Por José Barbosa Junior
Há muito tempo um poeta decidiu escrever sua obra. Poetas são seres mágicos, suas palavras têm o poder de criar mundos. Basta que digam e as coisas acontecem, surgem do nada, ex nihilo, desejos que se transformam em coisas.
Esse poeta criou mundos assim, pela sua Palavra. Bastava dizer e as coisas vinham à existência. Era característica dele o gosto pela criação, e sempre ao final de cada coisa criada Ele via que tudo aquilo era bom... e seguia adiante... criando coisas, seres animados e inanimados, todos belos, até que decidiu encerrar a sua criação. Era hora de escrever a sua obra prima, sua grande ária da magnífica ópera que começava a existir.
Havia um cuidado especial para a criação de seu mais grandioso poema, não bastariam as palavras ao vento, Ele as queria escrever com as próprias mãos, seria diferente, ao invés de simples palavras, barro... e então a obra foi feita, imagem e semelhança dEle. O grande poeta então, ao ver sua obra ali, como imaginava, soprou sobre ela... e a poesia ganhou vida, ganhou palavras novas, ganhou o sopro do criador... inspiração... expiração... vento...
Mais tarde, ao contemplar sua magnífica obra percebeu um ar de tristeza na sua poesia, faltava-lhe algo, faltava-lhe rima, algo que o completasse inteiramente... havia um vazio em meio a algumas linhas e o poeta fez com que sua poesia dormisse, e sonhasse... nos sonhos os mundos também se criam...
Ao acordar de seu sono o poema se viu completo, as palavras agora se encaixavam perfeitamente, e havia sentimentos novos... desejo... amor... coisas que só um poeta entende, e sua poesia também. E assim conviviam bem, poeta e poesia, autor e obra, e da criação passou-se à nomeação das coisas, palavras novas, imaginação, imagem em ação, nomes, palavras, seres... vidas...
Sua obra prima vivia num jardim. Poetas gostam de jardins... sabe que neles as poesias se encontram e festejam a vida que há nelas, entre flores e borboletas, ao som dos grilos e do martelar dos sapos numa noite enluarada.
Mas um dia... um cientista resolveu aparecer para complicar a história. Cientistas detestam poetas e odeiam poesias. Afinal, cientistas são conhecedores do bem e do mal... então o cientista resolveu oferecer ao poema a “grande chance” de deixar de ser poesia e tornar-se uma grande tese acadêmica, afinal a poesia é para os sonhadores, loucos, boêmios, amantes, mas as teses científicas é que dominam o “mercado” e nos dão garantia de sermos deuses, conhecedores de todo o bem e todo o mal.
A poesia cedeu sua beleza e encanto à praticidade do texto científico... houve um borrão no poema original, que perdeu sua essência... tornou-se um texto chato, cansativo, longo demais... textos desses que ninguém consegue entender. Dizem até que num determinado momento tal era a confusão que a tese se dividiu em línguas diferentes, nem ela mesmo se entendia... confusão... babel...
Algo deveria ser feito para se reconquistar a poesia original... mas... o que ?
O Poeta então, em seu amor que lhe faz louco e fraco, resolveu que Ele mesmo se faria poema... como o original, algo tão belo que, ao morrer poesia (e toda poesia traz em si um pouco de morte) apagasse as manchas do primeiro poema e restaurasse a beleza que havia escondida sob os borrões das teses cientificas, sob o conhecimento do bem e do mal.
Os filósofos, que antes eram inimigos dos poetas, chamavam o criador de poemas de Verbo, verbo é a alma do poema, poemas sem verbos são chatos. Imagine um poema sem amar, sentir, chorar, sonhar, ver, ouvir, tocar, cheirar, sofrer...
Pois o Verbo... se fez carne... o Poeta se fez poesia, e mais...se fez criança. Crianças e poesias tem muito em comum... não se levam a sério demais. Brincam com a vida, brindam a vida. Como diria o poeta Rubem Alves: “O natal é um poema. Nele Deus se revela como criança (...) Prefiro o Deus criança. No colo de um Deus criança, eu posso dormir tranqüilo.” Outro amigo das palavras, o poeta/pastor de rebanhos e sonhos, Leonardo Boff confirma essa idéia ao dizer que “Todo menino quer ser homem, todo homem quer ser rei, todo rei quer ser Deus, somente Deus quis ser menino.”
Isto é natal!! Poesia, amor, canção... tudo embalado e regido por uma criança... deixai vir a mim os pequeninos porque dos tais é o reino da poesia. Deus é o poeta... nós somos o poema... Jesus é o poeta-poema feito criança... Natal!!!
Já quis muito ser teólogo... hoje não quero mais.... quero ser poeta. Um teólogo vê uma criança e trata de elaborar uma tese, talvez sobre a soteriologia infantil, pedobatismo, idade da razão, etc. O poeta vê uma criança e brinca, faz poesia, e a criança brinca com ele, vira poema! Viva a poesia! Que o natal seja o renascimento de poetas e poemas, de canções de amor, de sonhos, de jardins repletos de felicidade...
Que o poeta seja reverenciado, que o poema-criança seja amado, e que o poeta que se fez poesia seja lembrado como o criador dos versos mais maravilhosos que ele já fez, mudando de vez a história... mudando a nossa história...
Feliz Natal!!!
José Barbosa Junior nasceu em Teresópolis-RJ em 29/12/1970. É estudante de Teologia no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, onde também reside. É palestrante e pregador, além de músico e letrista. Desde 2004 é escritor e editor do site www.crerepensar.com.br
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