Jesus
O QUE É O ALCORÃO
O Alcorão (em árabe al-Qur’an, que significa “a citação”) é o livro base do islamismo. Esse livro é formado por 114 capítulos (suras) que trazem os textos supostamente revelados por Deus (Allah) a Maomé (Muhammad) entre 22 de dezembro de 609 d.C. (solstício de inverno, no hemisfério norte) e 632 d.C., quando o profeta morreu. Essa revelação começou na caverna de Hira, uma abertura entre lajes de pedra na montanha Jabal al-Nour (perto de Meca, atualmente no território da Arábia Saudita) e prosseguiu diariamente durante a vida do profeta.
Por volta de 610 d.C., após a 1ª Revelação, Maomé reuniu um pequeno grupo religioso em Meca. O grupo foi expulso da cidade, estabelecendo-se em Medina. O ano da fuga do profeta para Medina (ou Hijra, em 622 d.C) é marcado como o ano 1 do calendário islâmico, que segue as fases da lua (ou seja, os meses têm 28 dias). Nos 8 anos seguintes, o grupo de Maomé chegou a quase 10 000 homens e de forma pacífica conquistou a capital. Ele ordenou a destruição dos templos e ídolos na cidade, assim como em toda Arábia. Ao longo dos 20 anos seguintes, todas as tribos árabes haviam se unificado sob o Islã, um governo político-religioso. Maomé voltou a Medina pouco antes de sua morte, aos 62 anos.
NATUREZA DO LIVRO
As palavras do Alcorão foram transmitidas a Maomé por intermédio do anjo Gabriel (o mesmo que aparece a Daniel - Dn 8.16 e Dn 9.21 - assim como a Maria - Lc 1.19), quando o profeta tinha seu espírito “levado aos céus”. Sahih al-Bukhari transcreveu os costumes de pessoas que seguiam os ensinamentos de Maomé e ele mesmo narra Maomé recebendo as revelações: "Às vezes é (revelada) como o toque de um sino". Aisha, esposa do profeta, também contou "Eu vi o Profeta sendo inspirado divinamente em um dia muito frio e notei o suor caindo-lhe da testa (quando a inspiração acabou)". Maomé passou a ser o último grande profeta segundo o Islã, vindo assim após Jesus, Moisés, Abraão, Noé e Adão. Todos eles teriam sido inspirados por Allah, recebendo uma parte do conhecimento divino destinado aos homens, até Maomé, que recebeu a mensagem em sua forma íntegra e final. No Alcorão, há a instrução de que todos aqueles que trazem a mensagem divina são igualmente valiosos:
“O Mensageiro crê no que foi revelado por seu Senhor e todos os fiéis crêem em Deus, em Seus anjos, em Seus Livros e em Seus mensageiros. Nós não fazemos distinção entre os Seus mensageiros. Disseram: Escutamos e obedecemos. Só anelamos a Tua indulgência, ó Senhor nosso! A Ti será o retorno!” (sura 2.285)
A revelação de Allah (e também a vida de Maomé, assim como dos seus seguidores) passou a ser decorada e repetida na íntegra, de forma que o Alcorão inicialmente foi um “livro oral”. Na Bíblia, coisa semelhante se deu com o livros de Gênesis, porém não na forma “decorada” do Alcorão: após o Êxodo, Moisés tratou de compilar em forma escrita a história oral dos hebreus, recontando eventos muito anteriores a sua própria vida. O Alcorão foi transmitido em forma oral (ou rabiscada em folhas de palmeira, madeiras, etc) até a morte de Maomé, quando seu sogro Abu Bakr (e também o 1º Califa, ou líder do Islã) quis evitar o acúmulo de alterações na mensagem e ordenou a coleta e transcrição dos versos, trabalho que foi concluído em não menos de 20 anos. As palavras em árabe são supostamente de origem divina, de forma que a simples pronúncia delas é tida como sagrada, pelos islâmicos. Assim, as traduções do alcorão levam junto a forma original e sagrada, em árabe.
A organização dos “suras” no Alcorão não segue a ordem da revelação a Maomé, mas trata de simplesmente colocar os textos maiores primeiro e os menores depois. Como os suras são independentes em conteúdo, essa organização não atrapalha o leitor. O texto principalmente trata do significado do monoteísmo, sendo em todos os capítulos uma afirmação da superioridade absoluta e perfeição de Allah em todas as áreas da vida humana.
