Narciso, que morreu apaixonado por si mesmo.
pintura de Michelangelo Merisi da Caravaggio, Itália - clique na foto para ampliar
O AMOR SEGUNDO ROSANA BRAGA
Rosana é palestrante, jornalista, consultora em relacionamentos e autora de livros.
Por que tantas pessoas reclamam que fazem todas as vontades do outro e não são valorizadas por isso? Você também já deve ter ouvido alguém contar (porque eu já ouvi várias vezes) sobre o fato de ter dado o melhor de si num relacionamento e, mesmo assim, ter-se dado mal.
Em geral, a queixa de homens e mulheres "bons demais" é a seguinte: "fui muito dedicado, fiz tudo o que o outro quis e não fui reconhecido. Estou cansado de me doar completamente nos relacionamentos e sofrer. Não entendo por que as pessoas dizem que querem encontrar alguém legal e, quando encontram, simplesmente não dão valor"... e por aí segue a descrição de uma dor que é realmente dilacerante, mas cujos motivos não são bem esses relatados!
Acontece que pessoas que se doam demais, que fazem tudo o que o outro quer são aquelas que, muito frequentemente, ainda não se deram conta da enorme importância que sua individualidade tem na relação. Ainda se equivocam ao acreditar que para serem amadas precisam ceder sempre, aceitar tudo e simplesmente se anular em função dos desejos da outra pessoa. Enganam a si mesmas acreditando que agem por amor.
Quem nunca se coloca, quem muito pouco discorda do outro, quem quase nunca expressa uma vontade que seja adversa, não faz isso por amor e, sim, por insegurança, por medo de que o outro não tolere ser contrariado e o deixe. Ou seja, estamos falando de uma auto-estima fragilizada, que precisa ser resgatada, alimentada e, sobretudo, auto-reconhecida.
É preciso que essas pessoas percebam que existe uma sutil diferença entre dar o melhor de si e se perder, perder sua própria referência num encontro de amor. Quem vai deixando de mostrar o que incomoda, quem vai deixando de falar sobre o que desagrada, vai se identificando e se misturando com o outro a ponto de se tornar uma espécie de reflexo dele. E convenhamos: se realmente fosse bom se relacionar com o reflexo da gente, casaríamos com o espelho de casa e seríamos felizes para sempre. Mas ninguém quer isso! Embora a gente procure semelhanças e gostos parecidos no ser amado, queremos e precisamos das diferenças para que o relacionamento cresça, amadureça, engrandeça os dois. Admiramos o que é diferente de nós, aquilo que pode nos transformar em alguém melhor; queremos conquistar o que nos parece um tesouro que ainda não temos.
Porque, de verdade, quem vive uma série de relacionamentos e sai delas com a sensação de quem nunca é valorizado, certamente está perdendo sua identidade, está se transformando numa companhia sem atrativos, exatamente porque decidiu (na maioria das vezes inconscientemente) ignorar seus predicados para enaltecer somente os predicados do outro. E assim, foi perdendo seu brilho, seu encanto, sua singularidade e também abandonando as características que, paradoxalmente, atraíram a pessoa amada...
Se você tem sofrido e se sentido injustiçado por ser "bom demais" e não receber em troca nem o amor que achava que merecia por tanta compreensão e dedicação, sugiro que comece a olhar um pouco mais para si e se perguntar: "o que eu realmente quero?", mesmo que o tema seja simplesmente escolher o sabor da pizza.
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O AMOR SEGUNDO BURRHUS FREDERIC SKINNER
Skinner propôs uma nova teoria do comportamento para entender as inter-relações entre a filogenética, o ambiente (cultura) e a história de vida do indivíduo.
Existe, sem dúvida, um elemento reforçador no amor. Tudo o que os amantes fazem, no sentido de ficarem juntos ou de evitarem a separação, é reforçado por essas conseqüências e é por isso que eles passam juntos o maior tempo possível. Descrevemos o efeito privado de um reforçador quando dizemos que ele “nos dá prazer” ou “faz com que nos sintamos bem” e, nesse sentido, “Eu o amo” significa “Você me dá prazer ou me faz sentir-me bem”. Mas, as contingências responsáveis pelo que é sentido devem ser mais analisadas.
