domingo, 23 de junho de 2013

O caso Naamã - até onde Deus chega

Eliseu recusa o pagamento de Naamã - Pieter de Grebber

Um ponto importante no Cristianismo hoje parece ser a identificação com a comunidade religiosa. Por todo canto, católicos colocam imagens de N. Senhora nas camisas, evangélicos adesivam os carros com peixes, outros até com logos de suas denominações. Os ateus lançam ônibus para circular com mensagens de “Deus não existe”, laçam livros sobre o assunto, e por aí vai. Embora essa energia toda em “defender a sua fé” não seja nociva, ela por vezes pode fazer com que uma comunidade ou até uma pessoa se sinta “detentor de toda verdade” ou, em termos mais filosóficos, da “verdade das verdades”. E se tomarmos à risca a fala de Jesus – “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida” (Jo 14.6) – talvez cheguemos à fantástica conclusão que cada secto cristão possui um Cristo particular.

Será que isso é parte da mensagem que Deus confiou, que cada grupo tenha sua versão própria Dele? Será que o Espírito Santo é capaz de vazar através dos NOSSOS templos (e mesmo os nossos corações) para penetrar os templos de outros, para produzir amor entre aqueles de quem discordamos, ou nem reconhecemos como irmãos?

A história de Naamã talvez nos forneça alguns indícios sobre isso. Ela aparece detalhadamente no 2º Livro dos Reis, cap. 5, por isso vamos esperar que você a leia na sua Bíblia, antes de continuar.

------ AGUARDAREMOS SUA LEITURA ------

Já leste? Para resumir, Naamã era um alto oficial do exército arameu / sírio, atormentado pela lepra. Seu rei mandou-o até Israel, para que fosse curado. Depois de conseguir mais do que fora buscar, Naamã confessa ao profeta Eliseu que reconhecia o Senhor como deus. E então ele lhe pede permissão para continuar a freqüentar o templo de Rimom*, onde acompanhava o seu rei. Isso incluía curvar-se ao ídolo de Rimom, coisa que os profetas de Israel abominavam, sobretudo Elias, que fora mestre de Eliseu. Mas Eliseu disse que ele fosse em paz, ao invés de dizer-lhe que não fizesse isso, que enfrentasse a todos, etc.

NAAMÃ, O ARAMEU

 mapa de Israel em 830 a.C.
(clique para ampliar)

Pela indicação de que havia paz entre a Síria (Aram) e Israel, não é difícil localizar na história a passagem bíblica. Aram ficava do lado leste do rio Jordão, ao norte do reino de Amon e ao sul da Assíria. Do lado oeste estava Israel, então repartida em dois reinos: Israel / Samaria / Efraim ao norte e Judá ao sul. Sempre foram comuns as guerras na região, mas o texto bíblico diz que “Naamã era capitão do exército do rei da Síria, era um grande homem diante do seu SENHOR, e de muito respeito; porque por ele o SENHOR dera livramento aos sírios” (2Rs 5.1). Em 853 a.C. houvera uma guerra entre arameus e assírios, na qual os arameus saíram vitoriosos**. Provavelmente Naamã era um herói dessa batalha – afinal, por ele o Senhor dera livramento - e dessa forma se tornara predileto do rei Be-Hadad II. Era uma situação semelhante ao que aconteceria em Judá muitos anos mais tarde, quando Davi se tornaria predileto do rei Saul após derrotar os filisteus.

Vemos a importância de Naamã quando esse vai ao rei de Aram e consegue que ele mande uma carta de apresentação ao rei de Israel, junto com um suntuoso presente de dez talentos de prata (340 Kg), seis mil siclos de ouro (70 Kg) e dez mudas de roupas (2Rs 5.5). Esse presente, fosse da parte do capitão ou do próprio rei de Aram, era sem dúvida a apresentação de um nobre.

Apesar de seus feitos em batalha e sua importância no reino, a história começa nos dizendo que Naamã era leproso.

A LEPRA NOS TEMPOS ANTIGOS

A lepra sempre foi considerada uma doença terrível nos tempos bíblicos. Era considerada o castigo divino para os impuros. Normalmente os leprosos eram banidos das cidades, pois tratava-se de uma doença contagiosa. Atualmente a doença é chamada de hanseníase (ou mal de Hansen), sendo causada por duas bactérias chamadas Mycobacterium leprae e Mycobacterium lepromatosis, que infectam a pele e principalmente os nervos. Ambas são transmitidas por roedores que vivem nas cidades, que se proliferam em condições de pouca higiene ou super-população... Elas destroem as terminações nervosas e inflamam terrivelmente a pele, causando ulcerações e inchaços desfigurantes.

Curiosamente, a doença que a Idade Média chamou de lepra não tem os mesmos sintomas descritos por Moisés em Levítico cap. 13, como manchas brancas profundas e pelos descorados. A lepra parece ter se originado na China por volta de 4000 a.C., daí se espelhando para a Índia. Documentos sumérios e babilônicos de 3000 a.C. falam de pústulas na pele, perda de coloração e um odor pútrido. Os papiros egípcios de 2700 a.C. (como o tratado médico de Ebers) falam de uma doença semelhante. Entre 700 e 250 a.C. a doença aparece nos manuscritos gregos, mas os primeiros sinais da doença que conhecemos como “lepra” apareceram na Europa com os soldados de Alexandre retornando da Índia por volta de 320 a.C., ou seja, milênios após a vida de Moisés. Dessa forma, há uma certa controvérsia quanto ao significado da moléstia que aparece no hebraico original com o nome de sara’at ou tzara.

Os gregos Heródoto (484 - 420 a.C.) e Hipócrates (460 – 370 a.C.), considerados os fundadores da medicina, traduziram sara’at como leuke ou leucoderma (pele branca), de onde vem o nome “lepra”. Já Cláudio Galeno (130 – 200 d.C.) usou o termo elephas ou elefantíase para indicar o inchaço da pele produzido por uma doença que ele observava entre os gregos, e que possuía o caráter contagioso apontado no livro de Levítico. Popularmente, a elefantíase é associada com um inchaço fabuloso dos membros, mas a maioria dos casos na verdade se manifesta com a obstrução de pequenos vasos sangüíneos ou linfáticos por bactérias e o surgimento de várias pequenas regiões inchadas, além de brancas pela falta de irrigação.

