Igreja de Santa Sophia, sob jurisdição Islâmica desde 1453. Foi construída por Constantino I como uma obra para simbolizar a conversão de Roma. A cidade, antes Bizantium, passou a chamar-se Constantinopla. Hoje, capital da Turquia, chama-se Istambul.
Esse texto foi traduzido de John S. Knox, PhD em Teologia e Religião (Universidade de Birmingham, Reino Unido). Acesse o original (em inglês) com o nome de Christianity, na Ancient History Encyclopedia, publicado em 22/set/2016.
DEFINIÇÃO
O Cristianismo é um movimento monoteísta, deontológico (moralista), popular, separado a partir do Judaísmo, que se concentra sobre a vida, ensinamentos e a missão de Jesus de Nazaré (também conhecido como Jesus Cristo). Começou em Jerusalém, na Judéia, no século 1, e espalhou-se para o norte e oeste do Mediterrâneo através dos esforços dos discípulos escolhidos por Jesus (pessoalmente) e por apóstolos - Pedro, Paulo, Tiago e João (entre outros). Antes uma pequena seita messiânica dos Judeus, por volta do século 4 d.C. o Cristianismo predominava sobre todas as outras religiões na sociedade greco-romana e se espalhou por todo o Império Romano, mesmo ao norte como na Grã-Bretanha e, possivelmente, no Extremo Oriente como a Índia. Ao contrário de outros movimentos gnósticos da época, a mensagem Cristã devia ser aberta e honestamente compartilhada para quem quisesse ouvi-la - independentemente de raça, sexo, condição econômica ou social. A narrativa e as doutrinas do Cristianismo são complexas, sendo melhor compreendidas nos contextos culturais e históricos do movimento cristão, assim como através das decisões e ações de seus principais adeptos.
A HISTÓRIA TRADICIONAL DE JESUS
Com base na tradicional Escritura Cristã, declarações de credo da comunidade e escritos históricos não canônicos (isto é, não oficiais) dos pais da Igreja Cristã, o Cristianismo Primitivo ensinou que Jesus de Nazaré (também conhecido como Jesus Cristo) foi / é o Filho de Deus que cumpriu profecias Judaicas de um Messias que viria para libertar do cativeiro o povo de Deus. Paradoxalmente, Ele encarnou como um ser totalmente humano, vivendo uma vida sem pecado a fim de se tornar-se o sacrifício perfeito para reconciliar toda a humanidade com Javé, o Deus criador judaico. Em missão terrena, Jesus ministrou espiritual e fisicamente ao povo sofredor de Israel (e regiões próximas), promovendo uma fé pessoal e purista, baseada no amor absoluto a Deus e ao próximo, e desafiou a corrupção / opressão das elites religiosa e política.
Socialmente, isso levou-o ao conflito com os poderes dominantes em Jerusalém, na Judéia e outros domínios romanos. Jesus foi preso, julgado e condenado pelo Sinédrio (alto conselho Judaico) sob a direção de Caifás, o sumo sacerdote Judeu, e pela traição nos tribunais romanos sob a direção de Pôncio Pilatos, o governador romano da Judéia (embora os inimigos Judeus de Jesus quisessem que ele fosse condenado por blasfêmia). Ironicamente, em ambos os casos, o julgamento de Jesus violou a jurisprudência Judaica e Romana tradicional sobre crimes capitais, procedimentos e protocolos, terminando com uma sentença ilegal e posterior execução por crucificação, o que foi realizado por soldados Romanos no dia que mais tarde veio a ser chamado de "sexta-feira santa".
