- Eu sou cristão! Juro por Deus!
Vai aqui um desabafo do Tuco Egg, que agora confessa à mais alta inquisição o seu abandono da igreja. Os inquisidores pedem que o público não leia esse texto pelo próximos 3000 anos, sob pena de serem visitados pela Cuca quando estiverem dormindo. Quanto ao Tuco, os inquisidores o sentenciam a ver seu texto ser massacrado e debulhado por eles mesmos. E tenho dito.
Depois de mais de 3 décadas, muito esforço, dedicação, envolvimento, alegrias e sofrimentos, deixei de lado a 'igreja formal'. É possível, apesar de pouco provável, que alguns dos leitores desse blog sejam membros da mesma igreja da qual eu participava. A esses, se existirem, um abraço apertado. Não nos veremos mais nos domingos nem nos demais encontros promovidos pela instituição (salvo, talvez, como visitante em alguma situação), mas espero ainda encontrá-los aqui e ali, e poder abraçá-los cheio de saudades.
A história da despedida foi, pelo menos para mim, mais suave do que poderia imaginar. As conversas com os pastores e os emails desconfiados geraram, como seria inevitável, certa tensão e desconforto. Mas o tempo foi soprando o nevoeiro e, aos poucos, o ambiente foi ficando iluminado. Tornou-se claro, e aqui falo unicamente por mim, que os caminhos não eram mais os mesmos e não nos permitiam mais seguir lado a lado.
Minha cabeça e coração já estavam muito distantes do modelo formal, repleto de cuidados, de excesso de zelo pelo desejo de manter o povo unido e as engrenagens funcionando - e são tantas engrenagens, tantos ministérios, reuniões, assembléias, planos, projetos, números e gráficos. Tudo bem intencionado, creio, mas com o propósito claro de crescer, aparecer e permanecer. E eu já venho há muito sonhando com o diminuir, dispersar, desaparecer e sumir.
Sei que para muitos isso parece exagero (afinal, a 'igreja' que abandonei não é nem de longe adepta das loucuras do mundo gospel, nem da manipulação descarada e bandida de malafaias e terranovas que querem mesmo é enriquecer às custas da cegueira da multidão, tangida de um lado para outro como gado em pasto seco). Mas não creio que seja. Um pouquinho só de fermento leveda a massa toda.
O chamado que um dia aceitei seguir porque me atingiu em cheio o coração e encheu-me de alumbramento, é o chamado para sumir. O que ecoa no meu peito são as palavras de dispersão. Vão - disse o mestre - sejam sal, sejam luz, sempre indo, caminhando, espalhando, dispersando, sumindo na multidão. Sal se dissolve e some. Dá gosto mas, depois que é espalhado, ninguém mais sabe onde está. Sumiu, mas salgou. Luz não se pega, não se toca, ninguém sabe descrever sua aparência. Sabemos que há luz porque tudo se torna visível - mas não sabemos onde ela está, não podemos tocá-la, descrevê-la.
Não. Não desprezo o ajuntamento nem a comunhão. Mas eles não tem nenhum valor se não forem frutos do desejo intenso do reencontro amoroso dos dispersos cheios de saudade. Um reencontro banhado na expectativa de compartilhar histórias boas e ruins da dispersão e, assim, de modo simples, livre e natural, aprender e crescer na fé. Mas são breves paradas, como a cervejinha no boteco, e não como a agenda profissional de um homem de negócios.
Como aquilo que enche meu coração vaza pela boca, nos últimos tempos passei realmente a ser, e continuo aqui falando unicamente por mim, um incômodo para o grupo. Sempre 'do contra', muito disperso, pouco participativo, pouco engajado. Estava dando um baita mau exemplo. 'Cuidado com o Tuco', é o que diziam aqui e ali, cheios de zelo e cuidado. O engraçado é que minguém se interessou pelo que eu fazia fora da igreja - isso parece não ter a menor importância. Então, para não ficar nessa lenga-lenga, causando indisposição e perturbando gente boa e bem intencionada, achei melhor me afastar. E com isso, creio, me libertei e libertei quem ficou. Cada um livre para seguir sua jornada da maneira como lhe brota no coração.