Os sintomas do livro de Levítico em sua maioria estão mais ligados a formas de elefantíase e outras parasitoses de pele, como carbúnculo, furúnculo ou impetigo (infecção com bactérias do gênero Staphylococcus ou Streptococcus). Um dos sinais de que não se trata da hanseníase é o fato de que não são mencionados sinais aberrantes da doença como a contratura dos músculos, úlceras na pele, odor pútrido, febre e perda de sensibilidade. Ainda, a lepra e a elefantíase não atingem o corpo todo, como é mencionado em Levítivo ou no caso do servo Geazi (2Rs 5.20-27). A descrição da doença nesse caso parece mais o que chamamos hoje de psoríase, que é uma doença auto-imune. Também há semelhança com a dermatofitose, que é uma infecção da pele por fungos transmitidos a partir de cabras ou ovelhas.

Na falta de condições para tratar a lepra ou a elefantíase, Moisés implantou uma reforma sanitária entre os hebreus que consistia em tirar das cidades os indivíduos doentes, assim como abandonar as casas onde eles habitavam. A denominação “impuro” servia como forma de impedir que as pessoas tocassem nos infectados, mas assumiu um papel de “impureza perante Deus”. Apenas lembrando, o próprio Moisés havia sido vítima dessa doença (Ex 4.6). Quando Jesus curou um leproso e mandou-o apresentar-se ao sacerdote (Lc 5.12-15), vemos que a função sacerdotal como “vigilante” de pessoas leprosas na sociedade continuava em prática muito tempo após Moisés.

No tempo de Naamã, portanto, a “lepra bíblica” era motivo de exclusão social. Não temos uma “bíblia” que nos conte sobre como os arameus tratavam os leprosos, mas é possível que as medidas sanitária não fossem muito diferentes. Afinal, a língua dos arameus permaneceu falada no norte de Israel até os dias de Jesus. Havia um prejuízo social (ou Naamã não se encaminharia ao reino vizinho para obter tratamento) mas talvez sem a exclusão a que os judeus leprosos estavam condenados.

Quando Geazi pecou contra Eliseu, buscando Naamã para pedir seus tesouros em nome do mestre, o papel da lepra como “castigo divino” se mostrou novamente. Geazi estabeleceu um contraponto a Naamã, querendo lucrar com a obra de Deus e mentindo a todos. Como está escrito, Eliseu jogou sobre ele esta maldição:

... a lepra de Naamã se pegará a ti e à tua descendência para sempre. Então saiu de diante dele leproso, branco como a neve. (2Rs 5.27)

A TERRA DE ISRAEL

Um ponto interessante na história de Naamã foi a forma como ele se tornou crente, tendo toda a sua concepção de fé derrubada. Primeiro, Naamã se concebia como alguém digno de toda atenção, de forma que se revoltou quando Eliseu nem ao menos foi vê-lo, simplesmente mandando um mensageiro. Ele, que carregava o presente de um rei!

Segundo, Naamã via Eliseu como um curandeiro cujos poderes pessoais lhe trariam a cura. Havia recebido esse testemunho de uma escrava israelita que mantinha em casa. Mas Eliseu não orou junto a ele, nem sequer o tocou. Na verdade, Eliseu não podia fazer nada por Naamã: isso seria obra de Deus, quando Naamã tivesse mais fé Nele do que em si mesmo.

Não são porventura Abana e Farpar, rios de Damasco, melhores do que todas as águas de Israel? Não me poderia eu lavar neles, e ficar purificado?” (2Rs 5.12). Agora, segundo a mente de Naamã, o poder de cura estava no rio. Esse conceito também precisava ser quebrado, antes que Deus agisse. Apenas quando Naamã simplesmente seguiu as ordens do profeta foi que se curou, e assim ele reconheceu o poder do Senhor: “Eis que agora sei que em toda a terra não há Deus, senão em Israel” (2Rs 5.15).

Sendo curado, Naamã percebeu que precisava servir ao “Deus de Israel”, mas como fazê-lo, na Síria? Para os povos pagãos (dos quais fazia parte), seus deuses estavam vinculados não às pessoas, mas à terra e ao lugar onde viviam. O “Deus de Israel”, portanto, estava ligado à terra de Israel. E Naamã solucionou o problema levando Israel consigo: “... dê-se a este teu servo uma carga de terra que baste para carregar duas mulas; porque nunca mais oferecerá este teu servo holocausto nem sacrifício a outros deuses, senão ao SENHOR.” (2Rs 5.17).

Isso bastou para que Eliseu o reconhecesse como servo do Senhor. Naamã teve sua terra, e sua bênção. Ele foi abençoado mesmo dizendo que iria ao templo de Rimom com seu rei, servindo de apoio para o mesmo. Sendo um alto oficial como era, Naamã era observado pelo rei e seguido por muitos: não ir ao templo com o rei o condenaria talvez à morte, e era preciso que outros na Síria soubessem o que o “Deus de Israel” fazia e chegassem ao Senhor (esse plano começara com a improvável vitória dos Sírios sobre a Assíria). Desde sua cura, Naamã seria um crente no templo pagão, e não mais um pagão ali.

CONCLUSÃO

As histórias de Naamã e Geazi fazem parte dos contos moralistas da Bíblia, ou seja, que expressam mais do que um relato histórico. Naamã cai de seu pedestal próprio ao ficar leproso, sendo restaurado por Deus quando expressa humildade. Geazi cede à tentação dos tesouro, mente e obtém lucro com a obra de Deus, sendo condenado – junto com sua descendência.

