sábado, 21 de novembro de 2015

Depois da morte - parte 1

adoração do bezerro de ouro, pintura de Gerrit de Wet

A noção mais antiga de religião está nos comportamentos funerários, na maneira como nossos antepassados trataram os seus mortos. Em parte, isso ocorre porque o tratamento dedicado aos vivos pode estar ligado a alguma retribuição ou ganho; já os mortos só podem retribuir através de algo distinto da natureza comum, isto é, uma alma imortal ou um deus premiador/vingador. Em parte, a noção mais antiga também inclui a crença em uma vida pós-morte semelhante a esta, destituída do que pudesse ser chamado de deus.

Neste artigo, eu gostaria de mostrar como o além-túmulo dos judeus, sobretudo revelado pela Bíblia e crido como algo estanque, fixo e até usado em conjunto para largas argumentações, na verdade se modificou ao longo da história deste povo e de forma dependente de outros povos com os quais eles se relacionaram intimamente, a exemplo os egípcios, cananeus, babilônios, gregos e romanos.

A MORTE

Segundo o Gênesis, o primeiro homem (Adão) e sua parceira foram criados imortais. Dessa forma, estavam originalmente destinados a habitar um pedacinho de terra próximo ao Golfo Pérsico para sempre, deixando o mundo espiritual habitado somente por anjos e demônios. No entanto, após desobedecerem o Criador e adquirirem conhecimento, Adão e Eva foram tornados mortais.

Visto que você deu ouvidos à sua mulher e comeu do fruto da árvore da qual eu lhe ordenara que não comesse, maldita é a terra por sua causa; com sofrimento você se alimentará dela todos os dias da sua vida. Ela lhe dará espinhos e ervas daninhas, e você terá que alimentar-se das plantas do campo. Com o suor do seu rosto você comerá o seu pão, até que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você é pó e ao pó voltará". … Por isso o Senhor Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora tirado. (Gênesis 3.17-23)

Boa parte dos filósofos já se debruçou sobre a questão “como um ser perfeito cria um não-perfeito?”. Tomando como definição que a morte seja a primeira das imperfeições humanas (o Gênesis até a coloca como uma punição divina), o Todo Poderoso de alguma forma foi o seu autor. Vejamos duas vertentes de grandes reinos vizinhos que podem ter influenciado os hebreus: (1) No mito Egípcio, o deus Amon criou os deuses primeiros Rá, Ptah e Atum, e os homens foram sua descendência após muitas gerações, não havendo diferença primordial entre homens e deuses. De fato, os faraós estavam destinados a se unirem aos deuses após a morte. (2) No mito Babilônico de Atrahasis (2000 a.C.), os deuses sacrificaram o deus We-ilu e misturaram seu sangue à terra, criando os homens para que trabalhassem a terra em seu lugar. Como os homens faziam muito barulho, inundaram a terra para destruí-los e fizeram uma segunda espécie, que não seria imortal. Após o Dilúvio, ainda criaram doenças para impedir que fôssemos numerosos demais.

Na crença hebraica relatada supostamente por Moisés, a morte foi introduzida por obra de Satanás, Adão ou Eva:

É por inveja do demônio que a morte entrou no mundo, e os que pertencem ao demônio prová-la-ão. (Sabedoria 2.24)

Portanto, da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram. (Romanos 5.12)

Foi pela mulher que começou o pecado, e é por causa dela que todos morremos. (Eclesiástico 25.33)

Adão foi retirado de sua imortalidade e ficou em algum lugar entre a primeira e expectativa de vida humana. A Bíblia relata que ele viveu 930 anos, mais ou menos como seus descendentes. Shem, filho de Noé e 9ª geração dobre a Terra, já mostrou um decréscimo, chegando aos 600 anos. Após o Dilúvio, houveram 3 gerações com aproximadamente 450 anos. Em mais 6 gerações até Abraão, isso diminuiria para uns 200 anos. Depois, em mais 6 gerações até Moisés, veríamos ainda cair para apenas 150 anos. Após Moisés, os homens viveram cerca de 70 anos.

