Monumento judeu: a tumba de Ciro, o Persa, ainda é um local de adoração nas ruínas de Pasárgada
A saga dos judeus na Caldéia é contada por Jeremias, Ezekiel e Daniel.
JEREMIAS, O AVENTUREIRO
Jeremias assistiu o reinado de Josias em Judá. Após a conquista de Jerusalém pelos caldeus e deportação do rei Jeoakin, ele anunciou ao novo rei Zedekias que os babilônicos não iriam embora, mas destruiriam a cidade (Jeremias 37.7,8). Aos 45 anos, assistiu os movimentos de rebelião contra o governo caldeu em Canaã. Foi acusado de se aliar aos babilônicos e preso numa cela subterrânea, depois numa cisterna e finalmente foi solto por ordem do rei, que temia ser entregue aos invasores. Jerusalém foi tomada e Jeremias foi levado com os cativos, mas foi solto quando o comandante da guarda soube quem ele era e o que tinha previsto aos judeus. Quando tinha 65 anos, o governador babilônico Gedalias foi assassinado pelo príncipe amonita Ismael. Os judeus esperavam ir ao Egito em busca de segurança e Jeremias advertiu o povo sobre as intenções de Nabucodonosor:
Se continuardes a ficar nesta terra, edificar-vos-ei, e não vos derribarei; plantar-vos-ei, e não vos arrancarei; porque estou arrependido do mal que vos tenho feito. Não tenhais medo do rei de Babilônia, de quem vós tendes medo; não tenhais medo dele, diz Jeová; pois eu sou convosco para vos salvar, e para vos livrar das suas mãos. Conceder-vos-ei misericórdia, para que ele tenha misericórdia de vós, e vos faça voltar para a vossa terra. … Se vós tiverdes o firme propósito de entrardes no Egito, e fordes para lá peregrinar; a espada, que vós temeis, vos alcançará ali na terra do Egito, e a fome, que vós receiais, vos guiará bem de perto ali no Egito, e ali morrereis. (Jeremias 42.10-16)
Ele foi levado ao Egito junto com os que fugiam. Poucos anos depois, um novo ataque dos caldeus incendiou Jerusalém e levou cativos os que restavam. Esse era o grande ataque, que se estendeu até a Fenícia e o Egito. A Fenícia foi tomada; a despeito das profecias Jeremias, o Egito repeliu a invasão e somente caiu muitos anos depois, no ataque de Cambyses II da Pérsia (525 a.C.). Seguindo a narrativa, é provável que Jeremias tenha retornado a Canaã, onde foi levado com os últimos cativos a Babilônia, no fim da vida, para assistir a coroação de Evil-Merodaque (ou Evil-Marduk). Ele termina seu livro narrando a soltura do rei Jeoakin. Estima-se que Jeremias tenha vivido até os 90 anos.
EZEKIEL, O VISIONÁRIO
Ezequiel (29 anos) foi levado para Babilônia na 3ª deportação, junto com cerca de 10 mil judeus. Ele era casado e sua esposa morreu. Em seu livro, o profeta marca detalhadamente desde o 5º ano (~593 a.C.) do exílio, quando ele estava na comunidade de Tel-Abibe, às margens do rio Kebar, até o 25º ano (~565 a.C.). No 12º ano do cativeiro do rei Jeoakin, Ezekiel recebe a notícia sobre a destruição de Jerusalém: "A cidade caiu!" (Ezequiel 33.21).
Ezekiel é lembrado por suas visões dos seres celestiais. Suas profecias, contudo, são problemáticas. Primeiro, Ezekiel se une a Jeremias ao prever a queda do Egito ante a invasão de Nabucodonosor e o próprio Senhor diz que entregaria o Egito como recompensa ao rei babilônico (Ezequiel 29.19,20). Como dito antes, o Egito repeliu a tal invasão. Também, Ezekiel prevê a queda e total destruição de Tiro, a capital fenícia. Depois, ele mesmo relata a sobrevivência da cidade:
"Filho do homem, o rei Nabucodonosor, da Babilônia, conduziu o seu exército numa dura campanha contra Tiro; toda cabeça foi esfregada até não ter ficar cabelo algum e todo ombro ficou esfolado. Contudo, ele e o seu exército não obtiveram nenhuma recompensa com a campanha que ele conduziu contra Tiro. (Ezequiel 29.18)
De fato, Nabucodonosor capturou a Fenícia, mas Tiro rendeu-se e não foi destruída. No Novo Testamento, a cidade é importante o suficiente para negociar com o rei Herodes (Atos 12.20) e existe até os dias atuais. Ezekiel não menciona outros reis além de Nabucodonosor, apesar da turbulência que se seguiu na Caldéia após a morte do soberano. Assim, é provável que ele não tenha vivido até a coroação de Evil-Merodaque (562 a.C., 43º ano de cativeiro).