De acordo com vários testemunhos oculares (conforme descrito nos Evangelhos e nas Epístolas), por meio de uma ressurreição sobrenatural por Deus, Jesus - miraculosamente vivo e bem - apareceu a uma variedade de pessoas, tendo executado perfeitamente a missão de seu Pai. Um pouco irônico, considerando o patriarcalismo da época, a primeira aparição de Jesus foi a uma mulher - Maria Madalena - que correu imediatamente e disse aos outros discípulos sobre o que tinha visto e ouvido. Encontros posteriores incluíram Maria, mãe de Tiago, Salomé, Joana, Tiago, meio-irmão de Jesus, o discípulo-líder Pedro, todos os restantes onze discípulos (exceto Judas Iscariotes, o traidor, que cometeu suicídio), e o apóstolo Paulo (anteriormente conhecido como Saulo de Tarso), que seria mais tarde fundamental para estabelecer o Cristianismo na Europa. De fato, Paulo registra na 1ª Epístola aos Coríntios que mais de 500 pessoas viram Jesus ressuscitado ao mesmo tempo, embora algumas delas já houvessem morrido no tempo que ele escreveu sua carta (1ª Coríntios 15.6).
Depois de um período de 40 dias de visitação e confirmação de que Ele realmente havia ressuscitado dentre os mortos, como disse que faria, Jesus deixou o reino da terra e ascendeu ao céu, enviando que o Espírito Santo guiaria e capacitaria os discípulos, tendo já preparado e chamado eles para serem professores, guias, e anunciadores de uma promessa messiânica cumprida e do plano de Deus de amor e salvação, que deviam ser compartilhados da Judéia para todo o mundo gentio (não judeu) conhecido.
O MOVIMENTO CRISTÃO PRIMITIVO
Com o comando de Jesus: "Ide e fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei; e eis que estarei convosco todos os dias, até a consumação dos séculos" (Mateus 28.19-20), os seguidores de Jesus começaram a compartilhar a boa notícia do Messias ressuscitado - junto com admoestações éticas de Jesus sobre o perfeito amor a Deus e ao próximo.
Embora os Fariseus e líderes Judeus tenham tentado debelar a influência perigosa de Jesus com sua execução (especialmente com a ameaça / aviso da crucificação por abraçar essas crenças), a mensagem Cristã continuou a ser tão atraente e convidativa como sempre, e o movimento cresceu exponencialmente. Além disso, enquanto os líderes opressores e politicamente controladores do Judaísmo continuaram em seus caminhos reacionários, os primeiros Cristãos ofereciam inclusividade e liberdade para aqueles que desejavam participar “do Caminho" (como o movimento foi chamado, no início).
Neste período de grandes dificuldades econômicas e sociais, Lucas (o autor do Evangelho que leva seu nome) registrou em seu trabalho de história da igreja, Atos dos Apóstolos,
“E todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. E vendiam suas propriedades e bens e os repartiam com todos, à medida que alguém tinha necessidade. Dia a dia perseveravam unânimes no templo, partindo o pão de casa em casa, e eles tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e caindo na graça de todo o povo. E o Senhor seguia adicionando dia a dia os que iam sendo salvos.” (Atos 2.44-47)
Como não é de surpreender, quando o nº de discípulos de Jesus aumentou, os líderes Judeus que se viram ameaçados pela “mensagem e influência sobre uma sociedade onde eles queriam hegemonia total” temeram que o movimento Cristão poderia reacender, e perseguiram aos discípulos e seguidores de Jesus, muitos dos quais fugiram para áreas mais seguras e receptivas (pelo menos inicialmente). Ainda assim, muitos líderes Cristãos bravamente ficaram na Judéia para falar a sua mensagem de amor e salvação Cristã, levando ao abuso do direito pelas autoridades determinadas em extinguir esta seita perigosa do Judaísmo messiânico. Nos registros do apóstolo Lucas,
