- Alguém aí embaixo pode atender o telefone para mim ?
(súbito silêncio)
Havia um texto do Ricardo Vieira sozinho na rua. Ninguém estava olhando, levamos ele para casa. Depois de cozido e assado, ninguém achou ruim.
“Hoje precisamos de uma hiperdemocracia que valorize cada ser e cada pessoa e garanta a sustentabilidade do coletivo que é a geosociedade nascente”, escreve Leonardo Boff, teólogo. Nessa frase ele tenta encaixar numa estrutura legal o "individualismo de todos", ou seja, cada um cuidando absolutamente de si mesmo. É mais ou menos criar um conjunto de regras que deixe cada um viver por si só e ao mesmo tempo proteja uns dos outros. Sonho? Sim, e um sonho bem mundano.
Ronda uma crise mais profunda do que os problemas financeiros. Não que eles não mereçam respeito, ainda mais aqui no 3º Mundo, mas há coisa pior. Quem já ouviu falar que os ricos têm dinheiro porque ele não está com os pobres já deve ter pensado "Mas não poderiam dar um pouco a quem precisa ?" Será que o camarada com carrão e motorista não poderia tirar da sarjeta aquela senhora e seu filho pequeno? Pelo capitalismo, não pode. Na verdade, a pobreza de uns como ela e seu filho é a razão da riqueza dele. Se ele tirasse ela de lá, estaria mordendo a mão que o alimenta. A sociedade capitalista (ou seja, "do capital") é profundamente individualista. E quanto mais capital, mais individualismo! O Brasil está apenas engatinhando nisso que está muito mais adiantado nos EUA, por exemplo. Aqui, ainda se dá comida (mas não abrigo) a alguém que pede. Noutros lugares, o camarada teria que se ver com a polícia.
A exaltação do individualismo ganhou a forma de credo num monumento diante do majestoso Rockfeller Center em Nova York, no qual se pode ler o ato de fé de John D. Rockfeller Jr: “Eu creio no supremo valor do indivíduo e no seu direito à vida, à liberdade e à persecução da felicidade”. Em finas análises no seu clássico livro “A democracia na América” (1835) o magistrado francês Charles de Tocqueville (1805-1859) apontou o individualismo como a marca registrada da “nova” sociedade.
O direito de “perseguir a própria felicidade” definitivamente ofuscou as pessoas, a ponto de se esquecerem de que não estão sozinhas no mundo. Quando éramos tribo, o chefe estava logo ali. No mundo das corporações que se conversam por fibras óticas e pais que mal vêem os filhos crescerem, quem é o chefe? O individualismo teve que aceitar rédeas quando se falou em direitos sociais. Era a lei tomando a função do coração, e ele foi ficando preguiçoso... Primeiro deu toda a responsabilidade ao Estado, que resolveu eliminar a tiros toda fonte de discórdia. Depois o coração, arrependido, mas ainda preguiçoso, deu poder à “busca pela felicidade”. Todos devem buscar a felicidade PRÓPRIA, custe QUEM custar.
Nos EUA, a saúde é basicamente controlada por planos privados. Barack Obama tentou implantar um projeto social de saúde para todos os estadounidenses e medidas coletivas para limitar a emissão de gases de efeito estufa. Quase afundou sua popularidade ao fazer isso. Como assim EU pagar para que o senhor lá da esquina vá ao médico? Como assim EU deixar de usar o MEU carro porque OS OUTROS estão sofrendo com a poluição? Antes que você torça o nariz para “os americanos”, lembre-se que você também está na América e enumere baixinho as coisas que você faz unicamente para o bem coletivo. Foi rápido, não?
A palavra “nós” está bem desprestigiada. Quase não há mais “nós”, só muitos “eu”. Por isso a necessidade de uma lei que proteja um "eu" do outro, sem que precisem ser amigos. Difícil dizer o que o camarada do lado gosta, o que ele acha importante, o que o deixa triste. Jesus logo percebeu esse olhar estranhado de uns para com os outros: era apedrejar daqui, crucificar dali, açoitar lá, muita gente falando em “nós” para definir o que o próprio “eu” achava melhor. Ele então deu duas instruções simples: primeiro amar a Deus acima de todas as coisas, depois amar ao próximo como a si mesmo. Deixou o “eu” de cada um bem de fora dos seus desígnios. Ninguém pode cumprir as leis Dele sem ser “nós”.
O individualismo se mostra absolutamente inadequado como rumo para o ser humano. Sempre seremos diferentes, querendo coisas diferentes, essa luta não vai acabar assim fácil. Não será hoje que o sujeito do carrão se sentirá igual à senhora na sarjeta, ou não terá que ter muros altos porque todos envolta o consideram um igual. Mas o "nós" precisa acontecer, ou estaremos andando na contramão do que Ele ensinou. E se você não pensa que Ele tem um caminho melhor, pode ler um texto bem mais legal no blog ao lado...
Mas por que o individualismo é tão arraigado? Porque ele está fundado no processo evolucionário humano. Pela auto-afirmação, cada ser defende sua existência. Caso contrário, desaparece. Por outro lado, nunca está só, está sempre enredado numa teia de relações que o integra e lhe facilita a sobrevivência. Isso também está na cartilha de ser humano. São dois extremos, que a intuição manda conciliar. Na política, o “eu” sem o “nós” leva ao individualismo e ao capitalismo. O “nós” sem o “eu” desemboca no socialismo e no coletivismo. Ficar no meio parece bom. Mas quanto ao que entender por "modo cristão de ser", em Patmos o Senhor confessou a João¹ que vomitaria todo aquele fosse morno, que tentasse ficar com um pé aqui e outro lá (Ap 3.16).