DANIEL, O PRÍNCIPE
Daniel (23 anos) foi levado com os cativos da 1ª deportação, em 605 a.C., junto com Hananias, Mishael e Azarias. Todos eram nobres de Judá, o que não deve excluir o profeta. Daniel também fala diretamente ao rei Nabucodonosor, interpretando seus sonhos, o que mostra que convivia no palácio real em Babilônia. Além disso, quando Daniel narra a história dos príncipes colocados na fornalha por não se curvarem à estátua do rei, ela acrescenta que eram judeus nomeados para ADMINISTRAR PROVÍNCIAS em Babilônia (Daniel 3.12), sugerindo que Nabucodonosor fora extremamente benéfico aos nobres das terras que conquistou. Nesse mesmo episódio, o rei refere-se à 4ª criatura na fornalha como um “filho dos deuses”, o que talvez se refira à representação que os babilônicos faziam de seus deuses e reis como homens com 2 ou 4 asas.
Daniel narra a loucura de 7 anos do grande rei, fato que não é impossível de ter acontecido, mas não é relatado em qualquer outro texto. Tendo como base que todo o império caldeu ruiu poucos anos depois da sua morte, os historiadores acham improvável que tantos anos de insanidade não tivessem conseqüências sérias. Outros grandes reis tiveram episódios de loucura e, além de isso ser registrado, nenhum deles foi posto fora do palácio, entre as bestas selvagens, como Daniel escreve de Nabucodonosor. Assim, existe um consenso de que o livro de Daniel já então não fala mais de Nabucodonosor (que teria morrido), mas sim de um sucessor ilegítimo (Nabonidus) que estaria usando o nome do antigo rei como uma espécie de título (leia mais aqui). De fato, Daniel fala sobre reis que governaram bem depois de Nabucodonosor, mas não cita Nabonidus ou seus predecessores, podendo indicar que estava afastado do palácio durante esse momento turbulento da política na Caldéia.
Daniel cita diversas visões que teve durante o governo de Belsazar, que foi príncipe-regente durante o retiro de Nabonidus. Finalmente, o profeta é convocado para interpretar a visão do príncipe-regente na noite do grande banquete em que o rei Nabonidus voltava para Babilônia. Nem nessa ocasião Daniel menciona seu nome. Na famosa noite do banquete, o rio Tigris foi desviado para o grande lago da rainha Nitócris e, enquanto o lago enchia, os soldados do rei medo Dario entraram pelo meio da cidade e a conquistaram.
DARIO, REI DA MÉDIA
Todos os historiadores falam da conquista de Babilônia pelo rei Ciro, o persa. Descrevem mesmo oficiais do seu exército. Alguns supõem que o livro de Daniel comete um grave erro histórico associando a conquista de Babilônia ao rei Dario, filho de Histaspes, que nasceria 40 anos depois e assumiria o trono persa após matar os magos que o havia usurpado da família real. Outros acreditam que um rei Dario contemporâneo de Ciro tenha, de fato, liderado os exércitos que conquistaram Babilônia.
A Média, também citada como Madiã ou Midiã, era o reino a nordeste da Caldéia e ao norte da Síria, sendo a parte norte do atual Iram. Segundo Daniel, a cidade de Babilônia foi invadida pelo rei da Média, que a governou por 62 anos (Daniel 5.30,31). [outras traduções referem que a idade do rei era de 62 anos]
Foi o Dario da Média quem mandou colocar Daniel na cova dos leões, segundo a “lei dos medos e dos persas”, mostrando que já então os dois impérios estavam unidos (Daniel 6.8). O próprio Daniel se refere ao governo simultâneo de Dario, o medo, e Ciro, o persa (Daniel 6.28).
Dario é um mistério para os historiadores. Fora da Bíblia, a única outra referência que existe de Dario é dada pelo bispo judeu Eusebius, na cidade portuária de Cesaréia Maritima, no séc. 3 d.C. Não sabemos de onde Eusebius coletou suas informações, mas ele fala do rei Ciro invadindo Babilônia (o que concorda com todos os demais historiadores, exceto Daniel) e da fuga de Nabonidus. Após perseguido e capturado, o rei Nabonidus teria sido mandado para governar a terra de Carmania, de onde foi expulso por um rei Dario, supostamente poderoso o suficiente para contrariar as ordens de Ciro da Pérsia.
