sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Como funciona o Pentecostalismo no Brasil e no Mundo


Essa é uma postagem longa, mas trata-se [supostamente] de um texto rico. Aqui reunimos alguns relatos de estudiosos que observaram atentamente e entrevistaram pessoas de diversas denominações, em diversas partes do Brasil e no exterior. Trata-se, portanto, de uma observação exterior e não algo dogmático ou fornecido pelas autoridades das igrejas.

EVANGÉLICOS?

Nos países anglo-saxões, "evangélico" define quase todos os cristãos protestantes. Na Alemanha, indica membros da Igreja Luterana. Já no Brasil, “evangélicos” significa cristãos protestantes pentecostais e neopentecostais. Assim, todo evangélico é protestante ... mas nem todo protestante se considera evangélico.

PROTESTANTISMO HISTÓRICO

Movimento iniciado na Europa no século 16, com as 95 teses de Martinho Lutero criticando certas práticas e doutrinas da Igreja Católica. Ao romper com o Vaticano, Lutero desencadeia a Reforma Protestante. O movimento depois se dividiria gerando as igrejas Luterana, Calvinista e Metodista. A maioria das igrejas protestantes rejeita o culto a Maria ou aos santos e o celibato clerical, além de admitir práticas como o divórcio e os métodos anticoncepcionais. Chamamos de “evangélicos históricos” os grupos originados da imigração em massa no século 18 (puritanos) e das missões no século 19.

PROTESTANTISMO PENTECOSTAL

Apareceu nos Estados Unidos com o início do século 20, entre metodistas insatisfeitos com a falta de fervor em suas igrejas. Devido aos cultos vibrantes, marcados por expressões de êxtase e fortes emoções, espalhou-se rápido pelos EUA e depois por países mais pobres, especialmente na América Latina. Os pentecostais acreditam em aspectos milagrosos da fé, como o poder de cura do Espírito Santo, e enfatizam a pregação do Evangelho aos não convertidos. A maioria das igrejas pentecostais arrecada dízimo de seus fiéis, considerando se tratar de um dever bíblico (Gn 14.20, Lv 27.30-32).

NEOPENTECOSTAIS

Surgiram nos anos 1970, diferindo do pentecostalismo tradicional por estimularem o fiel a buscar a prosperidade em lugar da graça. Os rituais são espetaculosos, sem dispensar curas milagrosas e exorcismos. São flexíveis quanto aos hábitos e costumes. Algumas igrejas mantém forte presença na mídia eletrônica, controlando a programação (quando não as finanças) de emissoras de rádio e televisão. No Brasil, são representados principalmente pela Igreja Universal do Reino de Deus.

EVANGÉLICOS PELO MUNDO

Os EUA concentram a maior massa pentecostal do mundo. São 44 milhões de pessoas, contra 27,6 milhões no Brasil. Em 3º lugar vem a África: só na Nigéria são mais de 25 milhões, seguidos pelos 10,3 milhões da Etiópia e 9,4 milhões do Quênia. Na Ásia, os evangélicos representam mais da metade da população da Coréia do Sul, sendo um quarto deles de pentecostais. São numerosos na Índia (11 milhões, pouco se comparado à maioria hinduísta do país) e na Indonésia (5,3 milhões). Entre os latino-americanos, destacam-se as massas evangélicas da Argentina, com 2,5 milhões de religiosos – quase todos pentecostais – e do México com 2,4 milhões. Toda esta presença internacional tem estimulado as igrejas brasileiras a abrirem filiais no exterior.

O pentecostalismo no Brasil mostra 3 ondas de expansão. A primeira ocorreu com missionários estrangeiros: em 1910, os pastores suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg vieram dos EUA e se uniram a um pastor batista no Pará para tratarem os enfermos de uma epidemia de febre-amarela. O envolvimento com a comunidade e o novo modelo de pregação causou uma ruptura da igreja batista local, nascendo a 1ª igreja pentecostal brasileira. Esse movimento é representado pela Assembléia de Deus e pela Congregação Cristã do Brasil.

