apóstolos, Costa do Ouro). Em especial organizaram--se igrejas de orientação fortemente Pentecostal, como nos EUA, que enfatizavam a posse pelo Espírito Santo, cura, profecia, dom de falar por línguas e a livre confissão dos pecados. Algumas chegavam a incluir a circuncisão dos meninos entre suas práticas.

Em 1910, falava-se na possibilidade de cristianizar toda África em uma única geração. Não houve tanto sucesso assim quanto aos países islâmicos do leste, nem houve o desaparecimento das religiões nativas como se esperava. Uma das mais notáveis igrejas unindo elementos Cristãos e nativos foi a Musama Disco Christo (1923-), que se desligou a partir de igreja Metodista. Seu fundador intitulou-se fundador de uma linhagem de direito divino, chamando a esposa de rainha-mãe. A igreja até possui uma língua própria. Os números de Cristãos saltaram de 10 milhões (1900) para 143 milhões (1970) e depois 393 milhões (2000). Estima-se que 1 em cada 5 africanos seja Cristão, concentrados no oeste e sul do continente. Hoje, a África é um exportador de pregadores protestantes, que constituem a maioria dos pastores em atividade na Europa.

BRASIL

Uma ligação entre os negros e o Cristianismo brasileiro ocorreu ainda em terras africanas, durante a época do escravismo. No Congo e Moçambique, enquanto colônias portuguesas, a Igreja Católica implantou a devoção a Nossa Senhora do Rosário. Em muitos aspectos seu culto foi ligado à deusa-orixá das águas, pois segundo a mitologia afro, uma imagem de Nossa Senhora do Rosário emergiu das águas (não se sabe se no Congo ou em Moçambique) ao som de tambores africanos. Sendo ambos países de onde provinham escravos, muitos negros chegaram ao Brasil no séc. 18 já cristianizados, expressando a devoção à santa-mãe. Esses escravos católicos se concentraram sobretudo no interior de Minas Gerais. Posteriormente, com o estabelecimento do santuário de Nossa Senhora Aparecida em São Paulo, formado ao redor de uma imagem-ícone de Nossa Senhora da Conceição que perdeu a pintura e escureceu sob as águas do rio Paraíba do Sul, a Igreja Católica do séc. 19 esforçou-se para associar as duas figuras e assim arrebanhar os escravos alforriados. Em muitos lugares, Nossa Senhora Aparecida é mesmo entendida como uma santa negra. Outras figuras como São Benedito (o mouro)², santo Siciliano negro do séc. 16, também foram focos de atração para os negros a partir da metade do séc. 19, sobretudo nas regiões mineradoras de Minas Gerais, Paraíba, Goiás e Mato Grosso. Em diversos lugares, o culto de Nossa Senhora do Rosário até a re-denominou Nossa Senhora Quilombola, com uma Comunhão feita usando pão e vinho (tradição Cristã), mas também alimentos rituais dos Orixás, atabaques e dança dos sacerdotes.

Em contrário aos EUA, no Brasil a Igreja Católica forneceu ideologias e protegeu o comércio escravista, até adquirindo escravos para as instituições religiosas. Obviamente, em tratando-se de algo que vai contra tudo que o Novo Testamento possa ensinar, desde o séc. 16 alguns nomes se posicionaram em contrário. Aqueles que não se declaravam abertamente podiam visitar as propriedades rurais para evitar revoltas e o excesso de violência dos senhores. Os que se opunham abertamente enfrentavam o alto clero, que removia os padres para Portugal (assim, para longe dos senhores e escravos). Os jesuítas Gonçalo Leite (1546-1603) e Miguel Garcia (1550-1614), por exemplo, foram considerados “inquietos” e devolvidos a Lisboa, de onde Leite escreveu: “... Bem se podem persuadir os que vão ao Brasil que vão a salvar almas, mas vão a condenar as suas. Sabe Deus com quanta dor de coração isto escrevo, porque vejo os nossos padres confessar homicidas e roubadores da liberdade, fazenda e suor alheio, sem restituição do passado, nem remédio dos males futuros, que da mesma sorte cada dia se cometem.” Já o missionário italiano Gabriel Malagrida (1689-1761), que questionava a Igreja e a Coroa Portuguesa sobre o tratamento dos escravos no Brasil, foi declarado herege pela Inquisição e queimado vivo, em Lisboa.