“... e depois de chamar os apóstolos, eles açoitaram eles e ordenaram que não falassem em nome de Jesus, e depois libertaram-nos... E todos os dias, no templo e de casa em casa, eles não cessavam de ensinar e pregar Jesus como o Cristo.” (Atos 5.40-42)
PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS
O zelo Cristão impulsionou a muitos. No entanto, também energizou muitos do outro lado a fazerem barbaridades. O apóstolo Estevão foi o primeiro mártir registrado do movimento Cristão (Atos 7) e, baseado em referências extra-bíblicas da época, outros logo depois seguiram Estevão. André, um dos primeiros seguidores de Jesus, foi crucificado em um 'X' na Grécia; Mateus (evangelista) foi morto pela espada na Etiópia; Bartolomeu (também conhecido como Natanael) foi chicoteado até a morte na Armênia; Tiago filho de Zebedeu foi decapitado em Jerusalém; Tomé foi perfurado por uma lança na Índia; Judas Tadeu foi morto por flechas durante seu trabalho missionário; substituto de Judas Iscariotes, Matias foi apedrejado e decapitado por sua fé; João (evangelista) foi arrastado até a morte por cavalos pelas ruas de uma cidade egípcia sem nome; Tiago, o Justo, foi jogado de um penhasco e de alguma forma sobreviveu mas, em seguida, foi espancado até a morte; o líder dos discípulos, Pedro, foi crucificado de cabeça para baixo em Roma por ordens de Nero; Paulo também foi decapitado durante as perseguições de Nero.
Como o movimento Cristão se espalhou, os primeiros seguidores de Jesus levaram sua compreensão da nova aliança entre Deus e a humanidade para a cultura greco-romana que encontraram. Ainda mais, eles afirmavam uma filosofia religiosa que ia na contramão dos valores supersticiosos, hedonistas e relativistas da época. Falavam de um único e verdadeiro Deus para comunidades politeístas que nunca conheceram a vida sem um panteão de deuses cada vez maior (e muitas vezes desconhecidos). Eles encorajavam as pessoas a viver de acordo com o espírito e não a carne, adotando um estilo de vida casto que honrava os corpos de outras pessoas (e seu próprio), em vez de explorar e abusar da sexualidade para o prazer momentâneo. Eles exortavam as pessoas a cuidar dos mais fracos e mais necessitados - os órfãos, as viúvas, os pobres - e evitar atividades como divórcio e trocas de esposos que envenenavam as relações de uns com os outros. No mundo greco-romano, ideias como essas eram radicais, às vezes consideradas subversivas, se não perversas.
Tal ativismo cristão não passou despercebido, especialmente pelos líderes provinciais que não gostavam de qualquer agitação civil que interferisse com a Pax Romana e o ganho monetário. Com a destruição do Templo de Jerusalém em 70 d.C., começou a Diáspora (a dispersão forçada dos Judeus para fora de Israel). Após o 1º século D.C., a perseguição aos Cristãos veio principalmente de uma liderança romana que esperava pouca ou nenhuma reação dos Cristãos, conhecidos por sua passividade e tranquilidade (e que tinham poucos amigos políticos no Senado). Assim, os membros do movimento Cristão primitivo muitas vezes tornaram-se alvos políticos e bodes expiatórios para os males sociais e tensões políticas dos governantes romanos, durante os três primeiros séculos d.C. Esta perseguição foi esporádica e rara considerando a vastidão do Império, mas ficou conhecida pela crueldade empregada (não apenas contra os Cristãos, mas também contra os Judeus).
A perseguição dos Cristãos não terminou com as mortes dos discípulos e apóstolos; seus alunos e sucessores, os pais da Igreja (teólogos antigos, líderes religiosos e defensores do Cristianismo ortodoxo) também enfrentaram a hostilidade romana e maus-tratos por suas crenças. Esses castigos eram impostos a outros homens, mulheres e crianças (de todas as idades) que se chamavam "Cristãos". Houveram 3 principais períodos de perseguição: 64-95 d.C. (imperadores Nero a Domiciano), 112-250 d.C. (imperadores Trajano a Décio) e 250-311 d.C. (imperadores Valeriano a Diocleciano).
