quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sinais do caminho certo


A Conversão de Saulo
Michelangelo Caravagio - 1600

Esse texto foi publicado originalmente por Alessandro Mendonça. Pobre coitado do autor, sua obra virou algo diferente. Ou não.

... Felipe ... evangelizava todas as cidades até que chegou a Cesaréia. Saulo, porém, respirando ainda ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote e pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim de que, caso encontrasse alguns do Caminho... os conduzisse presos a Jerusalém” (Atos 8.40-9:2)

A junção do último versículo do capítulo 8 com os primeiros versículos do capítulo 9 torna melhor a percepção do contraste ente entre os caminhos de Felipe, novo cristão, e de Saulo, fariseu filho de fariseus e educado na alta classe romana. Há aqui dois ministérios contrários em expansão e, curiosamente, ambos cuidavam estar fazendo a vontade de Deus. Felipe pôde continuar seu ministério, enquanto Paulo foi drasticamente tomado de seus rumos originais e juntado aos apóstolos por uma aparição do próprio Senhor em sua viagem até Damasco.

Como saber se estamos trilhando os "caminhos de Felipe" ou os de Saulo? Primeiramente falemos de alguns aspectos que NÃO SÃO GARANTIAS de se estar fazendo a vontade de Deus.

OBTENÇÃO DE SUCESSO

O sucesso de uma missão geralmente se mede pelos frutos que ela traz. Enquanto ela não termina, a concretização dos seus planos não garante a procedência divina da missão. É comum pensarmos que apenas o fracasso como vemos é um indicativo da desaprovação divina. Se algo que faço em nome de Deus vai bem é porque Deus “está no negócio”. Nem sempre é assim, todavia.

Saulo estava sendo bem sucedido em seu empreendimento:

Eu, na verdade, cuidava que devia praticar muitas coisas contra o nome de Jesus, o nazareno, o que, com efeito, fiz... castigando-os muitas vezes por todas as sinagogas, obrigava-os a blasfemar" (Atos 26.10,11).

Entretanto, se olharmos para o futuro de Saulo (e hoje podemos fazer algo que ele não podia), vemos uma definição de sucesso muito diferente daquela que ele carregava. Seus planos de perseguir os cristãos prosperavam, mas tiveram um fim drástico. Convertido à fé que ele mesmo perseguia (e até seu nome foi mudado para Paulo), ele passou grande parte da vida em prisões romanas, o que não pode ser um indicativo de sucesso. Porém, de lá ele escreveu as cartas que evangelizaram grande parte do mundo e hoje ocupam boa fatia do Novo Testamento. Ou seja, quando via sucesso em suas ações, ele na verdade se aproximava do fracasso; quando tinha motivos sólidos para ver fracasso, ele construía seu sucesso!

O NOME DE DEUS

Saulo não agia em nome de um paganismo ou de uma heresia qualquer. Ele era um seguidor zeloso do Deus Verdadeiro e um conhecedor da Lei Mosaica (a mesma que Jesus veio cumprir).

Entretanto, o nome tão somente não garante a procedência divina da missão. Saulo zelava pela manutenção da pureza doutrinária da fé que, para ele, estava sendo posta em perigo. Quase todas as heresias doutrinárias nasceram em concílios que alegavam a defesa da fé, a apologética... Quase sempre o perigo está em se achar que a fé está em perigo. As ações em nome de "salvar a fé" são famosas por toda história, sobretudo pelas atrocidades que deixaram como rastro. Massacre dos cristãos, dos pagãos em Roma, dos judeus na Idade Média, massacre dos protestantes, massacre dos muçulmanos... 

MÉTODO, PLANEJAMENTO, CRITÉRIO E PERSISTÊNCIA

Saulo era um homem metódico, planejador, criterioso e persistente. Para que tivesse êxito em sua nova empreitada (agora em cidades mais distantes, começando por Damasco), buscou na autoridade dos sacerdotes a permissão para invadir sinagogas e tirar à força os seguidores do Caminho que lá se encontrassem.

Saulo não agia sozinho, não representava a si apenas. Tinha o respaldo da instituição religiosa. Não apenas isso; tinha a “benção” da maior autoridade: o Sumo Sacerdote judeu. Todavia a "unção da liderança" não garantiu a procedência divina da missão. Deus não “terceiriza” sua aprovação. Estar debaixo de uma “autoridade”, de um “manto” ou “cobertura” ou seja lá o nome que se dê, nada disso por si garante que o caminho que trilhamos provém de Deus.

Por outro lado, a busca de respaldo dos superiores é sinal de falta de autoridade própria. Saulo pretendia visitar as sinagogas de Damasco. Cada sinagoga possuía uma liderança local e suspeitava-se que algumas pudessem estar abrigando judeus convertidos à Cristo. Por isso Saulo solicita “cartas” às autoridades de Jerusalém. Isso é um sinal de fraqueza. Se os cristãos fossem realmente hereges, os líderes das sinagogas se convenceriam mediante correta argumentação.

NÃO CONFUNDA IRA COM AUTORIDADE

O texto diz que Saulo estava “respirando ameaças e morte” ou seja, estava “bufando de raiva”. A raiva é um poderoso motivador, geralmente para agir errado. O estresse costuma fixar a mossa mente em um objetivo, a despeito de sinalizadores de que esse não era tão bom assim... ignoramos o cansaço, o fato de não ter uma recompensa boa no final, ignoramos conselhos de pessoas. Dificilmente você desiste de fazer algo quando age com raiva!