O ponto que eu gostaria de deixar aqui é justamente a humildade que expressamos quanto ao conhecimento de Deus. Os fariseus nos tempos de Jesus gabavam-se de sua posição social (mantida por Deus, segundo eles) e sua pureza, não podendo jamais aceitar um Messias que tocava em leprosos, que comia com publicanos e tomava vinho (Mt 11.19). Eles foram severamente criticados por Jesus.

E [Jesus] disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como meninos, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que se tornar humilde como este menino, esse é o maior no reino dos céus. (Mt 18.3-4)

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* Rimom era o deus da tempestade arameu. Na Bíblia, a passagem sobre Naamã é a única citação dele, embora a palavra Rimom fosse usada para a árvore que produz romãs e também para uma rocha nas proximidades de Gibeá.

** A batalha de Qarqar, em 853 a.C., ficou conhecida como a maior guerra já travada até então. Nessa batalha, o império assírio governado por Salmaneser III invadiu o território de Aram com cerca de 100 000 soldados e foi confrontado por 12 reis (incluindo o rei Acabe de Israel), que somaram mais de 60 000 homens. As perdas do lado assírio foram tantas que o império recuou, mas as perdas de Aram também foram tantas que alguns anos mais tarde outro ataque colocou Aram sob o domínio assírio.

O REI SÍRIO MANDOU LER

Batle of Qarqar – wikipédia
Cochrane RG - Biblical Leprosy: A Suggested Interpretation
Leprosy – wikipédia

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Sião - da fortaleza até o paraíso

Sião nos tempos de Davi e nos dias atuais. Procure o bode. (clique para ampliar)

O nome de Sião aparece diversas vezes na Bíblia, inicialmente com um significado geográfico (a cidade de Davi) e depois com um significado espiritual (a cidade de Deus). Muitas vezes você provavelmente passou pelo nome de Sião, ou até ouviu um sacerdote proclamar uma bênção a Sião, sem saber exatamente o que isso significava! Aqui tentaremos corrigir essa confusão.

Na Bíblia Sião se torna importante logo após a morte de Saul (~1000 a.C.). O antigo rei havia perdido seus sucessores e Samuel anunciara Davi como o próximo a reinar. Não era uma sucessão tranquila: Davi fora declarado inimigo de Israel e agora ampliava seu poder submetendo os povos vizinhos aos israelitas. Um desses povos eram os jebuseus, que habitavam o monte onde seria levantada a cidade de Jerusalém (ou Jebus, numa pronúncia antiga – 1Cr 11.4).

Quando Abraão fez seu pacto com Deus (~ 5600 a.C.), o Senhor prometeu entregar-lhe muitos povos que habitavam Canaã, entre eles os jebuseus (Gn 15.21), que historicamente se tratava de uma tribo dos hititas ou amorreus. Abraão havia submetido esse povo no passado, mas Davi chegou ao monte onde eles habitavam e invocou novamente a promessa feita:

E partiu o rei com os seus homens a Jerusalém, contra os jebuseus que habitavam naquela terra; e falaram a Davi, dizendo: Não entrarás aqui, pois os cegos e os coxos te repelirão, querendo dizer: Não entrará Davi aqui. Porém Davi tomou a fortaleza de Sião; esta é a cidade de Davi.

Porque Davi disse naquele dia: Qualquer que ferir aos jebuseus, suba ao canal e fira aos coxos e aos cegos, a quem a alma de Davi odeia. Por isso se diz: Nem cego nem coxo entrará nesta casa. Assim habitou Davi na fortaleza, e a chamou a cidade de Davi; e Davi foi edificando em redor, desde Milo para dentro. (2Sm 5.6-9)

A FORTALEZA DOS JEBUSEUS

A primeira identificação de Sião é, portanto, com uma fortaleza dos jebuseus. Os escritores de 2ª Samuel apontam ainda os jebuseus como coxos e cegos, em outras palavras, um povo fraco. Noutras passagens, a cidade-estado de Salém é apontada como fazendo parte do reino dos jebuseus:

E Melquisedeque, rei de Salém, trouxe pão e vinho; e era este sacerdote do Deus Altíssimo. E abençoou-o [a Abraão], e disse: Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, o Possuidor dos céus e da terra; e bendito seja o Deus Altíssimo, que entregou os teus inimigos nas tuas mãos. (Gn 14.18-20) – por volta de 5600 a.C.

Conhecido é Deus em Judá; grande é o seu nome em Israel. E em Salém está o seu tabernáculo, e a sua morada em Sião. Ali quebrou as flechas do arco; o escudo, e a espada, e a guerra. (Sl 76.1-3) – por volta de 1000 a.C.

Se Sião era uma fortaleza jebusita e Salém era uma cidade-estado junto a Sião, podemos entender que Abraão chegou aos jebuseus encontrando um rei Melquisedeque que se rendia pacificamente. Coisa semelhante ocorreu com Davi, pois a Bíblia menciona que Davi dominou os jebuseus, mas não menciona qualquer confronto. Aparentemente, o povo de Melquisedeque se submeteu facilmente ao governo de Davi (outra vez) e até ficou mal-falado como “povo fraco, de cegos e coxos” por isso. No entanto, repare que Mequisedeque também é apontado como “sacerdote do Deus altíssimo”. Isso é notável, quando havia uma divindade dos amorreus chamada Zedek e o nome do rei significaria simplesmente “meu rei é Zedek”.

Nos tempos de Abraão, portanto, Melquisedeque ofereceu presentes ao líder tribal que chegava. E ele os ofereceu em nome do Deus Altíssimo, provavelmente estrangeiro, do qual se diz que ele era sacerdote. Isso certamente agradou Abraão e firmou uma paz entre israelitas e jebuseus, os quais o Senhor havia prometido entregar para Abraão. Por outro lado, os jebuseus eram suficientemente diferentes dos israelitas para não se fundirem com esse povo novo, pois milhares de anos mais tarde Davi reconheceria a fortaleza de Jebus e iria invadi-la – mesmo que outra vez de forma pacífica.