Até religiosos com voto de pobreza e humildade chegaram a possuir escravos. No séc. 18, registra-se que o Convento Franciscano de Salvador/Bahia possuía 86 escravos para 81 religiosos e o Mosteiro do Desterro das Clarissas possuía 298 escravas para 81 freiras. Desde a época colonial (1500-1820) até a Guerra do Paraguai (1864-1870), a Igreja Católica brasileira serviu, portanto, como um apaziguador das tensões sociais do sistema escravista. Bem pouco havia mudado desde a assustadora descrição do jesuíta Cláudio Aquivava em 1584:

Nas fazendas e engenhos há grande cópia de escravos, os quais nunca ouvem missa, ainda que se tenha neles sacerdotes que as digam. Por serem as Igrejas pequenas e os escravos andarem nus; e pelo mau cheiro, não os deixam os seus senhores ficarem nem dentro nem fora das Igrejas. Além disso, logo em amanhecendo, nos dias santos, vão buscar de comer pelos matos, por seus senhores não lhos darem cousa alguma. Pelo que nos parece que seria de muito serviço de Nosso Senhor alcançar do Papa que estendesse o privilégio que temos de dizer duas missas ao dia em diversos lugares, a dizerem-se no mesmo lugar, em diversos tempos. Uma, logo pela manhã, aos escravos; e outra, aos portugueses, como se costuma. E se este privilégio se estende aos clérigos seculares, para o mesmo efeito, seria grande bem, porque todas estas 15 ou 20 mil almas parece que não têm mais que o nome de cristãos e não se poderão salvar, se não forem melhor cultivados e ensinados nas coisas da fé.

Nas cidades grandes como Salvador e Rio de Janeiro, onde a chegada de africanos era maior, a cultura Yorubá foi alimentada nas senzalas, de forma que o descuido católico permitiu a continuidade, mesmo que às escondidas, da sua religião nativa. Com o aparecimento dos primeiro escravos alforriados, vieram também os terreiros de Candomblé e Umbanda³. Rapidamente esses terreiros arrebanharam a quase totalidade dos negros nas imediações. A segregação dos negros FORA do Cristianismo fez com que, ainda hoje, as principais medidas da Igreja Católica para trazê-los esbarrem na controversa aceitação e inclusão de elementos do Candomblé. Alguns desses elementos, como o culto aos mortos após 7 ou 30 dias, tornaram-se típicos da América Latina, mostrando que algo das religiões afro-indígenas já foi sutilmente absorvido ao longo dos anos.

Ainda, como a Igreja Católica atuou como centralizador na composição da maioria das cidades brasileiras, as cidades menores receberam ex-escravos e seus descendentes após a Guerra do Paraguai e também no início do séc. 20, após a Abolição. Essa população foi efetivamente catequizada mas, em muitos lugares, o aparecimento dos terreiros gerou uma dupla religiosidade. A expressividade das benzedeiras na tradição médica popular de toda América Latina é um bom exemplo disso. Suas práticas combinam rezas e imagens católicas com roupas-de-santo, mágicas e uso de ervas curativas (muitas das quais associadas a uma entidade, sem qualquer valor medicinal real) para tratar os clientes que as procuram.

Com os protestantes, a inclusão do negro como “servo de Deus” não foi muito diferente. Uma revista da Igreja Episcopal Anglicana (no Brasil desde 1889), afirmava em 1908 que o negro devia ocupar seu lugar, que não era certo desejar lugares que ele não poderia ocupar e encerra dizendo: “o problema com o negro é que ele está o tempo todo tentando obter reconhecimento, quando o que devia estar fazendo é obter algo para reconhecer”. De fato a imprensa anglicana diversas vezes comparou os negros com animais selvagens, intelectualmente inferiores, grosseiros e incapazes de boas maneiras. Essa concepção tem a ver com o fato de que os missionários protestantes no Brasil vieram da parte sul dos EUA em busca de uma continuidade do sistema rural escravista, da chamada “igreja dos brancos”, e carregando fortes noções de um apartheid social que devia ser reproduzido na Igreja. Apesar disso, era objetivo dos pregadores protestantes evangelizar os ex-escravos: sabe-se de igrejas Batistas em Salvador que compravam escravos a fim de que pudessem assistir aos cultos. Embora aliviassem sua carga e talvez trouxessem algum conforto, isso não parece ter desobrigado esses negros da servidão. Robert Reid Kalley (1809-1888), fundador da igreja Fluminense em 1858, abriu uma classe de estudos bíblicos para homens negros. Seus frequentadores já eram alforriados, pois os escravos não podiam ter religião. Mas Kalley foi além: em 1865, ele ficou conhecido pela indignação de um membro da alta sociedade, quando afirmou que “escravizar alguém é um roubo violento da liberdade alheia de que todos nós temos direito, e que o senhor que escraviza alguém é inimigo de Cristo e não pode ser membro da Igreja de Jesus”.