O ímpeto de agir é tanto que, se alguém tentar te impedir (mesmo uma pessoa querida), pode acabar agredido fisicamente ou com palavras. Em geral, a tentativa de silenciar o outro ou tirá-lo do caminho é sinal de fraqueza dos seus argumentos para o que planeja fazer... Saulo era um hábil debatedor, educado entre doutores (como se comprovará depois de sua conversão). Se ele tivesse autoridade divina em sua missão, seus argumentos e não a força seriam as armas para silenciar a oposição.

E, SE ESTIVERMOS NO CAMINHO ERRADO?

Acreditando que fazia o certo, Saulo seguiu para Damasco para caçar e prender cristãos. Podemos estar trilhando caminhos errados neste momento, mas o que torna um caminho errado é menos o seu DESTINO e mais o seu PROPÓSITO. Quando Saulo se converte ele não dá meia-volta, mas segue para Damasco. Manteve a rota, mas mudou o propósito. Desta vez, sim, obedecendo à Deus, por decisão e autoridade próprias.

Deus pode mudar situações sem mudar o caminho (mesmo destino, motivações diferentes). Nem sempre é preciso mudar a rota. Damasco era, de fato, o lugar no qual Deus queria que Saulo estivesse. A diferença estava no íntimo; naquilo que Saulo pretendia fazer. Podemos imaginar o susto dos cristãos de Damasco ao receberam em sua comunidade justamente aquele cujo nome era mais temido por eles...

Não importa o quão determinado alguém esteja em fazer algo errado. Não importa que as passagens já estejam compradas, os papéis assinados, a palavra dada, a aposta feita. Não havia nada tão certo quanto a disposição de Saulo em prender os cristãos. Ele estava determinado, tinha o apoio de seus superiores, a companhia de seus semelhantes e já estava se aproximando do alvo. As mudanças de Deus sempre poderão ocorrer e, muitas vezes, de forma instantânea. O que também não obrigará as pessoas a acreditarem na mudança (Pedro em especial tinha receios quanto a Paulo), mas Deus sempre cria formas para que Seus planos se concretizem. O Senhor preparou Ananias para recebê-lo, sabendo que os cristãos fugiriam ao ver Saulo. A conversa de Jesus com Ananias em Atos 9.11-16 é reveladora:

"[Ananias,] Levanta-te, e vai à rua chamada Direita, e pergunta em casa de Judas por um homem de Tarso chamado Saulo; pois eis que ele está orando; e numa visão ele viu que entrava um homem chamado Ananias, e punha sobre ele a mão, para que tornasse a ver."

E respondeu Ananias: "Senhor, de muitos ouvi acerca deste homem, quantos males tem feito aos Teus santos em Jerusalém, e aqui tem poder dos principais dos sacerdotes para prender a todos os que invocam o Teu nome."

Disse-lhe, porém, o Senhor: "Vai, porque este é para mim um vaso escolhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e dos reis e dos filhos de Israel. E eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo meu nome."

Não era Ananias ou Judas quem deveria punir Saulo, e Jesus requisitava esse direito. Ele havia escolhido Saulo e ponto final.

A conversão de Saulo se dá no momento em que ele aceita e atende a orientação recebida de Jesus na visão: “Eu te direi o que convém fazer”. Sua conversão não foi percebida por seus colegas. A marca exterior de seu encontro com Deus não foi uma face resplandecente, um halo sobre a cabeça ou coisa parecida. Foi uma cegueira física, sinal que os judeus interpretavam como maledicência. Uma cegueira que fez Saulo passar a ‘enxergar para dentro e para trás’. Por três dias, em trevas, Saulo teve tempo para contemplar seu mundo interior e relembrar os testemunhos que certamente ouviu das muitas pessoas que inquiriu e pôs atrás das grades.

MOTIVAÇÃO

Sem dúvida, as pessoas agem segundo o que acreditam. A revelação de Cristo à Saulo no caminho para Damasco também é uma revelação a nós daquilo que é mais fundamental quanto a conversão de um ser humano. A pergunta de Jesus a Saulo revela o aspecto mais básico de qualquer conduta pecaminosa: a motivação. Jesus não censura, não corrige, não lamenta. Jesus pergunta: “Por quê me persegues?” A questão é: “Por que você faz isso? Qual sua razão? Qual sua motivação?

Saulo não responde e isso também é revelador. Ora, ele tinha “plena” convicção das razões para perseguir aqueles que pertenciam à seita chamada “Caminho”, mas diante da pergunta simples de Jesus, Saulo emudece. Quando nós mesmos nos perguntamos a razão de fazermos algo errado, podemos encontrar e criar as razões, mas quando é Jesus quem pergunta só resta o silencio da verdade.

A orientação de Jesus também é reveladora: “Eu te direi o que convém fazer”. Esse é o sentido da vida do convertido: aguardar a orientação de Jesus para fazer o que é conveniente. Devemos ter a motivação fornecida pelo Senhor.

Saulo havia confiado em aparentes sinais da aprovação divina e já estava tão envolvido no processo que parecia não haver mais retorno, mas, como em sua conversão, Deus pode nos encontrar mesmo nos caminhos que foram iniciados no engano, pode nos fazer cair para que possamos nos erguer, nos cegar para que possamos enxergar e nos fazer dar meia-volta para que possamos ir adiante.

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