Atualmente engrosso a fileira das estatísticas dos 'sem igreja'. Obviamente sei que não é possível estar com Jesus e ser um 'sem igreja' a menos que se defina igreja como uma coisa palpável e descritível. Para ser 'sem igreja' precisaria crer que posso possuir uma, ou pertencer a uma. O discípulo de Jesus (e como eu quero ser um!) quando se encontra com mais um ou dois, é igreja. O verbo adequado é ser, não ter ou estar.
Assim, aos amigos cristãos membros de uma igreja formal, talvez até aquela da qual fui membro até mês passado, que porventura estejam preocupados comigo, relaxem. Continuo buscando proximidade com o Pai e sendo igreja dEle, galhinho verde vibrando viçoso no ramo da videira. Continuo na trilha que só Deus sabe onde vai dar.
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Mais de 1,1 milhão de brasileiros se declaram evangélicos sem vínculo institucional¹. Talvez seja bem mais do que isso, se considerarmos os muitos que não foram entrevistados, os que são itinerantes (e mudam freqüentemente de igreja) e todos os muitos cristãos que não são evangélicos. E não são cristãos? E seus pequenos grupos não podem ser chamados de igrejas?
Por um lado esse número é animador. Podemos imaginar pelo menos 1,1 milhão de brasileiros que têm alguma consciência crítica sobre a Igreja, no sentido em que que Jesus a imaginou, ou seja, bem distante de uma instituição e suas hierarquias funcionais, bem longe das reuniões com milhares de fiéis dentro de um templo com telão e som 3D por algumas horas na semana. Ter consciência crítica significa (supostamente) que toda essa gente foi capaz de entender que a sua concepção própria de Cristianismo era tão distante da concepção organizacional de onde estavam que não poderiam dividir o mesmo teto. Ou eles se enquadravam, abandonando seu próprio entendimento, ou saíam fora para não ser hipócritas com o grupo. Provavelmente 1,1 milhão de brasileiros preferiu a rua. Que bom que há tantos que não são apenas imitadores robotizados dos líderes!
Por outro lado, esse número é triste. Ele mostra que as igrejas (e certamente a maioria delas) não são locais onde as pessoas se sentem livres, onde são acolhidas como são. Jesus convidava fariseus, publicanos, prostitutas e pescadores para virem aos seu grupo, mas as igrejas não são tão ecléticas. Para estar no rebanho, é preciso ter a mesma cor do grupo, é preciso apagar a individualidade que Deus deu. Certamente você está pensando agora... mas como é que se pode juntar católicos e protestantes, pentecostais e tradicionais, tudo num mesmo grupo? Ninguém pode fazer isso, a não ser impondo sofrimento. E havendo sofrimento, as pessoas dizem adeus à igreja, congregação, denominação, etc. Isso é obra de homens... cadê a obra de Deus?
Outra coisa que esse número mostra é que pelo menos 1,1 milhão de brasileiros precisa estar num grupo que compartilhe de suas opiniões. Isso não é bom nem ruim, é apenas um retrato do mundo atual - e ansioso - onde todos clamam por individualidade a tal ponto que usam a internet para cada qual construir seu universo particular. Há um certo MITO DA UNIDADE rondando por aí dentro da imaginação das pessoas, de que uma comunidade é "forte" ou "saudável" quando todos ali pensam da mesma forma e são muito parecidos. Dentro e fora das igrejas, as pessoas sentem-se doloridas de que os outros não pensem exatamente como elas. É preciso haver um pensamento DO GRUPO, da empresa, da comunidade ou da igreja que seja, no qual as pessoas que não se encaixam - e talvez quase 100% dos integrantes ache que o grupo não compartilha suas idéias - precisam sair ou até "se converterem". Mas onde está a obra de Deus nisso? Não foi a Bíblia escrita por muitas mãos?
