sexta-feira, 7 de março de 2025

CARNAVALESCO MAN

Bob

Para começar, o título é uma homenagem ao extinto programa Casseta & Planeta, dos anos 1990. Ele (o título) se explica pela referência explícita ao Carnaval, ou talvez a um super-herói questionável que espalhava o Carnaval por onde passava, com raios de purpurina e gritinhos. Mas estamos aqui para conectar o Carnaval brasileiro ao Cristianismo. Mais especificamente, a idéia é falar sobre Evangelho, "a boa notícia". Sim, parece sempre muito estranho que chamemos de Evangelhos a 4 textos (Marcos, Mateus, Lucas, João, nessa ordem cronológica) que contam, de modo narrativo (e diverso) a vida e morte de Jesus. Não a trajetória do Jesus Messias de Paulo, quem escreve a maioria dos outros textos do Novo Testamento, mas o Jesus humano, nazareno, pobre, mortal, raivoso, sofrido, traído, duvidado. Marcos é a base, supostamente reproduzindo as falas de um Pedro velho, que ele [Marcos] anotou. Mateus é o sonho. Lucas é a pesquisa, aquilo que o povo fala. João é o outro lado da história. E tudo isso trazido aqui, com a temática do Carnaval. Que pedante!

Calma lá, leitor. Vou só tentar te convencer que o Carnaval é uma festa Cristã do Bob Espoja. Pepepeperaí...

Esse texto deve ser sua 6ª versão. Ou outra, não faz mal. Ele surgiu da idéia (talvez absurda, e aí os muitos apagamentos têm algo a testemunhar) de discutir o Carnaval enquanto uma grande salada de crenças. Algumas Cristãs! Salada porque essas crenças são diversas como queijo, rúcula, limão e tomates; e porque nos chegam juntas, na melhor das intenções, mas nem sempre de forma boa. Olha só..

No Carnaval, eu identifico pelo menos 3 tribos tomando seus rumos: vou chamar elas de foliões ou Bob Esponjas (a não analogia é difícil para os fãs do desenho), querendo fazer o que der na telha, com suas purpurinas, batuques, trombones, etc; os Lula Moluscos, que só querem ficar em casa maratonando seriados, talvez; e os Crentes ou Siriguejos, que se reúnem para orar, jejuar, enfim fazer o contra dos Bob Esponjas. A analogia com o desenho parece instrutiva. Se você nunca viu, está perdendo. E a questão aqui é justamente O QUE O CARNAVAL CULTUA?

A resposta mais óbvia, penso eu, é que são as pessoas quem cultuam. Não é a data em si, nem as folias, mas as pessoas. E por isso as reparti em três bandos ou personagens. Os nomes do famoso desenho infantil vieram como forma de caracterizar os personagens carnavalescos. Copiei de um podcast que me fez rir muito. Bob Esponja é um rapaz (esponja do fundo do mar, mas é a cara dessas de lavar louça) que trabalha numa lanchonete, metido em um terninho. Ele faz tudo lá, na verdade é só ele quem sabe as receitas. Ganha quase nada e está sempre rindo da vida, das pessoas, até do próprio pé. Lula Molusco é outro funcionário (uma lula), vizinho do Bob no trabalho e na moradia, que tem aquele bom humor de tia velha da repartição pública combinado com diretora de escola em TPM. Em casa, sozinho, ele fica feliz. Desde que o Bob não apareça. E finalmente, Siriguejo é o dono da lanchonete (ele é um caranguejo), o capitalista que tenta lucrar com tudo, grita o tempo todo, demite todos umas 2 vezes por dia, possui de tudo e evita se misturar com a plebe, especialmente se ninguém pagar por isso.

No bloco dos Bobs, os seguidores de Paulo colocariam a placa "um culto da carne", ou simplesmente "dos prazeres". Dá para entender que aqui está o pessoal com chapéus engraçados, purpurinas, confetes, que segue os trios ou faz suas festinhas regadas a muita bagunça. A idéia original do Carnaval lá na Antiguidade era essa, de dar uns dias ao povo para se divertir independentemente da lei. Vale dizer que a lei Romana era imposta a muitos povos não-Romanos. O Carnaval era exatamente uma folga-de-Roma, inclusive para os Romanos. Cultuar a liberdade nesses dias era e é certamente compreensível, diria qualquer dirigente do Império. Não mudou muito.

Mas eu quero explorar isso. E fora da denominação de Paulo, que seguia o Platonismo grego, ou seja, o Espírito (intelecto) e a Carne (corpo) como inimigos entre si. Eu jamais conheci um corpo sem espírito (que fosse vivo) ou um espírito sem corpo (que também fosse vivo), por isso acho a idéia bizarra. Não estou sozinho nessa opinião.