A 2ª onda de expansão foi nos anos 50 e 60, com a formação de igrejas brasileiras. A cura divina e o combate à religiosidade afro assumiram papéis importantes, além do uso do rádio como ferramenta de evangelismo. Descendem daí as igreja do Evangelho Quadrangular, Ministério Cristo Vive, Brasil para Cristo, União Evangélica Pentecostal, Pentecostal Deus é Amor, Casa da Bênção, Igreja Luz do Calvário, Igreja Unida, Nova Vida e Presbiteriana Pentecostal.

Nos anos 70 e 80 surgem rupturas mais notáveis no pentecostalismo, com a formação das igrejas de 3ª, conhecidas como neopentecostais. Estas introduzem a teologia da prosperidade e métodos empresariais de expansão, acirram o combate às religiões afro e investem maciçamente na mídia. Atribuem maior ênfase à experiência religiosa comunitária e caracterizam-se por um afrouxamento do código moral que define a “ruptura com o mundo”.

DENOMINAÇÕES PROTESTANTES OU EVANGÉLICAS NO BRASIL

O último senso mostrou que os protestantes ou evangélicos são 19% dos brasileiros, estando entre os católicos (69%) e os sem religião definida (9%). Os “evangélicos históricos” são formados pelas denominações Batista, Adventista, Luterana, Presbiteriana, Metodista, Congregacional, Menonita, Anglicana, Exército da Salvação e outras menores. Já os “evangélicos pentecostais” são compostos pelas denominações Assembléia de Deus, Congregação Cristã do Brasil, Universal do Reino de Deus, Evangelho Quadrangular, Deus é Amor, Maranata, O Brasil para Cristo, Casa da Benção, Nova Vida, Comunidade Evangélica, Comunidade Cristã, Casa da Oração, Avivamento Bíblico, Igreja do Nazareno, Cadeia da Prece e outras.

O Brasil apresenta um perfil evangélico de maioria pentecostal (68%), valorizando o “batismo pelo espírito santo”, enquanto os “históricos” (27%) valorizam o ensino bíblico. Repare que não há um uso restrito dos nomes pentecostal/histórico. As denominações majoritárias são Assembléia de Deus (39% entre todos os evangélicos; 47% entre os pentecostais), Batista (14% entre todos os evangélicos; 40% entre os históricos) e Congregacional Cristã do Brasil (11%). A maioria das denominações tem a maioria dos membros na região sudeste, com excessão apenas da Igreja Luterana, que tem maioria absoluta na região sul do país. Algumas denominações parecem ainda quase totalmente restritas ao sudeste, como é o caso das igrejas Metodista (90%), Maranata e Nova Vida (ambas 80%).

A população evangélica brasileira está fortemente fixada aos centros urbanos, que compreendem 70-80% dos fiéis. As principais denominações estão concentradas nos locais de sua inserção ou surgimento. Assim, temos
  • Assembléia de Deus centrada em norte e nordeste;
  • Batista centrada no nordeste, depois sudeste;
  • Brasil para Cristo centrada no sul;
  • Luterana centrada no sul;
  • Metodista no centrada no sudeste;
  • Presbiteriana centrada no centro-oeste;
  • IURD centrada no sudeste;
O CULTO EVANGÉLICO

O sermão de Pedro coloca que duas coisas fazem parte de um culto cristão: música e pregação. No Velho Testamento, “adorar” ou “cultuar” significam exatamente “prostrar-se perante alguém”. Os judeus eram enfáticos em não prostrar-se perante reis, pois essa era sua atitude perante o Senhor. No Novo Testamento, a palavra grega para “adorar” é a mesma usada para “servir”.

No culto, prepara-se uma atmosfera para que (1) a palavra de Deus seja ouvida através da Bíblia e (2) o Espírito Santo atue sobre os fiéis, transformando-os. Assim, o culto dirigido conforme a Bíblia deve requerer a prostração ou rebaixamento do orgulho humano, deve conter o ensino bíblico e facilitar a chegada do Espírito Santo às pessoas.