Essa invasão é descrita mais de uma vez na Bíblia:

E partiu Davi e todo o Israel para Jerusalém, que é Jebus; porque ali estavam os jebuseus, habitantes da terra. E disseram os habitantes de Jebus a Davi: Tu não entrarás aqui. Porém Davi ganhou a fortaleza de Sião, que é a cidade de Davi.

Porque disse Davi: Qualquer que primeiro ferir os jebuseus será chefe e capitão. Então Joabe, filho de Zeruia, subiu primeiro a ela; pelo que foi feito chefe. E Davi habitou na fortaleza; por isso foi chamada a cidade de Davi. E edificou a cidade ao redor, desde Milo até ao circuito; e Joabe renovou o restante da cidade. (1Cr 11.4-8)

Aqui aparece um capitão Joabe, reforçando que a tomada de Sião se tratava de uma ação militar do novo rei (Davi), que se apossava dos domínios do rei antigo (Saul). As relações de domínio dos israelitas sobre os jebuseus também são apontadas na época em que a peste varreu boa parte do exército de Davi:

Então o anjo do SENHOR ordenou a Gade que dissesse a Davi para subir e levantar um altar ao SENHOR na eira de Ornã, o jebuseu. Subiu, pois, Davi, conforme a palavra de Gade, que falara em nome do SENHOR. E, virando-se Ornã [ou Araúna], viu o anjo, e esconderam-se seus quatro filhos que estavam com ele; e Ornã estava trilhando o trigo. E Davi veio a Ornã; e olhou Ornã, e viu a Davi, e saiu da eira, e se prostrou perante Davi com o rosto em terra.

E disse Davi a Ornã: Dá-me este lugar da eira, para edificar nele um altar ao SENHOR; dá-mo pelo seu valor, para que cesse este castigo sobre o povo. Então disse Ornã a Davi: Toma-o para ti, e faça o rei meu senhor dele o que parecer bem aos seus olhos; eis que dou os bois para holocaustos, e os trilhos para lenha, e o trigo para oferta de alimentos; tudo dou. E disse o rei Davi a Ornã: Não, antes, pelo seu valor, a quero comprar; porque não tomarei o que é teu, para o SENHOR, para que não ofereça holocausto sem custo. (1Cr 21.18-24)

A ARCA DA ALIANÇA 

Quando Moisés selou um novo pacto com Deus através dos Mandamentos, as tábuas de pedra foram guardadas dentro da Arca da Aliança. Após ser guarda por levitas, roubada pelos fariseus e recuperada, Davi depositou Arca na fortaleza de Sião. A fortaleza havia servido então como ponto de vigia e segurança para que Davi edificasse sobre Salém e a terra de Ornã / Araúna um local de culto ao Senhor a uma nova cidade, que seria a capital de seu reino. Em Salém, foi levantado o Tabernáculo (Sl 76.1-3), um predecessor do Templo que Salomão faria nos anos seguintes.

É interessante notar que um objeto sagrado como a Arca não foi guardado onde as pessoas moravam (Salém) ou mesmo onde prestavam culto (o Tabernáculo), mas numa fortaleza vizinha dali, como que para proteger as pessoas da proximidade de tal objeto. Finalmente, quando o 1º Templo estava terminado, Salomão delimitou o "Santo Lugar" para dispor a Arca e nesse mesmo edifício estariam o local de congregação do povo e morada do Deus Altíssimo.

E acordou Salomão, e eis que era sonho. E indo a Jerusalém, pôs-se perante a arca da aliança do SENHOR, e sacrificou holocausto, e preparou sacrifícios pacíficos, e fez um banquete a todos os seus servos. (1Rs 3.15)

Então congregou Salomão os anciãos de Israel, e todos os cabeças das tribos, os chefes dos pais dos filhos de Israel, diante de si em Jerusalém; para fazerem subir a arca da aliança do SENHOR da cidade de Davi, que é Sião. E todos os homens de Israel se congregaram ao rei Salomão, na ocasião da festa, no mês de Etanim, que é o sétimo mês. E vieram todos os anciãos de Israel; e os sacerdotes alçaram a arca. E trouxeram a arca do SENHOR para cima, e o tabernáculo da congregação, juntamente com todos os objetos sagrados que havia no tabernáculo; assim os trouxeram para cima os sacerdotes e os levitas. (1Rs 8.1-4)

Dessa forma, a fortaleza jebusita de Sião incrivelmente foi o abrigo da Arca entre os anos de 995 a.C. e 953 a.C., antes que ela estivesse no Templo, e na verdade antes que houvesse o Templo. Davi iniciou uma era muito próspera para Israel, com as fronteiras relativamente protegidas e os povos em redor pagando impostos, o que pode ter feito a "cidade de Davi" ganhar novos edifícios e muros, para que fosse digna da habitação de um rei. Um trecho do salmo abaixo nos dá uma idéia da aparência que tinha tal fortaleza.

Alegre-se o monte de Sião; alegrem-se as filhas de Judá por causa dos teus juízos. Rodeai Sião, e cercai-a, contai as suas torres. Marcai bem os seus antemuros, considerai os seus palácios, para que o conteis à geração seguinte. (Sl 48.11-13)

A MORADA DO SENHOR

Nos tempos de Davi, Sião era o centro de governo e ainda a habitação do Senhor, como se o Seu espírito estivesse sobre o monte:

Conhecido é Deus em Judá; grande é o seu nome em Israel. E em Salém está o seu tabernáculo, e a sua morada em Sião. (Sl 76.1-2)

Eis-me aqui, com os filhos que me deu o SENHOR, por sinais e por maravilhas em Israel, da parte do SENHOR dos Exércitos, que habita no monte de Sião. (Is 8.18)

Com o erguimento de Jerusalém, as habitações ao redor da "cidade do Rei” agora reconheciam a edificação no monte de Sião como "cidade de Deus", e isso significava literalmente a morada do Senhor. A muralha que rodeava Jerusalém então tinha uma porta do lado do monte de Sião, que dava acesso ao Templo.

