terça-feira, 8 de novembro de 2016

Cristãos contra Cristãos - porque tantas guerras na Idade Média?


A Europa por volta do séc. 10. Em laranja, o território dominado pela Expansão Islâmica; em rosa, o Sacro Império Romano-germânico, com a sede Católico-romana ao sul; em verde, o Império Bizantino. No mapa, são mostradas as rotas das Cruzadas para reconquistar Jerusalém.

Quando a bula Ad Extirpanda foi escrita, impondo um massacre dos hereges e determinando prêmios e punições segundo a contribuição da sociedade nisso, a Igreja Cristã havia mudado muito desde o séc. 1. O movimento que abolia as propriedades individuais e suportava a perseguição dos Judeus se transformara na religião estatal do Império. Haviam altos postos dentro da organização, geralmente ocupados por nobres. Por volta de 500 d.C., a Igreja controlava terras, exércitos e mesmo reis, tinha legisladores e uma espécie de constituição. Esse texto examina como os Cristãos chegaram a tal ponto.

Um ponto interessante é que Jesus não estabeleceu doutrinas. Teologicamente, Sua grande inovação estava no “siga-Me”, “amai ao próximo”, “terão autoridade e poder”, “pregai a toda criatura”, na existência do Pai, Filho e Consolador e na esperança de outra vida. Jesus não se deteve em debates filosóficos, mas demonstrou que conhecia o futuro, que comandava os peixes, que moldava e multiplicava a matéria viva ou não viva. Seus sucessores, por outro lado, quiseram explicar os porquês do querer, da importância de ser Judeu, da legalidade de qualquer alimento, etc. Nessas definições lógicas, cada qual inseriu e propagou sua própria bagagem cultural, de modo que a diversidade entre Pedro e Paulo já provocava discordâncias poucos anos após Jesus. Por volta do ano 300 d.C., quando 10% da grande Roma já era Cristã, havia muitas versões do Cristianismo.

ORTODOXIA

Nesses tempos áureos, Constantino I promulgou a liberdade aos Cristãos e todos os crentes de alguma fé para praticarem seu culto sob a proteção de Roma. Ele também organizou concílios para os bispos Cristãos debaterem as questões da fé, de forma que o Cristianismo de um lugar se aproximasse do Cristianismo de outro, mas pouco interferiu como autoridade nesses concílios. Afinal, ele misturava sem problemas o culto pagão com a nominação Cristã em seus exércitos. Constantino interessava-se mais pelo poder político, que perseguiu até controlar as duas metades de Roma. O Cristianismo, que não cultuava o imperador, também era conhecido pelo pacifismo político; assim, parecia ser uma forma de manter a união e a paz dentro do Império.

Constantino repelia qualquer discordância ou conflito sob sua jurisdição. Curiosamente, ele foi pioneiro na perseguição a um grupo Cristão. Os Donatistas, como eram chamados, eram Cristãos do norte da África (centrados em Cartago, atual Tunis) que se recusavam a seguir aqueles que haviam abdicado da fé durante as perseguições aos Cristãos. Infelizmente, essa era a condição de grande parte dos bispos e demais autoridades religiosas, de forma que Cartago recusou-se a seguir o bispo apontado por Constantino. Em nome da ordem, os Donatistas foram perseguidos e impedidos de estabelecer uma estrutura administrativa, mas na prática sobreviveram em grupos informais até as invasões islâmicas (séc. 6).

Theodosius I, muito mais fervoroso do que Constantino nas crenças religiosas, se declarou tutor do Cristianismo e pessoalmente autorizado a ditar as regras da religião como ditava as da política. Ele também definiu qual seria a doutrina “correta” do Cristianismo:

“É nosso desejo que todas as várias nações que estão sujeitas à nossa clemência e moderação continuem a professar a religião que foi entregue aos romanos pelo divino apóstolo Pedro, tal como preservada pela tradição fiel e que agora é professada pelo pontífice Damasus e por Pedro, bispo de Alexandria, um homem de santidade apostólica. De acordo com o ensinamento apostólico e a doutrina do Evangelho, creiamos na mesma divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em majestade igual e numa Santíssima Trindade. Nós autorizamos os seguidores desta lei a assumir o título de Cristãos Católicos mas, quanto aos outros, já que, em nosso julgamento, eles são loucos e tolos, decretamos que sejam marcados com o nome ignominioso de hereges, e não se deve dar a suas reuniões o nome de igrejas. Eles sofrerão em primeiro lugar o castigo da condenação divina e em segundo o castigo de nossa autoridade que, de acordo com a vontade do Céu, decidiremos infligir.” (Edito de Tessalônica, 380 d.C.)

