quarta-feira, 23 de maio de 2012

Santo dorminhoco, Batman !

Personagens que dormiram longamente - Capitão América : resultado de um experimento para produzir super-soldados, ficou preso no gelo após salvar o mundo na 2ª Guerra, sendo encontrado nos dias atuais. Fry : fruto da mente que também criou os Simpsons, esse entregador de pizzas caiu em uma câmara criogênica no ano 2000 e lá ficou até o ano 3000, para encontrar uma Terra povoada de híbridos humano-alienígenas e robôs. Lion : partindo com uma tripulação do planeta Thundera, habitado uma raça de felinos humanóides, ficou adormecido durante os muitos anos de uma viagem interplanetária até o 3º Mundo, uma metáfora da Terra.

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Salmo 127 - cântico dos degraus, de Salomão¹
v2. Inútil vos será levantar de madrugada, repousar tarde, comer o pão de dores, pois assim dá ele aos seus amados o sono.

Você já teve vontade de conhecer o futuro, quero dizer, um tempo que você não verá com a longevidade normal das pessoas? Talvez falar com um descendente remoto seu... E se um dia você dormisse como sempre faz, indo acordar tranqüilo (e sem envelhecer) muitos anos no futuro?

Na ficção, esse recurso já foi bastante usado. Só para lembrar, alguns dorminhocos famosos que visitaram o próprio futuro são Branca de Neve, a Bela Adormecida, Lion (lembra dos Thundercats?), Fry (para quem conheceu o desenho Futurama, de Matt Groening), John Spartan (Silvester Stallone, em Demolidor), o menino Engi (o avatar, que não é azul nem grandão, mas sim o último dobrador de ar e de tudo mais) e recentemente (!) o Capitão América. Os autores dessas personagens se valeram de recursos antigos, dos quais a Bíblia mesmo (quase) participa, ou pelo menos já participou.

O Salmo 127 sugere que Deus concede a tranqüilidade e o sono àqueles quem Ele ama, garantindo seu sustento independentemente de quanto trabalham ou se esforçam. A idéia parece ser que temos o nosso bem e o nosso mal providos unicamente por Deus, sem nenhuma força de merecimento, mas como parte do plano Dele unicamente. De fato, no livro de Jó vemos um homem que teve muito, e também muito pouco, simplesmente porque o Senhor assim quis, e não porque ele tenha merecido isso.

No século 5, quando pregadores cristãos perambulavam por uma Europa de paganismo local misturado aos deuses romanos, uma interpretação curiosa desses versos surgiu. E ela revelou que se tratava de algo bem mais antigo.  E se Deus fizesse alguém dormir por muito tempo, assim como as personagens acima? Seguem algumas estórias a respeito dos dorminhocos que Deus teria produzido:

OS SETE NA CAVERNA
supostamente ocorrido em 622 d.C.

Durante a perseguição dos cristãos pelo imperador Décio (249-251 d.C.), sete jovens de Éfeso se recusaram a sacrificar aos deuses pagãos como o imperador ordenara, e foram denunciados. Quando chegou à cidade, Décio deu ordens para que fossem presos, mas ele se esconderam em uma caverna próxima dali, pedindo a Deus que os guardasse. Os jovens adormeceram lá dentro e seus espíritos foram até o paraíso, enquanto um anjo guardou seus corpos. Sem encontrar eles, o imperador mandou que a entrada da caverna fosse fechada.

Muito tempo depois, quando a era pagã já havia acabado, um homem procurando pedras para construir sua casa acabou utilizando as pedras que fechavam a entrada. A luz entrou e acordou os jovens, como se apenas houvesse amanhecido. Quando acordaram, pensavam ter dormido por uma noite e mandaram um dos seus, Jâmblico, ao mercado da cidade para comprar pães. Quando chegou à cidade, tudo parecia estranho: os edifícios eram outros, o povo falava livremente sobre Jesus e cruzes estavam gravadas nos portões da cidade. Ele não podia acreditar que era Éfeso!

As moedas que ele levava não serviam mais, e muitos comerciantes pensaram que ele houvesse achado um antigo tesouro. Levaram-no ao bispo da cidade, para quem ele afirmou ser filho de uma das famílias governantes, mas que não reconhecia mais ninguém ali. Quando perguntou sobre o imperador Décio, as pessoas acharam que estivesse louco. Décio morrera havia 372 anos !