O culto do prazer, por mais estranho que pareça, é corporal (de beber, dançar, beijar, abraçar, ser igual aos outros) e também espiritual (de ter prazer ao beber, de ter prazer ao beijar, de ter prazer ao abraçar, de ter prazer em ser mais um). Basicamente, ter prazer. Nosso cérebro carnal é preparado para escolher comidas e bebidas por prazer, e estar vivo enquanto você faz as muitas coisas que faz. E o cérebro espiritual (seja lá o que isso for, mas você entendeu a idéia) está amalgamado, misturado na coisa carnal. Diriam vários filósofos: é necessário ter prazer no que se está fazendo. Supostamente fomos feito com essa diretriz .. pelo Criador. Mas "ter prazer" se tornou algo ruim, pelo viés Platonista. Esse tema é complexo.

Há prazer em comer, há prazer na cerveja com os amigos, mas também na música. Há prazer em dormir. Há prazer em estar com seus filhos, e com seus pais. Há prazer em ver a arte nas igrejas Cristãs, e também em dançar para Orixás ou para as forças da Natureza. Há prazer em plantar, em colher e em ajudar um amigo. Há prazer em não fazer nada. Acredito que Jesus falava sobre isso quando contou do Bom Samaritano, que ajudava sem nada receber (além de prazer). Há prazer em desafiar as autoridades, e todo adolescente conhece isso. Jesus e todos os mártires também desafiaram autoridades. Há prazer em pintar e em cantar, porque a criatividade é prazerosa. Os Druidas antigos lá na Grã-Bretanha nunca se repetiam em seus cânticos, poemas e feitiços. Mas há prazer também em fazer o que você já faz bastante. Jesus ensinou o prazer de ver seu próximo estar bem. Quem poderia ter aprendido? 

Dentro do bloco carnavalesco dos Bobs, vale dizer que muitos rumos são possíveis. Nem todo prazer seu é prazer do outro e, talvez, atentar para esse "prazer do outro" seja uma lição valiosa para todos que embarcam na folia, atrás dos prazeres de si. Há caminhos para isso verdadeiramente religiosos, seja você Cristão ou não. Valorizar o prazer vai muito na direção do ensino de Jesus ao mostrar que seu pagamento é a própria ação, mas ela precisa trazer bem ao outro. Não é um compromisso estranho, eu lhe garanto. Alguém (Lá encima? Aqui do lado?) te fez justamente para isso, se ser feliz e fazer feliz.

Não esqueçamos os Lula Moluscos, quietos e  rindo seu canto escuro. Não tan´to mas são aqueles que só querem o feriado, a folga, para gastarem um tempo sozinhos. A analogia com o personagem é porque o Lula Molusco nunca quis encher o saco de ninguém. Nem quis ir a festa alguma. O que tem de errado nisso?

Dentro do mundo Capitalista, não tem nada errado. Cada um cuida de si. O Si é mais importante que todos, aliás. No mundo Socialista, alguém perguntaria "como você está servindo a sua comunidade?". Sim, ficar no seu mundinho particular pode então não ser bem visto. Mas não tem problema, desde que você saiba o que faz. Eventualmente, ficar longe de todos pode inclusive ser saudável para alguém se regular, apaziguar os próprios demônios. Se os Bobs querem festejar, os Moluscos só querem estar fora da festa. Mas a pergunta aqui é a mesma: quem você está cultuando quando faz isso?

Uns diriam Ninguém (isso quase sempre é mentira), outros diriam "eu mesmo" (o que seria verdade se você fosse completamente original, mas geralmente não é), outros diriam "a minha liberdade". A tal da Liberdade tem até uma estátua gigante, com tocha na mão e tudo. Não é ruim cultuar a Liberdade, especialmente se você o faz com ética. Nesse último caso, eu até recomendaria você o fizesse em outras épocas do ano, ou se tornasse até arauto desse movimento, pois as pessoas sofrem muito por falta de liberdade.

A parte ruim da liberdade - e vale dizer isso - é que ela costuma ser individualista, como o Molusco. Você basicamente pode ser você mesmo, sem ferir os demais, quando está sozinho. A tolerância ao outro costuma cair por terra quando nos deixamos ser livres, e isso é sintomático de que estamos, no fundo, separados. Apenas pelo que não é liberdade - ou seja, pela força ou o interesse - é que conseguimos estar juntos. Muitas vezes, nem casais conseguem ser livres enquanto juntos, como se o mundo fosse composto de regras estritas sobre o que fazer e não fazer, uma espécie de Roma legislativa sem espaço para a criatividade ou liberdade que nos caracterizam como seres pensantes e sensientes.

A Liberdade é importante para a vida, precisa ser cultuada e experimentada não apenas na solidão dos quartos e apartamentos, mas como inspiração para os demais. A Liberdade levou Jesus a jantar com Fariseus, Publicanos, Plebeus, Centuriões, Juízes, etc. Um nome (Romano) que não havia ainda, mas caberia em Jesus, é "libertino". Do tipo que pega o trigo "sagrado" para dar a homens famintos, ou sai fazendo coisas em pleno Shabat. Muitos O repeliram (os Evangelhos certamente não têm muito a dizer desses encontros ruins, que certamente se deram), mas outros gostaram tanto daquele tipo libertino que se inspiraram Nele. E daí a liberdade no Carnaval, mesmo naqueles tempos de Roma, seja mais Cristã do que você já pensou. "A verdade vos libertará", dizia Ele. E dessa forma, o Molusco é só um carnavalesco retraído quando quer ficar sozinho. Com certeza outros se juntariam a ele para preparar suas requintadas comidas, fazer suas miniaturas, suas esculturas ou tocar o seu trompete.