Geralmente, pessoas de todas as crenças religiosas eram toleradas dentro do Império Romano; afinal de contas, o politeísmo era a norma para a maioria das sociedades do Mediterrâneo naquela época. No entanto, para o Império ter eficiência e lucratividade, a ordem social devia ser mantida a todo custo. A submissão ao Imperador não era uma opção, mas os Cristãos não podiam e não iriam dizer "Senhor, Senhor" a ele ou fazer uma oferta em sua honra, como se fosse um deus vivo. Isso causava atrito frequente com as autoridades romanas, e quem começava um conflito era bem menos importante para os governadores do que manter a paz. Os elementos problemáticos eram eliminados como um aviso para os outros.
O senador e historiador romano Gaius Cornelius Tácito (56-120 d.C.) relata:
"Nero culpava e punia com o máximo requinte de crueldade uma classe odiada por suas abominações, comumente chamados Cristãos. Esses bodes expiatórios de Nero (os Cristãos) foram a escolha perfeita porque aliviavam temporariamente a pressão dos vários rumores em Roma. Cristo, de quem seu nome é derivado, foi executado pelo procurador Pôncio Pilatos durante o reinado de Tibério. Contida por um momento, essa superstição perniciosa novamente eclodiu, não só na Judéia, a origem do mal, mas também em Roma …"
Sendo tão contra-culturais e moralmente provocadores, muitos Cristãos acabaram sendo entretenimento (ou um aviso para todos que também criassem conflito ou rebelião na sociedade romana) no Circo Romano ou em outras várias arenas de gladiadores no Império, em que eles eram crucificados, queimados vivo, jogados aos leões ou outras feras sem armas de defesa, decapitados, empalados em lanças, enforcados e esquartejados, ou mortos por gladiadores (embora tais eventos não fossem muito espetaculares considerando a não-resistência pacífica dos primeiros Cristãos). O número de Cristãos mortos durante essas perseguições é desconhecido; no entanto, muitos estudiosos acreditam em milhares. Alguns mártires (pessoas que morreram pela fé) eram líderes na igreja ainda crescente, mas a maioria era de meros seguidores na base do movimento de Jesus.
Embora nem todos os imperadores romanos tenham sido implacáveis em seu tratamento com os Cristãos, vários governantes se destacaram devido à crueldade. Nero, que reinou de 54 a 68 d.C., era emocionalmente instável, envolvido em várias conspirações, um mau administrador, e usou os Cristãos como distração das suas falhas imperiais e frustrações. Domiciano, que governou de 81 a 96 d.C., era "uma pessoa completamente desagradável, raramente educada, insolente, arrogante e cruel". Extremado em suas decisões, ele introduziu leis anti-judaicas e anti-cristãs, exigiu dos Cristãos que o adorassem como Deus (as pessoas deviam se referir a ele como dominus et deus - 'senhor e deus‘). Décio, que governou de 249 a 251 d.C., também emitiu decretos reais para suprimir o Cristianismo, exigindo que todos os bispos cristãos oferecessem sacrifícios a ele.
Apesar da famosa crueldade de Nero, talvez as maiores perseguições tenham acontecido durante o reinado de Diocleciano (284-305 d.C.). Um fanático pelo paganismo, ele chamou a si mesmo "o vigário de Júpiter", e acreditava que o eclipse do poder romano era mais devido ao Cristianismo do que ao seu mau governo. Assim, ele emitiu os mais fortes decretos anti-cristãos dentre todos os imperadores, ordenando que todas as igrejas Cristãs deviam ser queimadas, todos os Cristãos deveriam ser privados de cargos políticos, todas as escrituras Cristãs deviam ser queimadas e toda adoração privada ou pública a Jesus devia cessar. Apesar de suas medidas, o Movimento Cristão ficou mais forte.
