sábado, 21 de janeiro de 2012

Intimidade com Jesus

- Aqueles anjinhos estão fazendo uma festa lá, e eu já estou até com dor de cabeça.
Posso dormir na tua casa hoje?
- Claro.

Esse é um tipo de clichê evangélico: ter intimidade com Jesus. Não é coisa simples! Mesmo ter intimidade com seu vizinho não é fácil (e você tem?). Para ter intimidade é preciso alguma freqüência de encontros, você precisa encontrá-lo com alguma regularidade, principalmente é preciso ver Ele (ou seu vizinho) antes que um e outro mudem. Todo mundo muda com o tempo: você certamente muda, seu vizinho muda, mas Deus mesmo garante ser imutável a ponto de que profecias feitas 400 anos antes de Jesus nascer testemunham sobre sua vida. Isso lhe dá uma enorme vantagem, pois o Jesus que você encontrará amanhã é o mesmo que encontrou ontem. Você já será outro, com outras histórias para contar, Ele não.

Intimidade também significa aceitação. Se você pensar nas pessoas com quem mais têm intimidade, verá que são aquelas que aceitam você sem restrições, e que você também aceita tranqüilamente o suficiente para as levar em casa, receber a qualquer hora, dar risada de uma foto ridícula, bater na porta delas no meio da madrugada para fazer um convite ou pedir ajuda. E certamente você não se incomodará se fizerem o mesmo. Talvez você tenha esse tipo de intimidade apenas com seu parceiro, talvez com os irmãos ou parentes próximos, com sorte algum grande amigo. Mas você teria essa intimidade com Jesus? Você o aceitaria como Ele é, sem se sentir obrigado a fingir que é diferente de você mesmo ou sem querer que Ele seja diferente de quem Ele é? A qualquer hora do dia, para coisas boas e más? Você diria sobre Ele "esse eu conheço bem, somos amigos do peito"?

A graça nos diz que somos aceitos exatamente como estamos. Esse é o ponto difícil de aceitar em Jesus: ele é capaz de nos amar assim mesmo, aqui e agora. Nós precisamos nos esforçar um pouco para isso, precisamos APRENDER A CONFIAR em alguém para aceitá-lo e amá-lo em qualquer hora. Mas por algum motivo, Ele que nos conhece melhor do que nós - e simplesmente porque Ele é Deus - nos ama independentemente do que façamos, tenhamos feito ou pensemos em fazer. Ele nos ama independentemente de quem somos. Paulo dizia que "Se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra." (Rm 11.6). Você é capaz de aceitar Jesus assim, simplesmente te amando? Podemos não ser o tipo de pessoa que desejaríamos, podemos estar muito distantes de nossos objetivos, podemos contar mais fracassos do que realizações, podemos não ser ricos, poderosos ou espirituais, podemos até mesmo não ser felizes, mas somos apesar de tudo aceitos por Deus e seguros nas suas mãos. Essa é a promessa feita a nós em Jesus Cristo, uma promessa na qual podemos confiar.

Quando chafurdamos na culpa, no remorso e na vergonha por causa de sinais reais ou imaginados do passado, estamos desdenhando do dom divino da graça. A nossa preocupação com o eu é sempre um componente destacado de culpa e recriminações perniciosas. Ela excita nossas emoções, agitando-nos de modos autodestrutivos, encerra-nos na poderosa fortaleza do eu, conduz à depressão e ao desespero e toma o lugar de um Deus compassivo. A linguagem da culpa doentia é dura. Ela é exigente, abusiva, censuradora, rejeitadora, acusadora, incriminatória, condenatória, reprovadora e repreensora. É uma linguagem de impaciência e de punição severa. Os cristãos ficam chocados e horrorizados porque falharam. A culpa doentia torna-se maior do que a vida. A culpa toma-se a experiência na qual as pessoas sentem que o céu está desabando. Jesus nunca mandou que sentíssemos culpa. Bem ao contrário disso, ele propôs uma troca impensável: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. O meu jugo é suave e o meu fardo é leve." (Mt 11:28-30)

