sábado, 20 de junho de 2020

A pequenez do Cristianismo

Vida romana no séc. 1: pintura de parede encontrada em Pompéia, cidade soterrada pela erupção do vulcão Vesúvio em 79 d.C.



outros materiais sobre o séc. 1

Século 1 - 1ª parte

Século 1 - 2ª parte


Esse artigo encaixa-se algo no que já escrevi sobre o séc. 1. Apesar do interesse enorme nessa época, pois se trata do surgimento do Cristianismo, é importante admitir que faltam informações, que há muita teoria, que não é simples separar uma da outra.


Faltam informações sobre o Cristianismo e os Judeus, não tanto sobre outras coisas. O séc. 1 foi marcado pelo domínio Romano sobre a volta do Mediterrâneo e as legiões indo conquistar terras nas ilhas Britânicas. Os Judeus estavam se rebelando contra o Império, e isso acabou com Jerusalém (centro do Cristianismo e do Judaísmo), reduzida a escombros pelas catapultas Romanas. Isso contribuiu para arruinar com documentos, lugares e pessoas significativas do Cristianismo. Muito do que o Novo Testamento conta, só voltou a ser visto séculos depois, com a busca de historiadores entre as ruínas. 


Após Augusto (reinado 27 a.C. - 14 d.C.), havia muitos militares almejando poder; o trono Romano ganhou por fundo uma sucessão de traições, envenenamentos e assassinatos na corte. Com as várias sucessões reais no séc. 1, cada imperador Romano buscou por culpados e demonstrações de poder, feitas sobre as costas dos povos em que sua autoridade oscilava. Os Romanos não apenas arrasaram a cidade de Jerusalém, mas tudo dos Judeus em que puderam colocar as mãos. E eles não diferenciavam muito entre Judeus e Cristãos.


O Cristianismo então era uma seita nova, ligada ao Judaísmo, propagada oralmente e registrada em cartas. Entre os documentos e documentadores do séc. 1 que podemos listar, estão:


Philo de Alexandria, Flaccus (20-50 d.C.)

Justus de Tiberíades (20-90 d.C.)

1ª Tessalonicenses (51 d.C.)

Gálatas e 1ª  Coríntios (52 d.C)

Filipenses, Filemon e 2ª Coríntios (53-54 d.C.)

Romanos (55-56 d.C.)

evangelho de Marcos (66-70 d.C.)

evangelhos de Mateus e Lucas (80-90 d.C.)

Flavius Josephus, várias obras (70-100 d.C.)

1ª Clemente (96 d.C.)

evangelho de João (90-110 d.C.)

epístola de Barnabé (100 d.C.)

Plínio o Jovem, carta para o imperador Trajano (108-109 d.C.)

Didache e Pastor de Hermas (90-150 d.C.)

Casa de Pedro (séc. 1)


Gostaria de descrever algo do surgimento do Cristianismo, a partir dessas obras e autores.


1. PHILO DE ALEXANDRIA

Este era um filósofo Judeu de família muito rica, educado nas escolas gregas que eram o apogeu educacional do séc. 1. Provavelmente, Philo estudou sobre Thales, Aristóteles, etc. O Egito, sua terra natal, ficou sob domínio dos Ptolomeus (reis gregos) entre os sécs. 3 e 1 a.C., quando passou para o controle Romano. Seu irmão era governador do porto de Alexandria e amigo pessoal de Herodes Agripa I, rei Judeu-romano da Galiléia.


Philo tentou traduzir a Tanakh hebraica para o pensamento grego-acadêmico do seu tempo, em especial para as teorias de Platão. Para ele, a Sabedoria ou inspiração divina (ver Provérbios) era a forma de Deus ordenar o mundo, traduzida em tons humanos pela lei Judaica. Seu contato com Jerusalém provavelmente vinha de Saduceus da sua família.