O Seu fundamento está nos montes santos. O SENHOR ama as portas de Sião, mais do que todas as habitações de Jacó. Coisas gloriosas se dizem de ti, ó cidade de Deus. (Selá.) Farei menção de Raabe e de babilônia àqueles que me conhecem: eis que da Filístia, e de Tiro, e da Etiópia, se dirá: Este homem nasceu ali. E de Sião se dirá: Este e aquele homem nasceram ali; e o mesmo Altíssimo a estabelecerá. O SENHOR contará na descrição dos povos que este homem nasceu ali. (Selá.) Assim os cantores como os tocadores de instrumentos estarão lá; todas as minhas fontes estão em ti. (Sl 87)

Quando Jerusalém foi desmantelada pela invasão babilônica, a citadela no monte provavelmente foi destruída, e isso deve ter sido para os israelitas um sinal da fúria e do abandono de Deus. Os profetas voltando do exílio séculos mais tarde ainda mencionavam Sião como a "cidade de Deus", chamando agora Jerusalém de “filha de Sião”.

E [eu, o Senhor] acampar-me-ei ao redor da minha casa, contra o exército, para que ninguém passe, nem volte; para que não passe mais sobre eles o opressor; porque agora vi com os meus olhos. Alegra-te muito, ó filha de Sião; exulta, ó filha de Jerusalém; eis que o teu rei virá a ti, justo e salvo, pobre, e montado sobre um jumento, e sobre um jumentinho, filho de jumenta. (Zc 9.8-9)

No final do século 1 d.C., quando o cristianismo se separava do judaísmo praticado pelos fariseus, Paulo também se referia a Sião como a cidade de Deus:

Porque, se tu foste cortado do natural zambujeiro e, contra a natureza, enxertado na boa oliveira, quanto mais esses, que são naturais, serão enxertados na sua própria oliveira! Porque não quero, irmãos, que ignoreis este segredo (para que não presumais de vós mesmos): que o endurecimento veio em parte sobre Israel, até que a plenitude dos gentios haja entrado. E assim todo o Israel será salvo, como está escrito: De Sião virá o Libertador, E desviará de Jacó as impiedades. E esta será a minha aliança com eles, Quando eu tirar os seus pecados. (Rm 11.24-27)

Obs: o zambujeiro, ou oliveira-brava, é um tipo de oliveira com frutos de pouca polpa e produção de óleo pequena. Como cresciam nos mesmos terrenos dos olivais nativos, eram considerados “imprestáveis” pelos povos do Oriente Médio que vendiam azeite.

A SIÃO CELESTIAL

Após Jesus, os primeiros difusores do Evangelho se deparam com povos para os quais Jerusalém não era dotada de nenhum significado especial – e na verdade era uma terra estrangeira da qual muitos nunca haviam ouvido falar. Quanto mais a "cidade de Davi"! Quando a mensagem indicava que o Senhor ESTAVA em Sião, esse nome passou a significar uma espécie de cidade celestial, onde Deus habita.

... tão terrível era a visão [do Senhor], que Moisés disse: Estou todo assombrado, e tremendo. Mas [vocês, os cristãos] chegastes ao monte Sião, e à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos; à universal assembléia e igreja dos primogênitos, que estão inscritos nos céus, e a Deus, o juiz de todos, e aos espíritos dos justos aperfeiçoados; e a Jesus, o Mediador de uma nova aliança, e ao sangue da aspersão, que fala melhor do que o de Abel. (Hb 12.21-24)

No livro de Apocalipse, o monte de Sião também representa o local de retorno do Senhor à terra para que essa seja renovada:

E olhei, e eis que estava o Cordeiro sobre o monte Sião, e com ele cento e quarenta e quatro mil, que em suas testas tinham escrito o nome de seu Pai. E ouvi uma voz do céu, como a voz de muitas águas, e como a voz de um grande trovão; e ouvi uma voz de harpistas, que tocavam com as suas harpas. E cantavam um como cântico novo diante do trono, e diante dos quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia aprender aquele cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra. Estes são os que não estão contaminados com mulheres; porque são virgens. Estes são os que seguem o Cordeiro para onde quer que vá. Estes são os que dentre os homens foram comprados como primícias para Deus e para o Cordeiro. (Ap 14.1-4)

ONDE FICA SIÃO, AFINAL ? EXISTE AINDA?

(clique para ampliar)

Certamente que muita coisa mudou nos últimos 7000 anos desde Abraão, incluindo o relevo, o clima e os lugares onde as pessoas habitam. Já os apóstolos encontravam dificuldade em explicar aos crentes o valor de Sião como terra natal, mas podiam ensinar seu valor como lugar onde um pacto foi firmado, onde Davi estabeleceu o povo de Deus e onde o Senhor mostrou a João de Patmos que viria sobre a Terra. O povo gradualmente esqueceu-se da antiga fortaleza jebusita, da pequena Salém de repente transformada na cidade de Jerusalém e a "morada do Senhor" sobre o monte.

Aparentemente, o monte de Sião permaneceu desocupado. Talvez fosse considerado um local sagrado. A notícia mais antiga que temos daquele ponto é sua ocupação pela 10ª Legião  (romana) no séc. 3 d.C., onde ficaram acampados, talvez em alguma ruína. Quando a legião deixou o local, os cristãos ergueram ali uma igreja chamada Haggia Sião, que permaneceu até 1009 d.C., quando as batalhas entre islâmicos e cruzados a destruíram. Tudo o que sabemos dela se resume a um mapa da região onde ela foi desenhada. Por volta de 1100 d.C., os cruzados reuniram várias ruínas no local sob o teto de uma Igreja de Santa Maria de Sião, que perdurou até o séc. 13. Esta também foi destruída parcialmente nos anos seguintes, pela ocupação árabe/egípcia.