Além do Alcorão, os muçulmanos aceitam como textos sagrados a Torá (que a Bíblia traz como Velho Testamento), o Hadith (narração da vida de Maomé e seus seguidores, usada como base legal) e o Evangelho de Jesus (ou Injil), um texto do qual se fala mas do qual não há registro, que teria sido escrito por Jesus com parte do conhecimento do Alcorão, mas que foi distorcido por seus seguidores e em especial por Paulo de Tarso. Descrições desse texto falam que os apóstolos não viam Jesus como um Filho de Deus, mas também não podiam compreender sua mensagem. Na Bíblia, ainda que os discípulos não o chamem de “Deus vivo”, Jesus se anuncia como tal ao assegurar que Ele estava no Pai e o Pai Nele (Jo 14).
JESUS NO ALCORÃO
Ao invés de narrar a cronologia de vida das pessoas como a Bíblia, o Alcorão apresenta seus personagens embutidos em ensinamentos, como se Allah mesmo citasse eles em uma conversa com o leitor. Somente a partir das muitas citações e fragmentos é possível delinear uma história de cada um. No Alcorão, Jesus aparece com o nome عيسى (lê-se Issa, da direita para a esquerda, como no hebraico), pronúncia que se aproxima bastante so “Yessua” hebraico. Chamado na maioria das vezes de “Jesus, filho de Maria”, Ele é referido como o Messias e o maior dos profetas, depois de Maomé, a quem foi concedido o conhecimento do Alcorão e a tarefa de convencer as pessoas acerca da unicidade e onipotência de Allah.
“De tais mensageiros preferimos uns aos outros. Entre eles, se encontram aqueles a quem Deus falou, e aqueles que elevou em dignidade. E concedemos a Jesus, filho de Maria, as evidências, e o fortalecemos com o Espírito da Santidade. Se Deus quisesse, aqueles que os sucederam não teriam combatido entre si, depois de lhes terem chegado as evidências. Mas discordaram entre si; uns acreditaram e outros negaram. Se Deus quisesse, não teriam degladiado; porém, Deus dispõe como quer.” (sura 2.253)
O nascimento de Jesus é mencionado de forma diferente do descrito por Lucas (Lc 1). Na verdade, todo o 19º capítulo do Alcorão é dedicado a Maria:
"E [você Maomé] menciona Maria, no Livro, a qual se separou de sua família, indo para um local que dava para o leste. E colocou uma cortina para ocultar-se dela (da família), e lhe enviamos o Nosso Espírito, que lhe apareceu personificado, como um homem perfeito. Disse-lhe ela: “Guardo-me de ti no Clemente, se é que temes a Deus”. Explicou-lhe: “Sou tão-somente o mensageiro do teu Senhor, para agraciar-te com um filho imaculado”. Disse-lhe: “Como poderei ter um filho, se nenhum homem me tocou e jamais deixei de ser casta?” Disse-lhe: “Assim será, porque teu Senhor disse: Isso Me é fácil! E faremos disso um sinal para os homens, e será uma prova de Nossa misericórdia. E foi uma ordem inexorável”. E quando concebeu, retirou-se, com um rebento a um lugar afastado. As dores do parto a constrangeram a refugiar-se junto a uma tamareira. Disse: “Oxalá eu tivesse morrido antes disto, ficando completamente esquecida”. Porém, chamou-a uma voz, junto a ela: “Não te atormentes, porque teu Senhor fez correr um riacho a teus pés! E sacode o tronco da tamareira, de onde cairão sobre ti tâmaras madura e frescas. Come, pois, bebe e consola-te; e se vires algum humano, faze-o saber que fizeste um voto de jejum ao Clemente, e que hoje não poderás falar com pessoa alguma.” Regressou ao seu povo levando-o (o filho) nos braços. E lhes disseram: “Ó Maria, eis que fizeste algo extraordinário!” (sura 19.16-27).
Dessa forma, Jesus no Alcorão também nasceu num lugar isolado. Ao invés de uma majedoura onde o gado se alimentava, porém, foi sob uma tamareira. José nem é mencionado.
