sábado, 15 de outubro de 2011

Confissões de um sem-igreja


Segue um texto totalmente ElielVieirístico, que foi tomado sem pedir do site dele mesmo. Hoje, ao mesmo tempo que vemos aumentando o número de cristãos protestantes (que nos chamamos de Cristãos somente, anulando os demais), há um progressivo "sair das igrejas", muitas vezes disfarçado sob o nome de "trocar de denominação", e trocar de novo, e de novo, e de novo. É um assunto controverso, que eu vou manter em pauta.
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De quando em quando algumas pessoas perguntam em qual igreja eu frequento. Por meus escritos circularem a rede e, inevitavelmente, meu nome ficar em evidência, é normal que os leitores tenham curiosidade de saber qual igreja este tal Eliel Vieira frequenta. Geralmente estas perguntas são enviadas pela minha conta no Formspring, outras vezes por e-mail e, diante de algumas reflexões que tenho tido sobre esta questão nas últimas semanas (bem como de algumas cobranças de pessoas próximas sobre minha desigrejação), aqui vão algumas palavras.

A verdade é que eu atualmente estou desigrejado. Este estado já dura alguns meses (ou anos, conforme a minha interpretação do caso) e tem incomodado algumas pessoas. É um absurdo um cristão não frequentar uma igreja, não é?, sendo assim, que explicações eu poderia apresentar em defesa deste meu estado?

Em primeiro lugar é necessário enfatizar que (no meu caso pelo menos) trata-se de um “estado”, de um “estar” desigrejado, não de uma condição intrínseca em si. Embora possam existir pessoas que “são” desigrejadas, eu apenas “estou” nesta condição no atual momento. Esta distinção é importante porque, a despeito de sempre me lembrarem disto, eu reconheço a necessidade e o benefício que um cristão tem em servir uma igreja, e estar em comunhão com ela.

Veja, eu não nego é bom e necessário que um cristão esteja em comunhão com uma igreja; eu concordo com esta afirmação. A discordância se encontra em outros pontos, principalmente no que se refere ao próprio significado (e as implicações) dos termos “frequentar”, “congregar” e “comungar” (os evangélicos geralmente não gostam de usar esta última palavra, pois ela é “católica” demais).

Para deixar as coisas bem claras já de início, “frequentar” é muito diferente de ter “comunhão”. “Frequentar” é “ir com frequência a” determinado lugar. Desta forma eu “frequento” meu trabalho, “frequento” a faculdade e “frequento” a casa da minha avó. Nada mais pode ser extraído de “frequentar” além de “ir com frequência”. “Frequentar” é, portanto, um termo muito superficial.

Com “comunhão” o caso é diferente, pois o termo é mais profundo e implica algumas coisas. Ter “comunhão” (koinonia, em grego) é ter (ou estar em) “comum união” com um grupo de pessoas. “Comunhão” implica “compartilhamento” de valores, princípios, objetivos e ideais. “Comunhão” implica “união” e “participação”.

Veja bem, diante destas definições, é possível que eu “frequente” uma igreja e simplesmente não tenha “comunhão” com as demais pessoas que “frequentam” esta igreja. Aliás, eu simplesmente não tinha “comunhão” com a última igreja que frequentei, o que aconteceu por quase dois anos. Eu “frequentava” os cultos, religiosamente aos domingos estava lá, mas simplesmente não havia “comunhão” entre minha pessoa e os princípios, valores, objetivos e ideais daquela congregação.

Toda vez que leio os Atos dos Apóstolos eu me surpreendo com o quanto a “comunhão” era intrínseca à igreja. Eles tinham tanta comunhão, mas tanta comunhão, que “todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum” (2:44); tanta comunhão que os cristãos “vendiam suas propriedades e bens e os repartiam por todos, segundo a necessidade de cada um” (2:45); uma comunhão tão sincera que os levava a “partir o pão em casa, comendo com alegria e singeleza de coração” (2:46).