Embora muitas perseguições a grupos Cristãos tivessem como pretexto a Cristologia (isto é, a natureza de Cristo), algo que realmente não interessou ao próprio Jesus debater, em verdade foram empreendimentos militares. Tais ações estabeleciam a supremacia de algum secto da Igreja sobre os demais, o que significava poder legislativo, terras e impostos. Uma vez atrelada por Teodósio ao governo imperial, a Igreja Cristã tornou-se um poder paralelo ou alinhado com o poder político, que ao invés de cultuar o imperador como deus, dava a ele autoridade sobre a forma como Deus devia ser cultuado.

TEMPOS PÓS-ROMANOS

Quando os territórios de Roma começaram a separar-se irremediavelmente do Império (isso é o que se entende por “Queda de Roma”), a Igreja já estava repartida em 5 dioceses dirigidas por bispos: Roma, Constantinopla, Jerusalém, Antióquia e Alexandria. Cada uma dessas dioceses se apoiava na descendência como grupo Cristão formado por um apóstolo original: Pedro, André, “os apóstolos”, “Pedro e Paulo” e João Marcos, respectivamente. A diocese de Jerusalém era guardadora dos manuscritos mais antigos do Cristianismo. A diocese de Antióquia mediou os conflitos entre Judeus Cristãos e os novos convertidos entre os Gentios (não Judeus). A diocese de Alexandria foi a primeira a fundar movimentos missionários na Europa, seguida pela diocese de Roma, que converteu os reis guerreiros do norte. Enquanto isso, a diocese de Constantinopla se dedicou ao Gregos, Morávios e Russos. Todas as questões do Cristianismo eram, em princípio, debatidas nos encontros de representantes das 5 dioceses. Fugindo dessa eqüidade, a diocese de Roma logo aliou-se politicamente ao Império e o bispo Romano ganhou poderes sobre os demais.

Com as invasões do Góticos na Ibéria (Espanha) e Itália, a sede do governo imperial foi transferida para Constantinopla (486 d.C.). Em Roma, o poder caiu nas mãos de um rei Gótico chamado Odoacer, que havia trilhado sua carreira militar ao lado de figuras como Theoderic I (rei guerreiro dos Ostrogodos, um dos grandes inimigos de Roma) e Átila, o Huno (historicamente o responsável pela derrota final de Roma). Embora Odoacer não fosse romano, era Cristão Ariano e manteve o Senado, mas repartiu as terras imperiais entre seus aliados. Dessa forma, inicialmente a fragmentação de Roma Ocidental não foi um problema para os Cristãos. Os aliados de Odoacer, entretanto, não eram unânimes em gostar deles. Em vários pequenos reinos que se formavam, os religiosos da antiga diocese Romana às vezes vagavam de um canto a outro em busca de reis e príncipes que lhes fossem favoráveis.

Por volta de 600 d.C., na Europa haviam velhos Cristãos, Cristãos perseguidos e novos Cristãos. No leste, onde Roma ainda existia com o nome de Bizantium e sua nova capital Constantinopla, a Igreja seguia o curso normal de organização em sub-dioceses, criação de infra-estrutura e produção literária. No oeste, a expansão islâmica ceifou as terras romanas no norte da África. As dioceses de Alexandria, Antióquia e Jerusalém foram arrasadas. Em pouco tempo, a Ibéria e mesmo parte da Itália haviam sido invadidas por reis islâmicos negros (chamados de Mauros ou Mouros) que se aliaram aos Judeus refugiados nesses territórios e iniciaram um forte movimento anti-Cristão. Ali, os Cristãos perseguidos se agrupavam ao redor de mosteiros e os abades negociavam terras e direitos com reis pagãos ou islâmicos. Algumas vezes formavam exércitos de auto-defesa quando as relações não eram boas; outras vezes, agiam como coletores de impostos para pagar tributos aos reis. No norte, por outro lado, o Cristianismo crescia nas terras dos Pictos e dos Anglo-Saxões. Os novos convertidos, distantes das tensões com Judeus, Islâmicos e Bárbaros, davam novos ares ao que o Cristianismo viria a ser.

