segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Sabbath Matters - a questão do Sábado



O título acima é uma brincadeira com a peça Stabat Mater (mãe que fica junto) de Pe. Antônio Vivaldi, convertida em algo como "O Sábado Importa". Você pode clicar AQUI para ouvir a peça enquanto lê.

PRECISA-SE DE UMA PISCINA

Tudo começou no tempo do rei Ezequias (séc. 8 a.C.), quando foram feitas várias obras para garantir o fornecimento de água a Jerusalém. Uma pequena represa foi feita fora das muralhas da cidade para armazenar as águas das chuvas e chamaram-na “Açude superior”, porque se comunicava por aqueduto e um canal cortado na rocha com um tanque mais abaixo, dentro da cidade.

O rei da Assíria enviou ao rei Ezequias, em Jerusalém, seu general, seu oficial principal e seu comandante de campo com um grande exército. Eles subiram a Jerusalém e pararam no aqueduto do açude superior, na estrada que leva ao campo do Lavandeiro. (2ª Reis 18.17)

Tratava-se de uma trilha descendo pela lateral da muralha da cidade. O mesmo local é mencionado pelo profeta Isaías muito tempo depois, durante a conquista de Judá pelos exércitos dos Caldeus:

Saiam, você [Isaías] e seu filho Sear-Jasube, e vão encontrar-se com [o rei de Judá] Acaz no final do aqueduto do açude Superior, na estrada que vai para o campo do Lavandeiro. (Isaías 7.3)

Isaías viu a destruição do Templo de Salomão em 587 a.C., após um longo cerco, quando Babilônia conquistou Canaã. Duas gerações depois, após a libertação dos cativos, Dario I da Pérsia ordenou a reconstrução do Templo (~516 a.C.). Como parte de sua política para “apagar” as marcas deixadas pela linhagem de Nabucodonosor, o novo Templo ficou ainda maior do que o primeiro.

"A glória deste novo templo será maior do que a do antigo", diz o Senhor dos Exércitos. "E neste lugar estabelecerei a paz", declara o Senhor dos Exércitos. (Ageu 2.9)

Após a invasão grega nos tempos de Alexandre, o Grande (~330 a.C.), os sacerdotes do templo passaram a ser de linhagem grega. Um desses sacerdotes, Simão II, o Justo (~200 a.C., 3º Livro dos Macabeus 2.1) mandou que um outro tanque alimentado pelo Açude Superior fosse construído mais abaixo, encrustado na rocha, mas dessa vez fora das muralhas da cidade. Talvez essa fosse uma medida para prover um ponto de água aos gregos dissidentes da fé judaica. Nesse tempo, em que a religião judaica chegou a ser banida, um altar a Zeus foi construído no Templo, onde havia o sacrifício de porcos. O novo tanque provavelmente foi dedicado ao deus da cura Asclepius (o mesmo patrono da medicina) e certamente as águas do tanque eram consideradas curativas. Para os gregos e judeus, com o tempo tornou-se um ponto de busca dos enfermos, ao qual se chegava descendo 13 m por uma escadaria esculpida na rocha. Um local apertado, em cujos degraus onde deviam acumular-se leprosos e aleijados de toda a região.

Em 167 a.C., uma revolta dos judeus recuperou o controle do Templo para a sua fé. Os reis Hasmoneus, como se chamavam, tornaram Israel mais ou menos independente do império grego ao redor e Jerusalém voltou a ser uma cidade sagrada dos judeus. Quando os romanos chegaram e tomaram toda a região em 63 a.C., o Templo sofreu poucos danos. Herodes I, o Grande, foi o primeiro rei romano a governar a Judéia. Ele ordenou extensas reparações no Templo, de forma a conquistar a admiração dos judeus. Após restaurado, o Templo até ficou conhecido como Templo de Herodes. Seu filho, Herodes Antipas, governava a Judéía quando Jesus nasceu. 

Jesus visitou o tanque fora das muralhas, então chamado Betesda², quando esteve em Jerusalém para a comemoração do Purim ou da Páscoa¹. Betesda significava “Casa da piedade” ou “Casa da desgraça”, sendo um lugar onde os proscritos se ajuntavam.

Há em Jerusalém, perto da porta das Ovelhas, um tanque que, em aramaico, é chamado Betesda, tendo cinco entradas em volta. Ali costumava ficar grande número de pessoas doentes e inválidas: cegos, mancos e paralíticos. Eles esperavam um movimento nas águas. De vez em quando descia um anjo do Senhor e agitava as águas. O primeiro que entrasse no tanque, depois de agitada as águas, era curado de qualquer doença que tivesse. (João 5.2-4)

A tradição do anjo é bastante estranha ao judaísmo tradicional, mas é facilmente compreensível num contexto pagão ou que misturasse elementos judaicos e gregos. A frase usada por Jesus ao ver o homem paralítico “Queres ser curado?” mostra que ele conhecia o funcionamento daquele lugar. A frase registrada por João é ὑγιὴς γενέσθαι (hygies genesthai; Queres ser limpo?). Trata-se de uma frase abundante nos textos sobre o deus Asclépio, como uma invocação de seus poderes de “limpeza”, mas que também se aproximava muito ao conceito mosaico de “limpar uma maldição”.