SUMÉRIA

Terá tomou seu filho Abrão, seu neto Ló, filho de Harã, e sua nora Sarai, mulher de seu filho Abrão, e juntos partiram de Ur dos caldeus para Canaã. Mas, ao chegarem a Harã, estabeleceram-se ali. (Gênesis 11.31)

A cidade de Ur é uma das mais antigas do mundo, sendo habitada desde o período neolítico. No entanto, a expressão “Ur dos caldeus” é bastante suspeita, pois os Caldeus só se estruturaram na região por volta de 850 a.C., enquanto estima-se que Abraão tenha vivido entre 5000-3000 a.C. A cidade é referida também no Livro dos Jubileus:

No ano 1687 A.M. [Ano Mundi, i.e. 2073 a.C.], Ur, filho de Kesed, construiu a cidade de Ará dos caldeus, e chamou a cidade com seu nome e o nome de seu pai (i.e. Ur Kasdim) (Jubileus xi.3)

O além-túmulo do povo Sumério, que habitava a região nos tempos de Abraão, era em um mundo sob a superfície da terra, escuro e do qual ninguém podia voltar. Entretanto, os deuses faziam visitas a esse reino: Shamash, o deus-sol da justiça, descia ao submundo todas as noites. A deusa da fertilidade Inana/Ishtar também foi a esse mundo e encontrou o caminho de volta à superfície. Haveria lá uma grande cidade governada por espíritos poderosos chamados Anunnaki (lê-se ananaki), submissos ao deus Nergal e sua esposa Ereshkigal. Qualquer semelhança com os Anakins bíblicos não é mera coincidência: segundo os Sumérios, sua aparência era de homens grandes, alguns com cabeças de animais como os deuses Egípcios, geralmente portando asas nas costas.

Antigamente os Emins habitavam nessa terra [Moab]; era um povo forte e numeroso, alto como os Enaquins. Como os Enaquins, eles também eram considerados Refains, mas os moabitas os chamavam Emins. (Deuteronômio 2.10,11

Um dos livros mais antigos da Bíblia, o livro de Jó, também faz referência ao submundo antigo. Os nomes usados são Sheol (mundo dos mortos) e Abadom (no VT: destruidor, fogo, ver Jó 31.12; no NT: um espírito infernal que comanda os gafanhotos, Ap 9.11), às vezes como se fossem seres animados a caçar o homens:

A nuvem se dissipa e passa: assim, quem desce à região dos mortos [Sheol] não subirá de novo (Jó 7.9)

O Sheol está nu diante Dele, E Abadom não tem o que lhe cubra. (Jó 26.6)

Já estariam no fim os meus poucos dias? Afasta-te de mim, para que eu tenha um instante de alegria, antes que eu vá para o lugar do qual não há retorno, para a terra de sombras e densas trevas, para a terra tenebrosa como a noite, terra de trevas e de caos, onde até mesmo a luz é trevas. (Jó 10.20-22)

Para a terra sem retorno, a terra da escuridão, Ishtar, a filha de Sin [deusa Lua] dirigiu seu pensamento. Dirigiu seu pensamento, Ishtar, a filha de Sin, para a casa de sombras, a habitação Irkalla. Para a casa sem saída daquele que entra nela, para a estrada de onde não há como voltar. Para a casa sem luz de quem entra nela, o lugar onde a poeira é o seu alimento e argila sua comida. Eles não têm luz, na escuridão eles habitam. (Descida da deusa Ishtar ao Mundo Inferior)

Aparentemente, Abraão levou para Canaã essa concepção do além-túmulo e Jó, personagem real ou mítico, era seu contemporâneo.