Sem fugir demais, resta falar sobre o clã dos Siriguejos. É o pessoal que repudia os festejos Pagãos fazendo seus festejos Cristãos. Por Pagão vamos relembrar que foram os Europeus não Romanos (pagani), depois os Europeus não Cristãos, depois os povos originários de África e América que os Europeus invadiram. Não sei se o nome ainda cabe, já tem gente demais dentro dele, incluindo denominações Cristãs diferentes da minha. O pessoal mais Cristão é ensinado a repudiar o pessoal Pagão, embora talvez compre verduras deles.. No Carnaval, isso se traduz em uma. comemoração parecida, mas com Jesus no nome. Talvez você tenha pago por ela igual um Bob pagou no abadá do seu carro alegórico.

Os Siriguejos, aqui, são o pessoal reacionário, que faz questão de ser diferente. Sem preconceitos, mas trata-se de organizar acampamentos, vigílias, etc que não acontecem noutras épocas do ano. É sempre uma possibilidade, no feriado. Mas quem eles cultuam com isso? Jesus Carnavalesco? Que não seja a si mesmos.

Há o problema de ser uma ação reacionária, ou seja, dependendo do outro e direcionada para se afastar ou diferenciar dele. Isso quer dizer que ela fortalece uma comunidade às expensas de declarar quem é o inimigo comum. Os Bobs, claro. Não é necessariamente alguém que vamos apedrejar, mas com certeza alguém que não queremos ser.. Há episódios de Jesus agindo assim, como os conflitos com os religiosos (em todos os Evangelhos, e sendo justo Ele o fundador involuntário de uma religião), com os vendedores no Templo e na instrução para os seguidores não voltarem a uma cidade onde tivessem sido rejeitados. Ide, mas não voltardes.

Esse grupo que "rejeita o mundo", como o Paulo platonista ensinava fazer, pode dizer de si que são os verdadeiros cultuadores de Jesus. Mas só uma parte, porque Ele não gostava de caixinhas e se juntava até com aquelas pessoas de quem mandava ficar longe. Os Siriguejos são esses que ficam longe, que não se misturam. E nesse fragmento de Jesus, estar longe, entre os seus, é um sinal de pureza. São as mesmas pessoas que dizem alegres "Eu evangelizei a Dna Alberta", mas não diriam "A Dna Alberta fez um bolo delicioso e comemos juntos". Não estar junto da Dna Alberta, no caso, se alia com evangelizar ela somente porque traz embutida uma noção de superioridade. Nesse pedestal que Jesus nunca quis, eu sou Cristão separado PORQUE eu sou superior. Comemorar diferente no dia da festa dos Bob Esponjas é o equivalente de fazer uma festa em minha casa NO DIA DO SEU ANIVERSÁRIO, e te dizer "cada escolhe onde ir; aqui ficarão os mais legais".

Rejeitar o mundo não necessariamente é ruim. Os mais religiosos e os mais psicóticos geralmente rejeitam. A diferença está em isso ser reacionário (isto é, no dia da festa dos Bobs) ou constante. Há santidade em "tirar o mundo que nos cega" para ver além. Porém, como aquele que monta um problema matemático a partir de um problema real e depois não retorna para a realidade, se o caminho de volta foi perdido, com certeza não estamos em bom rumo.

Comunicar-se com a sua divindade é maravilhoso para que ele/ela/elo nos instrua, mas essa mensagem tem de voltar aqui. Ou seja, o desligamento do real precisa trazer um alívio prático para os sofrimentos, porque não há como esquecê-los. A volta dos ensinos espirituais, seja quando forem (e talvez o feriado mais pagão seja a data que resta), precisa trazer mudanças e instrução. Principalmente no sentido de dizer às pessoas o que Jesus repete nos ouvidos faz muito tempo: "Cuide das minhas ovelhas". O Siriguejo, em seu "retiro de Carnaval" com gente semelhante, de mesma crença e renda, talvez traga muito menos de lá do que o Molusco, que ficou em casa.

Isso não quer dizer seja um programa de Carnaval matar os Bobs, muito menos ficar longe deles. Menos ainda evangelizar eles. Diante de tendas Cristãs montadas nas ruas onde passam os bloquinhos de Carnaval, será que a Dna Alberta ficou feliz de receber você? Porque será que ela gastou tempo (e gás) te fazendo um bolo? Quão PRÓXIMO você estava dela? Será que você estava mais disponível  do que ela estava PRÓXIMA de você? 

O propósito desse texto nunca foi trazer respostas, mas colocar perguntas que, se te foram difíceis, se te fizeram pensar, talvez tenham te evangelizado.

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