A música foi usada desde os tempos de Davi para modificar os espírito das pessoas. Davi era o músico que afastava os tormentos do espírito do rei Saul (1Sm 16.23). Quando reinou, ele instituiu músicos para os cultos, que escreveram junto dele os Salmos (1Cr 125). Na igreja primitiva, a música também era usada para exaltar o Senhor, para unir as pessoas em adoração. Mesmo recentemente, a proibição de certos tipos musicais (ex. rock, cantores como Caetano Veloso, etc) sempre objetivou de impedir a união das pessoas por um objetivo (no caso, a transformação das regras sociais e o repúdio ao militarismo, respectivamente). Assim, as músicas no culto não são um fim em si mesmas: elas se prestam a unir os espíritos das pessoas na adoração ao Senhor e - pretendemos que as duas coisas andem juntas - na mensagem que o pastor pretende passar.

A adoração mudou seu formato ao longo dos tempos... Com os patriarcas, havia a oração a sós com Deus (Gn 18.16-33) e o ato público de erguer um altar (Gn 12.7). Com Moisés, o tabernáculo era o centro da adoração pública. Após Salomão, os levitas lideraram rituais complexos e altamente organizados no templo, incluindo sacrifícios de diversos animais. A partir do Exílio, os cultos ocorriam em sinagogas, com ênfase na leitura das Escrituras. Após Jesus, os cultos passaram a buscar a correta instrução (pois os povos gentios nem sempre tinham acesso às Escrituras) e as manifestações do Espírito Santo, conforme relatado no livros de Atos.

Os 1os cultos cristãos eram feitos nas casas dos fiéis, marcados pela exaltação de Jesus (Ef 5.18-20; Cl 3.16), oração, leitura das escrituras, exposição do significado delas e a manifestação do Espírito Santo. A refeição de confraternização exemplificada pela Multiplicação dos Pães e Última Ceia encerrava o culto, na igreja primitiva.

Desde que Cristo se manifestou fisicamente pela última vez, 40 dias após a Páscoa, os apóstolos se reuniam sempre em oração, com as mulheres, inclusive Maria e os irmãos de Jesus (Atos 1.14). Essa purificação marcava um tempo necessário para adequar o “espírito do homem” ao requerido pelo Espírito de Deus. Necessariamente, era um sacrifício vivo, santo e agradável ao Senhor (Rm 12.1). No 50º dia após a Páscoa, o Espírito Santo apareceu sobre eles (Atos 2).

O filósofo holandês Soren Kierkegaard (1813-1855) certa vez descreveu os cultos cristãos como uma explanação de regras morais e um local onde as pessoas vão para sentirem-se bem. Se isso ocorre, estamos muito errados, pois a Bíblia deixa claro que os cultos devem servir à manifestação do Senhor em pessoa (nos tempos dos profetas) ou através do Espírito Santo, e que as pessoas não podem sair desse encontro sem transformações profundas (Atos 2). Obviamente, nenhum culto não é homogêneo: os judeus desagradaram ao Senhor muitas vezes e também foram vários os que ignoraram Jesus, mesmo tendo chegado a conviver e ser curados por Ele. Nenhum pastor pode fazer melhor do que o próprio Senhor fez... Eventualmente, nem todos sentem-se confortáveis em um culto pentecostal. Precisamos respeitar e lidar positivamente com isso (ou seja, enaltecendo o certo, dando sugestões e jamais punindo), a fim de evitar divisões, com sensibilidade e respeito pelos demais, segundo a forma como Deus usa cada um (1Co 12). Só há liberdade com regras CLARAMENTE conhecidas.

CARACTERÍSTICAS DO CULTO EVANGÉLICO NO BRASIL

Para os pentecostais, a Salvação só pode ser obtida pela fé. Entretanto, alguns demonstram que “estão salvos” por uma moral estrita. Enfatizam o significado da experiência pessoal com Jesus e rejeitam a doutrina católica de uma hierarquia eclesial entre o fiel e Deus. Também rejeitam “idolatrias” como lugares santos e imagens milagrosas. Entretanto, diversos estudos apontam que os pentecostais caracterizam locais de culto como “sagrados”: há a consagração de prédios, não pisam em lugares associados a outras religiões, além de praticarem a purificação com o óleo ungido.

Os pentecostais são fundamentalistas, ou seja, tomam a Bíblia como a palavra literal de Deus, que é o único ser apropriado para guiá-los.