A igreja primitiva pregava e vivia a “comunhão” entre os membros, de modo que o “congregar”, ordenado em Hebreus 10:25, era uma consequência imediata do “ter comunhão”. A partir da existência de “comunhão”, o “congregar” passa a ser desejoso, sincero e, assim, “necessário”. Aliás, o versículo anterior ao “não deixes de congregar” (10:25) explica o motivo da “necessidade” de congregar: congregar é necessário para que pratiquemos consideração uns pelos outros e para que nos estimulemos mutuamente o amor e as boas obras (10:24). Ou seja, “congregar” é importante para que pratiquemos a “comunhão”. A “comunhão” vem antes, ela deve existir inicialmente; o “congregar” vem depois.

Quando se tem “comunhão”, não apenas o “congregar” se torna natural, mas o próprio crescimento da “congregação” passa a ser natural, diferentemente daquele crescimento forçado (que precisa de “estratégias de evangelismo”, como o “culto de colheita”) da igreja evangélica atual. Pois, voltando novamente à igreja primitiva, por ela ter “comunhão”, a igreja “caía na graça do povo” e “Deus acrescentava dia após dia os que seriam salvos” (Atos 2:47).

Portanto, a pergunta correta não deveria ser “você frequenta uma igreja?”, mas sim “você está em comunhão com uma igreja?”.

Infelizmente, no entanto, enxergamos entre nossos queridos evangélicos a ênfase demasiada no “frequentar”, no “ir frequentemente a” uma igreja. E para eles a “comunhão” é uma consequência (e não uma premissa, como era na igreja primitiva) que brota com o tempo, depois que o indivíduo “frequenta” a igreja por algum tempo. Se você não “frequenta” a congregação você é um infeliz desviado que não tem “vida com Deus”, pois crente tem que “frequentar” uma igreja. Como eu disse, este argumento é simplista demais, pois é perfeitamente possível que se frequente uma igreja mesmo não tendo comunhão com ela, e é a comunhão que a Bíblia ordena que tenhamos, não o simples “ir frequentemente a” um lugar.

Mas, à luz disto, alguém pode alterar a pergunta: ao se assumir desigrejado, você não assume que não está em comunhão com igreja alguma e, assim, errando?

Não, por alguns motivos. Em primeiro lugar, apesar de esta ser apenas uma sugestão que veio em minha mente agora (precisando refletir mais sobre ela), é possível estar em comunhão com um corpo de pessoas mesmo estando fisicamente distante dela. Exemplo? A Igreja está em comunhão com Cristo mesmo estando separada fisicamente dele por mais de 2 mil anos. Outro? Um missionário que vai sozinho para a China continua em “comunhão” com seus irmãos (e comigo, e com você) mesmo estando longe de nós e mesmo talvez sem sequer nos conhecer. Uma vez que “comunhão” está relacionada primordialmente com “comum união”, com objetivos comuns das pessoas, então a “comunhão” existirá, estando duas pessoas juntas fisicamente e se vendo com certa frequência ou não.

E isto me leva ao segundo motivo do meu “não” à pergunta acima. “Comunhão” só é possível quando se há compartilhamento de objetivos, valores, princípios e ideias. Na minha opinião este modelo evangélico capitalista, “gospel”, egoísta, da “prosperidade”, veio do inferno e não deve apenas ser ignorado, mas combatido. O “evangelho” dos “milagres” para mim não é Evangelho, mas pura manipulação e enganação dos poderosos sobre os pobres fieis que não tem instrução e que são proibidos de pensar e questionar.

Agora, estando eu certo ou não em relação às minhas opiniões mencionadas acima (isto não vem ao caso aqui), é possível que eu tenha “comunhão” com um grupo de pessoas que defende a permanência e a expansão deste modelo evangélico que eu considero contraditório à Bíblia? Eu não acredito que “o melhor de Deus ainda estar por vir” (eu acredito que o melhor de Deus já veio: Jesus), então, é possível que eu cante em “comunhão” com uma igreja a canção que tem esta frase? Não, não tem jeito. Qualquer tentativa será desastrosa, tanto para mim quanto para quem tem as crenças diferentes das minhas. Ou eu me posiciono contra a maré (e passo a ser um estorvo) ou então finjo que abraço os mesmos ideais que eles (e engano a mim e a eles). Eu entendo cada palavra da angústia do Tuco em seu relato do abandono da igreja.