O cristianismo acontece de verdade quando homens e mulheres aceitam com inabalável confiança que seus pecados não foram apenas perdoados mas esquecidos, lavados no sangue do Cordeiro. Um cristão triste é um cristão falsificado, e um cristão culpado [na presença do Senhor] não é cristão coisíssima nenhuma. Mas um detalhe: você por si só não é capaz de SE ALIVIAR. "É como uma espécie de mágica...". Somente o amor possibilita o salto de confiança, a coragem de arriscar tudo em Jesus, a prontidão de adentrar a escuridão guiado apenas pelo pilar de fogo. A confiança apega-se à fé de que tudo que acontece na nossa vida é projetado para ensinar-nos a santidade. O amor de Cristo inspira a confiança de agradecer a Deus a dor-de-cabeça incômoda, a artrite tão dolorosa, a escuridão espiritual que nos envolve; de dizer como Jó: "temos recebido o bem de Deus; não receberíamos também o mal?" (Jó 2.10); de orar como Charles Foucald: "Abba, abandono a mim mesmo nas tuas mãos. Faze de mim o que quer que queiras. Seja o que fizeres, te agradeço. Estou pronto para tudo: aceito tudo. Seja feita a tua vontade em mim e em todas as tuas criaturas. Não desejo mais do que isso, ó Senhor. Em tuas mãos entrego o meu espírito. Ofereço-te meu espírito com todo o amor do meu coração, pois te amo, Senhor, e dou-me a mim mesmo, entrego a mim mesmo em tuas mãos sem reservas, com confiança ilimitada, pois és meu Pai".

Os judeus nos ensinaram a culpa¹. Disseram que somos responsáveis pelos resultados das nossas ações, que poderíamos ter feito melhor quando algo dá errado e que deveríamos nos engrandecer quando algo dá certo. Deus não coloca uma responsabilidade sobre você sem dar a habilidade de executá- la com sucesso.   Na verdade, essa é uma opinião egocêntrica e até maldosa do escrito de Paulo: "Não veio sobre vós tentação, senão humana; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar." (1 Co 10:13) Ela joga sobre você a responsabilidade de resistir às tentações, quando você não pode sequer conhecer o seu dia seguinte, ou o propósito de Deus nas ações suas. Jó passou por muitas provações, e Deus lhe contou o porquê delas? Lendo a história toda temos um leve entendimento disso, mas e as pessoas daquele tempo? O escrito de Paulo diz simplesmente que sempre podemos contar com Deus, e que não é Ele o responsável por nossas tentações ou provações. Esse sofrimento é criado por nós mesmos. Jesus propôs que nos livrássemos dele, assumindo um fardo muito mais leve. Está o mundo está nas nossas mãos? E qual de nós, sendo solícito, pode acrescentar um côvado à sua estatura? (Lc 12:25). O servo honra ao seu senhor fazendo o que Ele instrui a fazer , mas não é o servo quem determina seu futuro (Jo 14.21).

Talvez você esteja pensando: "Mas eu fiz coisas erradas, e provavelmente farei mais...". Não pense que Ele não sabe disso, ou que tudo foi em vão! Se Deus quisesse que o mundo fosse diferente nesse exato momento, Ele poderia fazê-lo ser diferente. Mas por algum motivo Ele escolheu que homens comuns passassem por situações incríveis, que pastores se tornassem reis e que alguém escrevesse isso, quando tantas outras coisas foram esquecidas... por algum motivo Ele decidiu que você seria exatamente quem você é. Não pense que o amor Dele te abandonou por sequer 1 segundo da tua vida.

Todos temos sombras e esqueletos em nossa história pessoal. Mas ouça, há algo maior neste mundo do que nós, e esse algo maior é cheio de graça e misericórdia, paciência e inventividade. No momento em que o foco da sua vida muda da sua maldade para a bondade dele, o momento em que a pergunta deixa de ser "O que foi que eu fiz?" e passa a ser "O que ele pode fazer?", a libertação do remorso pode acontecer. Milagre dos milagres, você pode perdoar a si mesmo porque está agora perdoado, aceitar a si mesmo porque é agora aceito, e começar a reconstruir os próprios lugares que você uma vez colocou abaixo. Essa graça é o segredo de sermos capazes de perdoar a nós mesmos. Confie nela.

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¹ Dois artigos muito interessantes: Yanki Tauber, Culpa judaica, 13 jan 2012; Mautner AV, Fantasias a propósito das origens judaicas da psicanálise, Jornal de Psicanálise v.39 n.70, 2006.

* Grande parte do que está escrito aqui (na verdade a melhor parte) foi tirado do livro "O Evangelho Maltrapilho", de Brennan Manning. Se você ficou interessado, há uma cópia dele dando sopa na aba Leia!.

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