sábado, 18 de abril de 2020

Resposta a Joe - Guia pelo Espírito Santo

Ana Paula on Twitter: "🎨 "The Holy Spirit" (1750s), Corrado ...
O Espírito Santo, pintura de Corrado Giaquinto, por volta de 1750

Joe Omundson, Seven problems in Christianity that killed my faith, www.medium.com, nov/2019

Esse é um texto não tão comum, daqueles que às vezes deixa a gente sacudido. Recomendo ler. Basicamente, Joe enumerou seus 7 motivos para ter transitado da condição de Cristão fervoroso para o Ateísmo. Segundo ele, não foi um impulso e não foi rápido, mas o resultado de seu questionamento quanto a coisas importantes. Pela sinceridade das palavras, acho que cada motivo dele merece uma reflexão. Demorei um tempo sobre cada uma delas e gostaria de expor alguns pensamentos. Pouco a pouco voltarei a esse texto.

1. Guia pelo Espírito Santo

Aqui, em seu 1º item, Joe descreveu como os Cristãos são diversos em seus modos de pensar e agir, não só hoje mas também ao longo do tempo, enquanto a Bíblia afirma que são guiados e instruídos pelo Espírito Santo. Ele argumenta que não há qualquer unidade dentro do Cristianismo que indique uma entidade única guiando as mentes de todos.

Joe está certo quanto à variedade. Existiram movimentos para uniformizar o Cristianismo desde o séc. 2, mostrando que o Cristianismo é bastante capaz em gerar grupos distintos. A diversidade entre os Evangelhos Sinóticos - surgidos a partir das comunidades onde Paulo transitava - e os textos Joaninos - com fortes traços Judeus - já sugere essa diversidade. Geralmente, cada grupo afirma que “os outros”, isto é, aqueles que não são do grupo do autor do texto, não são Cristãos. Tendo surgido entre os Judeus, alguns braços do Cristianismo carregaram essa “vontade de uniformidade” que se baseia no afastamento ou massacre dos diferentes. Tais vertentes ganharam especial força com as alianças entre a Igreja e as coroas Européias. Pelos métodos empregados, que em nada lembram Jesus, acredito que não podemos associar tais movimentos ao Espírito Santo (embora tenham sido chamados assim, na sua época). A variedade dos seguidores de Jesus - pescadores, publicanos, soldados, médicos, fariseus, etc - ainda nos sugere que Ele não se preocupava com uniformidades.

Na verdade, a Bíblia nos diz bem pouco sobre o Espírito Santo. Nos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas), Jesus diz que Espírito Santo revelará o que os discípulos devem falar quando Ele já tiver partido. Em João, Jesus o chama de Consolador que falará acerca Dele. Nos textos paulinos, o Espírito Santo aparece associado com milagres, a instrução de onde ir e a conversão ao Cristianismo. A instrução de Jesus é mais ou menos um “espere e veja”; eu teria de fazer muitas suposições para pensar que isso conduziria à uniformidade. Suposições como sobre haver um jeito correto de ser (que engloba centenas ou milhares de itens - qualquer instrumento de medição da personalidade mostra isso), e um jeito errado, em que as pessoas cabem nessa caixa ou naquela. Os “inspirados” estariam na caixa boa.

Tomo como referência um trecho de Senhor dos Anéis, com uma conversa pitoresca entre o hobbit Bilbo e o elfo Lindir, na cidade de Valfenda. Para quem nunca se interessou pela obra, ela é uma coletânea de lendas vikings onde vários povos se unem contra um espírito maligno e poderoso. Nessa conversa, o elfo comenta sobre um longo poema que Bilbo declamava, descrevendo um herói.

- Não é fácil diferenciar entre dois mortais - disse o elfo.
- Bobagem, Lindir - retrucou Bilbo. - Se você não consegue fazer distinção entre um homem e um hobbit, então seu discernimento é mais pobre do que eu imaginava. São diferentes como ervilhas e maçãs.
- Talvez. Para uma ovelha, as outras ovelhas são diferentes - riu Lindir. - Ou para os pastores. Mas os mortais não são objeto de nosso estudo. Temos outras preocupações.

Lindir não era capaz de diferenciar entre os homens medievais - altos guerreiros, segundo o poema - e os hobbits - bem pequenos, astutos e de vida longa. Lembrei desse trecho porque diferenciar entre duas coisas sempre depende de quantos detalhes levamos em conta. Para o elfo, só importava que eram mortais e ele não era. Não existem duas pessoas iguais, nem duas ovelhas iguais, nem duas maçãs iguais. Mas geralmente não vemos as diferenças entre ovelhas e maçãs. Chamamos as pessoas de Indianos, Alemães, brancos, negros, Cristãos ou pagãos como se fossem iguais. Jesus anuncia o Espírito Santo, mas não define quantos detalhes Ele mudaria nas pessoas. Sabemos que não mudou sua aparência, nem tampouco sua linguagem.

Se pensarmos que há bons exemplos de Cristãos (isto é, pessoas que lembram os modos de Jesus) em todas as culturas e épocas - eu diria até entre os não Cristãos - talvez tenhamos uma visão de que o “espere e veja” de Jesus pode tocar tão poucos pontos quanto os que ele propôs como mandamentos: “Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças ... Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Marcos 12.30,31). Sendo o Espírito Santo um promotor dessas duas simples coisas, que de fato ensinam a agir e testificam de Jesus, talvez mesmo Justino (100-165 d.C., Judéia) e Martin Luther King Jr. (1929-1968, EUA) não parecessem tão diferentes para Ele.

Embora simples, não são duas coisas que se produza facilmente. Amar ao próximo é o sinal mais antigo de civilização humana, evidenciado em esqueletos pré-históricos com fraturas curadas nas pernas: pessoas que não podiam andar ou caçar foram alimentadas e mantidas por seu grupo por pelo menos 1 mês. Embora "amar ao próximo" exista pelo menos há muitos milhares de anos, os Evangelhos são provavelmente os registros mais antigos de uma instrução quanto a amar. Ainda assim, todos vemos hoje exemplos de DESAMOR acontecendo todo dia, da parte de vários Cristãos, inclusive de nós mesmos. Jesus instrui (nos 4 Evangelhos) a amar Deus e ao próximo com toda intensidade, o que os evangelistas escreveram ainda com a palavra αγαπησεις (ágape), usada para o amor incondicional, independente da condição de quem ama.

Quanto seria necessário desse “fruto amoroso do Espírito Santo” para alguém estar na “caixa boa”, dos verdadeiros Cristãos, guiados pelo Espírito Santo? As pessoas são variadas e o ponto de corte é nebuloso. Jesus não instituiu outros juízes além de Si próprio, no final dos tempos. Alguns estudiosos chamam esse “amor puro, intenso” de uma meta a alcançar dentro do Cristianismo. Uma meta que entretanto foi sempre bem menos reforçada do que a uniformidade.

Gosto de pensar que a desautorização de juízes e os critérios simples da Cristandade um dia ajudarão os Cristãos a tratarem com mais amizade uns aos outros e também os não Cristãos. No Concílio Vaticano II (1962), o papa João XXIII disse ‘o que nos une é maior do que o que nos separa’. Se essa é a referência que Joe procurava quanto à guia do Espírito Santo, o critério de unificação pode ser algo bem mais simples do que ele esperava; mas, ao contrário do que João XXIII pensava, talvez não seja algo tão forte na maioria dos Cristãos. Nem Jesus foi motivo tão forte. Infelizmente.

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REMENDOS
Tolkien JRR, O senhor dos anéis a sociedade do anel, 1937, versão digital por Cláudia Tressoldi, www.issuu.com

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