“Nas vilas, os doentes eram trazidos a Ele”, ilustração de James Joseph Jacques Tissot feita entre 1886 e 1894. (Marcos 6.55,56)
Como um representante da organização social em tempos remotos, a religião e o poder real sempre ofereceram soluções a tudo que afligisse o ser humano. Sacerdotes e reis sempre foram "culpados" pela fertilidade das terras, produção agrícola, doenças do gado e das pessoas, chuvas e ataques de gafanhotos. Na Bíblia, por exemplo, temos:
E houve nos dias de Davi uma fome de três anos consecutivos; e Davi consultou ao SENHOR, e o SENHOR lhe disse: É por causa de Saul e da sua casa sanguinária, porque matou os gibeonitas. Então chamou o rei aos gibeonitas, e lhes falou ... ‘Que quereis que eu vos faça? E que satisfação vos darei, para que abençoeis a herança do Senhor?’ … E disseram ao rei: ‘O homem que nos destruiu, e intentou contra nós de modo que fôssemos assolados, sem que pudéssemos subsistir em termo algum de Israel, de seus filhos se nos dêem sete homens, para que os enforquemos ao Senhor em Gibeá de Saul, o eleito do Senhor’. E disse o rei: ‘Eu os darei’. (2ª Samuel 21.1-6)
Saul havia traído um juramento de paz aos Gibeonitas, o que foi castigado com a fome de Israel anos após sua morte. Para se livrar da maldição, Davi deveria conseguir o perdão dos Gibeonitas. Esse tipo de punição perante uma quebra de juramento ou mal comportamento aparece muitas vezes no folclore Europeu, e mesmo nas lendas brasileiras. Recorro novamente a um trecho de “O Senhor dos Anéis”, de Tolkien, famoso folclorista Europeu :
Quando Aragorn chegou junto à Pedra de Erech, perguntou: “Perjuros, porque viestes?”
“Viemos para cumprir o nosso juramento e ter paz” – respondeu uma voz da noite, vinda de muito longe.” [Eram as vozes dos mortos, condenados por desobedecerem seu juramento ao 1º rei, antepassado distante de Aragorn]
Então Aragorn disse: “O momento chegou, finalmente. Agora irei para Pelargir no Anduin e vós seguir-me-eis. E quando esta terra estiver liberta dos servos de Sauron, considerarei o juramento cumprido e vós tereis paz e partireis para sempre, pois eu sou Elessar, herdeiro de Isildur de Gondor.”
Durante o domínio de Israel pelos Gregos e depois pelos Romanos, a figura do rei como mediador entre o povo e Deus perdeu muita credibilidade. Afinal, eram reis comprometidos com uma nação estrangeira - Israel esperava um Messias, um novo rei. Ao invés de descrever os pecados que trariam maldições para toda nação, os sacerdotes Judeus então atribuíam as moléstias, pobreza, etc ao comportamento pecaminoso dos homens. Cada um seria culpado dos seus males, e por isso os doentes e pobres não eram apenas pessoas desfavorecidas; estavam sendo castigadas por seus comportamentos.
Aqueles que Ele abençoa herdarão a terra, e aqueles que forem por ele amaldiçoados serão desarraigados. Os passos de um homem bom são confirmados pelo Senhor, e deleita-se no seu caminho. Ainda que caia, não ficará prostrado, pois o Senhor o sustém com a sua mão. Fui moço, e agora sou velho; mas nunca vi desamparado o justo, nem a sua semente a mendigar o pão. Compadece-se sempre, e empresta, e a sua semente é abençoada. Aparta-te do mal e faze o bem; e terás morada para sempre. (Salmos 37.22-27)
Naquele mesmo tempo, estavam presentes ali alguns que lhe falavam dos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios. E, respondendo Jesus, disse-lhes: ‘Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas?’ (Lucas 13.1,2)
A maior parte dos habitantes de Jerusalém morreu no ano 70 d.C., todos os apóstolos morreram de forma terrível, um número enorme de Cristãos morreu antes do séc. 4. Quanto a padecer sem morrer rápido, existem hoje 500 milhões de pessoas vivendo com menos de $2 por dia, imensa maioria delas na África Central. Algumas décadas atrás, esse número chegava em 2 bilhões de pessoas e grande parte desses miseráveis estavam também na Índia e Sudeste Asiático. Seriam as transformações econômicas do leste asiático um sinal da obtenção de graça perante Jesus? Seriam os povos centro-africanos muito pecadores para que Jesus se importe com eles?
Um problema frequente entre as populações pobres é sua falta de estrutura sanitária e médica. Enquanto nos países mais ricos é comum as pessoas terem água limpíssima nas torneiras e fazerem exames de tomografia e ressonância magnética, nos países mais pobres a maioria da população não tem esgoto, nem acesso a termômetros ou antibióticos. Quando não existe uma medicina científica que seja acessível às pessoas, existe a medicina religiosa. Não há um degrau separando esta daquela: ambas estão em maior ou menor grau em todas as culturas, no entendimento e busca de todas as pessoas. Entre os mais ricos predomina a medicina científica, pela qual podem pagar, enquanto entre os mais pobres predomina a medicina religiosa, que se paga com a fé.
