segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Temperos e Destemperos no reinado de Davi

Gustave Doré - o fim de Absalão

Davi foi um rei icônico entre os judeus. Após ser ungido pelo profeta Samuel para tomar o trono de Saul, o pequeno pastor/músico de cabelos vermelhos derrotou o gigante Golias, compôs boa parte dos Salmos, assumiu o reinado após anos sendo perseguido no deserto, tomou a fortaleza dos jebusitas e a converteu em capital de Israel, submeteu todos os povos ao redor, estruturou a monarquia em Hebron e deixou para seu filho Salomão a missão de construir o Templo de Deus. Ele é citado como exemplo no restante do Velho Testamento e mesmo no Novo Testamento, 1000 anos depois. Sua linhagem de reis terminou por desaparecer, mas Jesus foi um seu descendente.

Ao tornar-se rei, Davi garantiu de forma generosa a sua linhagem. Como era costume, o rei possuía muitas concubinas dentre os clãs poderosos (além de sua esposa, normalmente filha de outro rei). No 1º Livro de Crônicas dos reis de Israel, são descritos 19 príncipes nascidos de Davi. E a menos que as regras da genética fossem muito diferentes no tempo dele, é provável que houvesse o mesmo número de FILHAS NÃO NOMEADAS. São cerca de 40 filhos... dos quais apenas uma das mulheres é apontada.

Os filhos de Davi:

1) o primogênito Amon, filho de Aquinoã de Jezrael
2) Daniel, de Abigail, de Carmelo;
3) Absalão, filho de Maaca, filha de Tolmai, rei de Gessur;
4) Adonias, filho de Agit;
5) Safatias, de Abital;
6) Jetraão, de Egla, mulher de Davi;
7) Simaa, de Betsué, filha de Amniel
8) Sobab, de Betsué;
9) Natã, de Betsué;
10) Salomão, de Betsué;
11) Jebaar
12) Elisama
13) Elifalet
14) Noge
15) Nefeg
16) Jafia
17) Elisama
18) Eliada
19) Elifelet

e... Tamar, filha de Maaca. É bastante curioso que o nome de Tamar seja o único dentre as princesas que permaneceu nas escrituras. Porque só ela? Onde foram parar as outras? Não podemos dizer com certeza, mas Tamar era curiosamente o nome de uma divindade da Caldéia, povo com o qual os hebreus eram aparentados. A Tamar caldéia era uma deusa da fertilidade, não tão diferente do significado de Tamar em hebraico: palmeira do amor. Quem ler o Cântico dos Cânticos / Cantares de Salomão certamente verá Tamar aparecer de formas muito sensuais ali... Talvez sempre 1as filhas sempre fossem chamadas Tamar. Tamar também era a polêmica nora de Judá que havia gerado uma cisão na linhagem dos patriarcas de Israel (Gênesis 38).

Bom, a Tamar de Davi também foi protagonista de uma história de paixão e guerra. Por ela se apaixonou o primogênito Amon, que fingiu-se doente, foi cuidado por ela e a violentou, enchendo de ódio a família do rei Tolmai. Mais tarde, Amon seria morto à traição pelos servos de Absalão, irmão de Tamar.

A Bíblia recorda Absalão como tendo uma personalidade digna do tirânico rei John, de Robin Hood: absolutamente necessitado da atenção de todos. Após matar o primogênito de Davi, Absalão foge para Gesur, reino de sua mãe, onde permaneceu por 3 anos até que se findasse o luto de Davi. Então ele e o general Joab (homem da mais alta confiança de Davi) conseguem uma habilidosa atriz para encenar o luto diante de Davi e fazer com que o rei jurasse proteção a Absalão contra o povo de Israel.

Salva-me, ó rei, salva-me! ... Ai de mim, disse ela, sou uma viúva. Meu marido morreu. Tua serva tinha dois filhos. Brigaram no campo, e não havendo quem os separasse, um deles feriu o outro e matou-o. E eis que agora se levanta contra a tua serva toda a família, dizendo-lhe: dá-nos o fratricida, para o matarmos em castigo do sangue do irmão que ele matou, e exterminaremos o herdeiro. Querem assim apagar a última brasa que me resta, de modo que não se conserve de meu marido nem nome, nem posteridade na terra. ... Sobre mim, e não sobre a casa de meu pai recaia a culpa; o rei e o seu trono serão inocentes. ... Queira o rei lembrar-se do Senhor, seu Deus, para que o vingador do sangue não agrave a desgraça, matando o meu filho!