O bispo foi levado até a caverna e, vendo que a história era verdade, chamou o próprio imperador Teodósio (379-395 d.C.). Quando esse chegou, disse que construiria um santuário ali na caverna, mas o jovem explicou que aquilo ocorrera apenas para provar a verdade sobre a ressurreição. Ele se deitou junto com os amigos e então morreram. O aparecimento dos jovens tornou-se data de uma festa eclesiástica que o imperador instituiu. Todos os que viram os jovens agradeceram a Deus pelo milagre, e a gruta tornou-se um local muito visitado por peregrinos nos séculos seguintes.

Obs: é um mistério do universo que a data de aparição dos jovens em 622 d.C. de fato não condiga com o reinado de Teodósio, ou mesmo de seu filho Teodósio II. Mais incrível ainda é o fato de a estória ser registrada pelo historiador sírio Jacob de Sarug (450-521 d.C.), antes mesmo de ter acontecido, segundo os números dos anos contidos nela. Se algo é verdade nisso, o período que os jovens dormiram não pode ser superior a 130 anos!

Na época de Teodósio, haviam rivalidades sobre o conceito de ressurreição, que envolviam a política da Igreja. Stephen, o bispo de Éfeso, por exemplo, havia usurpado o posto de seu predecessor após trancá-lo numa prisão. Cogita-se que alguém tenha encontrado alguns corpos preservados numa caverna (o que de fato é comum na região) e que o bispo e Teodósio tenham criado toda a lenda para dar um caráter "divino" às suas concepções, justificando o posto de Stephen com a construção de um santuário.
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A LENDA DE EPIMÊNIDES
600 a.C.

Epimênides era um nativo de Cnossos que vivia em Creta. Pelo cabelo comprido, ele não se parecia com um cretense. Um dia, seu pai o mandou às terras do interior da ilha para procurar uma ovelha perdida. Era meio-dia e fazia muito calor, assim ele desviou-se do caminho e foi cochilar em uma caverna ... onde passou 57 anos adormecido.

Quando acordou, ele pensou que se passara pouco tempo e continuou em busca da ovelha de seu pai. Não a podendo encontrar, voltou à fazenda e encontrou tudo mudado, com outro proprietário ali. Perplexo, ele foi à cidade e lá, ao entrar em sua própria casa, ele encontrou pessoas que não conhecia, querendo saber quem ele era.

Finalmente, encontrou o seu irmão mais novo, agora um homem velho, que lhe falou toda verdade. Epimênides tornou-se famoso em toda a Grécia e foi dito que ele era especialmente querido pelos deuses.

* Havia outras estórias sobre Epimênides, fazendo dele uma espécie de super-herói grego, ou algum tipo de shaman. Contava-se sobre ele curar cidades inteiras, ser um poderoso oráculo, deixar o próprio corpo e voltar, ter entre 157 e 299 anos de idade, possuir uma astúcia miraculosa. etc.
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EBED - MELECH
retirado do Paralipomena Jeremiae cap. 5

