Os Simpsons são uma família cujo cotidiano é mostrado em desenhos animados muito bem feitos. Em algumas vezes que vi o desenho, pareceu-me uma família confusa, como eu não gostaria que a minha fosse. Outro dia, vendo-o, lembrei-me de ter lido um interessante livro sobre eles: “O evangelho segundo os Simpsons”, de Pinsky. Até fizera uma pastoral, que ampliei neste artigo.
Pinsky segue a linha de outros livros, como "A psicanálise dos contos de fadas", de Bettelheim, "O lobo mau no divã", de Laura James (ela analisa as patologias dos personagens dos contos de fada), "Teologia e MPB", de Calvani, "Teologia e literatura", de Manzatto (uma reflexão teológica nas obras de Jorge Amado), "House e a filosofia – todo mundo mente", de Irwin e Jacoby, "Super-heróis e a filosofia – verdade, justiça e o caminho socrático", de Irwin. Ou seja: quais conceitos espirituais, culturais e psicológicos são veiculados em produções seculares (música, filmes, desenhos, gibis ou histórias infantis). Não sendo pedante (e sendo), quando me pós-graduei em Educação, pela Católica de Brasília, meu trabalho foi sobre a ideologia das histórias em quadrinho (Disney, Super-homem, Ultraman, Ultra-Seven, gibis de cowboys, etc.). Porque não se trata só de entretenimento, mas de transmissão de valores.
Apresentando o livro, Tony Copolo, professor de Sociologia, diz: “Para Homer [o pai], a oração não é um momento de comunhão com Deus, mas sim algo que você faz quando não consegue o que deseja por si mesmo” (a tradução gerou um texto confuso, com muitos erros). Copolo diz mais: “A igreja, para Homer, não tem nada a ver com culto ou adoração, mas sim em ensinar bons valores morais a seus filhos. Ele quer ver seus filhos todos os domingos na igreja, não para expressar gratidão a Deus pelo que lhes concedeu, mas sim para aprender com os sermões sobre o que é certo e o que é errado. Ele acredita, assim como a maioria das pessoas que fazem parte da religião popular, que aqueles que aprendem e seguem as lições vão para o céu, e aqueles que pecam muito vão para o inferno”.
A teologia dos Simpsons está também em igrejas evangélicas. Muitos crentes pensam em oração como manipular Deus ou manejar os cordéis de um Deus patético, para ele fazer o que queremos. Oração não é só pedir. É também desfrutar a companhia de Deus e buscar sua vontade. Mas muitos têm uma visão mágica. Deus passa a ser um Papai Noel e a oração, uma lista de compra. Deixa de ser comunhão com Deus. Igreja passa a ser apenas um lugar para criar os filhos, já que o mundo é perigoso e alguns pais quase não têm o que dizer sobre valores espirituais e morais. Em parte porque a moral é ironizada, chamada de “falso moralismo” (qual é o verdadeiro moralismo?) e em parte porque os avós de hoje são os jovens de ontem para os quais era proibido proibir. As crianças de hoje são a terceira geração do “É proibido proibir”. Some-se a isto uma legislação leniente e utópica, e eis o resultado: adolescentes que são selvagens com roupas de grife. Por isso há tantos adolescentes grosseiros e até criminosos. A igreja passa a ser a educadora, já que muitos pais não conseguem sê-lo e jogam isso para ela.
O conceito de salvação também sofre, com esta visão de igreja e de culto. Há membros de igrejas evangélicas que acham que todas as religiões são iguais, que “religião, cada um tem a sua”, que a verdade sobre Deus é ampla (ou relativa) e o que vale é ser bonzinho, que Deus dará um jeito. Não têm noção alguma do que seja o plano de Deus em Cristo. A banalidade das letras dos corinhos contribui para isso, porque nada ensinam, apenas evocam boa sensação. Ser cristão é cada vez mais experimentar sensações que crer em Alguém e esposar uma visão de vida.
Segmentos da igreja perderam a centralidade de Cristo e sua cruz. Assim perderam conteúdo teológico e identidade, tornando-se um clube recreativo-espiritual-educacional, reunindo pessoas com uma moral sadia, ou do mesmo nível social. O ardor evangelístico se perde (se tudo vai dar certo, por que incomodar os outros e me perturbar, com esse negócio de evangelização?). A grande crise de algumas igrejas hoje é de fundamentos: o que é uma igreja, exatamente? Quem é Jesus Cristo? O que é salvação? Igreja é mais que clube espiritual ou lugar para se fazer carreira espiritual. As megas-igrejas, muitas vezes, parecem mais com empresas que com um agrupamento dos salvos pelo sangue de Cristo. Uma empresa humana com verniz religioso.
A igreja não é uma confraria de bonzinhos aos seus próprios olhos. Nem de reformadores sociais. Igreja é um grupo de pessoas que provou a graça de Deus na pessoa de Jesus Cristo, creu nele, comprometeu-se com ele no simbolismo do batismo, identificando-se com sua morte e ressurreição. Igreja é um grupo de pessoas que crê que apenas o evangelho, não ideologias políticas e humanas, tem a resposta para este mundo. Por isto valoriza mais a pregação do evangelho que qualquer outro discurso. Sua base de fé é a declaração cristológica da igreja primitiva: “Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras” (1Co 15.3-4). A igreja crê na morte vicária de Cristo e em sua ressurreição. Sem isto, não há igreja. Há simpsonismo espiritual.
Num dos desenhos, quando Bart, seu filho, lhe pergunta qual é a sua religião, Homer diz: “Você sabe, aquela que tem umas regras muito boas, porém, não funcionam na vida real. Ah, chama-se cristianismo”. Bart diz, em outro desenho, sobre a questão do juízo: “Acho que vou ter uma vida cheia de pecados seguida por um súbito arrependimento no leito de morte”. É este o conceito do valor do evangelho que o desenho transmite. Talvez seja o de muitos dos nossos. A santidade é tão escassa e a graça é tão mal compreendida! Homer Simpson deveria ser um personagem fictício. Temo que seja membro de muitas igrejas.
Você é, realmente, igreja de Jesus ou um Homer Simpson? Seu compromisso com Jesus é radical, de entrega da vida e engajamento com o seu reino, ou apenas uma perspectiva cultural?
Isaltino Gomes Coelho Filho
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