A transferência da capital romana para Constantinopla e a invasão das terras do antigo império tiraram da diocese de Roma todo o seu poder original. Esse poder foi transferido para a nova sede, a  diocese de Constantinopla.

UMA ROMA RELIGIOSA RENASCE

Lentamente e através de muitas missões político-religiosas, os reis guerreiros do norte da Europa e das ilhas Britânicas se converteram ao Cristianismo e firmaram alianças com a diocese de Roma. Os mosteiros tornaram-se centros educacionais numa Europa onde as pessoas habitavam e até cultuavam as antigas fortalezas romanas. O latim havia se tornado uma língua mágica, guardada em documentos muito antigos e agora reaparecia como a língua dos textos sagrados. As tentativas da Igreja nessa nova Europa culminariam com a coroação de Carlos Magno como grande imperador Romano-germânico em 800 d.C. Obviamente, Carlos Magno não era descendente dos césares e por isso inaugurou um 2º Reich ou Reino, que aos olhos dos europeus substituía a antiga Roma. Mas era uma Roma que misturava o poderio militar dos nobres com sua filiação à diocese romana, onde não era simples distinguir entre religiosos e nobres.

Os abades, em especial, eram religiosos responsáveis por terras e as populações que viviam ali. Deviam garantir a filiação das pessoas ao Cristianismo (pois as tradições pagãs eram muito comuns em áreas rurais, que dependiam do clima e da fertilidade do solo), mas também coletavam impostos para os nobres. Não raro, os mosteiros dispunham de pequenos exércitos. Muitos abades eram aparentados com os nobres ou até escolhidos por eles e assim postos “a serviço da Igreja”. Logo, o enriquecimento de algumas famílias também se refletia na riqueza de seus mosteiros. Os bispos das dioceses também não escapavam ao parentesco com a nobreza, especialmente no novo Império do Ocidente. Apesar disso, o poder político de Constantinopla se mantinha e crescia em riqueza com as rotas de comércio no Mediterrâneo. Não tardaria para que os dois centros religiosos entrassem em conflito...

A influência islâmica sobre a Igreja Ocidental não passaria despercebida. Por volta de 730-750 d.C., as imagens religiosas (com exceção dos crucifixos vazios) foram consideradas idólatras e hereges, o que resultou na destruição de quase toda imagem e pintura que adornava as igrejas ocidentais. Essa visão era um princípio da lei de Moisés mais ou menos abolido pela repulsão dos Cristãos aos costumes dos Judeus, mas também era um princípio do Al-Quram, que entrou no Cristianismo a partir dos reinos islâmicos da Europa. Pouco tempo depois, a destruição das imagens é que foi considerada heresia. Apesar disso, Jerusalém estava sob controle islâmico e o papa Urbano II convocou os nobres europeus em 1095 d.C. para levarem seus exércitos até lá, restabelecendo a cidade sagrada. Como prêmio, estavam autorizados a ter para si tudo o que conquistassem no caminho de ida e de volta. Todo crime contra os islâmicos também seria perdoado. Estavam iniciadas as Cruzadas.

Na diocese de Constantinopla, Roma era vista como autoritária. Afinal, interpretavam que todos eram descendentes da pregação de Pedro e, como os demais apóstolos, eram iguais perante Cristo. Roma, entretanto, tinha muito a ganhar pela argumentação de sua descendência direta do grupo de Pedro. Roma de fato considerava que o bispo romano era sucessor de Pedro e tinha poderes (no Céu e na Terra) sobre todos os Cristãos, com autoridade mesmo para inserir modificações nos textos bíblicos. Constantinopla se recusava a admitir uma estrutura monárquica dentro da Igreja. Em 858 d.C., o patriarca de Constantinopla Photius I declarou-se contra qualquer intervenção de Roma e começou o processo da separação dos Cristãos em Católico-romanos (no Ocidente) e Ortodoxos (verdadeiros, no Oriente). A separação foi um processo político e deliberativo, acontecendo apenas em 1054, com a excomunhão de cada lado pelo seu opositor. Em 1204, a 4ª Cruzada organizada pela Igreja Ocidental atacaria e saquearia a cidade de Constantinopla, assim como seus templos.

