Gustave Doré, O 2º Círculo do Purgatório, segundo a obra “Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Dante escreveu sua obra prima entre 1308 e 1320. Doré produziu suas famosas pinturas (feitas a pena e nanquim) entre 1855 e 1861, quando o 1º volume ilustrado - Inferno - foi publicado. A obra de Dante foi tão influente que sedimentou/estabilizou o entendimento Católico sobre o mundo espiritual. As pinturas de Doré para a obra, no séc. 19, deram uma visibilidade a ela como jamais tivera antes. Nesta cena, as almas dos invejosos padecem no Purgatório, esperando seu perdão para que sigam até o Paraíso. Dante, personagem da própria obra, encontra elas se arrastando pelo chão cobertas com mantos cinzentos e tendo os olhos tapados por rodelas de chumbo.
Joe Omundson, Seven problems in Christianity that killed my faith, www.medium.com, nov/2019
Como disse na parte 1: Esse é um texto não tão comum, daqueles que às vezes deixa a gente sacudido. Basicamente, Joe enumera seus 7 motivos para ter transitado da condição de Cristão fervoroso para o ateísmo. Segundo ele, não foi impulso e não foi rápido, mas resultado de seu questionamento quanto a coisas importantes. Pela sinceridade das palavras, acho que cada motivo dele merece uma reflexão. Demorei um tempo sobre cada uma delas e gostaria de expor alguns pensamentos. Pouco a pouco voltarei a esse texto. Essa é a 2ª parte.
2. Ligação ao pecado
“Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: adultério, fornicação, impureza, lascívia, Idolatria, feitiçaria, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias, e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o reino de Deus. Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei.” (Gálatas 5.19-23)
Joe começa seu 2º tópico citando a famosa passagem da carta de Paulo à Galácia. Os homens, segundo Paulo, estão destinados a seguir o que dita a carne, ou seja, fazer coisas terríveis. O Espírito Santo, por outro lado, seria a força capaz de mudar os homens para outro destino. Joe então pergunta: não deveriam ser os Cristãos as criaturas mais adoráveis dentre a humanidade? Não deveriam ser os não Cristãos homens e mulheres terríveis? Por sua experiência de vida ele descobriu que não é assim e, embora continue fã do que a Bíblia chama de “frutos do espírito”, ele deixou de acreditar que esses ideais precisem de uma divindade para ser desejáveis.
Joe não está errado quanto ao comportamento dos Cristãos. Os Cristãos nunca gostaram muito uns dos outros, nem trataram bem uns aos outros e muito menos outros grupos, ao longo da história humana. Para lembrar isso, temos o extermínio de Muçulmanos e até outros Cristãos nas Cruzadas, os massacres de Judeus na Idade Média, a Inquisição, as alianças da Igreja com ditadores nos séc. 19 e 20, e mais recentemente a exploração financeira promovida pela Teologia da Prosperidade e os casos de pedofilia na Igreja Católica. E ele também não está errado quanto ao bom comportamento de não Cristãos. Ghandi, Jalal ad-Din Rumi, Mikhail Gorbachev, Buda, etc são poucos exemplos de muitas pessoas que certamente seriam bem vistas dentro de Cristianismo por suas ações de amor ao próximo. Exceto pelo fato de não terem sido Cristãos. Oskar Schindler e Nelson Mandela talvez até merecessem entrar nessa lista, por terem feito o contrário do que os Cristãos de sua época faziam.
Uma opção sempre é a de Joe: o Cristianismo está errado, Deus não existe, muitas pessoas vivem uma fantasia. Essa opção resolve suas 7 questões. Mas sinto-me tentado a outro caminho.
Refletindo sobre o que Joe fala, de repente me dei conta de algo terrível. O que é um Cristão? Alguém que segue os mandamentos de Jesus? Alguém que professa acreditar em Jesus como redentor? Alguém que lê a Bíblia? Alguém que vai à Igreja? Alguém que tem visões ou faz milagres? Só um desses ou todos juntos? A Bíblia não dá uma definição do que seria um Cristão.
Se tomarmos a fala de Jesus
“Por seus frutos os conhecereis. Porventura colhem-se uvas dos espinheiros, ou figos dos abrolhos? Assim, toda a árvore boa produz bons frutos, e toda a árvore má produz frutos maus. Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons.” (Mateus 7.16-18)
Então só os abençoados com “frutos do espírito” são Cristãos, e a dúvida de Joe termina com uns poucos Cristãos no mundo (muito menos do que que se autodenominam assim) e todos eles realmente adoráveis, ou pelo menos um pouco adoráveis. Não é difícil ao Espírito Santo ter provido seus dons para [muitas] outras pessoas, que chamamos de não Cristãos. O Espírito sopra onde quer, já dizia Jesus.
Se por outro lado tomarmos os mandamentos de Jesus sobre amar a Deus e ao próximo, talvez tenhamos um número maior; são menos critérios a cumprir. E ainda temos a possibilidade de muitos não Cristãos estarem nesse grupo. O Espírito continua soprando onde quer, dando frutos a quem bem entender. Os Cristãos seriam talvez menos adoráveis um pouco, mas ainda pessoas extremamente dedicadas a fazer o bem para as outras pessoas. Em seus mandamentos, Jesus usa a palavra “ágape”, de amor incondicional.
Paulo diz que “se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10.9). Mas é possível declarar sinceramente o amor a Jesus e agir com desdém ou crueldade. Certamente faziam isso os homens que saíam a arriscar suas vidas, nas Cruzadas, para exterminar cidades do Islã em nome de Cristo. Acredito que a maioria nessas empreitadas não estava mentindo. Mas eu tenho sérios problemas para associar cidades incendiadas, homens atravessados por lanças, mulheres e crianças decaptados, com uma obra de Jesus ou do Espírito Santo. Para não ficar muito distante, coisas bem parecidas ocorreram com as incursões dos Bandeirantes (os evangelizadores brasileiros) nos territórios indígenas. Diversos Bandeirantes acabaram tendo túmulos dentro de igrejas, um sinal claro do reconhecimento de santidade.
Se Paulo estava correto, podemos esquecer os “frutos do espírito” e até o “amor ao próximo” como sinais da Cristandade. O Espírito sopra onde quer, os dá a quem quiser, e isso não tem nada a ver com ser semelhante a Jesus. Joe está esperando demais.
Se, por outro lado, Paulo exagerou na sua fala (ele era humano, se bem me lembro), então ser nominalmente Cristão, mesmo que com toda fé do mundo, também não significa nada. Jesus advertiu que muitos acorreriam a Ele (esses são os Cristãos) sem que Ele os conhecesse (Mateus 7.22,23). Nesse caso, Joe simplesmente está chamando de Cristãos quem Jesus não chamaria assim. Nenhum líder religioso, nenhuma igreja, nenhum batismo e nem mesmo a tua fé serão capazes de dar os “frutos do espírito” e te fazer Cristão - aos olhos Dele, pelo menos. As igrejas, no linguajar dos pescadores, seriam semelhantes a redes com peixes (a parte desejada) e também latas, botas, galhos e até sapos. Talvez o próprio Joe continue Cristão e não saiba.
Lembro de um pastor ensinando a orar para Jesus nos fazer Cristãos. Pareceu pleonasmo. Agora, faz todo sentido.
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LEMBRANÇAS
Pettinger T, People who made a difference, biographyonline.net, jul/2013.
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