Digam o seguinte aos israelitas: Quando um homem tiver um fluxo que sai do corpo, o fluxo é impuro. … Quando sarar de seu fluxo, contará sete dias para a sua purificação; lavará as suas roupas e se banhará em água corrente, e ficará puro. (Levítico 15.13)

Purifica-me [Deus] com hissopo, e ficarei puro; lava-me, e mais branco do que a neve serei. (Salmos 51.7)

O Batismo e a “Lavagem dos pés” dos discípulos não deixam de ser rituais de purificação semelhantes, bem conhecidos dos Judeus e de Jesus. No entanto, ali naqueles degraus apertados da piscina de Betesda, o Messias não mandou que o homem paralítico se banhasse, nem ordenou que qualquer discípulo o ajudasse a fazer isso.

O único indício que temos de haverem outras pessoas ali é a fala do homem paralítico "Senhor, não tenho ninguém que me ajude a entrar no tanque quando a água é agitada. Enquanto estou tentando entrar, outro chega antes de mim" (João 5.7), que mostra uma competição "entre os necessitados" e ainda a crença dele a respeito da "limpeza" a que Jesus se referia. Em outras palavras, nem mesmo esse homem reconheceu Jesus como alguém que promovia curas e milagres. Jesus e o narrador (João) nada falam sobre quaisquer outras pessoas nesse cenário.

O QUE VOCÊ DISSE MESMO?

Então Jesus lhe disse: "Levante-se! Pegue a sua maca e ande". Imediatamente o homem ficou curado, pegou a maca e começou a andar. Isso aconteceu num sábado. (João 5.8,9)

Essa cura escandalizou tanto os Fariseus quanto o fato de ter sido realizada em um Sábado. Primeiro, era um sinal indelével da associação entre Jesus e o Altíssimo, sem passar pelas castas farisaicas, algo como um “santo fora da Igreja”. Uma nova prova escancarada seria fornecida com a ressurreição de Lázaro. Além disso, a Lei proibia qualquer coisa que se fizesse num Sábado, pois até Deus havia descansado nesse dia. A terra devia descansar, assim como os animais, escravos, servos e todo homem ou mulher. Antes mesmo da Lei, o maná vinha em dobro na 6ª feira para que os judeus não precisassem recolhe-lo no Sábado. Para uma cura ocorrida nesse dia, a Lei estabelecia que a pessoa deixasse seus pertences para trás e fosse para casa, ou permanecesse no mesmo lugar até o fim do dia. Não era aceitável carregar a maca ou cama.

Mais tarde, no serviço religioso do Templo de Herodes, após encontrar o homem e ser questionado pelas pessoas sobre o que ocorreu, Jesus ainda arrematou:

"Meu Pai continua trabalhando até hoje, e eu também estou trabalhando". (João 5.17)

Essa frase despertou o ódio dos judeus (João escreve assim), de forma que passaram a ver em Jesus uma grave afronta a sua religiosidade, muito mais do que alguém capaz de curar. Ele ao mesmo tempo violava a Lei, afirmava que Deus trabalhava no dia do Seu descanso, chamava-o intimamente de Pai e deixava uma testemunha para que todos a vissem, inclusive no Templo. Seria o equivalente, talvez, de alguém testemunhando um irrevogável milagre feitos pelo nosso famoso Inri Cristo (originalmente Álvaro Thais). Jesus declarava abertamente (e provavelmente no Templo e nas sinagogas) que as Escrituras falavam sobre Ele. Voltando à Galiléia, temos Jesus um tempo depois envolvido na Multiplicação dos Pães. No final do ano, quando Ele regressaria a Jerusalém para a Festa dos Tabernáculos, a fama de seu feito ainda percorria a região e Ele preferia não andar junto de seus seguidores.

A Festa dos Tabernáculos ocorre em Outubro, cerca de 6 meses depois. Por ocasião da Festa, os judeus deveriam habitar por 1 semana em tendas comuns, construídas nas ruas, a partir de árvores e folhas. É uma lembrança dos tempos nômades, que João marca apenas esta vez, apesar de ser uma festa anual.

Diga ainda aos israelitas: No décimo quinto dia deste sétimo mês começa a Festa das Cabanas do Senhor, que dura sete dias. … No primeiro dia vocês apanharão os melhores frutos das árvores, folhagem de tamareira, galhos frondosos e salgueiros, e se alegrarão perante o Senhor, o Deus de vocês, durante sete dias. Comemorem essa festa do Senhor durante sete dias todos os anos. Este é um decreto perpétuo para as suas gerações; comemorem-na no sétimo mês. Morem em tendas durante sete dias; todos os israelitas de nascimento morarão em tendas, para que os descendentes de vocês saibam que eu fiz os israelitas morarem em tendas quando os tirei da terra do Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês". (Levítico 23.40-43)

Era sem dúvida uma ocasião de comunhão entre os judeus e Jesus não passaria despercebido.