Falta um pouco de fé em que Deus possa ser muito mas criativo que todos nós, agindo das formas mais variadas e através das pessoas mais diferentes. Falta um pouco de fé em que Deus possa fazer a sua obra independentemente das nossas convicções/preconceitos pessoais e principalmente sem a necessidade de que o grupo todo nos siga ou que sigamos cegamente o grupo. Finalmente, falta um pouco de fé nas pessoas, que podem ser enviadas por Deus mesmo que não sigam as regras nossas ou sequer as Dele. Davi era favorito para ser rei? Paulo não era desertor da Lei Romana? Pedro não contendia com ele? João não comia gafanhotos? Jesus não fazia vinho para a festa?
No século 13, um pensador cristão chamado Ramón Llull ousou tentar um diálogo entre cristãos e islâmicos dizendo que deveriam "começar por aquilo em que concordassem". Bom, certamente algo que todos os cristãos concordam é a necessidade de seguir os ensinamentos de Jesus. Cada qual talvez tenha sua forma de fazer isso, alguns usando cabelo verde e alargadores de orelha, outros vestindo ternos alinhadinhos, alguns dançando hinos e outros orando nos lares. Esse jeito pessoal não parecia importante para Jesus, a menos que impedisse alguém de segui-Lo: a sedução das riquezas e prazeres foi apontada como "espinhos" que sufocam a fé (Mt 13)... Mas estar em grupo certamente é importante. O grupo em si não é importante - a história de Jó mostra exatamente isso - mas estar no grupo é valoroso, se você quer o bem daqueles que estão junto de si. Fazer esse bem é a obra de Deus em cada um, pois não podemos controlar ninguém além de nós mesmos, e talvez nem a nós mesmos.
Ser um cristão sem-igreja significa, antes de mais nada, duvidar da igreja como reunião de pessoas. ou até como empresa. Alguns fazem isso por uma questão de rebeldia: têm gostos próprios e comportamentos impróprios que são como as terras do jovem rico. Sem elas, não dá... A conversão de alguém não é papel da igreja e sim do Senhor, por isso e para esses, o que resta é esperar e orientá-los. Mas longe da igreja? Ficar longe de um prédio é simples, mas como ficar longe das pessoas que te amam? E será que te amam mesmo, até ficando contra você? Para outros, ser um sem-igreja significa a liberdade de exercer o que tem no coração livres das rédeas de um grupo que você acha que é o grupo CERTO e com o qual você não compartilha idéias. Basicamente, é um grupo onde você tem de se anular para fazer parte, e talvez para fazer a obra que Deus colocou em seu coração. E será que você ama alguém o suficiente para gastar seu tempo com ele, em nome do Senhor teu Deus? Certamente você (e todos nós) pode responder essas perguntas.
Tão sério quanto isso, será que basta ser cristão sozinho? Basta cada um cuidar da sua vida, ainda que o faça segundo os preceitos do Senhor? Sem dúvida cada um responde apenas por si próprio, com exceção daqueles que são exemplo ou instruem outros. O amor de Jesus existe para que cada um salve a si mesmo? Como manifestar amor por aqueles que são tão avessos a mim mesmo?Ele garantiu que estaria conosco sempre, então acho que também deve SE fazer essas mesmas perguntas todos os dias.
Segue um abraço a todos os sem-igreja e o costumeiro convite para que deixem essa condição. Santo paradoxo, hehehehe.
Mq 2.10. Não temos nós todos um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que agimos aleivosamente cada um contra seu irmão, profanando a aliança de nossos pais?
Fp 2.3-4. Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros.
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SE ATÉ NÓS FOMOS CAPAZES DE LER...
¹ Quem precisa de igreja? Revista Igreja nº 17
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