quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Irreality show

- Hoje eu é o dia, preciso estar muito sincero!


Nesses dias, vendo a programação na TV, percebi qu boa parte das notícias, comentários, propagandas e até seriados eram, na verdade, frutos Reality Shows acontecendo em muitos canais. Porque as pessoas gostam disso? A idéia é antiga, ela vem desde os tempos em que as pessoas apostavam em lutadores. Na TV norte-americana ela chegou nos anos 60, em forma de programas de calouros como "Jeopardy!" e "Wheel of Fortune", de forma a promover uma competição “ao vivo” entre as pessoas. Ao vivo” dá credibilidade à competição, faz a audiência acreditar que os “guerreiros” estão realmente disputando, faz as pessoas APOSTAREM nesse ou naquele, faz elas se sentirem participando de algo angustiante, com a segurança de realmente não estar lá.

Apostar é algo bem interessante. Apostar cria ansiedade e estresse, mas qualquer indicativo de ganho reforça uma sonhada capacidade das pessoas de PREVER RESULTADOS ou pelo menos JULGAR CORRETAMENTE as pessoas. Bom, evidentemente ninguém pode prever o futuro, nem ter certeza de julgamentos. Mas se aquele “guerreiro” com aparência ruim tem maus resultados, ou se aquele que parece bom moço tem sucesso, então nos sentimos os grandes conhecedores. Isso nos exalta para nós mesmos, realça a nossa natureza. Daí as pessoas apostarem em minúsculos detalhes da orelha do gado, num formato particular do peixe, nos números da loteria baseando-se nos resultados anteriores, no sorteio do bicho baseando-se num sonho, no sucesso desse ou daquele casal na televisão. Gostamos de apostar e defender nossos métodos arbitrários de conhecer o futuro. Até as igrejas brigam pelos modos que têm de aplicar o Evangelho, apostando naquilo que Jesus mais gosta. Os outros obviamente serão punidos depois!

E quão interessante é ver as ações das pessoas sem sentir na pele as conseqüências delas! Quando Jesus estava sendo julgado perante o Sinédrio, haviam muitas pessoas lá. Até Pedro foi. O Sinédrio não precisava da opinião delas, nem se importava com isso, mas elas estavam lá PARA VER. Jesus já era alguém conhecido em Jerusalém. Todos estavam curiosos sobre as conseqüências de ser Jesus, sobre os sentimentos dele, mas se alguém lhes oferecesse experimentar isso na pele, uma resposta provável seria “Não o conheço!”. Hoje, as pessoas passam horas vendo a exibição de quem morreu, qual família foi destruída, qual animal foi massacrado, quem está disputando um prêmio. “Se fosse eu, faria diferente!” Realmente parece que somos nós lá, não parece? Mas isso se trata apenas de uma fantasia. Não somos nós, os caminhos por onde Deus dirige nossos passos não é aquele, e na verdade as fantasias podem até atrair nossos olhos mais do que o mundo real.

Mas voltemos aos shows, eles continuam! São escolhidas pessoas que não se conhecem (mas que se parecem com quem observa), junta-se elas num lugar onde nenhuma delas iria ou pensa ir, suprime-se suas atividades normais (alguém ali trabalha ou fala com a família?) e impõe coisas que elas nunca fariam (ex. dormir em 15 dentro de um carro ou propagandear algum produto muitas vezes por dia), adiciona-se a famosa competição (sem competição ninguém aposta) e chamamos isso de “reallity show”, ou show-da-realidade. Mas cadê a realidade?

Do outro lado da telinha, as pessoas também fazem seu show: agem seriamente no serviço e desleixadamente em casa (ou o contrário), falam alto no ônibus e ficam silenciosas na igreja, fogem de credores e apresentam a imagem mais austera uns para os outros, arrumam a casa antes de receber um amigo, colocam roupas bonitas para “sair” mas usam roupas comuns em dias comuns na mesma rua, choram escondido as palavras que esbravejaram para alguém. O que as pessoas mostram de si umas para as outras não é a realidade: está mais para “o que as pessoas pensam que os outros gostariam de ver”, e os outros também mostram “o que eu penso que as pessoas pensam que eu gostaria de ver”. Máscara de um para combinar com a máscara do outro.

Porque fazem isso? Talvez para manipular as apostas, simplesmente - todos querem ser favoritos nas apostas dos outros. Quando expectadores e “guerreiros” se misturam, você vota a favor de um camarada bonito e interessante e vota contra um camarada feio e mal-educado. E não faz isso pensando em beneficiar ele com sua escolha, mas em parecer sábio e ter algo belo ao seu redor para iludir os olhos, mesmo que para isso você deixe o real lá fora atrás de um muro alto e cercas eletrificadas.

