domingo, 29 de janeiro de 2012

Procrastinando no divã

- Procrastinar... quando... hshmhsshmnsshhsm
- Minha mãe hshhmsshhmnshh... ahsmmshmnnshhsm
- Sim... shmsmsh... trabalhando... sim...

procrastinar - do latim procrastino, -are. Deixar para depois, adiar, postergar, usar de delongas, delongar, demorar.

Sou um procrastinador. Esse texto era para ter sido escrito há tempos, desde os idos da Pabine. Adiei na esperança de saber algo útil para escrever e porque tinha uma longa lista de afazeres. Desculpas não faltaram, e graças a Deus nem coisas melhores para ocupar esse tempo. Mas a verdade é que não sei estabelecer prioridades e, por isso, trabalho como “apagador de incêndios” (a Pabine que saiba de seus companheiros): quando uma coisa não pode mais ser postergada, eu vou lá e faço, sob pena de tudo “pegar fogo” de verdade.

Apesar de tudo ter andado relativamente bem assim, posso dizer que a minha saúde “diária”, isto é, a minha sensação cotidiana, não é das melhores. Nunca é. A aproximação de certos prazos me enlouquece e proporciona intensa afobação, horas extras e no fim uma resiliência à própria ansiedade. Como se ela fosse o origem de tudo! No fim da semana, estou exausto, apesar de não poder contabilizar muitas tarefas cumpridas. Pulei de atividade em atividade sem concluí-las, até acabar minha bateria. E o pior de tudo é que prossigo fazendo várias outras coisas, mesmo sem ânimo. Pela janela, pelo menos posso olhar Deus calma e religiosamente cuidando do jardim dele. Sempre belo!

Somos pressionados a incluir cada vez mais tarefas num dia que tem um número imutável de horas. Horas que seguem seus cursos a mercê do que pretendemos com elas. E sabe o que é mais irônico? Eu uso a descaradamente a boca das outras pessoas, pois ainda não tive tempo para ler o que já escreveram e já desisti outras tantas vezes de escrever eu mesmo sobre isso. Pretendo mudar isso e repensar porque excluí o tempo – ou a administração dele – do senhorio de Cristo.

Precisou um psicanalista para eu entender (e entendi ?) o que eu estava fazendo. Quando topei com o Dr. Caio Fábio, descobri que ele fez o que eu estava pro-cras-ti-nan-do para fazer. Ele disse: "Procrastinar é muitas coisas, algumas conectadas a outras, e, em algumas pessoas, coisas apenas tópicas. Mas em todo procrastinador, não importando as causas psicológicas da procrastinação, o resultado é o mesmo: o atraso, o stress e a aflição; se não a aflição do próprio apenas [...], mas, com certeza, a dos que o observam ou o esperam..."

Para pessoas diferentes a procrastinação pode ter razões diversas, mas o resultado não muda. "Com todas as ressalvas relativas à personalidade de cada procrastinador, procrastinação é... 
  • adiar até não dar mais;
  • deixar cronicamente pra depois da hora;
  • sempre fazer no stress e no atraso;
  • viciar-se contra o tempo...;
  • odiar que o tempo passe e lutar contra ele;
  • é também desordem mental seletiva;
  • é preguiça organizacional também seletiva;
  • é uma indisposição contra a ordem simples de que duas coisas não podem ocupar o mesmo lugar/tempo no tempo/espaço;
  • é privilegiar a gratificação contra a obrigação;
  • julgar que tudo e todos possam esperar só um pouco...;
  • confundir de valores quanto ao que seja objetivamente prioritário;
  • é medo do fazer;
  • é vício de angustia operacional;
  • é necessidade de criar para si uma hiper-ocupação pela via do atraso;
  • é um rito psicológico;
  • é um orgulhoso modo de ser e não mudar;
  • é caso de importâncias minimalistas e que não possuem macro importâncias;
  • agir sempre em detrimento de outra coisa pré-definida;
  • é uma calma inconscientemente mórbida;
  • é um inconsciente processo de esquecimento do tempo;
  • é descaso com a hora, como rebeldia;
  • é um ato de enfrentamento da autoridade e do instituído;
  • é um direito egoísta de ser indo...;
  • é um olhar difuso e inobjetivo;
é como ter um leão na Rua dos Deveres e dos Compromissos! É olhar para essa lista bizarra e ver um pouco de si. Em geral o procrastinador é um ser que se viciou mentalmente no descaso com o tempo; e que sempre acha que o tempo/cronos tem que ser seu servo. O Dr. Caio já foi dizendo "o homem tem que ser senhor do tempo, mas isso não significa ser indiferente com o Cronos da existência, mas apenas em relação ao que nos seja imposto como obrigações das vaidades mundanas".

