Antes que me processem, essa imagem é de autoria de Michael Junkroski e foi retirada da sua postagem "Woke Like Jesus". Adulterei ela para não deixar isso óbvio. Um parágrafo que gostei muito no texto foi "Acho que Jesus é uma lição sobre acordar e responder às injustiças do mundo. Ele nos arranca da visão nebulosa causada pelo sono em nossas vidas e nos empurra para um estado mais elevado, um no qual estamos dolorosamente cientes das diferenças de privilégio e compelidos a não reequilibrar o sistema, mas a inclinar a balança em favor dos pobres e desprivilegiados."
Cultura woke é o nome dado por Reacionários a uma suposta predominância de aporte a ideologias de minorias. Na prática, significa patrocinar mídia com temática antirracista, feminista e pró-LGBT ao invés de outros temas. Os "Wokes" seriam pessoas "acordadas", capazes de ver a manipulação a que estão sujeitas (por parte da cultura, da economia, do governo - é a ideia de um inimigo difuso na classe superior). Os Reacionários são pessoas desagradadas com os Wokes, engajadas em calar ou eliminar eles. Via homicídio, se necessário.
A primeira questão, indo no sentido contrário, é sobre esse inimigo que não é uma pessoa. Ele existe? Estamos sendo traídos pelo governo? Pelos mais ricos? Pelas potências estrangeiras? Eu não sei se o nome "traído" se aplica aqui, porque em geral a sociedade gira ao redor de consumo, oferta de salários e ensino. Não há promessas (ok, toda propaganda é uma promessa), e sim produtos à venda.
No caso de consumo cultural, é mais ou menos opcional consumir o que te é oferecido. Existem livros, existe a internet, existem atividades que não são controladas (no Brasil). Fazer o que todos fazem "porque todos fazem isso" é muito mentalidade de rebanho..
No caso de consumo de produtos físicos (alimentos, aparelhos, etc), sim, estamos nas mãos de uma classe privilegiada. Isso desde o séc. 17 pelo menos. A "cultura Woke", aqui, deveria incentivar o consumo a partir de pequenos produtores, o que muitas vezes acontece. Mas nem sempre. Os pequenos produtores, inclusive, costumam estabilizar a economia nacional porque geram muito mais empregos/R$ lucrado que as grandes empresas. Não é simples para os mais pobres optar coisa alguma, geralmente buscam apenas o que é possível (e as grandes empresas oferecem produtos mais baratos, com muito menos gente sendo empregada para gerar eles). Mas existe uma parcela da população que tem essa possibilidade de optar quanto ao que consumir. Claro, isso faz conta de uma faixa de renda que vai descendo desde "os mais abastados" até certo ponto da "classe média". Em outras palavras, quanto ao consumo, não há Wokes pobres. Não tem como haver, por uma questão de sobrevivência. De certa forma, a "cultura Woke" depende da parte superior do Sistema Capitalista. Relacionemos isso, no meio religiosos, como MISERICÓRDIAdos ricosquanto as pobres.
No caso da oferta de salários, de novo estamos, sim, mas mãos de quem tem o capital e comanda o Estado. Não tem muita saída a não ser favorecer políticos que estabeleçam regras protecionistas ao trabalhador. Se esses trabalhadores são majoritariamente pretos, pobres, indígenas, etc depende de uma análise populacional e também de um acordo empresarial sobre "a quem interessa proteger". Essas pessoas precisarão ser pagas e não vai ser o Estado a lhes sustentar. Dentro da mentalidade Woke, importa proteger as minorias. Dentro da mentalidade empresarial, importa pagar quem consome. Em se tratando de minorias, elas vão ser importantes para a economia quando consumirem produtos diferenciados. Não antes. Então o argumento Woke, embora bem humano, fica enfraquecido na sua aplicabilidade.
No caso de ensino, chegamos a um ponto complicado. Não há ensino integral, onde tudo seja ensinado aos jovens. E muito do que é aprendido, não é aprendido na escola: há um ensino cultural doméstico, há um ensino cultural das comunidades onde o jovem se apresenta, há um ensino das redes sociais (não as chamo de comunidades), há um ensino encolhido pela própria pessoa. Todos eles carregam vieses. Mas nem todos são passíveis de regras. A escola é. Ali, o ensino útil às classes mais pobres é a de ideologias de esquerda, destinadas a semear a guerra por direitos. A mentalidade Woke cabe bem nesses locais. Já o ensino útil às classes mais altas é anti-Woke, no sentido de adquirir conhecimentos técnicos necessários a ter postos de trabalho mais altos - que serão proporcionados ou financiados aqui e ali por seus pais. Lutar por direitos indígenas ou equidade racial se torna absoluta perda de tempo, quando você só precisa de um diploma para assumir a vice-presidência da empresa da família, ou para abrir seu próprio escritório em sociedade com o tio milionário. Essa diferença faz pensar em escolas-de-esquerda e escolas-de-direita. Entre as particulares, estão as de direita. Entre as estaduais, tudo muda dependendo de quem está no poder, fazendo um campo de guerra entre aqueles que eram o poder antes e os que são o poder agora. O nome Woke vem daí, de uma forma pejorativa atribuído para os defensores de minorias por aqueles que estão ganhando o poder agora.