EGITO

A maior parte dos escritos judaicos se devem aos trabalhos realizados nas épocas de Moisés, Davi/Salomão, Esdras, os profetas e os rabinos pós-templo. Assim, pouco ou quase nada sabemos sobre a crença dos judeus antes da saída do Egito.

José se tornou governador do Egito por volta de 1750 a.C., quando as lutas pelo poder entre as famílias reais da 17ª dinastia permitiram que Edomitas de Canaã invadissem suas terras. Os Hiksos, como foram chamados, permitiram que povos cananeus se deslocassem para as planícies férteis do Egito, entre eles os Hebreus (Hapiru, na pronúncia egípcia). Nos 4 séculos seguintes, os Hebreus habitaram as terras de Goshen (Ramsés, na pronúncia egípcia) e conviveram com os costumes e crenças do Egito, até que Moisés os conduzisse de volta para Canaã.

Apesar de os Egípcios se dizerem descendentes diretos dos deuses, o historiador Heródoto visitou o Egito por volta de 450 a.C. e anotou o que se segue:

Tanto os Egípcios com quem privei, como os sacerdotes meus informantes, me fizeram ver que 341 gerações se tinham sucedido desde o primeiro rei até Setos, sacerdote de Vulcano. Ora, 300 gerações correspondem a 10 mil anos, já que 3 gerações equivalem a 100 anos; e as 41 gerações restantes perfazem 1340 anos. No decurso desses 11340 anos, acrescentam eles, nenhum deus se manifestou em forma humana e nada se viu de semelhante, nem nos tempos anteriores a essa época, nem entre os outros reis que governaram o Egito posteriormente. (Euterpe CXLII)

Para os Egípcios, o espírito Ba deligava-se do corpo e podia voar até a morada dos deuses. Enquanto isso, o corpo ganhava vida novamente e passava a habitar o interior da tumba, onde precisava encontrar alimentos, seus pertences e até ferramentas. Mas o caminho até os deuses não era fácil: o Ba precisava vencer muitas provas no Duat, ou submundo, que geralmente consistiam em enfrentar deuses/espíritos capazes de devorar ou matá-lo. Se sobrevivesse a todos (e as incrições nas tumbas continham muitos feitiços para ajudar o Ba nessa jornada), ele por fim se apresentaria ante os deuses Anubis e Ma’at, literalmente a arma e personificação da justiça, onde afirmaria não ter cometido nenhum dos 42 pecados e seu coração seria pesado contra uma pena da deusa Ma’at. Se houvesse equilíbrio, o Ba seria admitido junto aos deuses e poderia se tornar um deles num “campo de juncos” às margens do Nilo celestial.

Os pecados eram (1) cometer pecado, (2) roubo com violência, (3) roubar, (4) matar homens e mulheres, (5) roubar grãos, (6) furtar oferendas, (7) roubar a propriedade dos deuses, (8) proferir mentiras, (9) levar comida embora, (10) pronunciar maldições, (11) cometer adultério ou deitar-se com homens, (12) fazer alguém chorar, (13) sentir remorso ou chorar inutilmente, (14) atacar um homem, (15) enganar os homens, (16) roubar terra cultivada, (17) ser intrometido, (18) caluniar alguém, (19) ter raiva sem justa causa, (20) debochar da esposa de alguém, (21) debochar da esposa de um homem, (22) poluir-se, (23) aterrorizar alguém, (24) transgredir a lei, (25) indignar-se, (26) fechar os ouvidos às palavras de verdade, (27) blasfemar, (28) ser violento, (29) perturbar a paz, (30) agir ou julgar com pressa, (31) inquirir em assuntos, (32) falar demais, (33) fazer o mal, (34) fazer feitiçaria contra o rei, (35) parar o fluxo de água, (36) falar com arrogância ou com raiva, amaldiçoar Deus, (38) agir com raiva, (39) roubar o pão dos deuses, (40) roubar os bolos dos mortos, (41) tirar o pão de crianças, (42) matar o gado pertencentes dos deuses. Embora não se tratasse de uma lista ditada por um dos deuses, reparemos que pelo menos 8 dos Mandamentos encontram análogos nessa lista.