No começo do séc. 19, um grupo de monges beneditinos identificou as ruínas no monte e ergueu ali a Abadia da Dormitação, onde uma tradição católica diz que Maria teria sido morrido (ou onde ela "dormiu"). Esse prédio, de cúpulas cinza-azuladas, ainda ocupa o topo do monte Sião. Agora pode voltar na foto lá encima para procurar ele...

PRA CHEGAR LÁ OCÊ VAI RETINHO AQUI

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Gideão e Esparta - quando 300 é tudo o que você precisa



Por volta de 1180 a.C., Canaã havia sido invadida pelos midianitas, amorreus e amalequitas, que seguidamente saqueavam as cidades. A história de Gideão contada no livro de Juízes vem nos lembrar um passado longínquo do povo de Deus, quando um exército formado por 300 camponeses desarmados colocou em fuga um exército de cerca de 120 mil homens, formados pela união de vários reinos do Oriente e que estavam a oprimir Israel.

(1)300 ESPARTANOS

O filme 300 foi uma super-produção do diretor Zack Snider feita em 2006, sobre uma novela de quadrinhos do famoso cartunista Frank Miller. Por todo o mundo, ficou conhecida a lenda dos 300 espartanos que se opuseram à invasão da Grécia por Xerxes, o monarca persa. Fora dos quadrinhos e do cinema, entretanto, essa foi uma história real, mas não tão fantástica, e sim um belo exemplo de estratégia militar.

Na verdade, os espartanos contaram com bastante ajuda: primeiro, um terreno acidentado, conhecido por eles mas não pelos persas, que vinham do Oriente e seus desertos. Numa viajem dessas, os soldados precisam caçar e pescar para comer... Mas os persas nem conheciam o clima da Grécia, pois atacaram numa época tempestuosa, quando o vento nas montanhas é simplesmente gélido e animal algum fica por lá. Segundo, as outras nações gregas enviaram reforços sim - embora houvessem 300 espartanos na linha de frente, havia sabidamente muito mais soldados atrás deles, num total que devia ultrapassar os 4000 homens, podendo chegar perto dos 8000 soldados. Ainda era pouco, perto do exército de 100.000 que Xerxes possuía, mas os gregos estavam "brigando em casa".

A batalha começou por volta de 480 a.C. e durou por quase 1 ano. Quando os persas encontraram a passagem através das montanhas e cercaram os gregos, estes estavam reduzidos a menos de 1500 homens, entre espartanos, 700 soldados de Thespia, 400 soldados de Thebas e escravos. Foi um massacre: os thebanos renderam-se e todos os demais morreram, inclusive Leônidas, o masculino rei de Esparta. Mas era só mais um capítulo de uma guerra que Xerxes tinha como vencer. Uns 10 anos antes, ele já havia sido derrotado por Atenas na cidade de Maratona. E após um ano dos soldados nas montanhas gregas, as reservas de alimentos estavam quase esgotadas.

Xerxes recuou de lá com um exército faminto, deixando apenas um batalhão na Grécia. No ano seguinte, com uma nova consolidação dos exércitos das nações gregas, esse batalhão isolado foi exterminado na cidade de Platea.

Os gregos também não eram pacíficos: Esparta era uma potência militar, Atenas já havia conquistado outras nações da Grácia e, quase 3 séculos depois, um macedônio chamado Alexandre Magno levaria seus exércitos até o Egito, não deixando de conquistar Israel em sua passagem. Quem nunca ouviu falar da capital Alexandria, que ele fundou no Egito dos faraós? Na Bíblia, a chegada de Alexandre ficou registradoa no livro apócrifo de 1º Macabeus.

Antes de Alexandre, os gregos tinham pouco ou nenhum conhecimento sobre Israel, e provavelmente sequer tinham houvido sobre uma batalha ocorrida em 1180 a.C. no Oriente, quando um número muito menor de soldados (agora realmente 300) foi ao encontro de um exército semelhante ao de Xerxes, sem uma faca sequer nas mãos. Engole essa, Leônidas.

OS JUÍZES

O período de Juízes (1380 -1050 a.C) representa o legado de Josué desde a conquista de Canaã até o início da monarquia, com a coroação de Saul. Nesse tempo, os israelitas estiveram sem reis e foram governados por uma sucessão de 15 líderes militares sob a proteção divina. Tomando como referência o início do livro de Juízes, podemos pressupor que a inexistência de reis se seguiu à miscigenação cultural entre os judeus e os povos que habitavam Canaã, como os cananeus, jebuseus, amorreus, heteus, etc. Deus havia proibido que isso acontecesse! Mais importante que a miscigenação cultural, os judeus passaram a adorar os deuses daqueles povos juntamente com Javé, como se Ele fosse somente mais um ídolo.

Repetidamente, o povo afastava-se do Senhor e passava a cultuar deuses pagãos ou importados das nações a leste do Jordão e do Egito; então o Senhor enviava sobre eles o poderio dessas nações para os subjugar. Quando o povo clamava a Deus por misericórdia, o Senhor aparecia a um Juiz, favorecia-o com milagres no campo de batalha e a paz entre os israelitas era reavida, até que o ciclo recomeçasse. Uma frase repetida ao longo do livro, em diversas formas é “Naqueles dias não havia rei em Israel; porém cada um fazia o que parecia reto aos seus olhos.” (Jz 21.25). 

Ao longo das vidas de 15 juízes, Deus honrou a promessa que havia feito a Abraão:

E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma bênção. E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gn 12.2-3)

MIDIÃ

Esse é apontado como o principal povo que oprimia os israelitas. A primeira aparição de Midiã (ou ainda Madiã, segundo a pronúncia árabe) na Bíblia é no nome de um dos filhos de Abraão que foi mandado ao oriente (~ 4900 a.C.). Por volta de 1700 a.C., José fora vendido aos midianitas por seus irmãos (Gn 37.25-27). Quando a invasão de Canaã pelos midianitas aconteceu (~1200 a.C.), é bastante possível que o filho de Abraão tivesse originado um enorme clã no noroeste da península arábica. 