Assim como se procedeu na África, as igrejas Protestantes viam a cultura afro como uma ausência de cultura e, logo, qualquer traço cultural que restara do povo Yorubá deveria ser apagado, substituído por um “cristianismo branco” estadounidense. As 1as denominações protestantes no Brasil - Metodista (1836), Presbiteriana (1859) e Batista (1859) - no máximo pregavam, quanto aos negros, que deveriam ser bem tratados, mas que o escravismo era uma questão do Estado e não da Igreja. Por esse distanciamento das questões sociais, a pregação protestante brasileira no início do séc. 20 foi fundamentalmente proselitista e moralista, mantendo longe as camadas mais populares da sociedade.

O primeiro pregador protestante negro no Brasil, acredita-se, foi Agostinho José Pereira, alfaiate e letrado que atuava ruas de Recife. Aclamado como “Lutero negro” em 1841, ele fundou a Igreja do Divino Mestre, uma das 1as igrejas protestantes no país. Seu grupo reunia outros alforriados e teve em torno de 300 membros. Recife era uma ex-colônia holandesa e, como na África, a igreja esmerou-se no letramento dos negros, para que tivessem acesso ao texto bíblico. Em tempos escravistas, contudo, o movimento de Agostinho não se espalhou para outras capitais do nordeste. As autoridades, a imprensa de Recife e a Igreja Católica também foram fortes oposições e até levaram a sua prisão, que durou pouco, anunciando nos jornais a revolução escrava do Haiti e a insurreição dos negros muçulmanos na Bahia, um perigo que viam no envolvimento religioso dos negros de Agostinho.

Os períodos de ação militar (1934-1945 e 1964-1985) também foram particularmente agressivos às populações negras, resultando na sua quase totalidade dentro do Catolicismo. Desde o início da República existiam leis criminalizando o espiritismo, magia, sortilégios e curandeirismo. Em 1940 o Código Penal passou a especificar os crimes de charlatanismo e curandeirismo, o que foi largamente usado contra os cultos afro. No final dos anos 1970, formaram-se as igrejas pentecostais ligadas à Teologia da Prosperidade*, como Igreja Universal do Reino de Deus (Rio de Janeiro, 1977), Igreja Internacional da Graça de Deus (Rio de Janeiro, 1980), Igreja Renascer em Cristo (São Paulo, 1986), Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (Brasília, 1992), Ministério Internacional da Restauração (Manaus, 1992) e Igreja Mundial do Poder de Deus (Sorocaba/SP, 1998). Dentro da visão de atingir as camadas mais populares, tais igrejas se aplicaram na valorização de autoestima, transformação do fiel em pessoa especial pelo batismo com o Espírito Santo e diminuição da distância entre os líderes e leigos. Assim como o sincretismo criou “mães quilombolas” e missas afro, dentro do Protestantismo a cultura Yorubá apareceu nos frequentes exorcismos das igrejas pentecostais, onde a entidade exorcizada do fiel não é um demônio do deserto ou esbravejador como no Novo Testamento, mas usualmente um Exú dos cultos de Umbanda.

Ao contrário da Teologia da Libertação que pretendia a construção do pobre como sujeito conscientizado, marxista, ou do Protestantismo Histórico que pretendia formar sujeitos autônomos e críticos, o Pentecostalismo atingiu os pobres, e em especial a população negra, num plano que não era cognitivo, mas emocional, por um discurso de consolo e prática terapêutica. Como resultado quase imediato, um imenso contingente negro deslocou-se do Catolicismo e até das religiões afro (demonizadas pelas Pentecostais) para os novos cultos. Hoje, contabiliza-se há 60x mais negros protestantes do que nas religiões afro, sendo 72,6% deles pentecostais. Em termos proporcionais, contudo, as religiões afro ainda detém o posto de culto com maior parcela dos fiéis sendo negros (48%).