A CURA CRISTÃ
Não há um equilíbrio simples. A falta de dinheiro é fácil de entender, mas a medicina religiosa está acessível tanto a ricos como pobres. Na medicina científica, as doenças (hoje) são causadas por parasitas ou mal-funcionamento de órgãos, glândulas, etc. Curar as doenças então significa eliminar os parasitas ou reajustar o funcionamento de um corpo-máquina complexo, na medida do que a tecnologia permite. Na medicina religiosa, quase independentemente da religião, as doenças são punições de ordem espiritual; uma hepatite não é diferente de uma fratura. Curar significa, como nos trechos acima, obter um perdão.
A medicina religiosa é muito antiga em todas as culturas, mas nem sempre foi a única medicina disponível. Entre os indígenas brasileiros, o curandeiro e o sacerdote são a mesma pessoa. As benzedeiras ainda são legítimos representantes desses curandeiros religiosos. Mas o afastamento das figuras religiosas, em comunidades grandes, deu margem a um conhecimento de ervas e práticas curativas (muitas vezes chamadas de ‘simpatias’) que, muitas vezes, embasou a busca por substâncias curativas reconhecidas pela medicina científica. Basta lembrar que o ácido salicílico, primeiro anti-inflamatório, é um componente das folhas do salgueiro europeu, usado na Idade Média para tratar febres. Dessa medicina “mundana” nasceu e evoluiu a ciência médica.
A Igreja sempre foi orientada a cuidar dos pobres e enfermos, dado o exemplo de Jesus como curandeiro. Nesse sentido, desde Roma as comunidades religiosas se dedicaram a um trabalho de assistência social. Não havia distinção entre os pobres, famintos e doentes: o cuidado a todos era provido através de oração, abrigo, cobertores e alimentação. Boa parte dos primeiros hospitais nasceram em rotas de peregrinação até ícones Cristãos, geralmente lugares bíblicos ou tumbas de antigos religiosos para onde as pessoas iam em busca de curas. Os primeiros hospitais foram fundados no séc. 10, durante as Cruzadas, porém o mais antigo médico associado a um hospital Cristão data do séc. 16, na Inglaterra. Essa já era uma inovação compatível com a secularização dos tratamentos, pois os reis ingleses da época estavam em disputa por poder com o Papa.
No mundo Judaico-Cristão, a noção de saúde/enfermidade se confundia com a noção de pureza. Os primeiros ‘centros de tratamento’, nos tempos de Moisés (aprox. 1400 a.C.) foram comunidades de doentes infecciosos, formadas para evitar o alastramento de pragas nas grandes povoações. Apesar desse isolamento forçado, os leprosos da Antiguidade (e dava-se o nome de lepra a muitas enfermidades diferentes) ainda eram tratados como castigos divinos. Mas, caso você chegasse muito perto de um castigado, seria feito impuro (independentemente de ter pecado) e acabaria castigado também. O Templo de Jerusalém, na época Romana, ocupava todo o topo do Monte Moriá e possuía cantos específicos para os doentes, aos quais não era permitido entrar nos lugares mais sagrados. Nesse sentido, Jesus agiu contra as expectativas dos Judeus ao visitar doentes e recebê-los. Essa prática de cura pelo toque de um religioso abençoado foi incorporada pela Igreja Paulina:
[Os Doze, enviados aos pares] expulsavam muitos demônios, e ungiam muitos enfermos com óleo, e os curavam. (Marcos 6.13)
E a multidão dos que criam no Senhor, tanto homens como mulheres, crescia cada vez mais. De sorte que transportavam os enfermos para as ruas, e os punham em leitos e em camilhas para que ao menos a sombra de Pedro, quando este passasse, cobrisse alguns deles. (Atos 5.14,15)
Ao longo da história, muitos religiosos Cristãos foram associados a um poder de cura. Ao contrário do relato de Atos, no entanto, quase em sua totalidade foram pessoas que padeceram de condições ou doenças semelhantes às curas póstumas que lhes foram atribuídas. Alguns dos poucos nomes com o dom de cura atribuído em vida foram Hermione (séc. 1, Ásia Menor), Cosme e Damião (séc. 3, Síria, sabiam preparar remédios e não cobravam por seus tratamentos), Spyridon (sécs. 3-4, Chipre), Panteleimon (sécs. 3-4, Turquia, curava através de orações), Sampson (séc. 5, Roma, curou o imperador Justiniano), Agapitus (início do séc. 11, Ucrânia, também sabia combinar ervas para produzir remédios), Pimen (séc. 12, Ucrânia), Francisco de Assis (séc. 13, Itália), Benedito o negro (séc. 16. Itália) e Lucas (séc. 19, Criméia-Rússia, oftalmologista).
Para quem estava fora do alcance dessas figuras milagrosas, a cura de doenças podia ser alcançada apenas pela purificação no contato com ícones sagrados, lugares santos, etc e não por uma intercessão coletiva em favor do doente. Apenas recentemente essa forma coordenada de oração - fora da liturgia comum dos cultos - ganhou destaque, em grande parte devido ao movimento Pentecostal (séc. 19).