Os gregos tinham três palavras para amor, e elas ainda são úteis. EROS é usualmente empregada significando amor sexual e dela, sem dúvida, em parte deriva a palavra erótica. Essa é aquela parte do fazer amor que deriva da seleção natural; nós a compartilhamos com outras espécies. Várias formas de amor parental também são devidas à seleção natural e são igualmente exemplos de eros. Chamar o amor materno de erótico não é o mesmo que chamá-lo de sexual. Fazer amor erótico é uma conexão genética, porque a suscetibilidade ao reforçamento por contato sexual é um traço evolutivo. Variações que fizeram com que certos indivíduos se tornassem mais suscetíveis terão aumentado sua atividade sexual e, por conseguinte, sua contribuição para o futuro da espécie. Em muitas outras espécies, a tendência genética é a mais forte. Rituais de corte e estilos de cópula variam pouco de indivíduo para indivíduo e, geralmente, são relacionados a tempos ótimos para concepção e às melhores estações para se cuidar do recém-nascido. No Homo sapiens predomina o reforçamento sexual, que permite muito maior freqüência e variedade de formas de fazer amor.
PHILIA refere-se a um tipo diferente de conseqüência reforçadora e, portanto, a um estado diferente a ser sentido e denominado amor. A raiz phil aparece em palavras como filosofia (amor à sabedoria), filatelia (amor a selos postais), mas outras coisas são amadas da mesma maneira, sem que a raiz phil seja empregada. As pessoas dizem “amo Brahms”, quando têm inclinação a ouvir suas obras, talvez tocá-las, ir a concertos onde são executadas, ou ouvir gravações. Pessoas que “amam Renoir” tendem a ir a exposições de suas obras ou a comprá-las (que lástima, usualmente reproduções...) para poderem ficar olhando para elas. Pessoas que “amam Dickens” tendem a adquirir seus livros. Dizemos a mesma coisa sobre lugares (“Eu amo Veneza”), assuntos (“Eu amo astronomia”), personagens de ficção (“Eu amo Daisy Miller”), tipos de pessoas (“Eu amo crianças”) e, com certeza, amigos, em relação a quem não temos nenhum interesse erótico. Às vezes é difícil distinguir entre eros e philia. Pessoas que “amam Brahms” podem relatar que ouvem ou tocam suas peças quase eroticamente, e fazer a corte e amor, às vezes, praticado como formas de arte.
Se podemos dizer que eros é, primariamente, uma questão de seleção natural, e philia, de condicionamento operante, então ÁGAPE significa um terceiro processo de seleção: evolução cultural. Ágape deriva de uma palavra que significa ser bem-vindo ou, como define o dicionário, “ser recebido com alegria”. Ao demonstrar que estamos contentes quando uma pessoa se une a nós, reforçamos a união. A direção do reforçamento é invertida. Não é o nosso comportamento, mas o comportamento daquele que amamos, que é reforçado. O primeiro efeito é sobre o grupo. Ao demonstrar que sentimos prazer pelo que outra pessoa fez, nós reforçamos o fazer, e assim fortalecemos o grupo. A direção do reforçamento é também invertida em eros se a maneira pela qual fazemos amor é afetada por sinais de que nosso amante sente prazer. E também invertida em philia quando nosso amor por Brahms assume a forma de fundar ou formar uma sociedade para a promoção de suas obras, ou quando demonstramos nosso amor por Veneza, contribuindo para um fundo destinado a preservar a cidade. Nós igualmente demonstramos uma espécie de ágape quando honramos heróis, líderes, cientistas e outros, de cujos feitos nos beneficiamos. Dizemos que “os veneramos” no sentido etimológico de proclamar seu valor. Quando dizemos que os veneramos, o vem deriva do latim venus, que significa qualquer tipo de coisa prazerosa. Veneração é a palavra mais comum quando falamos de amor a Deus, para o que o Novo Testamento usou ágape.
