quarta-feira, 8 de junho de 2011

Conto do Apóstolo Pródigo


texto de Augustus Nicodemus Lopes

Estudando Paulo para dar aulas esta semana, percebi mais um aspecto interessante do apóstolo que o distancia dos apóstolos modernos. Ao contrário dos tais apóstolos que se lançam para fazer carreira solo e ter seu próprio ministério, Paulo sempre fez questão de mostrar que ele fazia parte do grupo apostólico de sua época, embora tivesse sido chamado para ser apóstolo quando o prazo de matrícula já tinha expirado ("nascido fora de tempo", 1Co 15:8).

Se alguns têm uma visão de Paulo como um individualista que seguiu carreira e ministério próprios, isto se deve, em parte, à Igreja Católica que colocou Pedro acima dos demais apóstolos e portanto longe de Paulo. Os liberais também contribuíram para isto, quando fizeram de Pedro o líder do Cristianismo judaico da Palestina e Paulo o líder do Cristianismo gentílico de Antioquia, em constante tensão e hostilidade mútuas. Tanto uma coisa como outra ocorreram bem depois da morte de ambos.

De todos os apóstolos, Paulo era o mais culto, o mais preparado intelectualmente e com maior experiência intercultural. Nascido em Tarso da Cilícia, em território grego, educado no que havia de melhor e mais refinado na erudição judaica, de família rica o suficiente para lhe dar o status de cidadão romano, Paulo se destacava dos pescadores, cobradores de impostos, artesãos e ex-guerrilheiros galileus que compunham o quadro dos Doze apóstolos "iletrados" de Jesus Cristo (At 4:13). Com facilidade ele poderia ter iniciado um movimento independente e ter seu próprio ministério e até mesmo fundar uma religião. Todavia, ele se negou a fazer isto e até mesmo repreendeu os seus fãs que queriam começar o "partido de Paulo" (veja 1Co 3:4-9).

Na realidade, o retrato que temos de Paulo em suas cartas e no livro de Atos é de um apóstolo que não se via tendo um ministério solo nem próprio, mas em perfeita harmonia e cooperação com os demais. Para ele a igreja está edificada sobre o fundamento "dos apóstolos e dos profetas" (Ef 2:20). Ele não se vê como um fundamento à parte. Ele honrou os apóstolos antes dele, visitando-os em Jerusalém e procurando comunhão e harmonia com eles (Gal 1:18). Foi provavelmente nesta ocasião que ele aprendeu com eles acerca de várias tradições originadas em Jesus (1Co 11:2; 15:3-7). Paulo declara que eles eram importantes e colunas da igreja, apesar de terem uma condição humana muito humilde - o que realmente não importava, pois Deus não olha para o exterior (Gal 2:6). Os sinais e prodígios que ele realizava eram "credenciais do apostolado" (2Co 12:12), isto é, sinais que eram operados por todos os que eram apóstolos. Paulo não teve problemas em se submeter às instruções de Tiago quando esteve em Jerusalém (At 21:18-26).

E quando é obrigado a dizer que trabalhou até mais que eles, Paulo logo acrescenta que é somente pela graça (1Co 15:10). E quando teve de repreender a Pedro por sua inconsistência (Gal 2:11-21), isto não fez com que se separasse dele - na verdade, Pedro mais tarde até mesmo recomenda as cartas que Paulo escreveu como se fossem Escritura! (2Pe 3:15-16).

A melhor maneira de descrever como Paulo se via entre os demais apóstolos é aquela do filho pródigo, que disse ao pai, ao regressar, "não sou digno de ser chamado teu filho" (Lc 15:21). Por ter perseguido a Igreja, Paulo fala de seu apostolado como uma honra nunca merecida, um favor especial concedido por Deus: "Porque eu sou o menor dos apóstolos, que mesmo não sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus" (1Co 15:9). Devo este parágrafo a J. Van Bruggen.

Fico com a impressão que a inspiração dos modernos apóstolos evangélicos não é Paulo ou um dos Doze. Quem seria, então?

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Augustus Nicodemus Gomes Lopes, natural da Paraíba, é pastor presbiteriano, teólogo calvinista e escritor. É considerado um dos grandes teólogos brasileiros de linha conservadora. É casado e tem quatro filhos. Sua linha de interpretação segue o método gramático-histórico em oposição ao método histórico-crítico de interpretação. Em sua avaliação de natureza neopuritana, argumenta que a infalibilidade das escrituras dá-se apenas nos originais. Acredita no fim da revelação divina através de dons espirituais como profecia, bem como não acredita na manifestação de línguas estranhas como sinal de atuação do Espírito Santo para os dias modernos. Por esse motivo, é considerado por escritores pentecostais como cessacionista e elitista em sua interpretação das Escrituras. Esse texto foi xerocado digitalmente de http://tempora-mores.blogspot.com/2011/01/o-apostolo-prodigo.html

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