Um dos mais famosos mártires cristãos foi Policarpo, bispo de Esmirna (Turquia), que foi executado durante no reinado de Marcus Aurelius (121-180 d.C.). Ele era um dos discípulos do apóstolo João - os outros eram Papias de Hierápolis (70-163 d.C.), Inácio de Antioquia (35-108 d.C.) e Ireneu de Lião (início século 2 - 202 d.C.). Policarpo foi um guardião da fé inflexível até o fim de seus dias. No "Martírio de Policarpo", um autor (desconhecido) relata,
“Oitenta e seis anos tenho servido a Cristo, sem nenhum mal. Como, então, posso blasfemar meu rei que me salvou? Você me ameaça com fogo que queima por uma hora e, em seguida, se apaga; mas você não sabe do fogo do julgamento por está por vir, e o fogo do castigo eterno. Faça o que você quiser.”
O martírio não era limitado aos homens, também. Em 203 d.C., cinco cartagineses desafiaram as ordens imperiais de Septimus Severus (145-211 d.C.) que proibia a conversão ao Cristianismo e foram presos. Entre eles estavam Vibia Perpétua, de 22 anos de idade, uma nobre romana e sua serva Felicitas. Uma jovem mãe, Perpétua foi autorizada a amamentar seu bebê na prisão. Felicitas estava grávida de 8 meses, mas ambas se recusaram a negar sua fé (apesar das objeções e súplica do pai de Perpétua). Durante sua execução, elas foram atacado por um touro e finalmente mortas pela espada numa arena. Os três outros escravos masculinos - Revocatus, Saturnius e Secundulus - foram chicoteados e depois jogado na arena para defenderem-se de um javali, um urso e um leopardo.
O CÂNON DAS ESCRITURAS & ORTODOXIA
Mesmo com os desafios acima mencionados, desde os seus primeiros dias e através dos séculos, o foco do Cristianismo permaneceu no seu fundador - Jesus Cristo de Nazaré. Os apóstolos e os pais da Igreja trabalharam para preservar a autêntica mensagem de Jesus e seus discípulos, rejeitando obras e ideias que fossem mitos infundados, preceitos pessoais ou ensinamentos incongruentes sobre Deus e Jesus. Além disso, a regra ou crença da maioria tinha de ser aceita por concílios ecumênicos de todas as áreas do Império Romano - Antióquia, Roma, Alexandria, Cartago, etc. Antes de existir qualquer juramento, era necessário ter o cuidadoso consenso Cristão.
Para determinar a norma ou o cânon da escritura Cristã, os primeiros líderes usaram uma "peneira" de 4 critérios e a afirmação da comunidade internacional para aprovar ou rejeitar livros e cartas. Em primeiro lugar, os escritos tinham de ser Católicos, ou usados universalmente em todo o Mediterrâneo. Segundo, os escritos tinham de ser Ortodoxos, ou incluindo verdades sobre Jesus e sua mensagem. Em terceiro lugar, os escritos tinham de ser Apostólicos, ou escritos no tempo de Jesus por seus discípulos / apóstolos. Finalmente, os escritos tinham de ser Tradicionais, ou usados frequente e regularmente por igrejas Cristãs. Se um livro ou carta apresentasse todas essas características, seria digno de inclusão no cânon bíblico.
Além disso, dada a proximidade histórica com Jesus e a formação direta dos autores por Ele, os relatos dos Evangelhos e as Cartas (Epístolas) dos discípulos / apóstolos foram consideradas fontes superiores, com autoridade e autenticidade na doutrina Cristã. Ao contrário de alguns que afirmam os pais igreja primitiva fizeram suas escolhas para o benefício pessoal, é interessante notar que nenhum dos escritos autorais dos apóstolos (ex. Didaqué, 1ª & 2ª Clemente, as Epístolas de Inácio, a Epístola de Policarpo, a Epístola de Barnabé, o Pastor de Hermas, etc) entrou no cânon bíblico, apesar seu valor cultural e influência.