Philo fez uma leitura ‘helenizada’ dos versos messiânicos de Zacarias 6.12: ele discutiu o significado de ‘esse é o homem cujo nome é Oriente’, uma tradução grega da profecia. No aramaico, essa mesma passagem traz ‘cujo nome é tsemach’, ‘ramo, gérmen, broto’, associado ao verso seguinte ‘ele brotará do seu lugar’. Claro que a palavra ‘oriente’ também faz referência ao lugar onde o sol nasce, mas a divergência mostra o quanto Philo estava distante da cultura Judaica. Ele adota a discussão sobre os Judeus quando analisa manifestações do povo em Alexandria, a partir de declarações imperiais contra os Judeus, devido às rebeliões na Palestina. Tais declarações provocavam tumultos em toda Roma.


Philo não cita Jesus, mas seria esperado que um Saduceu de Alexandria, lendo dos tumultos na Palestina e vendo as reações do Império contra isso - inclusive ali mesmo - se preocupasse ou soubesse de Jesus? Embora os Evangelhos nos falem de milhares de pessoas sendo alimentadas, dando a impressão de que Jesus movimentava multidões comparáveis a um exército, estimativas mais realistas dão a idéia de que os seguidores de Jesus, na verdade, eram algumas dezenas de pessoas. Lembremos que, no julgamento de Pilatos, em Jerusalém, a multidão na casa do governador não Lhe foi majoritariamente favorável. Por falar em Pilatos, Philo comprova sua existência com comentários sobre a tomada de tesouros do Templo para construir um aqueduto e a condução de tropas Romanas dentro de Jerusalém carregando a Águia Dourada, um símbolo que os Judeus consideravam profano. Pilatos estava no centro dos problemas entre Roma e o Templo; sobre ele era certo que os Saduceus falassem.


2. JUSTUS DE TIBERIAS

Ele era amigo de Herodes Agripa II e um dos principais cidadãos de Tiberíades, cidade nas margens do Lago da Galiléia, onde Jesus pregava.


Durante a 1ª Guerra Judaico-Romana (66-73 d.C.), ele entrou em conflito com Flavius Josephus, então um líder militar Judeu na Galiléia. Quando os romanos reconquistaram a Galiléia (67 d.C.) e Josephus acabou empregado como historiador do seu povo, Justus foi livrado da morte por Agripa, sendo nomeado seu secretário. Essa posição não foi mantida após a Guerra.


Justus culpou Josephus pelos problemas na Galiléia, acusando-o de traição. Também escreveu uma crônica sobre os reis Judeus desde Moisés até Agripa II. Ambos os seus trabalhos só sobreviveram em fragmentos contados por quem os leu.


Do inimigo Flavius Josephus chegou quase tudo que sabemos sobre a vida de Justus. Mas a referência mais interessante sobre ele foi aquela deixada por Photius I de Constantinopla (820-893 d.C.).


Photius é considerado o mais poderoso e influente patriarca desde João Crisóstomo. O mais importante dos trabalhos de Photius é a sua famosa Bibliotheca ou Myriobiblon, uma coleção de extratos e resumos de 280 livros de autores clássicos (geralmente citados como Códices), cujos originais estão, agora, em grande parte perdidos. Photius citou a obra de Justus de Tiberíades.


XXIII. Leitura de "Uma crônica dos reis dos Judeus na forma de uma genealogia, por Justus de Tiberíades". Ele veio de Tiberíades, na Galiléia, da qual tomou seu nome. Ele começa sua história com Moisés e leva-a até a morte do sétimo Agripa da família de Herodes e o último dos reis dos Judeus. Seu reino, que lhe foi concedido por Cláudio, foi estendido por Nero, e ainda mais por Vespasiano. Ele [Agripa], morreu no terceiro ano de Trajano, quando a história termina. O estilo de Justus é muito conciso mas omite uma parte que é de extrema importância. Sofrendo da culpa comum dos judeus, a qual raça pertence, nem menciona a vinda de Cristo, os eventos de sua vida, nem os milagres realizados por Ele. Seu pai era um Judeu chamado Pistus [nome típico grego]. O próprio Justus, segundo Josefo, era um dos homens mais rebeldes, um escravo do vício e da ganância. Ele era um adversário político de Josefo, contra quem se diz ter inventado várias calúnias. Mas Josefo, embora em várias ocasiões tivesse seu inimigo em seu poder, apenas o castigou com palavras e o deixou ir livre. Diz-se que a história que ele escreveu é em grande parte fictícia, especialmente onde ele descreve a guerra Judaico-Romana e a captura de Jerusalém.