A BUSCA DE CURAS NAS IGREJAS
O Brasil é contado como o 3º país com maior porcentagem de população religiosamente ativa, e também um com índices graves de problemas de saúde infantis e crônicos, típicos de outras terras com más condições sanitárias e/ou baixo acesso a tratamentos médicos.
Os Neopentecostais, em especial, são grupos de igrejas com grande destaque nas intercessões por cura. São igrejas dissidentes de outros grupos evangélicos que surgiram nas últimas duas ou três décadas, como a Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo, Jardim de Deus no Brasil e Casa da Bênção. Essas igrejas vêm atuando, consideravelmente, no campo da saúde, prometendo curas e amparo emocional.
Os fiéis dessas igrejas são principalmente pessoas de nível socioeconômico baixo e pouca escolaridade. Tal público é em grande parte absorvido da Igreja Católica, que não oferece a intervenção/re-significação na vida dos fiéis, nem a introdução numa hierarquia religiosa, como as Neopentecostais fazem. Para uma população menos instruída, é fácil aceitar a característica mágica da cura nas igrejas, pois já há uma visão mitológica do serviço médico. Não há, de fato, uma distinção entre os médicos e magos conhecedores de poções mágicas que curam ou aliviam sintomas (vacinas, pomadas, gotinhas etc.); os medicamentos são gotinhas que “o doutor mandou tomar”, assim como o pastor que manda tomar água do rio Jordão, o padre que benze com água benta ou o médium que fluidifica água. Se o mundo tecnológico não provê explicações acessíveis, as pessoas se tornam habitantes de um mundo mágico - por falar nisso, você tem idéia de como funciona um celular ou uma doença mental? A falta de entendimento científico certamente equipara a medicina, tratamentos alternativos e a religião.
A explicação religiosa das doenças não diferencia hepatite e fraturas, mas oferece um significado e um entendimento que permite ação. Uma tradicional benzedeira brasileira, por exemplo, pode atribuir um resfriado constante ou da perda do emprego a um “mau olhado”; e isso define um inimigo contra quem lutar. O paciente pode identificar possíveis pessoas que o teriam “enfeitiçado” e usar os recursos religiosos contra isso, além de uma prática curativa e alguma ação social, como evitar tal pessoa. Nas igrejas Pentecostais brasileiras, inimigos comuns são entidades da Umbanda, o Catolicismo e uma “vida em pecado”.
Para os fiéis, o Catolicismo representa um culto a ídolos e a Umbanda, Candomblé e Kardecismo cultuam e abrigam o demônio. Como são geralmente evadidos do Catolicismo, a Umbanda aparece como principal religião concorrente, Não raro, nos cultos Pentecostais são apresentadas pessoas possessas por “exus”. O Catolicismo é identificado sobretudo com a proximidade a imagens de adoração ou velas, bastante comuns em casas e famílias antigas. A “vida em pecado” geralmente é apontada à semelhança do profeta Natã avisando Davi (2ª Samuel 12) e cabe ao fiel “confessar”, quase no estilo Católico, o que seria motivo de seu castigo por Deus.
As duas primeiras explicações (Umbanda e Catolicismo) são reforçadoras do ideal de banir práticas das outras religiões da vida do fiel. Algumas denominações Pentecostais chegam ao ponto de evitar mesmo o contato com pessoas e mídia que não seja “abençoada”. Para o fiel, não se trata de avaliar a eficácia da cura prometida, pois chegar à cura é uma questão de quão empenhado ele mesmo pode ser, quanto consegue banir os representantes de outras religiões e ser puro. Para a medicina científica, por outro lado, é prometida a cura através de um comprimido - isso não depende do paciente e a falha no processo é uma falha da terapia.
A especialização da medicina científica ainda aponta para uma fragmentação do homem, que não é compreendida pelas pessoas. Parece muito mais natural (e lógica) a busca de uma purificação, o afastamento de um inimigo, uma bênção. O não adoecimento também demonstra, a toda a maioria que está sã, um certo grau de proteção e a noção de “corpo fechado”. O fiel batizado, correto, tem o corpo fechado para o mal, podendo até ser atacado, mas, se tiver a “verdadeira fé”, não será atingido. Esse viés também cria um “acobertamento” de enfermidades que podem denunciar uma “vida incorreta”. Pastores e padres, em especial, costumam ser atendidos com níveis graves de depressão, após meses ou anos lutando com o que eles assinalam como “falta de fé”.
A causa das doenças também pode ser atribuída à submissão aos prazeres carnais. Por outro lado, podem surgir re-interpretações para episódios de doenças, principalmente quando atingem pastores. Nesses casos, a doença passa a ser vista como uma provação a ser enfrentada ou um ataque do demônio para fazer calar aquele que leva a palavra de Deus. A doença do pastor, então, seria “um mecanismo do inimigo” para atingir um forte opositor na “guerra santa”.