E após a garantia de proteção do rei... eis a emenda:

Permite que a tua serva diga uma palavra ao rei, meu senhor? ... Por que, pois, pensas fazer o mesmo contra o povo do Senhor? Pronunciando essa sentença, o rei se confessa culpado, pelo fato de não se lembrar daquele que desterrou. Quando morremos, somos como a água que não mais se pode recolher, uma vez derramada por terra. Deus não faz voltar uma alma. Cuide, pois, o rei, que o banido não fique mais exilado longe dele. Se eu vim falar desse assunto ao rei, foi porque o povo me aterrou. A tua serva disse: falarei ao rei: talvez o rei faça o que eu lhe pedir. Sim, o rei me ouvirá e livrar-me-á da mão do homem que procura excluir-nos, a mim o meu filho, da herança do Senhor. Que o rei se digne pronunciar uma palavra de paz, porque o rei, meu senhor, é como um anjo de Deus para discernir o bem do mal. Que o senhor, teu Deus, seja contigo! (2 Samuel 14.1-21)

Dessa forma Absalão foi readmitido na fortaleza de Jerusalém, mas não ainda na presença do rei. Uma vez em lá, ele teve 3 filhos (não nomeados) e uma filha chamada... Tamar! Absalão, entretanto, não conhecia a gratidão. De volta à citadela, ele reivindicava seu lugar à mesa real:

Por que vim eu de Gessur? Seria melhor ter ficado lá. Quero ser admitido à presença do rei; se sou culpado, que me matem! (2 Samuel 14.32)

A entrevista de Absalão foi pedida por ninguém menos que o respeitado general Joab. Em sua dor de não ser notado, Absalão decidiu atrair a atenção do general mandando incendiar os campos dele...

Pela intercessão de Joab, Davi aceitou Absalão novamente à sua mesa. Com Amon morto, agora ele estava mais próximo do trono e não pretendia submeter-se ao governo do irmão. Absalão começou a arquitetar a substituição prematura do pai, e ao mesmo tempo garantir que o trono ficasse com ele e nenhum dos outros 17 irmãos. Colocou-se por 4 anos à entrada da cidade, abençoando quem viesse falar ao rei e informando que o rei não o receberia. Entretanto, se ele mesmo fosse rei, tudo seria diferente! Qualquer semelhança com as campanhas políticas atuais não é mera coincidência.

Após esses anos de campanha, Absalão havia reunido muitos seguidores e organizou simpatizantes nos clãs de Israel para que o louvassem como rei de Hebron quando ele fosse à antiga capital. Naturalmente, ele também convenceu o rei da necessidade de fazer essa peregrinação com muitos homens. Deus foi testemunha.

Deixa-me ir a Hebron para cumprir ali uma promessa que fiz ao Senhor. Quando o teu servo estava em Gessur, fez este voto: se Senhor me reconduzir a Jerusalém, irei prestar-lhe culto em Hebron. (2 Samuel 15.7-8)

O TRONO ATRAI A CULPA E OS INTERESSEIROS

Como o rei John de Robin Hood, Absalão reuniu ao seu redor pessoas orgulhosas que trocassem sua fidelidade a Davi (até então o escolhido de Deus) por altos cargos na corte. Entre eles estava Aquitofel, conselheiro de guerra. Mais tarde, quando seu prestígio fosse perdido, ele se mataria. Mas Davi também não estava imune aos interesseiros: quando Absalão reuniu um exército e marchou para Jerusalém, Davi fugiu e logo veio ao seu encontro Siba, antigo servo da casa de Saul, que havia abandonado seu amo Mefiboset e, jurando que Mefiboset se unira a Absalão, conseguiu que Davi lhe garantisse as riquezas que haviam pertencido a Saul.

Quando assumiu o trono, Davi interrompeu a linhagem de Saul e usurpou seu trono. Ok, houve ação divina nisso, mas Davi entendia os homens, não a DeusDavi; ele se culpava pelo ocorrido. Abandonou Jerusalém em pranto, sendo inclusive apedrejado e amaldiçoado por Semei, neto de Saul.