Além disso, o cântico de Amon, o Criador, dizia:

Eu fiz todo homem como seu próximo. Eu não mandei que fizessem Isfet: são os seus corações que destroem o que eu criei. (Allen JP, 2000)

Isfet era o caos, o mal, o erro e a desordem, o oposto de Ma’at. Apesar de não ser muito explicativo, nesse pequeno trecho Amon atribui aos homens a origem do Mal, tal como escreveu Moisés. E por falar nele, a época de Moisés coincide com as primeiras versões em papiro e organizadas do Livro dos Mortos (1600-1500 a.C.). Tratava-se de um conjunto extenso de ensinamentos e encantos para instruir, proteger e orientar o morto em sua nova vida, sempre deixado no interior das tumbas. Seu conteúdo também sugere que servia à educação dos Egípcios, sobretudo os da alta nobreza, e não seria estranho se Moisés tivesse sido instruído com esse livro.

Não há, entretanto, qualquer referência ao além-túmulo nos livros de Moisés.

Assim morreu ali Moisés, servo do Senhor, na terra de Moabe, conforme a palavra do Senhor. E o sepultaram num vale, na terra de Moabe, em frente de Bete-Peor; e ninguém soube até hoje o lugar da sua sepultura. Era Moisés da idade de cento e vinte anos quando morreu; os seus olhos nunca se escureceram, nem perdeu o seu vigor. (Deuteronômio 34.5-7)

Para Moisés, Josué, etc e mesmo José, o enfoque bíblico está simplesmente em descrever o local onde foram enterrados. Muitas vezes, é citada apenas a sua descendência. A crença numa vida pós-morte, entretanto, é sugerida pela preocupação de José e Moisés com o destino de um punhado de ossos:

E Moisés levou consigo os ossos de José, porquanto havia este solenemente ajuramentado os filhos de Israel, dizendo: Certamente Deus vos visitará; fazei, pois, subir daqui os meus ossos convosco. (Êxodo 13.19)

Vários séculos depois, Salomão voltava novamente a atenção dos Judeus para o Egito, quando reuniu provérbios usados no ensino dentro dos palácios Egípcios. Entre os ensinamentos que compilou, um deles causa especial atenção pela referência à cerimônia de pesagem do coração do falecido:

Mesmo que você diga "Não sabia o que estava acontecendo!", não o perceberia aquele que pesa os corações? Não o saberia aquele que preserva a sua vida? Não retribuirá ele a cada um segundo o seu procedimento? (Provérbios 24.12)

Apesar de os Judeus terem levado do Egito coisas como o culto de Ápis (o tal bezerro de ouro que Arão forja, nos pés do monte Horebe), a passagem de Salomão parece ser a única referência bíblica ao trajeto além-túmulo do Egípcios.

CANAÃ

Voltando cerca de 1 milhão de pessoas do Egito, os Judeus não se estabeleceram pacificamente em Canaã. Os livros de Deuteronômio, Josué e Números narram continuamente batalhas entre os Judeus e os povos cananeus, até que algo próximo de um equilíbrio se estabeleceu com os Judeus ao sul do Lago de Genesaré e na margem oeste do rio Jordão. Ali, ficaram rodeados pelos Arameus, Moabitas, Amonitas e Filisteus. As relações com esses povos eram tanto de guerra como de paz, dependendo quando e onde. Preocupado mais com a paz do que com a guerra entre eles, Moisés encheu os Judeus de instruções de comportamento, advertindo muitas vezes quanto a não se apropriar de costumes cananeus, não tomar suas mulheres, etc.