Muitas igrejas mantém resquícios de uma lógica biológica-científica e apoiam campanhas de aplicação de flúor, verificação de pressão arterial, glicemia etc. Porém, os afetados pelo Mal tradicionalmente apresentam sintomas que chegam a ser caracterizados como “dez sinais de possessão”: nervosismo, dores de cabeça constantes, insônia, medo, desmaios ou ataques, desejo de suicídio, doenças cujas causas os médicos não descobrem, impotência, visões de vultos ou audição de vozes, vícios e depressão. Não é preciso vasculhar muito a literatura psiquiátrica para perceber que TODOS esses indícios, assim como seu conjunto, são indicativos de um quadro ansioso-depressivo, o mais comum em clínicas de psicológicas e psiquiátricas, que representa quase metade dos atendimentos e afeta, em algum momento da vida, 20-30% de todos os adultos no mundo.
Nessa ocupação do nicho de saúde pela medicina científica, psicologia/psiquiatria e a medicina religiosa, no Brasil frequentemente há a desvalorização de um tratador pelo outro. Especialmente no que diz respeito à saúde mental, psiquiatras e psicólogos raramente trabalham em conjunto. O mesmo pode-se dizer de médicos e pastores ou de psicólogos/psiquiatras e pastores. Em alguns casos, o pastor costuma dizer que “não resolve” ir ao médico ou fazer exames. Se o fiel crê que Deus quer salvá-lo, Ele fará isso, mesmo sem a ajuda médica. Os sinais de aflição dão uma idéia ainda mais clara de que temos profissionais de lógicas diferentes abordando os mesmos problemas.
Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta. (Tiago 2,26)
Embora seja tradicional pensar em um duelo de concepções sobre a saúde no sentido "a minha é correta e a sua é superstição", os seres vivos - e não só os humanos - funcionam numa lógica de vários níveis de informação sobrepostos. Aqui, temos os níveis biológico, psicológico e espiritual. Tiago alerta sobre as obras de amor que precisam ser feitas, para que o Espírito se manifeste. Em semelhante, não há como pensar em seres humanos sem corpo, sem espírito e sem um interferindo com o outro. Mais recentemente, ao mesmo tempo em que alguns pastores negam a eficácia da medicina científica como tratamento, outros muitos se graduaram como profissionais de áreas científicas, no interesse de suas comunidades.
A função da Igreja institucional e hierárquica, aqui, é relevante: embora seja o fiel quem deve se “acertar com Deus” e sejam convocadas reuniões de oração por cura, é muito mais frequente no meio Pentecostal que a cura seja provida pela oração, bênção ou toque do pastor e de nenhum outro. Qualquer semelhança com os poucos santos Católicos manifestando o dom de cura não é coincidência. A equiparação à imagem de Cristo curando quando nenhum dos discípulos pôde é recorrente, e por isso mesmo o pastor deve ser não apenas puro e correto, mas o mais puro e correto dentre todos, indo além de uma função como exemplo ou ofício sacerdotal. Essa relação com o pastor como líder, guia e representante de Jesus faz com que grande parte dos fiéis se afaste da igreja quando há troca de pastores, a menos que a troca seja explicitada como decorrente do mais grave pecado e vilania do pastor antigo.
SOBRE AS CURAS RELIGIOSAS
[Deus] nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica. (2ª Coríntios 3.6)
A Bíblia mostra muitas curas religiosas, mas parece uma exacerbação grande das idéias de Paulo acreditar numa invulnerabilidade através da fé, pois ele mesmo descreve a presença de um médico em seu grupo (Lucas) e o adoecimento de Trófimo, seu companheiro de viagem (2ª Timóteo 4.20).
Fora da esfera de que a doença é “uma responsabilidade do fiel, consequência de seus pecados”, sempre foi bastante comum dos grupos Cristãos a prática de oração pelos doentes, além de cuidados básicos como alimentação e abrigo.
Também fugindo da tradição de que as curas são obtidas pelo toque de alguém abençoado ou pela presença em um lugar santo, mesmo que seja a presença de um intercessor, recentemente diversos pesquisadores estudaram a influência de intercessões sobre a melhora de pacientes internados.
Abaixo faço uma exposição detalhada desses estudos, com links para o acesso aos trabalhos individuais. Esses trabalhos avaliaram principalmente pacientes de cirurgia cardíaca, em que são comuns as intercorrências pós-cirurgia. Alguns resultados são importantes de ser discutidos. Primeiro, os efeitos da oração coletiva beneficiam poucos pacientes 5-25%), sendo esses principalmente os de menor gravidade. Segundo, não há um efeito quantitativo da oração, isto é, 1 pessoa orando não produz menos efeito do que 15. Essa conclusão dificulta muito a avaliação dos efeitos de orações no contexto hospitalar, pois em todos os trabalhos, pelo menos 90% dos pacientes estadounidenses acredita ter alguém orando por sua recuperação. Por outro lado, também torna difícil esperar resultados melhores do que os obtidos atualmente. Terceiro, o efeito da oração intercessória pode ser retroativo, isto é, literalmente agir no passado. Elucubrações mentais muito engraçadas foram feitas no sentido de tentar explicar isso.