A única referência que a Bíblia faz à infância de Jesus é a sua separação do grupo que retornava da Páscoa em Jerusalém e os pais encontrando-o no Templo, a ensinar para homens mais velhos (Lc 2.42-50). De forma semelhante, o Jesus do Alcorão entra (quando criança) no relato sagrado através da fala de conhecimentos divinos, e ainda faz um pássaro de barro ganhar vida:
“Então ela lhes indicou que interrogassem o menino. Disseram: “Como falaremos a uma criança que ainda está no berço?” Ele lhes disse: “Sou o servo de Deus, o Qual me concedeu o Livro e me designou como profeta. Fez-me abençoado, onde quer que eu esteja, e me encomendou a oração e (a paga do) zakat enquanto eu viver. E me fez piedoso para com a minha mãe, não permitindo que eu seja arrogante ou rebelde. A paz está comigo, desde o dia em que nasci; estará comigo no dia em que eu morrer, bem como no dia em que eu for ressuscitado”. Este é Jesus, filho de Maria; é a pura verdade, da qual duvidam." (sura 19.29-34)
"Então, Deus dirá: “Ó Jesus, filho de Maria, recordar-te de Minhas Mercês para contigo e para com tua mãe; de quando te fortaleci com o Espírito da Santidade; de quando falavas aos homens, tanto na infância, como na maturidade; de quando te ensinei o Livro, a sabedoria, a Torá e o Evangelho; de quando, com o Meu beneplácito, plasmaste de barro algo semelhante a um pássaro e, alentando-o, eis que se transformou, com o Meu beneplácito, em um pássaro vivente; de quando, com o Meu beneplácito, curaste o cego de nascença e o leproso; de quando, com o Meu beneplácito, ressuscitaste os mortos; de quando contive os israelitas, pois quando lhes apresentaste as evidências, os incrédulos, dentre eles, disseram: Isto não é mais do que pura magia!” (sura 5.110).
Como fica claro no 2º trecho, Jesus não é uma figura divina no Alcorão. Ao contrário, Ele mesmo afirma (no monólogo de Allah) ser um homem comum ao qual Allah permitiu ações especiais, dada a sua missão. Os muçulmanos têm horror à idéia de qualquer pessoa dotada de atributos divinos e no séc. 7 já se deparavam com cristãos falando em Pai, Filho e Espírito Santo como formas de Deus.
“Ó adeptos do Livro, não exagereis em vossa religião e não digais de Deus senão a verdade. O Messias, Jesus, filho de Maria, foi tão-somente um mensageiro de Deus e Seu Verbo, com o qual Ele agraciou Maria por intermédio do Seu Espírito. Crede, pois, em Deus e em Seus mensageiros e digais: Trindade! Abstende-vos disso, que será melhor para vós; sabei que Deus é Uno. Glorificado seja! Longe está a hipótese de ter tido um filho. A Ele pertence tudo quanto há nos céus e na terra, e Deus é mais do que suficiente Guardião. O Messias não desdenha ser um servo de Deus, assim como tampouco o fizeram os anjos próximos (de Deus). Mas (quanto) àqueles que desdenharam a Sua adoração e se ensoberbeceram, Ele os congregará a todos ante Si”. (sura 4.171-172)
Jesus também não é um redentor dos pecados humanos, no Alcorão. Afinal, não há um “pecado original” e Adão e Eva não desobedeceram a Deus: Ele os criou simplesmente para habitarem a terra e até ordenou que os anjos se prostrassem diante de Adão, ao que Satanás se recusou (porque via os homens como inferiores) e por isso foi expulso da presença de Allah.
“Criamos o homem de argila, de barro modelável. Antes dele, havíamos criado os gênios de fogo puríssimo. Recorda-te de quando o teu Senhor disse aos anjos: “Criarei um ser humano de argila, de barro modelável. E ao tê-lo terminado e alentado com o Meu Espírito, prostrai-vos ante ele”. Todos os anjos se prostraram unanimemente, menos Lúcifer, que se negou a ser um dos prostrados. Então, (Deus) disse: “Ó Lúcifer, que foi que te impediu de seres um dos prostrados?” Respondeu: É inadmissível que me prostre ante um ser que criaste de argila, de barro modelável”. Disse-lhe Deus: Vai-te daqui (do Paraíso), porque és maldito! E a maldição pesará sobre ti até o Dia do Juízo”. (sura 15.26-35)
JESUS E A TEOLOGIA ISLÂMICA
No Alcorão, Adão e Eva se arrependem de terem seguido Satanás e são perdoados, mas Allah mesmo assim os tira do paraíso, para que retornem mediante a obediência das leis que Ele lhes colocaria:
“E Ele lhes disse: “Descei! Sereis inimigos uns dos outros e tereis, na terra, residência e gozo transitórios. Disse-lhes (ainda): Nela vivereis e morrereis, e nela sereis ressuscitados. Ó filhos de Adão, enviamos-vos vestimentas, tanto para dissimulardes vossas vergonhas, como para o vosso aparato; porém, o pudor é preferível! Isso é um dos sinais de Deus, para que meditem”. (sura 7.24-26)
Não sendo um redentor, Jesus não precisaria morrer por ninguém. De fato, o Jesus do Alcorão é arrebatado para a presença de Deus (e Maomé mesmo não foi), deixando os judeus enganados que o haviam matado.