Assim, apesar das diferenças regionais, apesar de personalidades fortes e dominância da comunidade, os princípios fundamentais do Cristianismo foram estabelecidos usando as Escrituras como o guia principal, e só reavaliados por meio de conselhos ecumênicos de toda a região do Mediterrâneo. Isso foi feito para a unidade dentro do Cristianismo, mas também para proteger contra as ideias heréticas que chegavam a partir de vários falsos mestres e movimentos (muitos dos quais ainda seguidos hoje por algumas pessoas).
Por exemplo, os Gnósticos promoveram um caminho secreto para o divino que desvalorizava a carne e contradizia a teologia das escrituras hebraicas com seu próprio panteão de divindades, demônios e seres espirituais. O Docetismo promoveu a ideia de que Jesus apareceu apenas para morrer na cruz, sendo apenas espírito e nunca verdadeiramente um ser encarnado. O Arianismo sustentava que Jesus era um ser criado, não igual ao Deus Pai. O Nestorianismo declarava que Jesus existiu como duas pessoas separadas, e que só o Jesus humano sofreu e morreu na cruz. O Pelagianismo sugeriu a ideia de que o pecado original de Adão não continuou através dele para toda a humanidade, e que todos os seres humanos podem conseguir sua própria salvação através da vontade e escolhas sábias. Esses movimentos contrariavam, de alguma forma, a evidência bíblica do Antigo e do Novo Testamento da Bíblia.
Assim, utilizando a verificação bíblica, os líderes da igreja primitiva arduamente se esforçaram para compor e comunicar a relação sobrenatural do Pai, Filho e Espírito Santo que, eventualmente, foi denominado "Trindade". Os pais da Igreja concluíram que Deus existe como uma única divindade com três pessoas separadas, mas conectados permanentemente em sua ontologia. Assim, apesar de um Deus, ele também é diferenciado dentro de si mesmo para realizar sua vontade divina no céu, o universo, e na terra. Ele não é formado de 3 entidades separadas ou seres; nem Ele é uma única pessoa revelando-se em três formas (que a heresia chamada Modalismo sustenta). Paradoxalmente, as pessoas de Deus são simultâneas e não consecutivas; através de "perichoresis" eles "dançam em torno de si", concentrando-se em atividades específicas embora ainda envolvendo um ao outro e no trabalho um do outro. Embora não mencionado na Bíblia explicitamente, a realidade da Trindade pode ser observada tanto no texto hebraico como nas escrituras gregas, embora seja mais perceptível em afirmações e explicações dos escritores do Novo Testamento.
Para preservar a mensagem original e o significado do Cristianismo, várias comunidades Cristãs criaram credos (uma declaração formal de crença religiosa) para ajudar a definir e defender a sua doutrina e características Cristãs. Muitos consideram Romanos 10.8-9 como o primeiro credo cristão - "A palavra da fé que proclamamos é: se você confessar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu coração que Deus o ressuscitou dentre os mortos, você será salvo."
A tradição Cristã sugere que, mais tarde, os discípulos de Jesus escreveram o Credo dos Apóstolos (aprox. 150 d.C.), após a crucificação de Jesus, embora estudiosos modernos coloquem a data do texto após o 2º século d.C. Este antigo credo apresenta Deus como o criador, discute o nascimento de Jesus, sua morte, ressurreição e ascensão ao céu. Ele também faz referência ao Espírito Santo e sua comunicação com o mundo (embora omita uma discussão oficial da Trindade) e termina com uma explicação sobre a Igreja, os seus santos e a vida após a morte.