O centro do processo de conversão ao pentecostalismo está no fato de as pessoas se converterem durante um período muito difícil de suas vidas. Há então o batismo com água, onde a pessoa assume publicamente Jesus como seu Salvador, e depois o batismo pelo Espírito Santo, onde a pessoa dá evidências (também públicas) da incorporação pelo Espírito de Deus. Para algumas denominações, esse é um processo gradual; para outras, está centrado na manifestação de dons, sobretudo de profecia e glossolalia (falar em línguas). Também, cada denominação pentecostal ou mesmo cada indivíduo tem sua noção de conversão. Algumas narrativas (premiadas/reconhecidas publicamente) são mais dramáticas do que outras, e os próprios pentecostais dizem que algumas são melhores do que outras com relação ao “poder de Deus”.

O INIMIGO PENTECOSTAL

As religiões afro-brasileiras (Umbanda e Candomblé) e o Espiritismo são associados diretamente com o “diabo”. Ao assumirem a “Palavra de Deus”, os pentecostais assumem o combate ao demônio nas religiões afro e no Espiritismo, vistas como valores e crenças antigos que precisam ser abandonados.

Na hora que eu vejo falando em línguas, eu fico em dúvida. Não sei se é porque eu estive muito próximo do candomblé e do espiritismo... Eu tenho a sensação que parece que é igual. Quando o Espírito Santo começa a falar parece que é igual...” (Contins, 2005).

O confronto com valores e costumes dessas religiões é tão comum que eles aparecem nos comportamentos, códigos morais e até nos discursos dos pastores. Os exus são associados à criminalidade, dificuldade de conseguir emprego, alcoolismo, ausência paterna e doenças de origem desconhecida; as pombagiras são relacionadas à infidelidade conjugal e homosexualismo. Uma vez que a população pentecostal é principalmente de mulheres e famílias de baixa renda, as “religiões rivais” são necessariamente associadas aos infortúnios característicos dessa população.

Um largo estudo transcontinental indicou que os pentecostais se destacam como os que mais acreditam na intervenção de forças sobrenaturais. Entre os pentecostais brasileiros, 81% concorda completamente com a idéia de que anjos e demônios estão ativos no contexto contemporâneo. Esse índice só é menor do que no Chile (84%) e nas Filipinas (82%), sendo expressivo em relação à população geral brasileira (58%) e mesmo aos cristãos brasileiros (53%). Questionados sobre terem observado pessoalmente tais fenômenos, 80% dos pentecostais brasileiros respondeu afirmativamente.

Os exorcismos de “demônios” da macumba são até parte de alguns cultos brasileiros. Isso não ocorre, por exemplo, em cultos argentinos (onde a religião adversária é o Catolicismo) e europeus (onde a conversão tem mais o efeito de um evangelismo ou uma luta contra o racionalismo científico). A super-valorização do demônio é vista de forma negativa pela maioria dos estudiosos, que percebem aí uma minimização do livre arbítrio e das culpas em relação a certos comportamentos. Por outro lado, é a “cultura de possessão” pré-existente nos segmentos populares da sociedade que facilita o entendimento do batismo do Espírito Santo.

Nos anos de 1970, o inimigo pentecostal era o Papa, o latifúndio, o capitalismo ou partidos políticos de esquerda. Mais recentemente, esse inimigo tem sido identificado como a “depressão”, trazendo para muitos grupos os “cultos de cura interior”, entretanto sem que os demônios afro tenham sido esquecidos (há demônios depressores). Outras questões como a homossexualidade e aspectos legais do aborto ou do uso de células-tronco também têm aparecido como fruto de ação demoníaca, com a inserção progressiva de representantes pentecostais na política. Edino Fonseca, pastor da Igreja Assembléia de Deus, chegou a apresentar um projeto de Lei (nº 717/2003) propondo que o Estado garantisse o tratamento às pessoas que quisessem abandonar a homossexualidade, supostamente uma “doença” ou“desvio comportamental”.