UM MESSIAS NOTÓRIO

Na festa, os judeus o estavam esperando e perguntavam: "Onde está aquele homem?". Entre a multidão havia muitos boatos a respeito dele. Alguns diziam: "É um bom homem". Outros respondiam: "Não, ele está enganando o povo". Mas ninguém falava dele em público, por medo dos judeus. Quando a festa estava na metade, Jesus subiu ao templo e começou a ensinar. (João 7.11-14)

Evidentemente que Lhe perguntaram sobre a cura no Sábado em Betesda. Jesus mesmo estava impressionado de apenas aquilo haver chamado tanta atenção, quando Ele já tinha atrás de si vários outros “sinais” (como João chama os milagres de Jesus). Certamente, eram tidos por boatos. Mas aquele, por outro lado, havia ferido a tradição religiosa bem perto do seu coração, num local judaico-pagão dado aos excluídos, bem ao lado do Templo. Ao invés de repetir o ousado “Meu pai trabalha e eu também”, seu argumento desta vez foi simples, afiado e (novamente) desafiador: Moisés também mandara circuncidar os garotos 8 dias após nascerem, mesmo sendo Sábado, pois a Circuncisão era anterior à Lei. Curar aquele homem exigira menos trabalho do que circuncidar, então quem violava o Sábado? “Não julguem apenas pela aparência, mas façam julgamentos justos" (João 7.24)

O apelo à razão era bem diferente do conceito de autoridade propagado pela elite dos Fariseus e Saduceus. Pior, esse apelo os invalidava e, por causa disso, organizava-se, já havia alguns meses, desde Betesda, um movimento para deter Jesus. Não pelo milagre da cura, mas pela representatividade social que Ele começava a ter em Jerusalém. Era um Galileu - sempre lembravam isso - portanto um homem destituído da “santidade” dos judeus; não era fariseu; não era educado nos pormenores da Lei de Moisés e nem na lei romana.

No último e mais importante dia da festa, Jesus levantou-se e disse em alta voz: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva". (João 7:37,38)

Essa fala, muito semelhante ao discurso com a mulher samaritana, foi seguida por grande contenda entre os judeus. Mandaram guardas para prender Jesus e mesmo esses se desculparam, ressaltando que ninguém falava como aquele homem.

"Será que vocês também foram enganados? ", perguntaram os fariseus. "Por acaso alguém das autoridades ou dos fariseus creu nele? Não! Mas essa ralé que nada entende da lei é maldita". (João 7.47-49)

-----------------------------------------------------

¹ Há bastante controvérsia sobre a festa relatada em João 5.1. O evangelista não explica de que festa se trata. Em João 7.1,2, Jesus volta de percorrer a Galiléia para a Festa dos Tabernáculos (Sukkot), festejada em Outubro. Em João 6.4, Jesus estava nas margens do mar de Genesaré e fica assinalada a Páscoa, comemorada em Abril, após o que Ele vai para a Galiléia. Em João 4.35, é relatado que faltam 4 meses para a colheita, o que colocaria Jesus no mês de Janeiro, seguindo depois para a Samaria. Como João nomeia as Páscoas, seria de se pensar que a festa de João 5.1 não seja uma delas, para a qual Jesus voltaria da Samaria. Entre Janeiro e a Páscoa em Abril, haveria a festa de Purim, comemorada em Março.

No entanto, essa lógica não considera que a festa de Purim é comemorada em todo lugar, não requerendo que os judeus fossem a Jerusalém. E seria difícil pensar que o Messias fosse para lá em Março, seguisse para a Galiléia e depois voltasse em Abril. Muitos estudiosos consideram ainda que João escreve que era “a festa dos judeus” e assim marcasse de um modo diferente essa Páscoa. Considerando que a festa de João 5.1 se tratasse de uma Páscoa, Jesus teria permanecido aproximadamente 3 anos e meio em seu ministério (ao invés de 2 anos e meio), algo semelhante às 119 semanas profetizadas por Daniel 9.24-27.

² Essa piscina ficou por muito tempo sem ser encontrada, o que fez ela ser vista, até meados dos anos de 1970, como uma lenda ou um erro de descrição do local. Lembrando que Jerusalém foi devastada pelos romanos no ano 70 d.C. e nem o Templo sobreviveu a isso, muitos cenários do VT e NT jamais foram encontrados. Quando encontraram Betesda, entretanto, logo acima dela estavam ruínas de uma igreja da época das Cruzadas (séc. 10) com uma pintura da cena do anjo tocando a água. Não há certeza se os cruzados conheciam a real natureza da piscina (haviam várias outras na região), mas é possível que Betesda ainda tenha servido como local sagrado (cristão) por algum tempo.

-----------------------------------------------------

LEIA DURANTE O BANHO

John 7:21 - Bible Hub
Ministério ensinando de Sião - A Festa dos Tabernáculos (Sucôt ou Cabanas)
Pool of Bethesda - wikipedia

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe um comentário!