Sob a supervisão do imperador Constantino I, o Credo de Nicéia (325 d.C.) foi composto por um conselho ecumênico, que foi e é aceito como autoridade pela maioria dos grupos Cristãos, mas não pela Igreja Ortodoxa Oriental (pelo menos, a segunda versão, de 381 d.C. é rejeitado pela adição da cláusula Filioque "e do Filho"). Ela descreve a pré-existência de Jesus Cristo, seu papel no futuro julgamento da humanidade, como Jesus é "homoousis" - uma só substância com Deus - e como / por que o Espírito Santo deve ser adorado como parte da sagrada família, discute a exigência do batismo e (curiosamente) minimiza o ministério terreno de Jesus Cristo.
Embora existam outros, o Credo de Atanásio (328 d.C.) é um dos mais importantes, pois lida principalmente com a Trindade, e duela contra as heresias daqueles dias: Arianismo, Docetismo, Modalismo e Monofitismo. Ele expande o Credo de Nicéia e promove uma compreensão mais exclusiva da salvação e da rejeição eterna para os não-crentes.
CONSTANTINO, O GRANDE E A CRIAÇÃO DO CRISTIANISMO MEDIEVAL
Os seguidores de Jesus finalmente viram um alívio dos séculos de lutas para adorar a Jesus Cristo como seu Rei e Senhor na sociedade romana no reinado de Flavius Valerius Constantinus, também conhecido como Constantino I, o Grande (280-337 d.C.). Ao contrário de seus antecessores, e talvez por causa do caos e enfraquecimento que se seguiu após a abdicação do trono por Diocleciano em 305 d.C., Constantino viu valor (e, possivelmente verdade) no caminho Cristão. Uma vez no poder, tomou medidas para remover todas as restrições legais sobre o Cristianismo. Especificamente, no Edito de Milão, composto em 313 d.C., Constantino ofereceu aos cidadãos do Império novas liberdades e proteções após séculos de editais intolerantes. Sem dúvida, os Cristãos do século 4 desfrutaram de paz como nunca antes.
“Quando você ver que esta [liberdade] foi concedida aos [Cristãos] por nós, saiba que nós também concedemos a outras religiões o direito de observância aberta e livre de sua adoração para o bem da paz de nossos tempos. Cada um pode ser livre para adorar o que lhe agrada. Este regulamento existe para que não diminuamos qualquer dignidade de qualquer religião.” (Edito de Milão)
Apesar da "conversão" de Constantino ao Cristianismo ser controversa (foi por motivos pessoais ou políticos?), o futuro imperador de toda Roma depois falou de um sonho na noite anterior a sua batalha contra o usurpador Maxentius em Ponte Mílvia (312 d.C.). No sonho, Deus disse-lhe para pintar o monograma Cristão "Chi-Rho" (em grego, ΧΡΙΣΤΟΣ = KHRistos) nos escudos dos seus soldados, e isso lhe garantiria o sucesso (embora os relatos mais antigos da batalha omitam a visão divina dizendo-lhe In hoc signo vinces - "Neste sinal vencerás"). Considerando que as forças de Maxentius eram o dobro das de Constantino, as chances de Constantino eram mínimas, na melhor das hipóteses. Seja devido ao desespero ou a fé, ele supostamente seguiu as instruções do sonho, carregando uma nova aliança para a batalha, e ganhou o dia.
Com a vitória e o afogamento de Maxentius no rio Tiber logo no início na batalha, Constantino havia derrotado outros 3 Augustos e tornou-se imperador único de um império gigantesco, em 324 d.C. Um administrador apto e inspirador, ele tentou reformar o grande Império que estava ruindo ao longo de décadas, tendo Deus na sua retaguarda. Mais ainda, ele tornou-se um patrono do Cristianismo e sua igreja, nomeando Cristãos altos cargos políticos e dando-lhes os mesmos direitos que os outros agentes políticos pagãos. Isso abriu o caminho para o Cristianismo conduzir a sociedade - e não ser perseguido ou esmagado por ela.