A convivência com o inimigo faz do mal, conforme visto pelos pentecostais, algo onipresente e banal, parte do cotidiano, o que exige vigilância eterna perante as influências malignas. A ruptura com o mundano/profano requer do adepto que inspecione seu presente para descobrir se ele ainda carrega marcas do passado que foi rejeitado... um passado encarnado nos lugares que o rodeiam, casas de seus vizinhos “não cristãos”, música profana que invade as ruas, modos errados e imorais dos seus conhecidos e até nos lares de irmãos cujas famílias ainda não foram “tocadas por Jesus”. Em diversas igrejas preconiza-se a mudança ou padronização no modo de se vestir, na mídia que é aceitável e até nos alimentos consumidos (geralmente com exclusão da carne de porco, segundo os preceitos de Moisés em Lv 11.7).

O BATISMO DO ESPÍRITO SANTO

O livro de Atos exemplifica diversas ocorrências sobrenaturais na associação do Espírito Santo com os apóstolos: curas como as praticadas por Jesus, ressurreições, a revelação de mentiras, a decretação de morte de alguns e a habilidade de “falar em línguas” que seriam entendidas por uma platéia das mais diferentes origens. No Brasil, esse fenômeno de possessão pelo Espírito Santo se mostra mais espetacularmente associado ao transe religioso (que ocorre também na Umbanda, Candomblé e Espiritismo).

Os primeiros relatos de transe na prática cristã são de 1800, no acampamento Cane Ridge, em Kentucky-EUA, onde se reuniam até 25 mil pessoas. Apesar disso, não há relatos explícitos de “línguas”. Na década de 1820 nasciam os Shakers (literalmente “tremedores”), cujo movimento prosseguiria até o fim do século 19. Eles experimentavam “línguas”, danças e êxtase como sinais de adoração. Em 1880 surgiram as “igrejas de santidade”, reunindo elementos da pregação leiga e fervorosa de John Wesley com as evidências do Batismo pelo Espírito Santo, sobretudo no “falar em línguas”. No evento conhecido como Azuza Street Revival, em 1906 nos EUA, o pregador negro William J. Seymour reuniu centenas de pessoas, das mais variadas classes sociais e etnias, e onde o “falar em línguas” se mostrou após um período longo de orações. No Brasil, esse tipo de transe contém freqüentemente a glossolalia (falar em língua ininteligível ou repetir exaustivamente pequenas expressões do aramaico aprendidas), a profecia (o ato de predizer a alguém acontecimentos futuros), o sapateado e o arrebatamento. Transes semelhantes são descritos no Espiritismo, nos antigos sacerdotes de Apolo, xamãs, os participantes do culto vodu no Haiti, a seita Zar da Etiópia, os esquimós e diversas tribos africanas.

Na glossolalia (pronunciamento de palavras ou sentenças ininteligíveis), a pessoa fala sozinha, geralmente de forma exaltada. Na profecia, ela fala sozinha (porém de forma compreensível) ou dialoga com os presentes respondendo perguntas, faz previsões e até dá conselhos, semelhante ao que fazem os filhos-de-santo nas religiões afro ou os médiuns no Espiritismo. No sapateado, a pessoa fecha os olhos e bate os pés rápido ou lentamente no chão, numa espécie de marcha, girando às vezes em torno de si mesmo ou de outra pessoa, aplicando passes (passar as mãos ao longo do corpo como que para tirar sujeiras ou como se estivesse doando poder). No arrebatamento, os fiéis simplesmente caem ao chão e permanecem “inconscientes”, depois revelando a visão de ambientes celestiais. Nos momentos de transe, uma equipe de obreiros afasta as cadeiras, cobre as mulheres que caem no chão com toalhas, impõe as mãos ministrando unção com óleo ou aplica passes. O transe pentecostal exige um grande dispêndio físico pela movimentação do corpo na maioria dos estados de êxtase, que podem durar de 5 min a 1 hora.

Em muitos locais, o transe é um código interno para afirmar a legitimidade da presença divinda no fiel. Vários “tomados pelo Espírito” afirmam que a pessoa em êxtase sabe que se encontra assim, enquanto outros perguntam depois o que disseram, por não se lembrarem. Diversos pesquisadores anotaram que os relatos sobre o êxtase assemelham-se a alguém que acaba de acordar ou que estava sonhando, como se fosse uma espécie de sonambulismo, em tudo semelhante aos transes encontrados nas religiões afro. Mesmo a ansiedade crescente, a descrição de um “fogo interno” que precede tais manifestações e o rubor intenso na face dos “tomados pelo Espírito” são semelhantes às descrições de incorporações nos terreiros afro, onde recebem até o nome de “barravento”.