Em outras palavras, Justus era possivelmente um Saduceu capaz de distorcer relatos de acordo com suas amizades e inimizades. Josephus não gostava dele. Herodes Agripa II, embora seu amigo, também não confiava nele. Ao contrário de Philo, ele esteve no espaço e tempo certos para ver Jesus. Mas, como representante da nobreza, gastou sua tinta falando sobre intrigas das realezas Judaica e Romana. Acho pouco provável que se importasse com um novo profeta liderando algumas dezenas de pescadores.


3. 1ª CARTA AOS TESSALONICENSES

Esta carta de Paulo, Silvano e Timóteo a uma igreja Grega em Tessalônica é a que conhecemos como obra Cristã mais antiga. Nela, Paulo diz sobre as igrejas na Judéia e apresenta a perseguição aos Cristãos. Ele, um Fariseu, também fala da ressurreição dos homens no Último Dia.


É interessante notar que o Cristianismo segundo Paulo não é exatamente o mesmo que segundo Jesus. Paulo instrui os seguidores a agir com amor, paciência e oração; mas acrescenta a necessidade de hierarquia e perfeição moral, segundo a prática dos Fariseus. Devemos também lembrar que os Fariseus, e não os Saduceus, aprovavam a conversão de gentios ao Judaísmo. No Templo, devido aos Saduceus, esses gentios convertidos não podiam entrar.


4. EVANGELHO DE MARCOS

O grupo que seguia Jesus era composto por pescadores, homens pobres e iletrados. Possivelmente leprosos também. Jesus tinha alguns amigos mais ricos, como Lázaro, Mateus, Zaqueu, Simão e José de Arimatéia. Ele deu mostras de ser alfabetizado ao ler, na sinagoga dos Fariseus, uma profecia de Isaías. Até onde sabemos, nenhum deles deixou obra escrita.


Supostamente, o autor do Evangelho Original foi João Marcos, um Judeu de Jerusalém que ingressou por volta de 45 d.C. no grupo liderado por Paulo. Não espanta, então, que descrições sejam muito parecidas em Marcos e nas cartas de Paulo. Esse texto é chamado de original por ser copiado, quase em sua totalidade, nos Evangelhos de Mateus e Lucas. 


Marcos não dá indícios de que viu Jesus, mas escreveu do que aprendeu no grupo de missionários. Por isso, o Jesus descrito por ele e transmitido aos demais evangelistas é mais propriamente Cristo, 'aquele em que se acredita'.


Num esforço para mostrar que Jesus era o Messias, Marcos apresentou uma narrativa de seu nascimento, vida, milagres, morte e ressurreição. Não há, em Marcos, uma descrição de Jesus antes do ministério, o que nos indica que ele se baseou em informações de fora da Galiléia para escrever.


Também, Marcos chama a atenção pelos eventos após a Ressurreição. Logo que o túmulo vazio foi encontrado, um anjo disse que Jesus havia ido para a Galiléia. Depois Ele simplesmente apareceu a algumas pessoas (em Jerusalém) e por fim fez uma benção e investidura de poder aos apóstolos. Nas narrativas de Mateus e Lucas, Jesus prepara um peixe, fala detalhadamente aos apóstolos, repete a Ceia e aparece num monte da Galiléia.


5. FLAVIUS JOSEPHUS

Yosef ben Matityahu serviu como general dos Judeus na luta contra os Romanos na Galiléia. Em 67 d.C., foi capturado na cidade de Yodfat. Tendo ancestrais nobres e declarando apoio ao general Vespasiano, que pretendia (e conseguiu) assumir o trono de Roma, foi anexado à corte como historiador. O nome Flavius lhe foi dado por Vespasiano, sendo um título de sua família.


Josephus ficou conhecido por contar a história dos Judeus aos Romanos. Para isso, relatou muitos e muitos pequenos conflitos da corte que hoje caberiam em programas de auditório. Em especial, ele também registrou detalhadamente a história dos Judeus, incluindo a tomada de Jerusalém e Massada, no seu próprio tempo, produzindo a principal obra histórica que sobreviveu desse período.