Nenhum dos estudos avaliou o papel melhorador de uma pessoa com alegado dom de cura. Aparentemente, essas figuras sempre foram participantes fundamentais das igrejas relacionadas a curas. Busquei por relatos sobre a avaliação criteriosa de pessoas assim, sem muito sucesso. Em geral, os mesmos que colecionam relatos de sucesso também têm muitos relatos de insucesso, atribuídos pelos seguidores a uma fé insuficiente do paciente ou de alguém no seu entorno. A pessoa é curada quando há fé suficiente, comprovada pela obtenção da cura; em outras palavras, a cura ocorre quando se é curado, com 100% de certeza.
Especialmente para as pessoas que crêem num sinergismo de Deus e dos homens no processo de curar, a insistência em tratamentos sem resultado pode ser uma prova de fé. Infelizmente, podendo ser necessárias muitas tentativas de cura antes de um resultado favorável, que viria após a demonstração de fé necessária, se torna especialmente difícil avaliar a eficiência de qualquer processo de cura. Muitas vezes, o resultado dessa insistência é a morte do paciente, entendida também como cura.
Então, como avaliar cientificamente se há religiosos capazes de promover curas? O teste empírico mais óbvio seria examinar pacientes antes e depois da cura, comprovar o desaparecimento sobrenatural de uma causa para doenças. No entanto, esse teste quase que imediatamente "mancha" a fé no curador, o que costuma ser um critério exigido para o sucesso. E quantos curadores se deixam avaliar dessa forma? Não encontrei nenhum relato em trabalhos científicos.
Alguns pesquisadores tentaram contornar tal dificuldade avaliando a saúde de comunidades religiosas em comparação com a população em geral. Obviamente, temos o problema de que não há como esperar o dom de cura de todos os líderes religiosos. Mas podemos esperar uma proximidade maior com pessoas "curativas" nas comunidades religiosas, se é que isso tem algo a ver com a Igreja. Nos EUA, quando se contabilizaram a ocorrência de infartos e AVCs entre 40 mil pessoas hospitalizadas, aqueles com maior frequência em igrejas mostraram menos casos de AVCs, especialmente idosos homens brancos e mulheres negras. Mas, antes de pensarmos em uma escolha sexual e racial a respeito de quem Deus cura, esses são justamente os grupos mais atingidos. Eles se beneficiaram muito do afastamento de bebidas, cigarro, glutonaria, assim como de ambientes violentos.
Por fim, até as doenças psicossomáticas ligadas a ansiedade e depressão, em que as igrejas tanto de dedicam curar (pois carregam os sinais de possessão demoníaca), são problemáticas. O único grande estudo médico a abordar essa questão (nos pacientes cardiopatas, para variar) justamente colocou um ponto perigoso, que é o de a expectativa de receber orações criar ansiedade. Nesses pacientes, a expectativa de contar com orações produziu piora dos seus quadros.
Comparadas com tratamentos atuais de psicologia e psiquiatria, as melhoras para transtornos mentais oferecidas pela igreja são muito pequenas. Na verdade, apenas são melhores que nada e costumam ser serviços gratuitos, aos quais muitos podem recorrer. Lembram, por isso, a atenção de alimento, cobertores e abrigo oferecida aos doentes na Idade Média.
RESUMINDO A MISSA
O que tentei trazer aqui, baseado em pesquisas científicas de alto calibre, foi uma apreciação de como a fé está ligada com a saúde das pessoas. Observamos que há o relato Bíblico de curas; que há um conceito de saúde diferente do científico, explorado pelas igrejas sobretudo entre as populações menos instruídas; que não existe algo quantitativo nas orações coletivas, 1 pessoa orando é tão efetivo quanto muitos; que há pouco benefício real dessas orações, pelo menos para os pacientes cardiopatas; que as comunidades religiosas fazem um papel interessante de evitar hábitos ruins que comprometem a saúde dos mais velhos.
No entanto, mostrei também que há uma dificuldade metodológica grande em avaliar as curas religiosas. Recentemente, esse tema se tornou mais importante pela recusa, em todo o mundo, de comunidades em seguir recomendações científicas de saúde. Em quase todas as situações, os religiosos afirmaram que suas reuniões eram mais protetoras do que as leis de isolamento social. A menos que estejamos com moléstias transmissíveis atingindo (e que não seja de forma grave) sobre menos de 10% dos membros das comunidades, posso afirmar agora que uma coisa não se equipara com a outra.
Não há, provavelmente, um modo de verificar o quanto a sua oração por um doente é funcional. Eu prefiro não pecar pela falta.. E não há modos éticos de avaliar os poderes curativos de pessoas que aguentam ser tais como Jesus, Pedro e João. Comparando os modelos teológicos em que "Deus cura por sua própria vontade" e "Deus cura mediante nossas orações", há uma evidência do tamanho de uns 15% em favor da 2ª alternativa.
Por isso, há de se pensar que a oferta de medicina científica pelas comunidades religiosas, ao preço mais baixo que puderem, seria o modo de unir a força vinculadora da fé com práticas terapêuticas realmente efetivas. Infelizmente, no mundo todo, perecer ou ser curado de uma doença tem muito mais relação com o acesso a medicina científica do que com a prática de oração.