  1. Abimeleque foi buscar figos e, descendo de uma árvore, sentou-se à sua sombra para descansar. E inclinando a cabeça no cesto de figos, ele adormeceu e dormiu por sessenta e seis anos, e ele não foi despertado do seu sono.
  2. Depois desse tempo, ele acordou e disse: "Eu ficaria feliz em ter dormido um pouco mais, minha cabeça está pesada porque eu não dormir o suficiente"
  3. Quando ele descobriu a cesta de figos, ele encontrou-os pingando sua seiva leitosa
  4. E ele disse: "Eu quero dormir um pouco ainda, minha cabeça está pesada.
  5. Mas tenho medo de adormecer e se acordar muito tarde, Jeremias, meu senhor, terá uma opinião ruim de mim. Se ele não tivesse pressa, não teria me enviado de madrugada a buscar esses figos.
  6. Vou levantar e continuar no calor e ir depois onde não há calor, nem se trabalha todos os dias."
  7. Então ele se levantou, tomou a cesta de figos e colocou-a sobre os ombros. E ele entrou em Jerusalém, mas  não reconheceu o local, nem a casa ou sua própria família, e ele disse,
  8. "Bendito seja o Senhor, que enviou para um transe sobre mim: Esta não é a cidade.
  9. Eu me perdi do caminho porque vim pela trilha da montanha, quando acordei do meu sono.
  10. Minha cabeça estava pesada porque eu não dormi o suficiente, então eu perdi o meu caminho.
  11. Esta é uma coisa espantosa para dizer a Jeremias, "Eu perdi meu caminho.""
  12. Ele saiu da cidade e quando ele olhou atentamente, viu os marcos da cidade e disse: "Na verdade, esta é a cidade, mas eu perdi meu caminho."
  13. Novamente voltou e procurou, mas não encontrou ninguém do seu próprio povo.
  14. E ele disse: "Bendito seja o Senhor, que enviou um transe grande sobre mim."
  15. E mais uma vez ele saiu da cidade, e lá permaneceu resmungando, pois não sabia para onde ir.
  16. Baixando a cesta, ele disse: "Vou ficar aqui, até que o Senhor tire esse transe de mim."
  17. E, enquanto ele estava sentado, viu um velho chegando do campo. Abimeleque disse a ele: "Eu te pergunto, meu velho, que cidade é essa?" E ele lhe disse: "É Jerusalém."
  18. E Abimeleque disse: "Onde está a Jeremias, o sacerdote, e Baruque, leitor, e todas as outras pessoas desta cidade? Eu não posso encontrá-los."
  19. E o velho disse a ele: "Você é daqui, não é?
  20. Você se lembrou de Jeremias, está perguntando sobre ele depois de tanto tempo.
  21. Jeremias está em Babilônia com o povo, pois eles foram levados cativos pelo rei Nabucodonosor, e Jeremias está com eles para lhes anunciar a boa nova e ensinar-lhes a palavra."
  22. Assim que ouviu isso do velho, Abimeleque disse:
  23. "Se você não fosse um homem velho, e se não fosse impróprio censurar uma pessoa mais velha que a si mesmo, eu iria rir de você e dizer que você é louco, porque você diz  "foram levados cativos para a Babilônia."
  24. Mesmo se as torrentes celestiais tivessem carregado eles, não haveria tempo tempo para ir até a Babilônia.
  25. Quanto tempo se teria passado desde que meu senhor Jeremias me enviou para a fazenda de Agripa buscar figos para os doentes, para que eu possa dar-lhes?
  26. Eu fui e trouxe-os, e quando me deparei com uma árvore no calor escaldante do dia, eu me assentei para descansar um pouco, encostei a cabeça no cesto e adormeci. Supondo que estava atrasado, quando eu acordei, descobri a cesta de figos e encontrei os figos ainda gotejamento seiva, como eu os tinha colhido. E então você diz que as pessoas foram levadas cativas para a Babilônia?
  27. Você pode ver os figos!"
  28. Ele descobriu a cesta de figos para o velho,
  29. que os viu gotejamento seiva.
  30. E quando os olhou, o velho disse: "Ó meu filho,você é um homem justo, e Deus não quiz mostrar-lhe a desolação da cidade, por isso pôs esse transe em em você. Eis que já foram-se sessenta e seis anos desde que as pessoas foram levadas cativas para a Babilônia.
  31. Você pode ver que é verdade, criança, se olhar para o campo e ver que o crescimento das culturas está apenas começando. Observe também os figos, como seu tempo ainda não chegou, e entenda."
  32. Então Abimeleque clamou em alta voz, dizendo: "Eu te agradeço, ó Senhor, Deus do céu e da terra, do resto das almas dos justos, em todos os lugares."
  33. E perguntou ao velho: "Que mês é esse?" e ele respondeu "Nisan, o décimo segundo dia."
  34. Tomando um pouco dos figos, deu-os para o velho e disse-lhe: "A luz de Deus vai conduzí-lo para a cidade acima, Jerusalém".

O tom de humor do autor é óbvio, mais de 1200 anos depois. O contexto da estória está no próprio Paralipomena Jeremiae, cap. 3: depois que o Senhor havia prometido a Jeremias proteger e salvar Abimeleque antes da destruição de Jerusalém, "até eu trazer de volta as pessoas para a cidade" (3.11), Jeremias enviou Abimeleque para longe com as palavras, "leve uma cesta para a terra de Agripa pela trilha da montanha; traga alguns figos nela e dê aos doentes entre os povos" (3.15). Abimeleque seguiu essas ordens, enquanto Jerusalém foi destruída pelos caldeus.