Os midianitas eram culturalmente bastante aparentados com os amorreus e os moabitas. Tinham uma religião de múltiplos deuses aos quais se ofereciam fezes para adivinhação e crianças em sacrifício (Qemosh ou Baal-Qemosh), sacrifícios de animais (Baal) e ritos de fertilidade (Astarte).

No entanto, a Bíblia relata que entre esse povo também haviam hebreus, pois Moisés habitou em Midiã quando fugiu do Egito, e lá encontrou uma tribo que identificou como “seu povo” por volta de 1550 a.C. Jetro, sogro de Moisés, era um sacerdote midianita, embora não saibamos a qual deus ele se devotava (Ex 2.15-3.1). O parentesco cultural certamente favoreceu muito a disseminação dos deuses de Moab e Babilônicos entre os israelitas.

AMORREUS

Os amorreus eram um povo antigo, também chamado Mar-tu, que migrou para as terras férteis entre os rios Tigre e Eufrates por volta do ano 2400 a.C. A causa dessa migração foi uma seca prolongada, que destruiu os campos próximos ao Golfo Pérsico em 2200 a.C. Quando invadiram as terras onde viviam os Sumérios em suas grandes cidades, os amorreus foram identificados por eles como selvagens e ignorantes:

Os Mar-tu que não conhecem nenhum grão… Os Mar-tu que não têm nenhuma casa, nem cidades, os animais das montanhas... Os Mar-tu que escavam trufas... que não cultivam a terra, que comem carne crua, que não têm casa durante a sua vida, que não são enterrados após a morte... (inscrição suméria)

Apesar de ignorantes, eram um povo de homens “grandes e fortes como cedros” (Am 2.9) e numerosos, o que obrigou os reis sumérios a construírem uma muralha de 300 Km a fim de os manter fora do seu espaço. No entanto, a Suméria vinha sofrendo seguidos ataques do reino vizinho de Elam, de forma que muitos líderes locais sumérios acabavam perecendo nos ataques, quando então os amorreus invadiam as terras e instituíam seus próprios reis ali. Entre 2000 e 1600 a.C., os amorreus governaram o que restou da Suméria e fundaram a Babilônia. Eles foram particularmente rápidos em absorver a cultura suméria, conseguindo apoio popular com a extinção do trabalho escravo e a organização do 1º código de leis (não divinas) escritas conhecido em 1790 a.C. Desse código faziam parte as punições por falso testemunho, roubo, estupro, ajuda a fugitivos e a Lei de Talião: “olho por olho, dente por dente”.

Em sua expansão, os amorreus espalharam-se pelas terras ao norte do rio Arnon, tendo ao sul o reino de Moab. A partir de 1500 a.C., os amorreus começaram a estender-se para além do Jordão, buscando o apoio dos israelitas em Canaã. Nesse período, o único código escrito de leis dos hebreus eram os ensinamentos de Moisés. Não havia, entretanto, um sistema legislativo eficiente que assegurasse o cumprimento dessas leis. Junto com seu sistema "mais organizado" de leis, os amorreus traziam para as terras dos israelitas o culto de Baal e Asherá, seus deus e deusa responsáveis pela fertilidade da terra. 

Os amorreus eram provavelmente conhecidos por suas magias de cura como usar ovos de grilo para curar dores de dente, dentes de raposa viva para ficar acordade e de reposa morta para dormir, etc. Diversas superstições como essa são relatadas no Talmude (Gemara IX). Seduzidos por magias de cura e fertilidade dos campos, além de uma organização legislativa e de poderes estatais, os israelitas acabavam rendendo-se a Baal. De fato, Baal era extremamente popular como deus agrícola, de forma que muitos israelitas dos campos renderam-se ao seu culto, entre eles Joás, o pai de Gideão, e todos os seus vizinhos.

AMALEQUITAS

A Bíblia afirma que esse é o povo mais antigo da terra (Nm 24.20), habitando a terra de Havillah, uma região montanhosa na Península Arábica. Hoje trata-se de um terreno desértico, mas que deve ter contado com diversos rios alguns milênios atrás, quando o Oriente Médio era mais úmido.

Os amalequitas eram provavelmente um povo nômade e guerreiro aparentado com os amorreus, com os quais se uniram durante a consolidação da Babilônia. Quando Canaã é invadida pelos midianitas, esses chegam junto com os amalequitas para saquear as terras dos hebreus (Jz 6.3).

O parentesco com os amorreus é revelado no significado da palavra Amaleque, que vem do árabe Imlik (عملاق) ou Al-malik, que significa “gigante”. Assim como os amorreus, é provável que se tratasse de um povo com grande estatura, aos olhos dos israelitas. Como nômades, sua cultura certamente parecia extremamente “selvagem” aos israelitas e seriam, a exemplo dos amorreus, “um povo que não conhece grão algum nem enterra os seus mortos”.

Desde a chegada dos hebreus a Canaã por volta de 1500 a.C. até o fim do período de Juízes, quando Saul foi eleito rei (1050 a.C.), os amalequitas peregrinaram pelo território entre Havillah (na península arábica) até Sur (norte do Sinai), diversas vezes atacando as cidades e acampamentos dos israelitas. 

Então disse o SENHOR a Moisés: Escreve isto para memória num livro, e relata-o aos ouvidos de Josué; que eu totalmente hei de riscar a memória de Amaleque de debaixo dos céus (Ex 17.14).

Era uma maldição terrível! Alguns séculos depois, um ataque fulminante do rei Saul sobre os amalequitas capturou seu rei (Agag) e ele foi morto pelo próprio profeta Samuel (1Sm 15). Por ter desobedecido o Senhor e trazido espólios do acampamento amalequita (inclusive o rei Agag, que Saul desejava ter como escravo), Saul teve a Graça retirada do seu reinado. Com Deus não se brinca: pouco tempo, o pastor Davi ocuparia seu lugar no trono.