Como disse Tiago, o Espírito há de se manifestar pela oração e pelas obras juntos.
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ESTUDOS INÚTEIS REFERENCIADOS AQUI
Abercrombie A, A biblical response to mental illness and suicide: what should we conclude…, Biblical Counseling Institute, abr/2013.
British Broadcasting Channel (BBC), Developments in patient care, Bitesize.
CERQUEIRA-SANTOS, Elder; KOLLER, Sílvia Helena; PEREIRA, Maria Teresa Lisboa Nobre. Religião, saúde e cura: um estudo entre neopentecostais. Psicologia: ciência e profissão, v. 24, n. 3, p. 82-91, 2004.
HESS, Denise. Faith healing and the palliative care team. Journal of social work in end-of-life & palliative care, v. 9, n. 2-3, p. 180-190, 2013.
Mixed role of religion in views on biomedical and food issues, pewresearch.org, out/2015.
Religion’s relationship to happiness, civic engagement and health around the world, pewforum.org, jan/2019.
Roser M, Ortiz-Ospina E, Global extreme poverty, ourworldindata.org, 2019.
SILVA, CAB; VASCONCELLOS, MP. Da doença ao milagre: etnografia de soluções terapêuticas entre evangélicos na cidade de Boa Vista, Roraima. Saúde e sociedade, v. 22, n. 4, p. 1036-1044, 2013.
Studies on intercessory prayer - wikipedia
Tolkien JRR, O senhor dos anéis - O retorno do rei, 1955, versão digital por Cláudia Tressoldi, issuu.com
Zebrun CK, Stefanar JY, Saints who were physicians and hearlers, Department of Christian Education - Orthodox Church in America, 2018.
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apêndice
GRANDES ESTUDOS SOBRE A INFLUÊNCIA DE INTERCESSÃO RELIGIOSA
O 1º grande estudo foi Statistical inquiries into the efficacy of prayer, de Francis Galton, publicado no Fortnightly Review v. 12, p 125-35, 1872. Ele coletou as idades de morte de 6473 homens que ultrapassaram os 30 anos (era uma época sem antibióticos) e não morreram de acidentes. Separando-os entre religiosos e não religiosos, famosos ou desconhecidos, Galton observou que, em todos os casos, a expectativa de vida era de aprox. 66-68 anos. Entre várias discussões, Galton observou que mesmo os admirados e religiosos não gozavam de sobrevida maior. Logo, a interferência das orações no máximo atingiria os 1os anos de vida ou a ocorrência inesperada de acidentes.
O trabalho de Galton foi uma exposição qualitativa. Apenas muitos anos depois, alguém efetivamente quantificou os efeitos da oração intercessória. Randolph C. Byrd publicou "Positive Therapeutic effect of intercessory prayer in a coronary care unit population, South Med J, v. 81, p. 7, 1988", onde ele tomou 336 pacientes de uma unidade hospitalar para cirurgias cardíacas. Metade dos pacientes foi sorteada para receber orações diárias por sua melhora. Para isso foram recrutados Cristãos praticantes (segundo eles mesmos e seus líderes) de várias comunidades Protestantes e Católicas. Os "orantes" recebiam os nomes dos pacientes, o conhecimento de que passariam por cirurgia cardíaca e nada mais. No momento de alta dos pacientes, seus prontuários foram coletados e estudados.
A maioria dos pacientes era portador de cardiomegalia, angina, histórico de infarto e edema pulmonar. Algumas coisas não foram afetadas pelas orações intercessórias: nº de dias na UTI, nº de dias internado, nº de medicações, taquicardia (16%), presença de angina (10%), mortalidade (8%), pressão arterial e medicações usadas para controlar a pressão. Mas Byrd encontrou algumas coisas mudadas: falha cardíaca congestiva após a cirurgia (4 vs. 10%), uso de diuréticos para reduzir a pressão arterial (3 vs. 8%), ocorrência de pneumonia e uso de antibióticos (2 vs. 8%) e necessidade de intubação (0 vs. 6%). Comparando o resultado geral dos procedimentos, 79% tiveram bons resultados, enquanto 18% tiveram maus resultados. Byrd ressaltou que todas as alterações no grupo que recebeu orações foram associadas a melhoras, e as mesmas podem ser contabilizadas como beneficiando cerca de 5% dos pacientes. Como ele mesmo enfatizou, não houve como limitar as orações dos próprios pacientes ou de familiares, em qualquer um dos grupos. Pensando no padrão das famílias estadounidenses (casal + 2 filhos), é provável que cada paciente do grupo “sem oradores” contasse, na verdade, com 4 pessoas orando por si, enquanto cada um do grupo “com oradores” contasse com 5. Essa pequena diferença talvez respondesse pelo resultado de Byrd.