Existe um poder dos mais ricos contra o qual seria justo lutar? Se considerarmos que as famílias mais politicamente poderosas do Nordeste brasileiro são aparentadas com os donos das Capitanias Hereditárias do séc. 16, que financiavam a Coroa Portuguesa, esse poder está posto aqui, no Brasil. Mas ele é disputado, claro, com sobrenomes que "ascenderam" ao longo da história. Trata-se, essencialmente, de uma política controlada pelos mais ricos e que satisfaz os seus interesses. Leis trabalhistas, educação e saúde pública foram implementações DO ESTADO na medida em que se apostou em aumentar o consumo e a eficiência da mão de obra local. E sim, isso sempre funcionou a longo prazo; a curto prazo é dinheiro que poderia ser investido em benefícios agrícolas. E por isso, nem faz sentido falar em Wokes aqui: temos, na verdade, um poder político dividido entre os ricos industriais e os ricos rurais, com flutuações de acordo com o mercado mundial. Na época de expandir a agricultura, investiu-se em estradas. Na época de implementar indústrias, investiu-se em educação básica e vacinação geral.
Mas sim, os Wokes estão fazendo seu barulho em prol de políticas para inclusão, equidade, etc. E serão atendidos na medida em que os ricos industriais enxergarem neles um mercado consumidor. Atuações como o Black Money, Pink Money, etc têm talvez mais poderio sobre as decisões políticas dos industriais do que os sindicatos. Talvez estejamos apenas na época do Woke Money sem ter percebido isso, e daí valorizar essa cultura de apoio às minorias ou declarar guerra aberta a tudo o que eles defendem (vide Bolsonaro, Milei, Trump, Orban, etc) vai do novo fortalecimento de um "poder agrícola". Como representantes de um poder econômico derivado da exploração pura e simples de mão de obra para obter os produtos que exportam do país, os empresários/políticos dessa ala têm muitos motivos para defender trabalho escravo, fim de leis trabalhistas e privatização de todos os serviços (povo = lucro a obter). Isso ganha força com recentes movimentos Neofacistas, de supremacia e extermínio das minorias, de forma bem chamativa ocorrendo em países com tradição agropecuária, numa época em que o Leste Asiático desponta como pólo industrial.
Somos apenas fornecedores de matéria-prima e mão-de-obra sacrificada para esse Novo Mundo. As lutas que travamos aqui interessam bem pouco nesse cenário: pretos, pobres, indígenas, florestas, rios e jazidas são todos BENS NECESSITANDO DE COMPRADOR. Itens de extrativismo à venda. E os donos dos governos estão fazendo seus negócios. A "cultura Woke", pretendendo mostrar extermínios e maus tratos, não é somente indesejada nesse novo sistema. Ela é desprezível, porque FAZ O PRODUTO À VENDA PARECER FEIO. Quem quer consumir produtos associados à escravização de pessoas, ou à destruição de florestas milenares? Há de se empregar toda mídia comprável em desqualificar esse tipo de visão, de discussão, de abordagem da sociedade. Wokes devem ser calados. Wokes devem ser eliminados. A la Velho Oeste, vivos-ou-mortos.
OS INCOMODADOS
Um ponto bastante curioso é: a quem a cultura Woke incomoda? Quero dizer, a quem desagrada dar visibilidade aos problemas dos LGBTs, negros, feministas, deficientes, etc? Já vimos que eles são um setor consumidor, e produzir para esse público pode ser um mercado rentável. No entanto, há críticas numerosas contra as abordagens voltadas a eles. Teria desaparecido a cultura não-Woke? Isso é, teria acabado a possibilidade de produzir livros, novelas, séries, quadrinhos, pinturas, matérias de jornais e revistas sem uma abordagem Woke? Se falamos de uma minoria Woke, isso nem faz sentido. Não poderiam conduzir o mercado. Se falamos em uma maioria Woke, há um público consumidor. Falar contra ele é basicamente reclamar de ser uma minoria não atendida pela cultura. O que colocaria os não-Woke como parte dos Woke (rindo sim). Mas os reclamantes existem, declaram-se vítimas de um sistema governamental que não lhes dá voz, um inimigo econômico-cultural coletivo que os priva de visibilidade. Nada mais Woke!