Jesus era profundamente coletivista, mas se limitava a pedir pela adesão das pessoas, pois precisava que elas passassem por uma transformação interior primeiro. Ele simplesmente dava tudo que estivesse em seu poder: peixes, pãos, a ceia da Páscoa, o conhecimento, a vida. Depois, Paulo deixou em belas linhas que “sem amor” de nada adiantariam as suas obras (1Co 13). E Tiago reforçou que as obras eram importantes, SE havia amor. Como o Estado opera pela lei e pela força, como "ele" pensa no “povo” que é só palavra e não naquele homem de carne e osso ou naquela senhora sentada com seu filho, até hoje ninguém teve sucesso em implantar esse sistema. E sem amor, nem pode ter. O "povo" não sente dor, não chora. Você pode amar um homem ou uma mulher, mas não um povo sem nome nem sangue nas veias. Jesus fez questão de chamar pelos piores nomes os Fariseus que eram os grandes cumpridores da Lei judaica, porque desviavam ardilosamente a Lei de seu objetivo maior.
A única instrução de Deus quanto ao "eu" é adorar a Ele acima de todas as coisas. Adorar a si mesmo já sai fora desse mandamento. Todos os outros mandamentos da Lei são com relação ao outro, favorecendo-o em detrimento do "eu". Jesus resumiu isso em "amar ao próximo". Claro que não é algo simples de se fazer, erguer a cabeça numa sociedade ensinada dia a dia ao individualismo e simplesmente ajudar sem receber NADA em troca. Não há como isso dar certo pela força ou dedicação, pelas leis ou pela moral. Precisamos de vários milagres para isso.
Eis onde entra Jesus.
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¹ Supostamente o João redator de Apocalipse é o apóstolo João. Deduz-se isso pela dedicação e intimidade dele com o Senhor, mas muitos acreditam ser outro João. Tratava-se de um nome comum e, na verdade, o estilo de escrita é muito diferente em Apocalipse e no livro de João, além do fato de que Apocalipse foi escrito em um grego "mal falado", como de um estrangeiro, enquanto o livro de João usa um grego fluente, como de fato se falava na Galiléia.
Mas por que o individualismo é tão arraigado? Porque ele está fundado no processo evolucionário humano. Pela auto-afirmação, cada ser defende sua existência. Caso contrário, desaparece. Por outro lado, nunca está só, está sempre enredado numa teia de relações que o integra e lhe facilita a sobrevivência. Isso também está na cartilha de ser humano. São dois extremos, que a intuição manda conciliar. Na política, o “eu” sem o “nós” leva ao individualismo e ao capitalismo. O “nós” sem o “eu” desemboca no socialismo e no coletivismo. Ficar no meio parece bom. Mas quanto ao que entender por "modo cristão de ser", em Patmos o Senhor confessou a João¹ que vomitaria todo aquele fosse morno, que tentasse ficar com um pé aqui e outro lá (Ap 3.16).
Jesus era profundamente coletivista, mas se limitava a pedir pela adesão das pessoas, pois precisava que elas passassem por uma transformação interior primeiro. Ele simplesmente dava tudo que estivesse em seu poder: peixes, pãos, a ceia da Páscoa, o conhecimento, a vida. Depois, Paulo deixou em belas linhas que “sem amor” de nada adiantariam as suas obras (1Co 13). E Tiago reforçou que as obras eram importantes, SE havia amor. Como o Estado opera pela lei e pela força, como "ele" pensa no “povo” que é só palavra e não naquele homem de carne e osso ou naquela senhora sentada com seu filho, até hoje ninguém teve sucesso em implantar esse sistema. E sem amor, nem pode ter. O "povo" não sente dor, não chora. Você pode amar um homem ou uma mulher, mas não um povo sem nome nem sangue nas veias. Jesus fez questão de chamar pelos piores nomes os Fariseus que eram os grandes cumpridores da Lei judaica, porque desviavam ardilosamente a Lei de seu objetivo maior.
A única instrução de Deus quanto ao "eu" é adorar a Ele acima de todas as coisas. Adorar a si mesmo já sai fora desse mandamento. Todos os outros mandamentos da Lei são com relação ao outro, favorecendo-o em detrimento do "eu". Jesus resumiu isso em "amar ao próximo". Claro que não é algo simples de se fazer, erguer a cabeça numa sociedade ensinada dia a dia ao individualismo e simplesmente ajudar sem receber NADA em troca. Não há como isso dar certo pela força ou dedicação, pelas leis ou pela moral. Precisamos de vários milagres para isso.
Eis onde entra Jesus.
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¹ Supostamente o João redator de Apocalipse é o apóstolo João. Deduz-se isso pela dedicação e intimidade dele com o Senhor, mas muitos acreditam ser outro João. Tratava-se de um nome comum e, na verdade, o estilo de escrita é muito diferente em Apocalipse e no livro de João, além do fato de que Apocalipse foi escrito em um grego "mal falado", como de um estrangeiro, enquanto o livro de João usa um grego fluente, como de fato se falava na Galiléia.
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