Josephus via as guerras dos Judeus como massacres, pois os próprios Judeus lutavam entre si e com um inimigo que não podiam vencer. No seu livro Antiguidades Judaicas, de 94 d.C., ele escreveu o famoso Testimonium Flavianum:


"Havia neste tempo Jesus, um homem sábio, se é lícito chamá-lo de homem, porque ele foi o autor de coisas admiráveis, um professor tal que fazia os homens receberem a verdade com prazer. Ele fez seguidores tanto entre os judeus como entre os gentios. Ele era o Cristo. E quando Pôncio Pilatos, seguindo a sugestão dos principais entre nós, condenou-o à cruz, os que o amaram no princípio não o esqueceram, porque ele apareceu a eles vivo novamente no terceiro dia, como os divinos profetas tinham previsto estas e milhares de outras coisas maravilhosas a respeito dele. E a tribo dos cristãos, assim chamados por causa dele, não está extinta até hoje."


Alguns estudiosos acreditam que esse trecho seja uma inserção posterior de monges copistas. Além do linguajar estranho a Josephus (pois faz parecer que ele venerava Jesus, o que não era verdade), o trecho aparece solto na narrativa, entre uma descrição da administração de Pilatos em Jerusalém e as tentativas de homens conquistarem uma certa moça Romana.


Em seu livro 20 das Antiguidades, contudo, Josephus fez uma nova menção a Jesus, citando o sentenciamento de morte de Tiago, irmão de Jesus (ver Marcos 6.3). Ao contrário do Testimonium Flavianum, citado apenas por Eusebius no séc. 4, essa condenação de Tiago aparece copiada em textos de Tácito (séc. 2) e Origens (séc. 3).


Além do T.F., Josephus gastou muito mais linhas falando sobre João Batista do que sobre Jesus. Ele menciona Herodes Antipas trocando a esposa (filha do rei da Nabatéia) por Herodíades e iniciando uma guerra desastrosa. Como Josephus estava inserido no meio da corte Romana na Judéia, novamente vemos o caso de cada historiador falar do seu entorno. Para ele, o falatório do profeta João Batista sobre um governante mal visto era muito mais importante do que o grupo pacifista de Jesus.


6. EVANGELHO DE JOÃO

Esse evangelho talvez sempre seja um mistério. Ele é tardio, mas traz poucos elementos em comum com Marcos ou as Cartas de Paulo, como se fosse uma criação à parte.


O Jesus de João também é diferente,  mais humano e ao mesmo tempo idealizado, incorpora algo dos Essênios e não foi citado por obras da época. Estudiosos sempre acreditaram no fruto de uma comunidade Cristã minoritária, diferente do grupo de Paulo.


Alguns debates ainda hoje levantam a possibilidade de que João seja uma criação Gnóstica, uma narrativa em 1ª pessoa na verdade oriunda de visões e inspirações. Seria também uma tentativa de forjar documentos para mesclar o Cristianismo a um grupo religioso sincrético. Esse grupo competia com o de Paulo em suas pregações, por isso a insistência das cartas Joaninhas em repelir outros ensinos. De fato, há evidências em favor dessa teoria.


6. PLÍNIO O JOVEM

Foi um bem sucedido jurista e político romano, atuando desde seus 18 anos. Era amigo pessoal do imperador Trajano, que o nomeou governador da Bitínia entre 111 e 112 d.C. Herdou seu nome de Plínio o Velho, seu tio-avô materno, estudioso e membro da aristocracia política em Roma. Por pouco não seguiu o tio no dia que o mesmo foi a Pompéia e o Vesúvio explodiu, em 79 d.C.