Um outro estudo significativo veio da famosa Clínica Mayo, uma versão bem avantajada do Hospital Albert Einstein brasileiro (Aviles JM, Whelan SE, Hernke DA, et al., Intercessory prayer and cardiovascular disease progression in a coronary care unit population: a randomized controlled trial, Mayo Clinic Proceedings v. 76, n. 12, p. 1192–1198, 2001). Aqui, 799 pacientes com problemas cardíacos atendidos por uma unidade hospitalar foram monitorados por 26 semanas. Metade deles, por sorteio, foi designada para um grupo de 215 intercessores recrutados em comunidades religiosas locais. Cada um dos intercessores orou ao menos semanalmente por 4 a 7 pacientes, sobre os quais foram fornecidos de início dados como nome, idade e resumo do diagnóstico. No final das 26 semanas, o histórico dos pacientes foi comparado. Lembrando o trabalho de Byrd, isso significava 4 a 6 intercessores por pacientes do grupo recebendo orações, além, talvez, dos próprios pacientes e seus familiares.
A maioria dos pacientes havia sido admitida no hospital por infarto do miocárdio, além de um histórico de alto colesterol plasmático e hipertensão. Considerando eventos como morte (8,5%), infarto (0,3%), intervenção vascular (5%), internação (19%) e atendimentos de emergência (8,3%) durante as 26 semanas, não foram detectadas diferenças significativas entre os grupos com e sem intercessores. Apenas 10 a 15% dos pacientes recebendo orações pareceu ter se beneficiado disso, considerando cada um dos ítens avaliados; no geral, o efeito se perdia por completo. Separando os pacientes de baixo e alto risco, os de baixo risco tiveram aprox. 50% sendo beneficiados pelas orações, enquanto os de alto risco tiveram 0 a 10% beneficiados, dependendo do critério. No final, a Clínica Mayo concluiu que os efeitos da intercessão religiosa, se existiam, eram pequenos e só conseguiam favorecer os pacientes em melhores condições. A Clínica avaliou como um problema do estudo a variedade de intercessores, a variedade de crenças dos pacientes e o não seguimento dos intercessores (orações semanais vs orações diárias), coisa que Byrd havia feito.
Um estudo realmente interessante foi publicado por Leibovici L - Effects of remote, retroactive intercessory prayer on outcomes in patients with bloodstream infection: randomised controlled trial, British Medical Journal, v. 323, n. 7327, p. 1450–1451, 2001. Uma lista de 3393 pacientes com infecção sanguíneas de um hospital de Israel foi sorteada para formar 2 grupos. Um deles deveria receber orações de um religioso, o outro não; o critério de comparação seria morte, ocorrência de febre e o tempo de internação. A oração foi feita sobre um livro com os nomes dos pacientes. O detalhe é que os pacientes já haviam deixado o hospital 4 a 10 anos atrás! Como Deus não estaria limitado ao tempo, essa intercessão deveria fazer com que as pessoas tivessem melhoras no passado.
A maioria dos pacientes havia contraído infecção urinária (ou outros tipos, como infecção pulmonar) enquanto estava internada no hospital, então todos os casos se tratavam de infecções acompanhadas desde o início. Curioso como isso pode soar, Leibovici encontrou os pacientes com maiores tempos de internação (> 15 dias) permanecendo menos tempo internados quando recebiam oração (no futuro). Para mais de 75% dos pacientes, porém, não houve efeito algum.
Em 2005, Krucoff MW et al. publicaram "Music, imagery, touch, and prayer as adjuncts to interventional cardiac care: the Monitoring and Actualisation of Noetic Trainings (MANTRA) II randomised study", Lancet, v. 366, n. 9481, p. 211–217. Nesse trabalho estadunidense, bem semelhante ao de Byrd, novamente houve o recurso a 748 pacientes passando por cirurgia cardíaca. A maioria já sofrera um infarto e era portador de diabetes. Metade deles teve dados como nome, idade e diagnóstico secretamente passados a 12 grupos de religiosos locais, sendo esses Cristãos, Islâmicos, Judeus ou Budistas. Cada paciente recebeu orações por 5-30 dias, dependendo da rotina das comunidades religiosas. Os históricos dos pacientes ao longo de 2 anos foram comparados.
Krucoff recolheu alguns dados interessantes. Por exemplo, 89% dos pacientes acreditava que algum amigo ou familiar estivesse orando por ele. Nos 1os 6 meses após a cirurgia, não houve diferença entre os grupos na ocorrência de algum evento cardiovascular (37%), algum evento grave (25%), re-internação (34%) ou morte (3,5%). Ao final dos 2 anos de seguimento, considerando as diferenças entre os grupos, a maior delas foi na re-internação (25% dos pacientes foram beneficiados por orações) e a menor foi na ocorrência de mortes (nenhum benefício). Estatisticamente, nem a maior foi significativa. Como no caso do estudo de Byrd, aqui pode ter ocorrido o mascaramento de efeitos dos grupos de oração pela presença (grande) de orações de familiares e amigos, embora quantitativamente esse estudo tenha provido um número considerável de "orantes" para cada paciente.