VERSÕES DO CRISTIANISMO

A despeito da crescente miltarização / politização da diocese Católica-romana, diversos sectos surgiram dentro do Cristianismo, à medida que ele era pregado e se modificava nos diferentes reinos e povos. Segue uma breve descrição desses movimentos.

Arianismo: fundado por Arius (250-336 d.C.), presbítero de Alexandria, pregava um Jesus criado por Deus Pai, assim como a Sabedoria (Provérbios 8.22) e portanto posterior/inferior a Deus (1ª Coríntios 8.5,6). Em 4º lugar na “hierarquia celestial” estava o Espírito Santo. Foi considerado heresia em 325 d.C. e perseguido por Constantino I após o Concílio de Nicéia. As disputas entre a doutrina de Nicéia e o Arianismo afastaram muitas autoridades, cada vez que o poder real mudava de mãos, até a doutrina ser banida de Roma por Theodosius I e sua esposa. A partir de Alexandria, entretanto, o Arianismo foi pregado entre os Germânicos (norte da Europa), Lombardos (norte da Itália), Vândalos (norte da África) e Góticos (Espanha), de onde re-assumiu a realeza quando Roma Ocidental se desmantelou. Os Francos (norte da França) e os Anglo-saxões (Inglaterra), entretanto, foram convertidos a partir da diocese Romana e, portanto, eram adeptos do Credo de Nicéia. O Arianismo sobreviveu até o séc. 7, quando a fusão dos reinos europeus sob o franco-germânico Carlos Magno criou o Sacro Império Romano-germânico e instituiu a caça a todos contrários ao credo de Nicéia.

Pelagianismo: fundado por Pelagius Bretto (354-420 d.C.), monge Bretão do território Romano no sul da Inglaterra. Seu nome significa “das ilhas britânicas” e pode ser um pseudônimo. Provavelmente era irlandês, do grande clã dos Scotts. Devido à pregação vigorosa e modo ascético de vida, era considerado “santo” mesmo pelos opositores (como Sto Agostinho). A doutrina pregava que os homens podem servir a Deus ou não, mas são auxiliados pela Graça em toda boa obra, que é fundamentalmente diferente da perfeição moral (João 8.11). As obras más seriam resultado de má conduta exclusivamente humana, dessa forma cabendo ser julgadas pela justiça comum dos homens. De forma análoga, Jesus seria influencial para a humanidade através dos seus bons exemplos de conduta. Foi considerado heresia em 430 d.C. por atribuir aos homens a responsabilidade pela sua salvação. mas há relatos de membros até o séc. 14.

Celtas: o Cristianismo Celta não surgiu como um movimento, mas foi uma combinação da evangelização dos Pictos por missionários da diocese de Alexandria, o esfacelamento de Roma Ocidental e uma geração de missionários nativos das ilhas Britânicas, imersos nos costumes dos chefes de clãs locais. Já no séc. 5, os Pictos adaptaram o Cristianismo a um sistema descentralizado, guerreiro e aliado às lideranças de clãs. Essa nova estrutura formou grupos Cristãos informais, atuantes na educação dos jovens adultos, avessos a hierarquias, que valorizavam costumes Judaicos, transformavam penitentes em missionários e, sobretudo, eram separados da renascente autoridade Romana. Tal sistema foi fortemente atacado pela conversão dos Anglo-saxões (vikings do leste Britânico) ao Cristianismo Católico-romano. Após séculos de disputas territoriais, os Cristãos Celtas acabaram conquistados pelos Anglo-saxões no séc. 8. Apesar disso, as ilhas romperiam sua aliança com Roma no séc. 13.

Nestorianismo: fundado por Nestorius, bispo de Constantinopla (428-431 d.C.), pregava um Jesus formado por duas naturezas imiscíveis, uma humana e outra divina. Assim, Maria seria mãe da parte humana de Jesus, enquanto Deus Pai seria o gerador único da parte divina. O movimento começou em Edessa (Turquia) e foi considerado herege em 431 d.C., abrigando-se sob a proteção e tolerância dos Persas. Durante a expansão islâmica, a Igreja Nestoriana foi propagada para Índia e China. Os movimentos políticos no séc. 13 (em especial as Cruzadas) destruíram as Igrejas Nestorianas no Oriente Médio, isolando esse secto Cristão no Oriente.