Plínio trocou 368 cartas com Trajano, que formaram 10 livros sobre a vida cotidiana em Roma. Uma de suas funções foi a repressão aos Cristãos, onde, na carta v.10, n.96, ele escreveu:


"... Recebi uma denúncia anônima, contendo grande número de nomes. Aqueles que negaram que eles foram ou haviam sido Cristãos, se invocassem os deuses segundo a fórmula que havia estabelecido, se fizessem sacrifícios com incenso e vinho para a tua imagem (que eu havia mandado trazer junto com as estátuas dos deuses) e, se, além disso, amaldiçoavam a Cristo – nenhum dos quais aqueles que são realmente Cristãos, é dito, pode ser forçado a fazer – estes achei melhor libertá-los. Outros, cujos nomes haviam sido fornecidos por um denunciante, disseram ser Cristãos e depois o negaram: haviam sido e depois deixaram de serem, alguns a cerca de três anos antes, outros muitos anos, alguns tanto quanto vinte e cinco anos. Todos veneraram vossa imagem e as estátuas dos deuses, amaldiçoando a Cristo. Eles alegaram, contudo, que a soma e substância de sua falta ou erro não passava do costume de se encontrarem em um dia fixo antes do amanhecer para cantarem um hino a Cristo como a um deus; se comprometerem, por juramento,  a não perpetuar qualquer crime, roubos, latrocínios e adultérios, a não faltar com a palavra dada e não se negar a devolver um empréstimo exigido pela justiça. Findos estes ritos, tinham o costume de se separarem e de se reunirem novamente para uma refeição. Este, aliás, era um alimento comum e inofensivo, sendo que tinham renunciado a esta prática após a publicação de um edito que promulguei, segundo as tuas ordens, onde se proibiam as associações secretas. ..." 


Trajano respondeu amigavelmente, condecorando a metodologia do amigo e recomendando não dar atenção a denúncias anônimas.


A carta de Plínio, escrita em 108 ou 109 d.C., dá a entender que o Cristianismo já havia se espalhado na atual Turquia mesmo no ano 80 d.C. e se tratava de uma religião simples, baseada na fidelidade a Cristo, negativa de práticas 'impuras', cultos no alvorecer de domingo e refeições comunais. A principal razão de perseguição, segundo entendemos de Plínio, consistia em ser uma 'sociedade secreta', isto é, desvinculada do Estado Romano.


7. DIDACHE E PASTOR DE HERMAS


sobre a Didache

sobre o Pastor de Hermas


Esses foram alguns dos primeiros textos de pregação Cristã. A Didache aparentemente é um texto de Batismo, algo curto para ser decorado e repetido, para orientar práticas diárias de uma comunidade bem pouco hierárquica. Já o Pastor de Hermas é um texto muito longo, com a característica de uma fábula, visão ou profecia sobre quem será levado ao Reino dos Céus, girando bastante ao redor da Parábola do Semeador.


"O semeador saiu a semear; quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho, e vieram as aves e comeram-na. Outra parte caiu nos lugares pedregosos, onde não havia muita terra; logo nasceu, porque a terra não era profunda, e tendo saído o sol, queimou-se; e porque não tinha raiz, secou-se. Outra caiu entre os espinhos; e os espinhos cresceram, e sufocaram-na, e não deu fruto algum. Mas outras caíram na boa terra e, brotando e crescendo, davam fruto, um grão produzia trinta, outro sessenta e outro cem". Disse: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. (Marcos 4.3-9)


Tanto um texto quanto o outro carregam fortes elementos dos Evangelhos a respeito de preceitos Cristãos. Mas nenhum deles se dedica a falar sobre Jesus como um homem a ser imitado. A pregação com um e outro textos faz necessário que o pregador pudesse falar sobre a vida de Cristo, de forma que provavelmente os evangelhos existiam, então, pelo menos como uma tradição oral.


8. CASA DE PEDRO

Dentre todos, esse é um documento arqueológico e não escrito. Trata-se de uma escavação na Galiléia, em busca de antigas Sinagogas, que revelou em 1968 uma construção do séc. 1 escondida sob uma igreja Franciscana.


Em todo o redor da igreja e da atual sinagoga, perto das margens do Mar da Galiléia, apareceram muitas paredes de construções pequenas, com vielas estreitas, feitas de pedras de basalto unidas com alguma argamassa. Cada pequena casa possuía uma sala central com forno e quartos minúsculos em anexo. As estruturas eram simples demais para telhados pesados, então aparentemente eram cobertas por madeiras, folhagens e barro. O local foi identificado como Cafarnaum.