A BATALHA DE GIDEÃO

Na função de Pai, por não menos de 15 vezes foi necessário dar “palmadas” no povo para que se lembrassem de ouvir ao Senhor. Com Gideão não foi diferente: Israel se afastou do Senhor, os amoritas, amalequitas e amorreus caíram sobre eles, saqueando-os; então clamaram outra vez ao Senhor.

Dessa vez o “anjo do Senhor” apareceu a Gideão, filho de Joás, da tribo de Manassés. O episódio é descrito nos capítulos 6 e 7 do livro de Juízes. Sendo um camponês, Gideão reluta em aceitar uma missão militar, e ainda impossível como essa. O Senhor então ordena: “derruba os altares de Baal”, o que Gideão faz escondido pela noite. Quando o povo se revolta, ele é protegido pelo pai Joás (que havia erguido os altares) e ganha o apelido Jerubaal (que Baal se defenda). Chamado a uma missão militar, Gideão pede que o Senhor realize pequenos milagres para confirmar-lhe a promessa de vitória. Deus não deixa de afirmar-lhe o que já havia dito, que ele expulsaria os invasores de Canaã.

Gideão reuniu 32 000 soldados das tribos de Manassés, Aser, Zebulom e Naftali (Jz 6.35). Mas o Senhor repetidamente mandou reduzir o número de soldados, até que só restaram 300 homens... contra algo como 120 mil adversários. Loucura ou extrema fé.

Ao contrário do que seria dos bravos espartanos no futuro, Deus fez com que a vitória viesse sem perdas do lado israelita. Os inimigos simplesmente apavoraram-se, lutaram uns contra os outros e fugiram, para serem perseguidos ainda pelas outras tribos israelitas que não ingressaram no confronto (ex. Efraim).

Evidentemente, a vitória dos israelitas só aconteceu pelo favor divino. Mais ainda, Deus disse a Gideão que ele levasse apenas 300 homens PARA QUE OS ISRAELITAS NÃO PENSASSEM QUE A VITÓRIA ERA MÉRITO SEU. Talvez os midianitas estivessem em desvantagem no terreno de Canaã, mas certamente o Senhor fazia questão que todos soubessem do papel dele em prover o que precisavam, muito mais que a própria força.

Muitas outras vezes ao longo da Bíblia Ele fez semelhantemente: "peçam a mim", "não tentem fazer por sua força", "não se considerem merecedores", até que Jesus apareceu para nos dar uma lição maravilhosa de humildade, justamente Quem poderia realmente gabar-se de Seu poder.

PAPAI DO CÉU

Curiosamente, todo pai ensina aos filhos como serem independentes, como confiarem cada vez mais em si para conseguir o que precisam. Afinal, um dia deverão LHE suceder. Mas quem irá algum dia suceder ao Senhor?

Talvez isso explique muita coisa! No caso de Gideão, Ele ainda escolheu um sujeito bastante medroso - essa é a palavra perfeita para Gideão, se acompanharmos o que a Bíblia mostra dele - para realizar algo grandioso. Não um valente, ou qualquer um que confiasse em si mesmo, mas justamente aquele que menos confia. Então, por intervenção divina, os midianitas (e talvez todos eles) foram atormentados na noite anterior por um sonho sobre a vitória dos inimigos.

SONHO TERRÍVEL

Chegando, pois, Gideão, eis que estava contando um homem ao seu companheiro um sonho, e dizia: "Eis que tive um sonho, eis que um pão de cevada torrado rodava pelo arraial dos midianitas, e chegava até à tenda, e a feriu, e caiu, e a transtornou de cima para baixo; e ficou caída". E respondeu o seu companheiro, e disse: "Não é isto outra coisa, senão a espada de Gideão, filho de Joás, varão israelita. Deus tem dado na sua mão aos midianitas, e todo este arraial." (Jz 7.13-14)

Não sabemos quanto tempo Gideão levou reunindo soldados, mas isso o tornou conhecido em toda terra de Canaã, dada a menção de seu nome pelo exército midianita. Repare que 32 000 homens é bem mais do que TODAS AS NAÇÕES GREGAS poderiam oferecer contra Xerxes no futuro. E, fazendo a comparação com a situação de Esparta, os midianitas também tinham fome: eles pareciam saquear as vilas de Israel sempre em busca de alimentos, e não escravos, como faria uma nação imperialista (Jz 6.4 e 6.11).

Sonhos podem ser grandes modificadores do comportamento, sejam lembrados ou não. Normalmente, a função do sonho é “remediar” lembranças traumáticas de forma que elas possam ser processadas pelo cérebro quando a pessoa está acordada. Nesse caso, porém, a breve descrição de como os midianitas reagiram lembra a forma como presas reagem diante de um predador, com desespero e confusão. Tal desespero generalizado pode, em muitos casos, se tornar em agressividade desordenada, com ataque a objetos ou até as pessoas mais próximas. Como se o sonho tivesse seu papel invertido... Mas qual o sinal que Gideão deu que despertou essa reação extremada?

Na noite do ataque, nada menos que 120 000 soldados se viram cercados por um exército de tochas nas mãos e tocando trombetas (símbolo de guerra), mas de fato nenhum soldado armado. No pavor de estarem cercados por um exército colossal (pois haviam sempre centenas de soldados para cada trombeteiro e Gideão tinha 300 trombeteiros), os homens desesperaram-se. Trombaram uns com os outros, degladiaram entre si, e no fim fugiram! Tudo dá a entender que os presságios durante a noite anterior tiveram grande participação no pânico entre os midianitas.

Fica um ensinamento valoroso:

[Filho meu,] Quando te deitares, não temerás; ao contrário, o teu sono será suave ao te deitares. Não temas o pavor repentino, nem a investida dos perversos quando vier. (Pv 3.24-25)

PODE LÊ, LÊ SIM Ó

Babilonian Talmud, Regulations concerning what garments (serving as ornaments) women go out with on the Sabbath, Mixná IX.