domingo, 6 de março de 2016

Jesus te ama?



Um slogan bem comum no meio cristão é “Jesus te ama”. Você já deve ter ouvido e lido muitas vezes, talvez já tenha dito a alguém. Mas, exatamente, quando Jesus disse que ama Eu, Você, José, Joaquim, Marina ou Lúcia? Jesus não disse. Inferimos isso de “exegeses” do texto bíblico, ou até melhor dizendo, da tradição cristã. Por isso resolvi voltar um pouco às origens e examinar exatamente quando Jesus disse que amava alguém e os diversos significados que “Jesus te ama” pode ter, a partir do Novo Testamento.

Categoricamente, o único evangelista que registra Jesus dizendo EU AMO é João. Ele menciona isso 4 vezes:

(A) Ora, Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro (João 11.5) … Tendo, pois, Maria chegado aonde Jesus estava, e vendo-o, lançou-se aos seus pés, dizendo-lhe: Senhor, se tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido. Jesus pois, quando a viu chorar, e também chorando os judeus que com ela vinham, moveu-se muito em espírito, e perturbou-se. E disse: Onde o pusestes? Disseram-lhe: Senhor, vem, e vê. Jesus chorou. Disseram, pois, os judeus: Vede como o amava (João 11.32-36)

(B) Ora, um de seus discípulos, aquele a quem Jesus amava, estava reclinado no seio de Jesus (João 13.23). Esse mesmo assina seu texto como “o discípulo amado”, e desde sempre convencionou-se dizer que seria de João esse texto.

Outras referências menos diretas ou até reflexivas apresentadas por João também incluem

(C) Como o Pai me amou, também eu vos amei a vós; permanecei no meu amor (João 15.9,10).

(D) O meu mandamento é este: Que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos (João 15.12,13).

Os demais evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e mesmo Paulo não relatam diretamente Jesus dizendo “eu amo”. Antes que você replique que Paulo não conviveu com Jesus, é necessário acrescentar que os ensinamentos de Paulo foram supostamente transmitidos a ele por visão ou iluminação, e não por ensino de algum mestre terreno, segundo ele mesmo afirma.

Assim, o Novo Testamento traz Jesus dizendo diretamente que ama os irmãos Marta, Maria e Lázaro, João [evangelista] e um coletivo que pode ser todos os seus seguidores ou apenas os presentes ali, naquele momento. Ir além disso é exegese, é filosofar sobre o texto. As passagens (C) e (D), dirigidas a um coletivo não nominado de seguidores; estão em um contexto de Jesus salvando a vida dos amigos (e o Novo Testamento dá a entender que isso não se refere ao plano físico) e Deus provendo favores a seus amados. Ser salvo no Outro Mundo e ter seus pedidos realizados nesse mundo mesmo seria um interpretação possível para “Jesus te ama”.

Certamente podemos acrescentar atos de amor não especificados como as muitas curas e até a alimentação de uma multidão (que podia estar com fome). Se tomarmos essa atividade “curativa” como demonstração pessoal de amor, então de fato Jesus assumiu seu amor por muitos que ele nem conhecia e apenas cruzaram seu caminho ou foram trazidos a Ele.

E chegamos a um ponto crucial. Jesus morreu e, ainda que tenha ressuscitado, não permaneceu entre os homens. Assim, “Jesus te ama” se transformaria forçosamente em uma exegese no sentido de que, se Jesus estiver presente, Ele fará algo por ti: uma cura física (como no caso dos cegos e coxos), psíquica (como no caso dos endemoniados ou da mulher samaritana) ou até moral (como no caso da adúltera quase apedrejada).

A revelação do Evangelho a Paulo (Gálatas 1:11,12) é o primeiro evento a sugerir uma presença que transcende o físico ou material no sentido da prática efetiva de algo por um ser que não está mais fisicamente presente. Marcos registra Jesus anunciando que manifestaria curas (como as realizadas por Ele mesmo) através de seus seguidores:

E estes sinais seguirão aos que crerem: em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas, pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão (Marcos 16.17,18).

Lucas, de forma análoga, registra Jesus dizendo que seus seguidores teriam super-poderes contra o “inimigo” (Lucas 10.19), mas não entra em detalhes sobre como isso seria amor. Assim, uma interpretação bíblica para “Jesus te ama”, pelo menos nesse mundo, seria “Jesus vai te curar, por meio de alguém que acredita Nele”. Claro que essa afirmação, na boca de um cristão, seria fortemente reflexiva, virando até “O que eu poderia fazer por você?”, no bom sentido do que Tiago e João ensinam a fazer (Tiago 2, 1ª João 4.20,21). O rapaz de verde deveria ler isso...

João também associa crer em Jesus com beneficiar-se do amor de Deus (João 5.41-43, 14.21, 14.22-23, 16.26,27, 1ª João 4.15-21), de forma que “Jesus te ama” ganharia a forma de “Deus te ama (se você crê em Jesus)”. O amor de Deus é traduzido por João como ter vida (João 5.40) ou crer em Deus (João 17.3), honrar a Deus (João 5:44), receber favores de Deus (João 14.14) e “ser a morada de Deus” (João 14.23). Assim, em outras palavras, “Jesus te ama” seria curiosamente traduzido por “Deus permitiu a você crer Nele, O honrar e realizar Sua vontade, além de Ele mesmo realizar as tuas”. Juntando a anotação de Marcos, isso pode se estender a ter super-poderes para curar/salvar/ajudar a si mesmo e quem estiver eu teu caminho, creiam eles em Jesus ou não.

Claro que o “Porta dos Fundos” não tem nenhum compromisso com valores Cristãos, mas vale saber que um tema assim como a banalização de “Jesus te ama” ou até seu uso longe do significado bíblico acaba sendo abordado por um instrumento tão perspicaz como o humor.

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