ESTADOS UNIDOS

Na metade do séc. 19, as maiores cidades estadounidenses estavam todas no litoral Atlântico. Os estados do norte absorveram a estrutura industrial inglesa e desenvolveram-se como cidades altamente urbanizadas, muitas exportando roupas (o sul produzia quase 70% de todo algodão comercializado no mundo), artigos de couro, ferramentas e armas de fogo (compradas pelas colônias européias na África, Índia e China). Os estados do sul, por outro lado, mantiveram uma estrutura agrícola espanhola, baseada no plantio de algodão e colheita com mão de obra escrava (cada escravo era capaz de colher 50 a 250 kg de algodão por dia). Por isso, os interesses econômicos futuros também divergiram: ao norte interessava absorver a mão de obra negra não só nas indústrias, mas no mercado consumidor (ainda que a abolição da escravatura não fosse um objetivo direto), enquanto ao sul interessava manter o escravismo.

Bem na foz do rio Mississipi, onde chegavam as barcas carregando algodão e ancoravam os cargueiros ingleses e franceses, haviam ilhas que ainda eram colônias francesas. Toda a região da foz, com proeminência da cidade de New Orleans/Louisiana era, assim, um grande porto comercial. Esse ambiente para onde vinham escravos do sul, fazendeiros vendendo seu algodão, negociantes franceses e ingleses divulgando movimentos libertários, espanhóis mercadores e até mesmo piratas, criou, na iminência da Guerra Civil Americana, um lugar pluri-cultural onde poucas leis eram obedecidas e, em especial, os negros gozavam da mesma liberdade que teriam se não fossem escravos. A religiosidade do lugar foi moldada pelos franceses, com a chegada a Ordem de Santa Úrsula em 1727, e depois pelos ingleses e estadounidenses, com protestantes Batistas, Metodistas e Presbiterianos. A ordem de Santa Úrsula equipou a região com orfanatos, escolas, hospitais e deu assistência aos pobres. Apesar disso, em pouco tempo, as igrejas protestantes eram 7-8x mais numerosas que as congregações católicas. Cerca de ⅓ delas eram “igrejas de negros”. O trabalho missionário era feito principalmente sobre os judeus até 1830 e, depois, sobre os negros, por pregadores itinerantes.

Embora as igrejas protestantes fossem numerosas, New Orleans estava longe de ser uma área religiosa. A maior parte dos pregadores protestantes mal passava 6 meses na região. Apenas a Igreja Metodista mantinha congregações permanentes de negros, o que um jornal local citou certa vez como “expedições missionárias à beira do barbarismo”.

Os católicos em New Orleans não separavam cultos, nem enterros de brancos e negros. Alguns padres, como Adrien Rouquette, até ficaram conhecidos por suas pregações abolicionistas. Mas havia forte separação quanto a outros serviços como escolas (as dos negros tinham mínimos conteúdos, pois eles não eram autorizados a ler) e hospitais. Cerca de 20% dos católicos eram negros. Longe do controle das plantações, os negros de New Orleans tiveram a oportunidade de desenvolver a cultura Yorubá que trouxeram de Benin (povos Bini, Congo, Hausa e Dahomei). Por isso, grande dos negros católicos também atendia aos serviços de líderes Voodoo, similar à Umbanda brasileira, o que se intensificou com a migração dos franceses a partir do Haiti. Pelo menos 15 mães Voodoo controlaram a região, antes da Guerra Civil e, ainda hoje, existem muitos grupos em atividade nessa parte dos EUA.

Embora de diferentes origens africanas, alguns até islâmicos, os negros de toda a costa atlântica dos EUA foram aderentes ao Protestantismo Pentecostal. No final do séc. 18, cerca de 15% deles já praticavam a nova religião. As congregações dos negros eram separadas, inicialmente conduzidas por pregadores brancos Metodistas ou Batistas, mas se tornaram comuns as conduzidas por negros nas fazendas e, logo, também nas cidades. Os cultos eram centrados na figura de Moisés como libertador de um povo escravizado. Os mortos, após o funeral, estariam livres para se unirem aos ancestrais, como nos cultos Yorubá. Na região sul dos EUA, que recebeu escravos até 1808, muitas igrejas de negros dos estados de Carolina do Sul, Geórgia e Flórida chegaram a conduzir cultos em dialetos como Gullah e Geechee, usados lá até hoje. Esses dialetos, inicialmente usados para que os escravos se comunicassem em segredo, são similares ao Creole falado no Caribe e na África Ocidental, misturando o inglês com a pronúncia afro.