Por outro lado, quando Daniel repete a apresentação do rei, talvez ele nos indique que se trata, de fato, de um tremendo erro: “Dario, filho de Xerxes, da raça dos medos, que assumiu o controle do reino dos caldeus” (Daniel 9.1). Dario Histaspes foi pai de Xerxes I (pode ter havido uma inversão das palavras, no texto). Outro Dario seria filho de Artaxerxes em ~480 d.C. (e bisneto de Dario Histaspes) e viria a governar a Caldéia cerca de 62 anos após a tomada de Babilônia. Nesse caso, seria improvável que Daniel ainda vivesse para testemunhar sua coroação, pois estaria com mais de 120 anos de idade, e muito do que está escrito no livro de Daniel deveria ser entendido como adições posteriores ao profeta. De qualquer forma, as profecias de Daniel não são fáceis de interpretar como as de Ezekiel, pois ele é impreciso nos intervalos de tempo (ex. 70 semanas = 490 anos) e raramente cita os nomes de lugares.
Algumas adições apócrifas a Daniel repetem o episódio da cova dos leões, colocando o profeta Habacuc como alguém teletransportado a Babilônia para alimentar Daniel. Também, a fala de Deus a Ezekiel cita Noé, Daniel e Jó como os maiores justos da humanidade (Ezequiel 14.14), numa época em que Daniel estava apenas iniciando seu ministério. Assim como se deu com Salomão, a fama do profeta pode ter ligado muitas histórias ao nome dele.
Estima-se que Daniel tenha vivido até os 91 anos. Nesse período, ele não menciona a libertação dos judeus.
LIBERDADE AOS JUDEUS
Babilônia foi tomada pelos generais de Ciro em 539 a.C. O fundador da dinastia Aquemênida na Pérsia dividiu seu reino entre muitos governadores ou Sátrapas, inaugurando uma era de prosperidade e dando à capital Pasárgada a importância que antes era de Babilônia. O sacerdote Esdras credita ao rei persa uma lei libertando os cativos, como que para desfazer o que Nabucodonosor havia feito. Ciro, assim, se tornaria o único rei estrangeiro reverenciado pelos judeus:
... que digo acerca de Ciro: ‘Ele é meu pastor, e realizará tudo o que me agrada; ele dirá acerca de Jerusalém: "Seja reconstruída", e do templo: "Sejam lançados os seus alicerces" (Isaías 44.28)
Ao todo, foram cerca de 54 anos de exílio desde a captura de Jerusalém. Entretanto, uma pequena quantidade de judeus retornou à cidade arruinada.
Ciro foi sucedido por seu filho Cambyses II, que empreendeu gigantescas campanhas contra a Grécia e o Egito, que finalmente foi subjugado. Segundo o historiador Heródoto, Cambyses era filho de uma princesa egípcia e atacou o Egito para recuperar o trono que havia sido usurpado por uma rebelião plebéia. Essa última parte, pelo menos, era verdade. Na campanha contra o Egito, Cambyses afastou-se por tanto tempo da Pérsia que mandou assassinar o irmão Smérdis para esse não tomar-lhe o lugar. Como resultado, um grupo de magos persas usurpou o trono.
Dario Histaspes foi um gerneral de Cambyses II elevado ao trono após recuperar o governo da Pérsia dos magos haviam traído o rei. Foi somente no seu governo, 39 anos mais tarde, que verdadeiramente a Pérsia passou a investir na reconstrução das cidades-estado arrasadas pelos caldeus. Entre as obras do novo governo do Oriente Médio estava a restauração do Templo e os ambiciosos projetos de um judeu conhecido como Neemias.
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BORDADO NO TAPETE VOADOR
Belshazzar - wikipedia
Cambyses II - wikipedia
Cyrus the Great - wikipedia
Daniel (biblical figure) - wikipedia
Darius I - wikipedia
Darius the Mede - wikipedia
Errancy.org - cidade de Tiro
Errancy.org - Egito
Eusébius, Crônica dos Caldeus, 14
Eusébius, Crônica dos Persas, 21
Heródoto, História, Clio 186-191
Heródoto, História, Euterpe 33
List of kings of Persia - wikipedia
Nabonidus - wikipedia
Nebuchadnezzar II - wikipedia
Xenofonte, Ciropedia, livro 7
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