Agora, obviamente eu jamais vou encontrar um grupo de pessoas que tenha as mesmas crenças e ideias que eu tenho em todos os pontos. Aliás, nem a igreja primitiva tinha este nível de concordância, razão pela qual os apóstolos escreviam suas cartas. Alguém pode argumentar, a partir desta realidade, que em todas as igrejas eu vou discordar de alguma coisa, e que o problema está comigo, e não com as igrejas em si. Em parte eu concordo, o problema realmente está comigo. Sou eu que estou sendo um tanto criterioso demais. Em parte eu discordo, não é minha culpa que o câncer burguesinho da teologia da prosperidade e confissão positiva tenha se enraizado tão fortemente na igreja brasileira.

Também, apesar de ser “impossível” achar uma igreja com a qual eu concorde em todos os aspectos, ainda assim é possível identificar igrejas (grupos de pessoas) com as quais existam pontos de convergência entre eu e elas, entre meus princípios e os dela, e com as quais eu possa praticar (isto é, por em prática) a comunhão em sua forma visível e cotidiana.

Por exemplo, eu poderia ter comunhão com uma igreja que valorize o estudo, o ensino e a diversidade de opiniões, mesmo que ela não tome posição explícita contra, por exemplo, a teologia da prosperidade ou o mercado gospel. Ao menos eu estaria dentro de um ambiente onde eu poderia expor minhas opiniões e questionar aqueles que abraçam esta prática, respeitando e sendo respeitado ao assim agir.

Esta busca, no entanto, não é rápida. Em Janeiro, quando convenci a mim mesmo que o problema estava comigo e que eu deveria me forçar a frequentar uma igreja em 2011, no primeiro culto que fui em determinada igreja, o pastor disse à congregação que a tragédia na região serrana do Rio de Janeiro foi um castigo divino por causa do Carnaval, e que se nem Deus se compadeceu daquele povo (pois mandou o “castigo”), logo estamos indo “contra a vontade de Deus” quando nos compadecemos e prestamos solidariedade às vítimas. Eu me aguentei e voltei à igreja no domingo seguinte, mas não tive forças o suficiente para voltar lá novamente ao ouvir neste segundo domingo seguido a mesma teologia do Deus carniceiro proferida pelo mesmo pastor.

Portanto, resumindo esta longa resposta sobre meu estado “desigrejado”, trata-se de estado de busca, lento, pois a “comunhão” só vem desta forma, ela não é instantânea.
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Esse texto expressa as idéias do Eliel Vieira e eu fiz questão de colocá-lo aqui porque há uma certa sinceridade maior em falar apenas sobre si mesmo. Afinal, o que conhecemos de verdade é somente a nós mesmos: nossas memórias e idéias são formadas por nós, carregadas por nós e vividas por nós. Como disse o Eliel em seu texto, é impossível achar um grupo de pessoas em que você concorde com tudo, pois somente no seu interior isso seria possível. Como viver com a diferença?

Esse é um grande problema da vida moderna. Hoje, todos somos ensinados a “ser líderes”, pois os “liderados” não gozam de prestígio. Não se exalta alguém por ser um bom seguidor disso ou daquilo, desse ou daquele, mas por ser líder. Há possíveis líderes brotando de todos os cantos e a batalha entre eles pelo poder atualmente é a base do nosso sistema de hierarquia social. Se alguém tem poder sobre os demais, acredita-se que ele venceu todos os outros, que é superior.

Há quem mande e quem obedeça, infelizmente está fora-de-moda o conversar de igual para igual.

Jesus não encontrou algo muito diferente. Na época Dele, o Sinédrio disputava poder com os reis locais, que disputavam poder com Roma. Embora Jesus tenha feito muito para não ser aclamado rei e sim ser seguido, pouco tempo depois se falava em seguir Pedro, Paulo ou Apolo, que obviamente tinham opiniões diferentes. Sendo homens, todos teremos opiniões distintas, idéias pessoais. Mas invocando o que Jesus ensinou, é preciso que essas divergências coexistam e sejam inferiores ao que nos une, isto é, o Reino de Deus. Sempre vamos querer ter os nossos pequenos reinos, mas é necessário que estejamos sob um reino maior que nós mesmos.

Embora eu admire o Eliel por suas idéias, fico triste por não saber de uma comunidade que possa ouvi-las, ainda que discordando dele.

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