domingo, 29 de maio de 2011

No saleiro



Desde muito cedo em nossa caminhada dentro de ambientes “evangélicos” somos ensinados e condicionados a termos um perfil de leitura, onde as nossas bibliografias acabam indicadas ou direcionadas de acordo com o perfil doutrinário de nossas denominações. Isso quando há leitura - em nosso país, intrução e estudo são exceção, não regra. Preconceituosamente, todas as leituras que não se enquadram com o perfil da doutrina da denominação ao qual freqüentamos, logo são caracterizadas como diabólicas e inválidas para nossa formação espiritual.

Grande maioria das leituras que encontramos em livrarias evangélicas é escrita por autores sensacionalistas que escrevem seus compêndios baseados em suas experiências pessoais e astrais, criando uma “orgia religiosa” que é misto de xamanismo, espiritismo e cristianismo, onde não se sabe no final quem é quem ou o que” [vide qualquer livraria evangélica]. São poucos os autores que podemos afirmar serem confiáveis como leitura qualificada e equilibrada. Destes poucos a que me referi, podemos citar menos ainda “autores nacionais” de confiança, que não sejam meros plágios de “teólogos americanizados”, ou divulgadores de doutrinas e filosofias pessoais.

Dentro disso, a formação intelectual “evangélica” acaba por se tornar pobre e destituída de intelectualidade e inteligência, caminhando sempre em direção a uma espiritualidade sensitiva sem base e quase sempre descontextualizada. Entenda-se com pouca ou nenhuma aplicação social prática, o que é de uma marca das igrejas de muitos lugares. Fala-se em Jesus e pregação, mas os cristãos acabam conhecidos por baterem nas portas, andarem com bíblias debaixo do braço e serem abstêmios de álcool. Nossa participação social como grupo? Nenhuma. E isso, mesmo com o livro de Tiago sendo duro como é.

Nessa ignorância que buscamos, temos explicadas uma série de barbáries que presenciamos todos os dias em nossas comunidades. Não havendo um limite determinado de forma coerente, damos espaço para os megalomaníacos assumirem a frente e definindo limites a seu próprio gosto e propósitos.

Creio que o “povo Evangélico” precisa urgentemente ser revolucionado na formação de seu pensamento para escapar desse cativeiro intelectual, do que vemos e ouvimos. Muitas vezes se fala em “deixar aquilo que é DO MUNDO”, mas imaginamos que podemos fazer por nós mesmos algo destituído de mundaneidade. Basta ver os shows gospel, o estrelato de alguns artistas cristãos e o vendaval de produtos “de Deus” para não achar o que nos diferencie de qualquer outro grupo social.

O cativeiro intelectual a que somos submetidos (e que é interessante a lideres perfil ditatorial) também é uma forma de domínio silencioso. Ela se apóia em nossa preguiça natural de pensar, de resolver os problemas com as ferramentas que a Bíblia nos dá. Ignorando toda outra interpretação possível, muitas vezes tomamos este ou aquele verso interessante e nos tornamos “senhores da Lei”, como aqueles a quem Jesus ensinava com parábolas. Se delegamos a alguém a capacidade de interpretar as escrituras, tornamo-nos dependentes de algum outro para chegar a Deus. Alguém que serviria de ponte, quando Jesus mesmo afirmou que somente através Dele se chega ao Pai. Queremos milagres, mas não pedimos que o Espírito Santo nos instrua sobre os ensinos de Deus? Bem escreveu Salomão:

Pv 3.1. Filho meu, não te esqueças da minha lei, e o teu coração guarde os meus mandamentos. Porque eles aumentarão os teus dias e te acrescentarão anos de vida e paz. Não te desamparem a benignidade e a fidelidade; ata-as ao teu pescoço; escreve-as na tábua do teu coração. E acharás graça e bom entendimento aos olhos de Deus e do homem. Confia no SENHOR de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas.

Os guetos eram lugares onde minorias se reuniam, era um lugar onde se criava grupos separados com culturas e costumes aparte das outras sociedades vizinhas. A princípio, a “Cultura de Gueto” evangélica parece ser positiva e é muito incentivada dentro de nossas congregações. Somos ensinados a “não ter comunhão com o mundo”, sendo esse o pressuposto de uma falsa “santidade farisaica” que Jesus combateu a feios nomes. Se somos o “sal do mundo”, incentiva-se que o saleiro permaneça entupido, com o sal salgando-se a si mesmo. Qual o nosso papel social?

Buscar na Bíblia a solução de problemas corriqueiros pode não ser simples. Afinal, não é um livro de culinária, nem de marcenaria ou manual de eletrodoméstico. E também não é um ensino de política ou de aplicação da sua força de trabalho. Não é mesmo, exceto pelos relatos da intervenção de Deus na vida de gente tão atrapalhada quanto qualquer cristão atual. A Bíblia não tem a complexidade literária de Sheakespeare, nem a musicalidade de Pixinguinha, mas ela revela como um e outro foram formados, acredite, pelo mesmo Deus. Seria válido interpretar Sheakespeare pela Bíblia? Eis que Salomão dizia: “reconhece-o em todos os teus caminhos”... E dizer que o mundo não segue as leis divinas seria destruir o seu valor.

Creio que chegamos a um ponto onde a cultura está a empurrar o cristianismo em novas direções. Cristãos fazem música, filmes, comentários e moda. Mas em que se baseiam, além da Bíblia e sua auto-engenhosidade? Hoje há cristãos em blogs, há cristãos no twitter, na rádio, na TV, na padaria, no mercado, no ônibus, e talvez desconfiemos uns dos outros mais do que de um qualquer. Somos de guetos diferentes, inimigos pela fé que nos coloca aos pés de um mesmo senhor? 

Somos humanos, a cultura cristã reflete a cultura humana. Talvez a tão falada e temida secularização não seja nada mais do que um desafio a nos convidar a sair de nossos casulos, buscando com o que possamos “salgar” a sociedade ao invés de sermos invadidos lentamente por ela. Lutar para achar o ensinamento cristão (de fé e amor, para começar) dentro de nós já será um grande desafio...

Vamos tentar seguir Jesus, que não fugou do mundo como os fariseus, mas levou o que tinha do Seu mundo para o meio de toda sorte de gente. E talvez um dia a cultura humana venha a refletir a cultura cristã.

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