Nos tempos de Jesus não era diferente. Cada casta judia tinha sua forma de se enaltecer. Os fariseus seguiam cada vírgula da lei, ainda que não atentassem para o propósito dela. E a aliança com os romanos garantia que eles estavam mais certos do que os demais... Os saduceus eram bons por descenderem dos antigos levitas (2Sm 15.24). Os zelotes eram bons porque sua bravura desafiava os invasores romanos. Os essênios eram bons porque apartavam-se do mundo e seguiam o voto nazarita. Os romanos confiavam no poderio militar para garantir que seu sangue era melhor que o dos outros. Os gentios se entregavam ao Deus que desse melhores resultados, enaltecendo cada um a sua descendência de um povo divino que herdara a Terra dos pais no Olimpo. Com tanta gente boa, claro que eles disputavam espaço no paraíso [terreno]. Então chega Jesus, reconhecido como O Messias e Ele mesmo diz a todos que o Reino de Deus seria dado às crianças e aos pobres de espírito?

Jesus não tinha porque fazer apostas. Ele não estava nem um pouco iludido com sonhos de riqueza (por isso andava entre os mendicantes), autoridade sobre as pessoas (que os fariseus e romanos tinham), boa imagem pública (que os publicanos e prostitutas certamente não tinham), a santidade de profetas (João o chamou de Filho de Deus, depois mandou perguntar se era ele mesmo) ou até as promessas pessoais de seus seguidores. O jovem rico disse que não matava, não furtava, era fiel e sempre falava a verdade. “Que mais me falta?” Jesus lhe apontou seus tesouros, que não estavam junto Dele (Mt 19.16-22). Pedro disse que nunca negaria seu mestre. Jesus respondeu que ele faria isso antes do amanhecer (Mt 26.31-34). Os escribas e fariseus levaram uma culpada para que Ele a “julgasse”. Jesus a inocentou, porque os “juízes” também seriam condenados ... e daí foram embora (Jo 8.1-11). Uma mulher samaritana fracassada nos relacionamentos Lhe falou que os samaritanos eram indignos aos olhos dos judeus. Jesus era judeu e lhe disse que ela estava prestes a receber um dom divino (Jo 4.7-29). Ele podia ver sob as suas máscaras de "bom" e de "mau", sob aquilo que tentavam mostrar.

Ele sempre tentava lhes abrir os olhos com a delicadeza de parábolas que, no fim, diziam ser todos imerecedores do Seu própio Reino, e ainda assim as pessoas o seguiam. Para Ele, nada significavam as máscaras, antes era melhor que as tirassem, pois Ele mesmo era a verdade. E acrescentava que o amor de Deus era concedido apenas pela graça Dele, nada mais.

Jesus não prometeu o Reino ao mais fiel, ao melhor seguidor da Lei, ao mais austero, mais sábio ou de melhor imagem pública. Bem pelo contrário, Ele Se fez ser chamado de criminoso, mentiroso, ignorante e execrável. De todos os milhares que O seguiam, apenas e mãe e 3 outros (dos quais só 1 era dos apóstolos escolhidos) ficaram junto da cruz quando o fracasso das apostas num Messias era óbvio. Os demais partiram para outras apostas que acharam mais rentáveis. Pedro, seu braço direito, foi assistir de longe. Talvez apenas o aparecimento Dele após morto tenha garantido que homens além de João continuassem acreditando nas promessas feitas. E você acha que Ele não sabia disso?

Que tal experimentar a vida de verdade, na pele mesmo? Que tal deixar de tentar garimpar o Reino que Jesus não enterrou? Não se iluda em mostrar para si mesmo, para a igreja ou para Jesus aquilo que você não é. Talvez te faça ser bem-visto, até receber um tapinha nas costas, mas com Ele simplesmente não funciona. No fim Ele vai sentar uma criança qualquer no colo e dizer que dela, e não seu, é o Reino de Deus. Ele tomará um ignorante (possível tradução de “pobre de espírito”) e dará o reino a ele, não a você. A criança tem humildade no coração, assim como o ignorante, e nenhum dos dois fez por merecer o Reino. Ganham o que nem sequer pediram, e o Pai dá porque compraz a Ele fazer isso. Ele dá de graça, para quem nada tem a oferecer em troca, sem disputa, sem aposta, sem merecimento, sem nada forjado. Sem show algum.

Basta pedir.

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