Na Bíblia existem vários Abimeleques, mas nenhum que se identifique com o personagem acima. Provavelmente se trata de um erro de ortografia sobre o nome Ebed-Melech, eunuco etíope que salva Jeremias de uma cisterna (Jr 38) e depois recebe a promessa "Assim diz o SENHOR dos Exércitos, Deus de Israel: Eis que eu trarei as minhas palavras sobre esta cidade para mal e não para bem; e cumprir-se-ão diante de ti naquele dia. A ti, porém, eu livrarei naquele dia, diz o SENHOR, e não serás entregue na mão dos homens, a quem temes." (Jr 39.16-17).
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O RISCADOR DE CÍRCULOS

1ª versão
Choni viveu pouco antes da destruição do 1º templo. Ele estava numa montanha com operários, e quando começou a chover, ele entrou numa caverna, adormeceu. Choni permaneceu dormindo por setenta anos, durante o que o templo foi destruído e reconstruído pela segunda vez. Quando acordou e saiu da caverna, ele descobriu que o mundo tinha mudado completamente. Onde haviam vinhas, agora estavam olivais, e onde havia olivais agora cresciam outras plantas. Ele perguntava às pessoas: "O que está acontecendo no mundo?" E eles disseram: "Você não sabe o que está acontecendo?" Ele disse: "Não." Eles lhe perguntaram: "Quem é você?" e ele disse: "Choni, o riscador de círculos." Então eles disseram: "Ouvimos dizer que quando você entrasse no pátio do templo, ele seria iluminado." Então ele entrou no pátio do templo, e ele estava iluminado. Ele citou o seguinte verso sobre si mesmo: "Quando o Senhor trouxe do cativeiro os que voltaram a Sião, estávamos como aqueles que sonham" (Sl 126.1).

2ª versão
Um dia, quando Choni estava andando na estrada, ele viu um homem plantando uma alfarrobeira e lhe perguntou: "Quanto tempo leva para esta árvore dar frutos?". O homem respondeu: "Setenta anos". Choni então perguntou: "Tem certeza que você vai viver mais de setenta anos?". O homem respondeu, "Adulto, eu encontrei as alfarrobeiras já plantada nessa terra e, assim como os meus antepassados ​​plantaram estas para mim, também eu plantarei estas para os meus filhos." Então, ele sentou-se para comer e o sono venceu-o. Enquanto ele dormia, uma cobertura rochosa escondeu-o, e ele continuou a dormir durante setenta anos.

Quando acordou, ele viu um homem apanhando frutos da árvore de alfarroba e perguntou-lhe: "Foi você quem plantou esta árvore?" O homem respondeu: "Eu sou o neto dele". Então Choni disse: "Agora tenho por certo que eu dormi por setenta anos!". Choni foi para sua casa, mas ninguém o reconheceu ou acreditava que ele era Choni Ha-Me'aggel, e o mesmo aconteceu de novo quando ele foi para Beth Ha-Midrash: ele não foi reconhecido e, conseqüentemente, não lhe foi dada a honra devida. Isso o machucou tão profundamente que ele pediu a Deus para deixá-lo morrer, e ele morreu.

Obs: Choni (ou Honi) recebeu esse título após riscar um círculo no chão e dizer a Deus que não sairia dali enquanto não chovesse. Na lenda, Choni não só consegue a chuva mas ainda faz exigências a respeito dela, como uma criança importunado o pai. Aparentemente, Honi ha-M'agel viveu no séc. 1 a.C., participando de alguns movimentos messiânico-proféticos da época, depois do que floresceram as estórias sobre maravilhas feitas por ele.
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Como nos livros apócrifos, temos aqui alguns relatos de pessoas extrapolando a Bíblia em função das SUAS crenças ou das SUAS necessidades. Tudo eram muito mais imaginativo, antes de haver imprensa e alguém espalhar os mesmos textos para todo mundo ver. Hoje, curiosamente, a internet também tem se prestado a espalhar versões "pessoais" de muitas obras, que são ditas anônimas ou pelo menos ninguém se importa com sua origem. Temos chapeuzinho vermelhos nas versões terror, infantil, romance, ficção científica, ação, etc. Menos evidente, há também as interpretações, traduções, transliterações da Bíblia nas versões prosperidade, misericórdia, autoridade, graça, revelação, etc.

Que os cristãos futuros (se os maias estiverem errados quanto a 2012, hehe) possam ter uma visão do nosso tempo como algo mais proveitoso que grandes criadores de estórias pessoais com o nome de Deus, e possamos visitar o futuro como boas lembranças ao invés de pessoas que simplesmente dormiram e esperaram o mundo mudar por si próprio.
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¹ Cântico dos degraus - não se sabe o significado exato do termo, no mundo judaico. Podia significar cânticos para a subida em procissão até o Templo ou para ser feito em tons de voz. Na antiga Bizâncio (Roma Oriental), havia a tradição de associar tons de canto gregoriano - chamados degraus - aos dias da semana.

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