Todavia, eu não converso bem com esse Cronos da existência. Meu relógio não funciona direito! Por isso, eu, que vivo entre humanos e não numa ilha deserta, que tenho responsabilidades e obrigações, tenho que me fazer senhor do tempo pela ordem, pelas prioridades e pela organização. Ou teria. Ao contrário, me torno escravo do tempo pelo descaso da procrastinação. E não apenas me torno escravo do tempo, mas escravizo outros à minha não reverencia para com o passar do tempo em cada dia.

O dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal (Mt 6:34); mas para aquele que procrastina cada dia pode inventar mutos males que não existem; e isso apenas porque o descaso com o tempo cria o diabo das acumulações. Um procrastinador é um acumulador de tarefas; ou é um desperdiçador de oportunidades kairóticas de tempo [tempo/oportunidade]; ou é um esbanjador relapso de vida e existência; sendo, por isto, também um desperdiçador de dons e de possibilidades de ser para si e para os outros.

Na existência do procrastinador cabe muito do que não precisa e pouco do que é importante, dia após dia.

A procrastinação também tem um poder corrosivo nas relações, especialmente para os que a assistem impotentes; posto que cansem e se exasperem; ou, em alguns casos, tornem-se co-dependentes do vício do outro; ou, ainda, aflitamente carentes de reorganizarem suas vidas em função de tal disfunção sócio/atemporal daquele com quem convive.

Não é preciso dizer que no ambiente de trabalho o procrastinador fica logo desempregado; embora alguns não sejam logo percebidos, especialmente no serviço público - quando, então, não podendo perder o emprego, passam a não ser utilizados ou demandados, a fim de que os demais não morram de irritação.

O maior ambiente de expressão do procrastinador é a família nuclear, vindo a seguir a família extensiva e os amigos. A sorte do procrastinador familiar é quando a cultura da procrastinação é uma marca de todos; e, por vezes, até por gerações. Dr Caio fala que já assistiu romances acabarem por causa da procrastinação; ou casamentos também; que já ouviu cônjuges dizerem que por vezes desejavam terminar o casamento em razão de que o outro não se curava jamais de tal vício de atemporalidade funcional e objetiva.

Procrastinação é uma amputação mental de funcionalidades; e, por isto, é coisa muito séria! Nem todo procrastinador é egoísta, mas o ato ou as ações de procrastinação sempre implicam no egoísmo prático em sociedade; posto que se trate, ainda que inconscientemente, o tempo dos outros como inexistente.

Procrastinar é perder a reverencia para com o tempo; o que é uma falta de consideração grande para com o próximo, para consigo mesmo, e, também, para com as dádivas de ser que acontecem entre o acordar e o adormecer. Fiquei pasmo com a gravidade do meu caso. Mas então, o que fazer? O Dr. continuou:

"A cura para a procrastinação vem de reconhecê-la sem auto-justificação; e, a seguir, enfrentá-la; deixando toda autogratificação para o último lugar; ou, no caso dos mentalmente baratinados, fazendo uma agenda do dia, com hora para tudo; e, sobretudo, perguntando a quem nos ama o que é mais importante. O que é prioridade? O que deve vir primeiro?"

Sim, pois muitos procrastinadores não têm qualquer noção objetiva de importância e de prioridade objetiva; ainda que, muitas vezes, tenham grande noção de significados subjetivos.

"Sua hora acabou. Teria muito a dizer, mas esses são alguns conselhos básicos para os que não são  preguiçosos, mas apenas mentalmente atemporais, confusos, inobjetivos, ou viciados na escravidão da pseudoliberdade de que o tempo existe para servir-lhes como cronos."

Na porta, olhei para o senhor que entrava. "Sr. Ananias, queria marcar uma hora..." Ele me ignorou. Falou com o doutor, me olhando. Na saída respondeu:

- E agora por que te deténs? Vai e lava os teus pecados, invocando o nome do Senhor. (Atos 22:16)

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Essa pseudo-farofada foi o que conseguimos fazer com os textos da Pabine Félix e do Caio Fábio. Vai um grande abraço para eles e que Deus os proteja de nós.

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