A visibilidade que se pretende aqui é das pessoas anti-LGBT, anti-negros, anti-mulheres, anti-indígenas, etc. Chamamos estes de grupo de Reacionários, porque sempre se manifestam em oposição a alguém. Estamos falando de pessoas cuja atuação social se direciona a retirar direitos de outras pessoas. Por exemplo, retirar um banheiro destinado a pessoas Trans. Retirar uma cota em concurso público destinada a Indígenas. E vai.. Em suma, manter todas as desigualdades que até mesmo o Sistema Legislativo reconheceu e está trabalhando para consertar. Não sem mérito, trata-se de pessoas autodenomidadas conservadores. A quem interessa manter as desigualdades? Às minorias oprimidas não é.
Às maiorias oprimidas, fica a questão de se entender como explorado ou embarcar na ONDA COACH de se comportar como explorador para "enganar o universo" e Ele te transformar magicamente em rico empresário. Na época da Escravidão, funcionava com os Capatazes ou Feitores (nenhum deles jamais deixou a condição de escravo), recrutados para oprimir seus iguais e, assim, ser superior.
CADÊ O JESUS?
Até aqui, talvez o leitor já esteja se perguntando onde foi parar o Cristianismo. Lá no seu tempo de 2000 anos atrás, mais ou menos, Jesus se propunha justamente a "acordar" as pessoas. Não a respeito da dominação Romana (há quem fale que Roma promoveu o Cristianismo de um culto agrícola para a metrópole do mundo antigo), mas falando exatamente contra a religião ritual, institucionalizada, ditada por alguém poderoso. E que dava pouco ou nenhum valor à solidariedade / horizontalidade entre os fiéis. Na condição de um suposto profeta, Jesus era sim um Woke do seu tempo: alguém preocupado com questões como pobreza, fome, doenças, santificação por política (como os Saduceus e Fariseus que compunham a elite Judaica) e a crença de que as pessoas não podem se ajudar. Jesus virava a mesa - literalmente - para dizer que elas tinham o dever de se ajudar. Podemos inclusive voltar à pergunta lá de cima: a quem Jesus e seus seguidores Wokes incomodavam?
Não eram os Romanos, ainda. Os Cristãos só viraram alvo de Roma após o grande incêndio de 64 d.C. e as revoltas contra o Império nessa mesma época - Jesus é de 40 anos antes. Quem apresentou queixas contra Jesus? Quem mandou Saulo / Paulo de Tarso em perseguição aos Cristãos 20 anos antes? Foram os líderes religiosos da Judéia, em geral com as costas quentes por meio de Roma. Eles eram militaristas, os protetores da moralidade, da ordem, dos bons costumes, da dependência das pessoas quanto às regras ditadas pelo Templo. Isso incluía recrutarem populares para fazer negócios na entrada do espaço sagrado (para a economia não quebrar) ou apedrejar outro popular até a morte. Dá para perceber uma semelhança com os Reacionários, ofendidos mortalmente pela valorização de minorias subjugadas pela Sociedade.
ABSURDUM EST
Seria completamente absurdo pensar que um carpinteiro pobre de Nazaré, batizado por um revolucionário vestido em peles da beira do Jordão, merecesse mais atenção do que um douto. Um Saduceu versadom pormenores da lei, educado por anos juntoa mestres famosos, frequentador da elite local Romana, descendente das famílias que guardaram o Templo durante a invasão Grega em 300 a.C. A quem cabe a MISERICÓRDIA? Como ficaria a meritocracia?
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Prefira "ser Woke" a ter que ler isso:
Junkroski, M. "Woke like Jesus", postagem em Medium.com, 02/jan/2023.
Loungecba.blogspot.com, "Século 1 - 1ª parte", 28/mai/2016.
Loungecba.blogspot.com, "Os dois lados de uma Cleópatra", 29/jun/2018.
Soares, A. "O que é Black Money e por que esse movimento vem crescendo?", 12/set/2021.
Vacari Neto, N. et al. "Desvendando o Pink money para empreendedores". International Journal of Scientific Management and Tourism, v. 10, n. 6, p. e1211-e1211, 2024.
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