Catarismo: movimento Gnóstico que surgiu do Paulicianismo na Armênia (650 d.C.) e se propagou para a diocese de Constantinopla, para o norte da Itália e sul da França (séc. 12). O movimento desviava-se bastante do Cristianismo de Nicéia por separar os homens e as forças do universo em divinas / boas / espirituais e satânicas / más / carnais. Os homens se aproximavam de Deus através de várias reencarnações até adotarem uma vida ascética (que não diferenciava homens e mulheres) e passarem por um ritual chamado Consolamentum. Após isso, eram considerados puros ou perfeitos. Também negavam que qualquer coisa material (como um pão ou vinho) pudesse conter a essência divina. Por volta de 1150 d.C., os Cátaros haviam organizado seu próprio bispado, que não se submetia a Roma / Sacro Império Romano-Germânico. Assim, no começo do séc. 13, o papa excomungou os Cátaros - nobres, religiosos e seguidores - direcionando uma cruzada contra eles para exterminar a todos. Cerca de 20 000 foram mortos nessa expedição e a Inquisição foi iniciada para caçar os restantes, autorizando que oficiais de Roma se apossassem das terras dos nobres Cátaros. O último nobre foi executado em 1321, mas a estrutura da Inquisição foi direcionada a qualquer outra possível traição ao papa, ao Império ou ao Cristianismo de Nicéia.

Fraticelli: no séc. 10, o monge Bernard de Clairvaux teve sucesso ao associar o “modo Cristão de viver” com trabalhos no campo, fundando mosteiros em áreas rurais. Essas comunidades aproximaram a Igreja das populações na Europa, de modo que o número de Cristãos aumentou muito. Semelhantemente, Francisco de Assis no séc. 12 convocou os Cristãos para se desfazerem de suas posses e viver do que pudessem plantar ou ganhar, o que foi visto como libertário dentro de uma tradição de religiosos nobres, poderosos e abastados. Os Fraticelli, Franciscanos Espirituais ou Pequenos Irmãos surgiram como ápice desse movimento, denunciando a riqueza da Igreja como escandalosa, pregando a pobreza absoluta, uma vida asceta e negando os sacramentos de religiosos ricos, incluindo o papa. Por repudiarem as hierarquias da Igreja Católico-romana, foram declarados hereges em 1296, perambulando por diversos reinos até retornarem à Itália como um grupo fundamentalista separado da Ordem dos Franciscanos. No séc. 14, a Inquisição condenou vários dos membros à morte.

Waldensianismo: fundado por Peter Waldo, comerciante alemão que, em 1173, desfez-se de todos os bens e uniu-se à ordem dos Homens Pobres de Lyon, passando a pregar a pobreza como caminho até Deus. Por volta de 1180, Waldo traduziu o Novo Testamento para o Francês. Ele organizou missionários que espalharam o movimento pelo sul de França e Alemanha. Em 1184 foram excomungados como hereges e perseguidos, mas conseguiram apoio de príncipes alemães que repeliram militarmente a cruzada contra eles em 1487. Na França, entretanto, os Waldenses foram massacrados. Por acreditarem no ministério de todos os crentes, na eqüidade perante Deus e no valor das reuniões de fiéis, os Waldenses uniram-se ao movimento Protestante no séc. 16, em especial concentrando-se no secto Metodista.

Beguines ou Mendicantes: movimento que surgiu a partir de mulheres solteiras na Holanda do séc. 13. Conforme o movimento cresceu, pessoas (sobretudo mulheres) aderiam informalmente a comunidades religiosas dedicadas à imitação de Cristo através da pobreza voluntária, cuidado aos doentes e pobres, assim como devoção religiosa. O ingresso e saída da ordem eram livres e informais. Algumas trabalhavam na indústria de tecidos, outras como professoras e assim a ordem estabeleceu-se em residências coletivas. Os grupos eram mais ou menos independentes e alguns chegaram a ter milhares de membros, criando um bispado e diocese próprios. Alguns grupos acabaram fechando-se e tendendo ao misticismo, o que levou a serem declarados hereges no séc. 14. Devido aos relatos de santidade de seus membros, vários grupos foram absorvidos por ordens Católico-romanas e outros desapareceram durante a Reforma Protestante, mas alguns mantém-se até hoje.