Em muitos momentos da pesquisa tinha a impressão de estar num terreiro, assistindo ao transe das filhas-de-santo, especialmente quando vi algumas fiéis evangélicas rodando em torno de si com saias longas que se abriam igualmente àquelas usadas pelo povo-de-santo. Em entrevista com uma fiel comentei que nos terreiros se dançava muito semelhante. Ela explicou-me que os anjos dançam daquela forma diante de Deus, mas nos terreiros os demônios imitam o Espírito Santo.” (Melo, 2003).

A valorização e incitação desse tipo de experiência na igreja aparece no discurso abaixo:

Na hora que dizia assim: “dobra o joelho pra orar”, eu agachava e dobrava o joelho, ficava olhando por baixo pra ver o que estava se passando, aí eu ficava ali pensando. Eu dizia que não queria não, que eu via todo mundo lá pulando, se abraçando, chorando, todo mundo cheio de abraço. (...) Eu fiquei prendendo ali com vergonha, mas agora não, graças a Deus.” (Rabelo, 2005).

As principais diferenças descritas para os dois tipos de transe (pentecostal e afro) são referentes à sensação de leveza, como ser erguido do chão e flutuar. No caso das possessões demoníacas que se mostram em grupos pentecostais, ela envolve o tombar do corpo que se contorce no chão, em posição horizontal de subjugação aos poderes de baixo. Por outro lado, o corpo preenchido pelo Espírito Santo em geral movimenta-se erguido, em um espaço vertical, em direção ao alto, pulando e/ou girando rapidamente.

Uma vez que muitos grupos pentecostais tomam emprestada a mitologia afro (mesmo em conotação negativa e preconceituosa), acabam difundindo-as na mentalidade popular. Por estranho que pareça, não é tão incomum o trânsito de fiéis entre as igrejas pentecostais e os terreiros e mesmo conversões às religiões afro, em especial de homossexuais. Para os que são capazes de se identificar com os dois grupos (e isso se dá pelo contato direto), o mundo cotidiano transforma-se em um imenso reservatório de apelos ou chamados espirituais. É como se qualquer elemento - sons, movimentos, cores, objetos, relações - fosse capaz de trazer para o presente contextos religiosos aprendidos da igreja (como no discurso acima) ou no contato com as religiões afro (difundidas sobremaneira no sudeste e nordeste do Brasil).

CÓDIGOS PENTECOSTAIS

Existe uma aparência e um comportamento típico, na maioria dos grupos pentecostais.

Biblicamente, o fato de Jesus ter andando entre grupos muito variados (de fariseus a leprosos) dificulta a definição de um “padrão cristão”. Na carta aos Gálatas, Paulo aponta algumas marcas não-cristãs (“as obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impureza e libertinagem, idolatria e feitiçaria, ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo, dissensões, facções, inveja, embriaguez, orgias e coisas semelhantes”) e outras desejáveis (“o fruto do Espírito é amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio”; Gálatas 5). Entretanto, grande parte delas não são “observáveis externamente”, o que ainda deixa de carta forma vaga qual seria a “aparência” do cristão.

Nas igrejas pentecostais, os fiéis não fumam, não bebem, não se envolvem em ocasiões e festas profanas, suas roupas são austeras. Algumas igrejas adotam vestimentas específicas, geralmente identificadas com ideais de formalidade masculino (terno, sapatos, cabelos curtos) ou feminino (cabelos longos, vestido ou saia longa, sapatos fechados). Muitas mulheres não mantêm trabalho regular fora de casa e freqüentam a igreja pelo menos três vezes na semana, de modo a “não dar trela ao diabo”. Em casa, alguns mantêm o rádio ou TV ligados em canal evangélico, permitindo que o espaço doméstico e - janelas abertas, volume alto - também a rua sejam preenchidos pela palavra de Deus. Essa postura e a dedicação à oração, segundo relatos, faz com que o Espírito os visite com mais freqüência, preenchendo seus corpos sempre que estão suficientemente abertos. As manifestações de êxtase, no entanto, só ocorrem no interior dos templos.