As danças e movimentos largamente introduzidos no Cristianismo Pentecostal também são um resultado desse mix cultural: eles contém uma versão corporal dos movimentos e tambores de cultos Yorubá, que foram proibidos pelos senhores de escravos. Tal musicismo religioso baseado nos vocais, hoje chamado de Gospel (contração de God Spell = palavra de Deus), foi o responsável pelo surgimento, na região central da Costa Atlântica, de ritmos como Jazz e Blues, que despontaram no início do séc. 20. A maioria dos grandes cantores como Ella Fritzgerald (1917-1996), Nat “King” Cole (1919-1965), Sarah Vaughan (1924-1990), Louis Armstrong (1901-1971), Dinah Washington (1924-1963), Ray Charles (1930-2004), etc e mesmo Tina Turner (1939-) foram membros de corais Gospel na região sul dos EUA.

Após a Guerra Civil (1861-1865), os estados da costa atlântica do norte derrotaram os estados da costa atlântica do sul, e os EUA se unificaram sob o governo de Abraham Lincoln, com uma política voltada ao desenvolvimento industrial e inclusão dos negros entre a mão de obra. Muitas das igrejas “negras” pentecostais serviram, durante a guerra, como pólos de organização dos soldados nortistas. Findada a guerra, contudo, iniciou-se um movimento de apartheid que pretendia segregar, dentro das cidades e lugares de trabalho, os brancos e os negros.

As “igrejas de negros” separaram-se de suas matrizes brancas Batistas e Metodistas após a guerra. Os cultos de tais igrejas passaram a ser geridos por pastores negros, iniciando com uma oração devocional, depois o canto e danças de um coral convidando os membros a participar, seguido por uma pregação altamente emotiva. Uma força especial ao movimento Pentecostal foi dada por William Joseph Seymour (1870 – 1922), que iniciou o Avivamento da Rua Azusa em Los Angeles/Califórnia. Suas experiências com o Espírito Santo foram muito noticiadas nos jornais, atraindo crentes brancos e negros, apesar do código racial que imperava no país. Seu movimento durou até 1914, encontrando forte oposição dos religiosos brancos, mas deixou como marcas do “2º batismo” o falar em línguas e a integração racial dentro da Igreja. O jornal Los Angeles Times referia-se ao grupo assim: “As reuniões acontecem em um prédio decadente da rua Azusa, e os devotos de doutrinas estranhas praticam os ritos mais fanáticos, pregam as mais extravagantes teorias e se colocam em um estado de louca euforia quando se entregam ao fervor pessoal.

Entre a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), os negros ainda não possuíam direito de voto, mas as “igrejas de negros” serviram como centros organizadores e os líderes religiosos destas tiveram atuação poderosa sobre as decisões municipais e estaduais estadounidenses. À medida que reiniciaram os movimentos raciais contra os negros, as igrejas “de negros” se tornaram abrigo e refúgio, além de denunciar publicamente os ataques sofridos por grupos racistas-religiosos como a Ku Klux Klan**.

O mesmo ativismo do pós-Guerra Civil renasceu após a 2ª Guerra Mundial, em defesa de direitos iguais, o que tornou as “igrejas de negros” alvos dos militantes pelo apartheid. Em 1963, a Igreja Batista da Rua 16 em Birmingham, Alabama, sofreu um histórico atentado a bomba, que foi o estopim de sucessivos protestos, até a Carta de Direitos Civis de 1968. O movimento negro ganhou força com o Concílio Vaticano II, finalizado em 1965, e a Teologia da Libertação, que voltava o trabalho religioso (dos Católicos) para a proteção de populações desfavorecidas. Religiosos (protestantes) que ficaram famosos por sua luta pela igualdade de direitos foram Martin Luther King Jr. (igreja Batista, 1929-assassinado em 1968), seu amigo Ralph David Abernathy (1ª igreja Batista, 1926-1990), Bernard Lee (teólogo, 1935-1991), Fred Lee Shuttlesworth (igreja Batista de Bethel, 1922-2011), Wyatt Tee Walker (igreja Batista Canaã do Harlem, 1928-2018) e Cordy Tindell Vivian (movimento Every Church a Peace Church, 1924-).