POR FIM, AS ARMAS

Em resumo, o militarismo dentro da Igreja Cristã surgiu do atrelamento de lideranças religiosas a poderes políticos. Trata-se de uma situação semelhante à conquista de Canaã no Velho Testamento e aos Fariseus durante o domínio Romano na Judéia, em outras palavras, muito longe do que Jesus representava. Essa infelizmente foi a direção tomada pelos clérigos da diocese Romana quando o poder imperial de Roma se desfez no Ocidente, dando lugar a reinos bárbaros. Os reinos foram re-unificados sob uma tutela religiosa que se importava sobremaneira com privilégios políticos, riquezas e que nomeou como clamor à Ortodoxia (pureza de culto) os seus empreendimentos militares contra reinos e outros grupos Cristãos. No séc. 14, a perseguição de Cristãos e nobres dissidentes havia se tornado uma ferramenta eficiente de enriquecimento da “monarquia” Católico-romana. Os vários movimentos libertários dentro desse sistema, nomeados como “hereges”, eram por outro lado tentativas de estabelecer as diretrizes religiosas de pequenos grupos (que também clamavam à Ortodoxia), às vezes com fundamentação nos ensinos e exemplo (não teológicos) de Jesus, às vezes nem tanto.

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ARQUIVOS PARA SEREM QUEIMADOS EM PRAÇA PÚBLICA

Arianism - wikipedia
Beguines and Beghards - wikipedia
Catharism - wikipedia
Fraticelli - wikipedia
Nestorianism - wikipedia
Waldensians - wikipedia

Um comentário:

  1. Por partes:
    Sobre sua afirmação abaixo...
    “Embora muitas perseguições a grupos Cristãos tivessem como pretexto a Cristologia (isto é, a natureza de Cristo), algo que realmente não interessou ao próprio Jesus debater”

    Permita-se dizer que a afirmação deve considerar, dentre outras ocorrências registradas nos evangélicos, o debate de jesus com os Judeus acerca da pessoa dele mesmo - tema central da teologia. No evangelho de João, cap.3, Jesus tenta convencer o mestre religioso sobre as condições de entrar no reino do céu e o significado do nascer de novo – ensinamento totalmente desconhecido para o judaísmo; ainda neste capítulo, Jesus traz clareza sobre a luz espiritual e o andar na luz; Em João 4 jesus trata com a samaritana sobre o verdadeiro culto, em espírito e em verdade e sobre o verdadeiro e único messias; no capítulo 5 Jesus debate com judeus sobre o fato dele ser filho de Deus; Ele ainda defende seus ensinamentos como digno da credibilidade dos homens, inclusive dos judeus, para que tenham vida eterna – uma declaração sobre o único modo de salvação que será repetido em joão 14:6; Ele também defende sua origem em Deus-Pai, teologia pura; Em joão 6 Ele debate com Judeus sobre sua pessoa e missão – defende a si mesmo como o Pão que desceu da parte de Deus; Ele fala sobre comer sua carne e beber seu sangue, bem, como sobre seu poder de ressuscitar os mortos. Se estas não são discussões teológicas, não sei o que seja teologia, em seu ponto de vista.

    E ainda:
    “Um ponto interessante é que Jesus não estabeleceu doutrinas. Teologicamente, Sua grande inovação estava no “siga-Me”, “amai ao próximo”, “terão autoridade e poder”, “pregai a toda criatura”, na existência do Pai, Filho e Consolador e na esperança de outra vida. Jesus não se deteve em debates filosóficos...”

    Bem, Jesus, o Cristo, definiu quem era o messias prometido, o filho de Deus, o salvador, o sacrifício pelos pecados da humanidade, a luz do mundo, a única porta e o único caminho, único acesso ao Pai e único salvador, dentre outras coisas. Em Mateus 23 ele debateu sobre teologia e ensinamentos acerca de conduta. A discussão de João 8 também é acirrada. Ali ele fala sobre o conceito de verdadeira liberdade, herança espiritual, etc. etc.etc.
    Se estes temas não se caracterizam um debate filosófico e teológico, então...

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