Até o 5º século d.C., o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, levando a uma mudança dramática na forma como a fé interferia com a sociedade. Isto também causou mudanças no Cristianismo: os cultos mudaram de ambientes privados para o espaço público; de um caráter judaico para um mais alinhado com os Gentios; de uma questão individual para um assunto da comunidade; de uma fé buscada pelo membro para um grupo escolhido de crentes; de uma estrutura mais solta e informal para uma hierarquia definida de ações e autoridades; do empoderamento masculino para limitações mais específicas ao gênero feminino. Além disso, os líderes Cristãos tiveram que descobrir como integrar o Cristianismo ao direito romano e ao governo, como tratar com os povos bárbaros, e ainda manter a essência dos ensinamentos e deveres dos seguidores de Jesus.
Os próximos 2 séculos do Cristianismo iriam ver o desenvolvimento do episcopado e a ascensão de uma aristocracia religiosa - o clero e os leigos, o papado e o sacerdócio de alguns não-crentes. Além disso, onde anteriormente riquezas eram um sinal de ganância e exploração, uma vez que o Cristianismo era aprovado e envolvido com o imperador, agora as riquezas eram vistas de modo muito mais favorável. Uma mudança ainda maior foi a troca do pacifismo Cristão pelo militarismo (também sem dúvida, devido ao sincretismo do cristianismo com a sociedade secular). Teologicamente, houve um afastamento do milenialismo (Jesus reinando por 1000 anos na terra; ver Apocalipse 20.1-3) e da Segunda Vinda de Cristo para um entendimento mais terreno do Reino de Deus; houve a aplicação da abstinência clerical e a condenação da simonia (de Simão, o mago, venda de cargos na Igreja, ver Atos 8.9); houve a adição do Purgatório ao dogma fundamental da igreja; houve o estabelecimento dos Sacramentos, que institucionalmente demonstravam os sinais exteriores de graça interior de Deus na vida dos Seus seguidores; e houve a evolução do monasticismo Cristão em toda a Europa e África (dedicação total dos seguidores ao trabalho religioso).
Alguns podem considerar que tal institucionalização foi contrária ao movimento original de Jesus. No entanto, é melhor lembrar que, de acordo com a escritura Cristã, Jesus foi confirmado pelas escrituras Judaicas como o Messias profetizado, Ele ensinou regularmente e com entusiasmo no Templo durante anos, participou de numerosos festivais Judaicos e costumes exigidos no Judaísmo, e ele se tornou o sacerdote e sacrifício perfeitos diante de Deus, em nome da Humanidade. Além disso, Jesus também estabeleceu seus doze discípulos para serem embaixadores oficiais do Reino de Deus, para atuar como arautos da nova aliança entre Deus e a Humanidade. Ele também prometeu que, no julgamento final, eles iriam julgar as tribos de Israel.
No entanto, Jesus era muito hábil em fazer o melhor em todas as situações, seja pessoal ou publicamente, privada ou institucionalmente, transformando cada situação em uma oportunidade para amar a Deus com todo o seu coração, alma e mente; e amar o próximo como a si mesmo. Ele também chamou Seus crentes para seguir o Seu modelo de amor em alcançar o mundo para Deus. Como o apóstolo Paulo escreve em Gálatas, que inclui uma das mais antigas auto-definições do cristianismo, "Graça e paz da parte de Deus nosso Pai e Senhor Jesus Cristo, que se entregou por nossos pecados para nos resgatar do presente século mau, segundo a vontade de nosso Deus e Pai, a quem seja a glória para sempre, Amém."(Gálatas 1.3-5).
Nos mais de 20 séculos desde o ministério de Jesus, muitos Cristãos com boa vontade e sacrifícios tentaram alcançar o mundo para Deus, para continuar o grande mandamento de Jesus Cristo em suas próprias vidas complicadas, mudando culturas e caminhos imperfeitos - às vezes para melhor, às vezes para pior. Isto era verdade no 1º século d.C. e, século após século, ainda é uma realidade para o movimento Cristão, 2.000 anos depois.
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