O mais atual desses grandes estudos sobre o efeito de intercessão espiritual foi Benson H, et al., "Study of the Therapeutic Effects of Intercessory Prayer (STEP) in cardiac bypass patients: a multicenter randomized trial of uncertainty and certainty of receiving intercessory prayer". American Heart Journal, v. 15, n.4, p. 934-942, 2006. Ele reuniu pacientes de cirurgia cardíaca de quase todas as grandes instituições hospitalares na costa leste dos EUA. Embora os pacientes fossem de fés variadas (ou mesmo ateus/agnósticos), eles foram atribuídos a grupos de oração Cristãos. Os 1802 pacientes participantes foram sorteados entre 3 grupos, mas apenas o grupo 3 recebeu aviso de que receberia orações. Essas, entretanto, foram feitas somente após o período de avaliação (30 d). Os grupos 1 e 2 não receberam qualquer aviso. No grupo 1 não houve orações (a não ser de amigos e parentes); no grupo 2 houve orações feitas por 3 grupos de religiosos (2 Católicos e 1 Protestante) que recebiam diariamente os nomes de pacientes, durante 14 dias. Cada lista tinha a instrução de orar pelo sucesso na cirurgia, com boa e rápida recuperação após ela.
Como sempre, a maioria dos pacientes eram hipertensos, com histórico de infarto e diabetes. 80% tinha afiliação religiosa, sendo 60% Protestantes. Cada grupo diário de "orantes" tinha 10-58 pessoas, reunidas de 1 a 4 vezes por dia. Pelo menos 95% dos pacientes acreditava que haveria alguém orando por eles durante a cirurgia. Benson encontrou que 58,6% dos pacientes avisados sobre as orações (grupo 3) teve alguma complicação no período de análise. Nos grupos não avisados (1 e 2, com e sem oração), ambos tiveram intercorrências em 50% dos pacientes. Nos 3 grupos, essas intercorrências foram principalmente complicações cardíacas (31%) e pulmonares (23%). Nenhum dos problemas de saúde avaliados foi estatisticamente diferente entre os grupos com e sem oração: as principais diferenças foram a ocorrência de diabetes e falência renal (20% menor no grupo com oração) e doença obstrutiva pulmonar (20% maior no grupo com oração). A principal conclusão do estudo acabou sendo sobre o grupo avisado das orações, que teve 20% mais ocorrência de todos os problemas de saúde avaliados. Benson atribuiu isso a um efeito de ansiedade, tendo o cuidado de comparar os grupos 1 e 3, para evitar o efeito retroativo das orações, conforme observado por Leibovici.
OBISESAN, Thomas et al., Frequency of attendance at religious services, cardiovascular disease, metabolic risk factors and dietary intake in Americans: an age-stratified exploratory analysis, The International Journal of Psychiatry in Medicine, v. 36, n. 4, p. 435-448, 2006 chegou a entrevistar quase 40 mil pessoas nos EUA e relacionar a ocorrência de infartos e AVCs (as principais causas não infecciosas de morte) com a frequência em serviços religiosos. Os resultados foram interessantes.
Na população acima de 60 anos, mais propensa a morrer dessas causas, não houve qualquer relação entre infartos e a frequência religiosa; mas houve 25% menos relatos de AVCs. Isso foi especialmente válido para homens brancos (40% menos AVCs) e mulheres negras (66% menos AVCs).
Entre as causas "mundanas" mais sugeridas para essa diferença, claro, estavam a adoção de estilos de vida mais saudáveis entre os religiosos (menos fumo, menos bebida, menos associação com violência) e a evitação de depressão/ansiedade pelo convívio social e atribuição de significados lógicos para as ocorrências diárias. E isso não era mentira: quando foi introduzida a probabilidade menor de ocorrência desses problemas, estruturalmente em homens brancos e mulheres negras, desapareceu por completo o efeito protetor da frequência às igrejas.
Um estudo significativo avaliou ainda as intervenções religiosas não sobre as doenças diretamente, mas sobre os níveis de ansiedade e depressão de doentes. GONÇALVES, Juliane PB et al. Religious and spiritual interventions in mental health care: a systematic review and meta-analysis of randomized controlled clinical trials. Psychological medicine, v. 45, n. 14, p. 2937-2949, 2015 reuniu dados sobre o tratamento de 3150 pacientes, a maioria deles usuários de drogas, pacientes de ansiedade e cardiopatas. Metade deles passou por intervenções religiosas que incluíram psicoterapia de bases religiosas, recursos audiovisuais como leituras e músicas, serviços pastorais e formas de meditação, geralmente por 1 a 6 semanas. Todos os pacientes incluídos tiveram seus níveis de ansiedade e depressão monitorados por escalas clínicas.
Cerca de 60% dos pacientes teve melhora dos sintomas de ansiedade (contra 40% que não teve benefício), o que é pouco significativo. No quesito sintomas de depressão, apenas cerca de 20% dos pacientes de beneficiou das intervenções. Comparando-se esse resultado com parâmetros clínicos de terapia psicológico-psiquiátrica atuais, onde 90-95% dos pacientes de ansiedade e 70% dos pacientes de depressão obtém melhoras, trata-se de uma eficácia muito fraca. O principal benefício dessa abordagem, então, estaria na forte vinculação dos pacientes aos serviços religiosos e seu baixo custo.
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