Muitas pequenas casas eram fundidas umas às outras, sugerindo grandes famílias habitando 'ilhas' de cômodos comunicados entre si. Os utensílios encontrados - lamparinas, anzóis, cordas, carretéis, redes, etc - sugeriram uma vila de pescadores. Um desses blocos de casas, aquele sob a igreja, se destacava por possuir construções do séc. 1 no meio, expandindo-se em camadas como uma cebola até cobrir uns 800 m², com as construções mais externas de cerâmicas avançadas e nobres do séc. 4.


Durante os 300 anos de uso das moradias (e havia utensílios de muitas épocas), aquela que servia de centro foi despida do forno e transformada uma única sala, com piso, como se fosse um recinto especial ou sagrado. Ali perto não foram encontrados utensílios domésticos. Sobre essa estrutura central havia o assoalho de 3 igrejas construídas uma sobre as ruínas da outra, a última delas ainda em uso!


Acredita-se, pela veneração contínua do local por muito tempo, e a condição inicial de uma moradia comum, que se trate da antiga casa de Pedro, onde Jesus e seu grupo se reuniam. Nos anos seguintes, transformou-se em uma espécie de templo Cristão oculto bem no centro de um amontoado de casas intercomunicantes. Não era uma sinagoga, pois bem próximo dali havia as ruínas de uma sinagoga quase tão antiga quanto a casa. No séc. 4, quando Roma assumiu o Cristianismo para sua religião oficial, todo o conjunto foi revestido com uma grossa parede de pedras e foi instalado um teto com colunas, constituindo a 1ª das igrejas.


CONCLUSÃO

Embora pensemos inevitavelmente no séc. 1 como a origem do Cristianismo, os vários textos que reuni aqui sugerem que, nessa época, os Cristãos simplesmente passaram de insignificantes para Roma a um grupo deslocalizado que insistia em não ser 'estatizado'.


Mesmo em territórios originais do Cristianismo, como Galiléia, Turquia e Egito, parece que os Cristãos passavam despercebidos das autoridades. O movimento de repressão pelos Judeus não deixa de sugerir que, talvez, o Cristianismo tenha se tornado, em bem pouco tempo, uma religião rival.


Longe de uma perseguição religiosa, no séc. 1 as acusações contra os Cristãos se baseavam em não cultuarem os imperadores (assim como os Judeus, mas sem uma aristocracia para negociar favores) e se reunirem sem o controle do governo.


A chamada 'Casa de Pedro' está hoje sob uma basílica, mas não deixou de ser usada como local sagrado desde o séc. 1 e foi suficientemente escondida para escapar à conquista Árabe no séc. 7. Os materiais pobres usados ali, em contrário de outras estruturas pelo mundo, não preservaram cores nem escritos. Obras arquitetônicas também não foram feitas ali, como se fosse algo 'santo demais para ser tocado'.


Os documentos escritos que listei, que algumas vezes vi serem atestados como provas da 'não existência de Jesus', na verdade acabam confirmando algumas descrições do Novo Testamento como as ações de Pilatos em Jerusalém e a perseguição aos Cristãos já no séc. 1. Um grupo de pescadores e pobres que levou séculos para ser de algum interesse do Império.


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RELATOS PERDIDOS


Capernaum - wikipedia

Frontline, Chronology, pbs.org, 1998.

Guedes IP, Carta de Plínio, o Moço ao Imperador Trajano sobre os Cristãos, historiologiaprotestante.blogspot.com, dez/2016.

Kaatz KW, Voices of early Christianity, Chronology, Ed. Greenwood, 2013.

Kirby P, Early Jewish Writings, 2013

O Cristianismo em sua juventude, loungecba.blogspot.com, dez/2019

Patric457, My servant the orient, forums.catholic.com, 20/mai/2017, junto com Compare Translations for Zacharias 6:12

Testimonium Flavianum - wikipedia

The works of Flavius Josephus, tradução de William Whiston, Dissertation I, Ed. Simms and M’Intyre, 1841.

Timeline of Paul’s ministry, christianityinview.com, fev/2016



Detalhe da Casa de Pedro, sob a Igreja de São Pedro, no sítio arqueológico de Cafarnaum

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