O fiel pentecostal nunca está inteiramente comprometido com seu entorno, mas é ele mesmo uma morada do poder sagrado e um lugar a partir do qual este poder pode fluir para os outros.

O PÚBLICO PENTECOSTAL

A grande maioria dos fiéis pentecostais vive nas cidades, nas camadas mais pobres da população e são, em sua maioria, mulheres.

Estudos apontam que o sucesso do pentecostalismo nessa faixa econômica reside no fato de serem pessoas que geralmente perderam os referenciais culturais durante a rápida urbanização dos seus espaços. Com sua conduta moral ampla e pregações cheias de discursos terapêuticos (ou seja, focados na resolução de angústias), os pregadores pentecostais oferecem um substituto às referências perdidas e encontram uma facilidade de “afastamento do mundo”. O discurso abaixo exemplifica isso:

Cabelo curtinho que eu usava cabelo que … eu não sabia se eu era um homem ou uma mulher. (...) O Espírito Santo toca na gente e a gente vai sentindo que não tá agradando a Deus com aquilo. Então o Senhor depois que eu aceitei a Jesus eu tratei do cabelo, deixar o cabelo crescer, né? Calça comprida eu também achei que Jesus não ia se agradar. Então a gente num pode, a gente vai sentindo que nada que a gente tá fazendo tava agradando a Deus, tá?” (Magalhães, 1997)

Apesar de serem fundamentalistas, as igrejas pentecostais adotam um código moral e de costumes próprio, que o fiel precisa aceitar a fim de ser incluído na comunidade. Esse código é afirmado como bíblico, embora varie significativamente entre as igrejas. Quando o fiel viola tais códigos, pode haver repreenção pública e até “banimento social” (ou seja, os demais membros se afastam da pessoa) da igreja, valorizada como a única e poderosa forma de salvação.

Tradicionamente, os pregadores pentecostais investem grande esforço em manipulações lingüísticas e retórica. A pregação eloqüente, gesticulativa e a associação do seguimento de normas da igreja à sobrevivência do fiel “no mundo” parecem ser controladores o suficiente para fixar grandes públicos. Junta-se a isso as inclusões propositais de treino nos discursos, como fazer com que todos respondam “amém” em cada pausa da pregação.

No caso das mulheres - maioria nas congregações - estudou-se porquê o posicionamento “anti-feminista” do pentecostalismo é amplamente aceito. Há registro até de movimentos das mulheres contra direitos historicamente adquiridos... Ao que parece, nas camadas populares onde o pentecostalismo mais se fixou não ocorreram grandes perdas femininas pela adoção da moral pentecostal: a submissão ao esposo nos lares sempre foi uma característica latina. Nesses lares, o pentecostalismo trouxe o repúdio ao alcoolismo, à ausência dos maridos e à infidelidade conjugal, terminando por satisfazer mais aos ideais femininos que a igualdade em direitos. Em muitas famílias brasileiras, a esposa (e os filhos) são fiéis pentecostais, mas não o marido.

O PENTECOSTALISMO VISTO PELO MUNDO

Em todo o mundo, estima-se que existam 400 a 600 milhões de pentecostais. Embora tenha suas raízes mais antigas nos EUA e na Inglaterra, hoje, o pentecostalismo se caracteriza cada vez mais como um fenômeno do mundo subdesenvolvido. Nos EUA, menos de 25% dos pentecostais são brancos, com crescimento entre os descendentes afro e latinos das áreas mais pobres. Na Europa, a quase totalidade dos fiéis pentecostais é de trabalhadores nativos ou descendentes do norte africano, que vêem sua permanência em terras estrangeiras como um chamado missionário. No Quênia, ¾ da população é evangélica pentecostal, o que significa 300 milhões de pessoas. Enquanto isso, toda a Europa não conta 70 milhões de evangélicos.

Na África, Ásia e América Latina, o pentecostalismo é apontado como uma substituição recente de religiosidades místicas ou mágicas às quais esses povos atrelaram sua cultura. A Umbanda e o Candomblé, com os quais o Pentecostalismo convive, também tiveram movimentos de incluir figuras da religiosidade popular, como exus (enquanto o exu do Candomblé é um gênio desordeiro, o exu da Umbanda é espírito de um malandro ou criminoso) e caboclos (espíritos de índios).