É necessário que elucidemos a direção reversa do reforçamento, especialmente quando ele exige sacrifício. Podemos agir no sentido de agradar um amante, porque nosso próprio prazer é aumentado, mas por que deveríamos fazê-lo quando isso não ocorre? Podemos promover obras de Brahms ou ajudar a salvar Veneza, porque assim temos mais oportunidades de desfrutá-los, mas por que haveremos de fazê-lo se não
pudermos aproveitar? As principais conseqüências reforçadoras do ágape são, de fato, artificiais. Elas são inventadas por nossa cultura, e inventadas sobretudo porque é exatamente o tipo de coisa que fazemos nessas circunstâncias que ajuda a cultura a resolver seus problemas e sobreviver.
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Antes que você se pergunte porque esses dois textos "profanos" estão aqui, saiba que, se você pôde compreendê-los (e pior, se gostou deles) é porque eles falam de algo que o seu coração conhece. Também, não é meu propósito falar do amor entre pessoas, mas do amor DAS PESSOAS para com Deus. É um tanto diferente do que a Bíblia conta, que é o amor DIVINO para com os homens...
É possível que você já tenha expressado para com Deus o amor descrito pela Rosana, dedicando todas as suas energias para SER COMO DEUS, para imitá-Lo de todas as formas como o seu conhecimento permita (ah sim, se alguém imita Deus e a gente não concorda com a representação, em geral dizemos que o coitado é ignorante - ou pelo menos mais ignorante do que nós mesmos). Imitar a Deus em geral significa repetir nas atitudes diárias as cenas bíblicas como batizar, chutar comerciantes na porta dos templos, repartir um pão na mesa (com vinho?!), banir demônios, etc. Já houve até quem quisesse ser crucificado (e quem quisesse crucificar o outro, então!). Imitar o Deus do VT em geral acarreta passar uns tempos no hospital psiquiátrico, mas tem quem faça. E como contou a Rosana, muitas vezes ocorre de isso estragar a relação, isto é, você se cansar de ser Deus e na melhor das hipóteses se tornar um "desviado" ou (já ouvi isso) "caído". Por livre espontaneidade, de repente aquele CRENTÃO passa a beber, freqüentar festas DO MUNDO, andar com gente IMPURA, etc. Como isso é possível, as pessoas da comunidade perguntam?
Uma coisa interessante é dita no texto da Rosana: Deus não se apaixonou por você (ora, olha o que Ele fez e faz para te conquistar) querendo achar um outro Deus. Ele inclusive sempre expressou o quanto se indignava quando os homens achavam outros deuses para cultuar! Mas então, você não deveria tentar imitá-lo? Ele simplesmente não pediu isso. No livro de João, o apóstolo relata Jesus dizendo que quem o ama GUARDA SUAS PALAVRAS (Jo 14), e o próprio João começa o livro chamando Deus de O VERBO - verbo é uma ação que pode ser contada. Não está no poder de ninguém SER Jesus, mas podemos obedecê-Lo. Isso já não é simples: segundo muitas opiniões, obedecer Ele depende da vontade Dele! Obedecer Jesus é colocar Deus acima de tudo (Jesus cita colocar até acima de pai e mãe) e amar ao próximo (João de Patmos é específico em falar sobre a justiça de amar e Tiago depois é claro em dizer sobre ajudar os necessitados). De qualquer forma, é uma atitude de vida com relação a Deus e algumas ações práticas com relação AO OUTRO. Talvez o crentão do parágrafo acima nunca tenha sido muito cristão afinal, quando tentava imitar a Deus (e Deus o amou assim mesmo), e talvez não tenha piorado em nada ao mudar suas atitudes.