Entre as influências mais sérias dos povos cananeus sobre os Judeus estava o culto ao deus agrícola Baal (a palavra baal, be’al ou bel significa simplesmente “senhor”). Seu culto se estendia desde Canaã até os oásis da Síria e os rios da Mesopotâmia/Assíria, sendo visto geralmente como um controlador das chuvas e colheitas. A relação entre Baal e o mundo dos mortos é uma conjectura, mas é provável que os Judeus tenham associado rituais de ferir-se, cortar cabelos ou ofertar comida aos mortos, como faziam os Egípcios, com o culto de Baal.

Vocês são os filhos do Senhor, do seu Deus. Não façam cortes no corpo nem rapem a frente da cabeça por causa dos mortos, pois vocês são povo consagrado ao Senhor, ao seu Deus. (Deuteronômio 14.1,2)

Não cortareis o cabelo, arredondando os cantos da vossa cabeça, nem danificareis as extremidades da tua barba. Pelos mortos não dareis golpes na vossa carne; nem fareis marca alguma sobre vós. Eu sou o Senhor. (Levítico 19.27,28); Não façam cortes em seus corpos por causa dos mortos, nem tatuagem em si mesmos. Eu sou o Senhor. (Levítico 19.28)

E tomaram o bezerro que lhes dera, e o prepararam; e invocaram o nome de Baal, desde a manhã até ao meio-dia, dizendo: Ah! Baal, responde-nos! ... E eles clamavam em altas vozes, e se retalhavam com facas e com lancetas, conforme ao seu costume, até derramarem sangue sobre si. (1ª Reis 18.26-28)

E morrerão grandes e pequenos nesta terra, e não serão sepultados, e não os prantearão, nem se farão por eles incisões, nem por eles se raparão os cabelos. (Jeremias 16.6)

Quando tiverem separado o dízimo de tudo quanto produziram no terceiro ano ... digam ao Senhor, ao seu Deus: "Retirei da minha casa a porção sagrada ... Não comi nada da porção sagrada enquanto estive de luto, nada retirei dela enquanto estive impuro, e dela não ofereci nada aos mortos. Obedeci ao Senhor, ao meu Deus; fiz tudo o que me ordenaste. (Deuteronômio 26.12-14)

Todos os reis Judeus tiveram problemas com o culto de Baal, alguns mesmo se tornando parte desse culto, como Acabe. Aparentemente, o Sheol, mundo dos mortos dos Judeus, era parecido com o submundo Sumério, no qual os deuses podiam entrar e sair, mas onde os espíritos dos homens ficavam confinados na escuridão. Mas o que dizer dos necromantes sobre os quais Moisés alertava e os profetas, tão próximos de Deus que podiam ser arrebatados ainda em vida? No 1º livro de Samuel, vemos a feiticeira de En-Dor trazendo o espírito de Samuel para falar com o rei Saul.

O rei lhe disse [à feiticeira]: "Não tenha medo. O que você está vendo? " A mulher disse a Saul: "Vejo um ser que sobe do chão". Ele perguntou: "Qual a aparência dele? " E disse ela: "Um ancião vestindo um manto está subindo". Então Saul ficou sabendo que era Samuel, inclinou-se e prostrou-se, rosto em terra. Samuel perguntou a Saul: "Por que você me perturbou, fazendo-me subir?" (1ª Samuel 28.13-15)

Depois disso, [Samuel] adormeceu e apareceu ao rei, e lhe mostrou seu fim (próximo); levantou a sua voz do seio da terra para profetizar a destruição da impiedade do povo. (Eclesiástico 46.23).

Foi só no período interbíblico que a crença de que Samuel de fato viera do Sheol começou a ser modificada pelos rabinos judeus, daí surgindo especulações de que aquele ser que aparecera em En-Dor poderia ter sido um outro personagem morto do AT, ou um anjo bom, ou o próprio Deus. O Talmude traz essa variedade de opiniões, incluindo, naturalmente, a de que Samuel manifestara-se. No texto bíblico, fica demonstrado que a idéia de que o falecido Samuel apareceu e conversou com Saul sempre foi aceita pelo povo de Deus. A crença na aparição de um “demônio” de fato só surgiu dentro do Cristianismo, nalgum ponto entre o final do séc. 2 e a primeira metade do séc. 3, mais de 1000 anos após o incidente.