A desburocratização do pentecostalismo favorece a formação de lideranças locais. Em toda a América Latina e também na Europa, os grupos locais formados a partir de uma congregação maior respondem pela maioria das igrejas. Esses grupos conseguem a flexibilidade para adequar-se a angústias locais como a falta de serviços públicos, desemprego, criminalidade, etc. Muitos pregadores se apresentam como ex-viciados, ex-macumbeiros, ex-alcoólatras ou ex-doentes para propiciar essa aproximação da comunidade. A pluralidade das denominações e a falta de vínculo entre as congregações também oferece uma gama imensa de pregações onde dificilmente alguém não encontraria lugar. Entre as populações pobres brasileiras, o enfoque na obtenção de bens materiais e a cura de doenças também coloca o fiel em uma certa dependência da igreja, onde a própria sobrevivência dele se torna uma mostra de seu bom seguimento da doutrina. Na Europa (onde o pentecostalismo chega por missionários africanos), as igrejas reúnem a maioria dos imigrantes (que vão em busca de emprego), mas suas pregações dificilmente transpõem a barreira cultural entre o africano e o europeu.

O sociológo David Martin chegou a afirmar que “O que temos é um Protestantismo entusiasta e indigenizado/adaptado às culturas locais, que se enraizou nas esperanças de milhões de latinoamericanos pobres”. A valorização de experiências religiosas práticas acima de um código de dogmas parece importante no desenvolvimento pentecostal nas comunidades mais pobres e, sobretudo, pouco instruídas.

Assim como a África tem influenciado o pentecostalismo europeu, o Brasil hoje envia missionários pentecostais aos países africanos que têm se transformado em líderes locais, indicando que mesmo o intercâmbio entre países do 3º Mundo supera o que ocorre atualmente em relação aos países desenvolvidos. Um estudioso de Moçambique chegou mesmo relatar elementos brasileiros em uma pregação pentecostal do seu país. Em Londres, metade das congregações são lideradas por missionários de Caribe ou da Nigéria.

PODE LÊ SI QUISÉ, TAMO NEM OLHANO...
  1. Brandão CR, Fronteira da fé - Alguns sistemas de sentido, crenças e religiões no Brasil de hoje, Estudos Avançados 18(52):261-288, 2004.
  2. Clark P, Dürkheim B, Global pentecostalism: a european perspective, publicado na plataforma pmgermany.com em abril de 2008.
  3. http://ibd.zoomblog.com/archivo/2008/11/18/os-Evangelicos-Historicos-diante-do-av.html
  4. Machado MDC, A magia e a ética no pentecostalismo brasileiro, Estudos de Religião, Ano XXI (33):12-26, 2007.
  5. Magalhães I, Linguagem e ideologia no discurso pentecostal, Cadernos de Linguagem e Sociedade, 3(1):21-65, 1997.
  6. Contins M, Os pentecostais e as religiões afro-brasileiras, Textos Escolhidos de Cultura e Arte Populares 2(2):37-49, 2005.
  7. Melo J, Sincretismo religioso no pentecostalismo, Boletim número 25 da Comissão Maranhense de Folclore, p32-35, julho de 2003.
  8. Rabelo MCM, Rodando com o santo e queimando no espírito: possessão e a dinâmica de lugar no candomblé e pentecostalismo, Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Porto Alegre 7(7):11-37, 2005.
  9. Seman P, Identidades religiosas e concorrência no campo religioso, Debates do Núcleo de Estudos da Religião, Porto Alegre 1(1):62-69, 1997.
  10. Rhoden HR, The Essence of Pentecostal Worship, obtido do site Enrichment Journal, 2003.
  11. VEJA online; em profundidade: evangélicos. Acessado via http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/evangelicos/em_resumo.html
  12. Zillner M, Zillner E, SEPAL Pesquisas (Servindo Pastores e Líderes), Um estudo das Denominações Evangélicas nas Regiões do Brasil com base no Censo Demográfico 2000 do IBGE, 2005.

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