[Semei] Atirava pedras contra o rei Davi e contra todos os seus servos, embora todo o exército e todos os guerreiros valentes se encontrassem à direita e à esquerda do rei. E o amaldiçoava, dizendo: Vai-te, vai-te embora, homem sanguinário e celerado. O Senhor faz cair sobre ti todo o sangue da casa de Saul, cujo trono usurpaste; o Senhor entregou o reino ao teu filho Absalão. Eis-te oprimido de males, homem sanguinário que és! (2 Samuel 16.6-8)

Que nos importa, filho de Sarvia?, respondeu Davi. Deixa-o amaldiçoar. Se o Senhor lhe ordenou que me amaldiçoasse, quem poderia dizer-lhe: por que fazes isso? ... Vede: se meu filho, fruto de minhas entranhas, conspira contra a minha vida, quanto mais agora esse benjaminita? Deixai-o amaldiçoar, se o Senhor lho ordenou.Talvez o Senhor considere a minha aflição e me dê agora bens por esses ultrajes. Davi e seus homens retomaram o seu caminho, mas Semei ia ao longo da montanha, ao lado dele, vomitando injúrias, atirando-lhe pedras e espalhando poeira pelo ar. (2 Samuel 16.10-13)

Seu maior tesouro, a Arca da Aliança, Davi mandou que deixassem em Jerusalém enquanto vagava com seus mais fiéis pelos ribeiros que conduziam para longe da cidade-fortaleza.

A REBELIÃO MAL-FADADA

Os que permaneceram no palácio de Davi foram os que ele mandou ficarem lá. Entre estes estavam suas concubinas, os levitas que guardavam a Arca, e Cusai, conselheiro de guerra. Absalão conhecia o renome de Cusai e o recrutaria. Ele deveria invalidar os conselhos de Aquitofel e garantir que Absalão não capturasse/matasse o pai. Além disso, Cusai enviava mensagens a Davi através dos sacerdotes e dos camponeses. Absalão era rei, mas todos permaneciam fiéis a Davi!

Necessitado que era da adoração de todos (e não de Deus), Absalão montou uma tenda nas partes altas do palácio, onde violentava as concubinas de seu pai à vista de todo o povo. Levado por Cusai (pois Aquitofel se suicidara), Absalão partiu à guerra contra o pai, em terreno perigoso, contra combatentes experientes e famosos, liderados ainda por um traidor. Onde isso levaria?

AMOR DE PAI, MAS NÃO DE AMIGO

Saiu, pois, o povo ao campo, a encontrar-se com Israel, e deu-se a batalha no bosque de Efraim. E ali foi ferido o povo de Israel, diante dos servos de Davi; e naquele mesmo dia houve ali uma grande derrota de vinte mil. Porque ali se derramou a batalha sobre a face de toda aquela terra; e foram mais os do povo que o bosque consumiu do que os que a espada consumiu naquele dia. (2 Samuel 18:6-8)

Em 969 a.C., o clima no Oriente Médio era mais úmido do que nos dias de hoje. A Bíblia relata montes onde se plantavam oliveiras, vinhas e figos, e onde cresciam cedros (pinheiros) e carvalhos. A exploração de madeiras durante a dominação romana e as guerras na Idade Média contribuíram muito para o processo de desertificação, mas ela ocorreria de qualquer forma, com o rebaixamento dos terrenos na região. Aparentemente, a floresta de Efraim (um terreno bastante acidentado) era perigosa o suficiente para que simplesmente muitos morressem tentando passar por ela.

Absalão ficou preso em um carvalho, o que não seria fácil de ocorrer em uma mata aberta, pois os carvalhos são árvores altas. Em mata fechada, entretanto, as trepadeiras estão por toda parte. E esse foi o fim do pretenso rei de Jerusalém: enroscado na mata, foi encontrado por Joab, o mesmo general que o havia ajudado a retornar para junto do pai e reaver sua posição no palácio. Embora nenhum servo de Davi tenha se permitido tocar no príncipe – e Davi havia ordenado isso – Joab não demorou a matar Absalão com as lanças que carregava. Mandou então que o atirassem em uma cova e cobrissem com pedras.

Seguro na terra de Maanaim, Davi chorou amargamente a perda do filho que desejava matá-lo.

E eis que vinha Cusai; e disse: Anunciar-se-á ao rei meu senhor que hoje o SENHOR te vingou da mão de todos os que se levantaram contra ti. Então disse o rei: Vai bem com o jovem, com Absalão? E disse Cusai: Sejam como aquele jovem os inimigos do rei meu senhor, e todos os que se levantam contra ti para mal. Então o rei se perturbou, e subiu à sala que estava por cima da porta, e chorou; e andando, dizia assim: Meu filho Absalão, meu filho, meu filho, Absalão! Quem me dera que eu morrera por ti, Absalão, meu filho, meu filho! (2 Samuel 18:31-33)

Jesus advertira sobre a diferença entre o joio – que produz para si mesmo - e o generoso trigo.

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