No tempo dos grandes reis, a imagem do Sheol como habitação dos mortos ainda vigorava. Contudo, parecia ser o destino amargo apenas dos descrentes:

Os iníquos hão de ir para o Sheol, Todas as nações que se esquecem de Deus. (Salmos 9.17)

Pois não abandonarás [Senhor] a minha alma ao Sheol, nem permitirás que o teu santo veja a corrupção. (Salmos 16.10)

Cercaram-me cordas do Sheol, laços de morte me sobrevieram. (Salmos 18.5 e 2ª Samuel 22.6)

Jeová é o que tira a vida, e a dá. Faz descer ao Sheol, e faz subir. (1ª Samuel 2.6)

Tu [Nabucodonosor] dizias no teu coração: Subirei ao céu, exaltarei o meu trono acima das estrelas de Deus … Todavia serás precipitado para o Sheol, para as extremidades do abismo. (Isaías 14.13-15)

Aos reis sagrados estava designado algo aparentemente bem mais tranqüilo, porém enigmático:

Davi dormiu com seus pais, e foi sepultado na cidade de Davi (1ª Reis 2.10); Baasa adormeceu com seus pais, e foi sepultado em Tirza. Em seu lugar reinou seu filho Elá (1ª Reis 16.6); Onri adormeceu com seus pais, e foi sepultado em Samaria. Em seu lugar reinou seu filho Acabe (1ª Reis 16.28); Assim adormeceu Acabe com seus pais. Em seu lugar reinou Acazias, seu filho (1ª Reis 22.40).

O destino dos justos, portanto, estava de alguma forma assegurado por Deus nalgum lugar fora do Sheol. Esse lugar, entretanto, não é nomeado nem descrito nos textos bíblicos, trata-se de algo imaginário ou esperado, mas não conhecido por ninguém da terra dos vivos, nem mesmo os profetas. Apesar disso, os Judeus pareciam conservar dos tempos no Egito a preocupação com os restos mortais das pessoas:

Então [o rei Josias] disse: Que é este monumento que vejo? E os homens da cidade lhe disseram: É a sepultura do homem de Deus que veio de Judá e anunciou estas coisas que fizeste contra este altar [de Baal/Asherat] de Betel. E disse: Deixai-o estar; ninguém mexa nos seus ossos. Assim deixaram estar os seus ossos com os ossos do profeta que viera de Samaria. … E [Josias] sacrificou todos os sacerdotes dos altos, que havia ali, sobre os altares, e queimou ossos humanos sobre eles [isto é, profanando-os]; depois voltou a Jerusalém. (2ª Reis 23.17-20)

Esse texto continua para o período das invasões Assírias em Canaã, com alguma ajuda de Deus.

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POR ENQUANTO FICA SENDO ISSO

Abaddon - wikipedia
BibleHib.com - Deuteronomy 14:1
Choksi M, Ancient Mesopotamian beliefs in the afterlife, Ancient History Encyclopedia, 2014
Cornwell JA, The Alpha and the Omega - cap. 5, 1995, The Genealogy of Moses
Heródoto, A História, 484 - 425 a.C
Jastrow Jr. M, The Civilization of Babylonia & Assyria, Ed J.B. Lippincott Company, 1915, Descent of the godess Ishar into the lower world
Livius.Org,The Epic of Atrahasis, 2007
Maat - wikipedia
Mark JJ, The Atrahasis epic: The Great Flood and the meaning of suffering, Ancient History Encyclopedia, 2011
The book of the Dead - wikipedia
Vermes G, Ressurreição - história e mito, Ed. Record, 2013, cap. 1

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