Talvez seja mais interessante pensar em O QUE fez Deus te amar, e daí é onde vamos parar no texto de Skinner. As Observações de Skinner (segundo ele mesmo) são baseadas no comportamento humano, assim não tentaria estendê-las a Deus. Para começar, Skinner fala de diversas palavras gregas para o amor, que foram usadas pelos autores bíblicos, embora tenham se perdido em traduções como para o português: phileo (φιλω) e agapao (αγαπας). Eros não é usado na bíblia: evolutivamente falando, se os sexos opostos se amam, ou se uma mãe ama o filho, há maior chance de preservar a espécie - mas Deus não nos ama querendo preservar sua raça. Quem assistiu filmes como Merlin (Merlin's Apprentice, 2006, diretor David Wu) ou Imortais (Immortals, 2011, diretor Tarsem Singh) viu coisas bem diferentes, como deuses PRECISANDO da fé humana para manter suas divindades. Cronologicamente, o Homem talvez nem fosse imaginado por Deus antes de Gn 1.26.
Philia aparece com a pessoa afirmando a si mesma através de outro, ou até algo. Uma tradução possível para philia é "beijar". Se você gostou dos textos acima - se você os beijou de alguma forma - eles falam de você. Pedro usa philia quando responde a Jesus:
"Simão, filho de João, amas-me (αγαπας) mais do que estes? Respondeu-lhe: Sim, Senhor; tu sabes que te amo (φιλεις)." (Jo 21.15)
Jesus não ficou contente com a resposta de Pedro. Em outras palavras, Pedro ama Pedro (e Jesus é uma ferramenta para isso). Curiosamente, com Jesus, o conceito é outro: Jesus ama Pedro (Ele é ferramenta do bem de Pedro). Na relação nossa com Deus, é muito mais fácil termos philia por Ele (assim amando a nós mesmos com Ele por instrumento disso) do que ágape (e como poderíamos ser ferramentas do bem de Deus?).
Quando Moisés deixou o povo no deserto de Sinai, subiu o monte (Ex 19) e se demorava, Arão correu a arrumar outro deus - "Levanta-te, faze-nos um deus que vá adiante de nós" (Ex 32.1) - que lhe trouxesse benefícios (imáginário, vejam só: era uma estátua de madeira laminada com outro, como faziam os egípcios). Moisés havia feito certa vez uma serpente de bronze e mais tarde também "Ezequias ... despedaçou a serpente de bronze [Neustã] que Moisés fizera porquanto até aquele dia os filhos de Israel lhe queimavam incenso" (2Rs 18.4). Então uma estátua de cobre também pode ser percebida como deus? Santa imaginação!!! Porque as pessoas cultuariam um objeto que nada lhes faz? Com philia tudo é muito fácil: você SE ama e usa o objeto/pessoa como intermediário disso. É como SE presentear no dia do aniversário, ou convidar para a comemoração quem você supõe que vá LHE trazer presentes. A pessoas não precisam fazer muito (basta não atrapalhar) e o objeto de fato faz nada.
Quando Jesus define o que faz aquele que o ama (Jo 14.21), ele usa a palavra αγαπων. Quando Ele diz "... e eu o amarei", Ele usa αγαπησω. São conjugações diferentes do mesmo verbo: para Jesus, só existe o ágape! Adivinhe as palavras que Ele usa quando dita os Seus mandamentos:
Mc 12.30-31. Amarás (αγαπησεις), pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás (αγαπησεις) o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes.
Pois bem, então amar a Deus - pelo menos da forma como Jesus ensinou - não significa buscar o bem próprio, mas o bem de Deus e do próximo (a parábola do Bom Samaritano em Lc 10 define bem quem é o "próximo"). Significa, talvez, uma forma de amor bem diferente da que temos praticado, com muito menos rigores e regras, muito menos preocupação em SE beneficiar e principalmente mais objetivos. Quando estava aqui andando de um lado para outro, Jesus quis que os homens o seguissem física- e "andanticamente" falando, para que ouvissem Seus ensinamentos. Hoje, no entanto, isso não faz sentido algum (caminhar pelo Oriente Médio não te levará para mais perto de Deus - na Idade Média, isso era muito menos claro), e você certamente conhece os ensinamentos Dele sem ter andado muito para isso.
Não seria hora de praticá-Los?
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