Nos anos 1970, o apartheid social (mas não legal) americano evitava fazer empréstimos bancários aos negros, o que deslocou os trabalhadores negros para bairros “baratos” dentro de grandes cidades, que funcionariam mais ou menos como guetos. Nesses lugares, as “igrejas de negros” ganharam força como promotoras de serviços sociais ligados à educação e assistência. Ainda hoje, muitas “igrejas de negros” são centros sociais lutando por condições de emprego e moradia, e também contra o tráfico/uso de drogas entre os jovens desses bairros. Embora preservem suas lideranças negras, as populações atendidas desde os anos 1980 são sobretudo imigrantes caribenhos e latinos.

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¹ A crença em ancestrais lendários foi comum a povos europeus também, como Hércules para os gregos ou os faraós divinos para os egípcios.

² Benedito o Mouro, ou Benedetto da San Fratello (1526-1589) não tem relação alguma com o fundador da ordem Beneditina, muito mais antigo. O pseudônimo “mouro” nem devia ser usado enquanto era vivo, por se tratar de um religioso em franca oposição aos Mouros de Córdoba/Espanha, que eram islâmicos. Aparentemente trata-se de um sufixo adicionado depois, para designar sua cor negra. Ex-escravo e monge da ordem Franciscana, ele ficou conhecido pela cura de doentes ainda em vida, sendo-lhe atribuídos muitos milagres de cura após sua morte.

³ As religiões afrobrasileiras são religiões do transe, do sacrifício animal e do contato direto com os deuses como meio de comungar valores e estabelecer sociabilidades em comunidades relativamente pequenas. No candomblé jeje-nagô cultuam-se entidades designadas pelos termos Orixá e Vodum, nomes genéricos dos deuses Yorubá. No candomblé angola cultuam-se os Inquices, deuses da África Central, e caboclos, entidades que representam os espíritos da população indígena brasileira. Nenhum desses deuses já teve forma humana, mas habitam lugares sagrados na terra. O Exú do Candomblé é um espírito guerreiro e destruidor, responsável pelas transformações boas ou más. A Umbanda é uma religião sincrética que une deuses africanos, santos católicos e espiritismo kardecista. Na Umbanda, há um esquema evolucionário, onde santos e Orixás ocupam os degraus mais altos e são tidos como espíritos de luz. Os caboclos e os pretos-velhos (espíritos dos africanos escravizados) são considerados espíritos intermediários. Exús e pombagiras são tidos como o lado esquerdo ou “espíritos das trevas” e estão no degrau mais baixo.

* A Teologia da Prosperidade foi um desenvolvimento de vários aspectos do Protestantismo e culminou nos anos 1950 como um movimento que mede a benção de Deus sobre cada indivíduo segundo seus bens materiais. Desde os EUA, essa forma de pregar fez-se atrativa aos mais pobres. É usual que as orações e o cerne dos cultos seja a petição por ganhos financeiros, além do fato de que tais cultos valorizam muito a oferta de dinheiro e bens (para a Igreja) por parte dos fiéis. As igrejas vinculadas à TP usualmente exibem edifícios grandes e ostentadores como símbolo do sagrado mas, por sua ligação às camadas populares, não deixam de investir em dezenas ou centenas de filiais menores, que são cobradas quanto ao seu crescimento patrimonial. Seus recursos mais atuais incluem propaganda televisiva, agências de marketing, vinculação política e testemunhos constantes de respostas divinas quanto a cura e erguimento financeiro dos fiéis.

** A KKK se organizou em 3 épocas, com objetivos diferentes. A 1ª organização (1865) foi após a Guerra Civil, pretendendo impedir o movimento abolicionista ou até expulsar os negros alforriados da região sul dos EUA. A 2ª organização (1915) pregava o fundamentalismo protestante e se opôs de forma agressiva ao estabelecimento de imigrantes, sobretudo católicos, nas áreas rurais. A 3ª organização (1946) levantou as bandeiras do fundamentalismo protestante e do ódio racial, sendo responsável por atentados como a explosão de uma igreja Batista “de negros” em 1963.

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ESCRITO EM PAPÉIS PRETOS

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