“E por dizerem: Matamos o Messias, Jesus, filho de Maria, o Mensageiro de Deus, embora não sendo, na realidade, certo que o mataram, nem o crucificaram, senão que isso lhes foi simulado. E aqueles que discordam, quanto a isso, estão na dúvida, porque não possuem conhecimento algum, abstraindo-se tão-somente em conjecturas; porém, o fato é que não o mataram”. (sura 4.157)
Existem divisões entre os muçulmanos a respeito do que teria acontecido com Jesus. Uns acreditam que Ele foi arrebatado na cruz, outros que foi substituído por um qualquer, que foi crucificado em Seu lugar. O Alcorão não dá respostas sobre isso.
CONCLUSÃO
Maomé tornou-se um líder político ao organizar as tribos persas ao redor do Islã. Curiosamente, ao estabelecer suas bases, o Islã associou sua origem teológica em Abraão através da descendência de Ismael e Agar, que teria sido o Filho da Promessa ao invés de Isaac. Dessa forma, a linhagem de Noé e Abraão entre o Egito e a Assíria de alguma forma teria encontrado seu prosseguimento na Pérsia, com o próprio Jesus (profeta em Jerusalém) dando testemunho da mensagem de Maomé.
“E de quando Jesus, filho de Maria, disse: “Ó israelitas, em verdade, sou o mensageiro de Deus, enviado a vós, corroborante de tudo quanto a Tora antecipou no tocante às predições, e alvissareiro de um Mensageiro que virá depois de mim, cujo nome será Ahmad!” Entretanto, quando lhes foram apresentadas as evidências, disseram: “Isto é pura magia!” (sura 61.6)
Nos tempos de Jesus, quando os persas eram politeístas e lutavam contra os romanos nas cercanias de Damasco, a liderança hebraica não O reconheceu como líder ou mais que um profeta revolucionário, a exemplo de João Batista (até os muçulmanos dão testemunho disso). Os romanos o tomaram por causador de problemas.
Entretanto, no séc. 7 - quando o Islã se organizava em Meca - o Cristianismo havia se desenvolvido sobre os princípios gregos de Paulo de Tarso, formara uma Bíblia a partir da Torá hebraica e tornara-se a religião oficial de Roma (com sérias inclusões estruturais para assegurar o velho poder divino dos imperadores e a anexação dos deuses pagãos em forma de santos controladores do clima, das colheiras, etc). Inevitavelmente, cristãos, muçulmanos (que quer dizer “aquele submisso a Deus”) e judeus trocavam experiências entre si, construindo barreiras que assegurassem uma religião como diferente das demais, apesar da clara origem comum. Sem erro, essas diferenças deveriam aparecer nos textos sagrados.
“Nenhum dos adeptos do Livro deixará de acreditar nele (Jesus), antes da sua morte, que, no Dia da Ressurreição, testemunhará contra eles. E pela iniqüidade dos judeus, ao tentarem desviar os demais da senda de Deus, vedamos-lhes algumas coisas, boas, que lhes eram lícitas. E por praticarem a usura, sendo que isso lhes estava proibido, e por usurparem os bens alheios com falsas pretensões. E preparamos para os incrédulos, dentre eles, um doloroso castigo". (sura 4.159-161).
"Vês muitos deles (judeus) em intimidade com idólatras. Que detestável é isso a que os induzem as suas almas! Por isso, suscitaram a indignação de Deus, e sofrerão um castigo eterno". (sura 5.80)
OPINIÃO DO AUTOR
As 3 religiões baseadas em Abraão - judaísmo, cristianismo e islamismo - compreendem uma ordem cronológica de surgimento, de forma que os cristãos e muçulmanos posicionaram-se contra o judaísmo (vide as imprecações de Jesus contra a liderança judaica) e apenas o islamismo posicionou-se contra o cristianismo. No entanto, as duas primeiras religiões contam entre seus textos sagrados aqueles escritos pelas pessoas de quem falam ou por homens do convívio deles, enquanto o islamismo considera um Jesus cuja única apresentação é feita 600 anos após sua morte. Sua obra escrita, embora chamada de sagrada, não é vista e o relato dos contemporâneos é totalmente desqualificado, prevalecendo apenas a sua própria versão, distinta das outras.
O Alcorão oferece um legítimo testemunho de fé, assim como o islamismo contribui com uma lição de fé e de conhecimento ao ser humano, o que é louvável e certamente melhor do que alguns segmentos do cristianismo e do judaísmo. No entanto, ainda que falte fé na narrativa de Allah para escrever isso, não há como pensar que o Jesus do alcorão seja diferente daquele conhecido pelas crianças (que só sabem seu nome) ou de muitos grupos cristãos organizados sobre tradições, costumes, etc, ao invés da Bíblia.
VAI LER, FIO, VAI LER QUE É BÃO
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