sábado, 18 de agosto de 2012

O dia em que a Terra vai parar


Esse artigo foi copiado caluniosamente do site Brasil Acadêmico e publicado pela revista Le Monde Diplomatique. Estamos trocando as placas, nº do chassis, mudando a cor. Fique tranqüilo, logo você nem dirá que leu ele algum dia.

Então [Jesus] lhes contou esta parábola: "A terra de certo homem rico produziu muito bem. Ele pensou consigo mesmo: "O que vou fazer? Não tenho onde armazenar minha colheita". Então disse: "Já sei o que vou fazer. Vou derrubar os meus celeiros e construir outros maiores, e ali guardarei toda a minha safra e todos os meus bens. E direi a mim mesmo: Você tem grande quantidade de bens, armazenados para muitos anos. Descanse, coma, beba e alegre-se". Contudo, Deus lhe disse: "Insensato! Esta mesma noite a sua vida lhe será exigida. Então, quem ficará com o que você preparou?" Assim acontece com quem guarda para si riquezas, mas não é rico para com Deus". (Lc 12.16-21)

CERTOS HOMENS não esperam desastres: ao invés disso, temem as pessoas. Muito pode acontecer a qualquer hora e há quem se prepare para isso: meteorito gigante se chocando com a Terra, erupção vulcânica, combinação de desastres ecológicos, pandemia, guerra nuclear entre o Ocidente e a China, hiperinflação, colapso do sistema bancário mundial, distúrbios revolucionários, lei marcial, etc. Mas CERTOS HOMENS só se importam com que diz respeito aos outros homens. Se Freud disse que o homem teme a Natureza, eles mostram o mais estranho exemplo...

Ao longo de dezenas de milhares de anos aprendemos a cultivar, fazer pão, criar animais, ligar motores, produzir energia, e ainda assim não vencemos o medo mais simples... do espelho. Andando na rua, vemos uns aos outros com muito menos amor [pelo próximo] do que nos dirigimos ao trabalho [para amar nosso salário ao final do mês]. Em quantos minutos das nossas vidas somos nação? Em quantos anos somos mútuos inimigos? CERTOS HOMENS fazem desses momentos um treino para certo futuro onde não haverá recursos para todos, onde cada um precisará garantir o SEU a despeito da miséria alheia. Valorizamos ter PODER ou AUTORIDADE para fazer valer uma vontade acima da vontade de outros. E nos perguntamos cabisbaixos onde foi parar o AMOR AO PRÓXIMO pregado por Jesus... ELES estão ávidos para nos dizer onde!

PROTEÇÃO

CERTOS HOMENS combinam a ideia de “se preparar” - temor que muitos aplicariam a desastres ou crises  - com a vontade de mostrar que vão sobreviver... a qualquer custo... ou até prosperar, embutindo a idéia de que a maioria irá sucumbir. O "self-made man" tenta resistir a tudo e bradar bem alto que Ninguém pode contra ele. Como Jesus não sabia o dia e a hora quando o fim seria, então disseram que este seria agora. Um fim do mundo que está sempre começando e avança pelos tempos!

ELES estão se tornando cada vez mais numerosos, trabalhando em planos detalhados para sobreviver principalmente ao próximo. Mudanças agradáveis para boa parte da população mundial, como saúde e educação, ou apenas igualdade perante as leis são de fato coisas temíveis aos mais poderosos. Eles já as têem E CONTROLAM, então teriam de dividir com os demais, que não as conquistaram? Mas são eles que movimentam grandes somas, dividem entre si os poderes políticos para fazer ou negar. Seriam anos de preparação arruinados se esses poderes se perdessem em IGUALDADE... Estoques para a fome e falta de abrigo, que noutros contextos seriam segurança para o grupo, se vêem pervertidos ao exagero de banquetes e palácios. E o GRUPO, desamparado, agora ameça com o saque, a subtração dos tesouros de cada um. Esteja certo: se tirou algo das pessoas, elas quererão pegar de volta! Mate-as antes que consigam.

CONTROLE

Figuras emblemáticas surgiram nas multidões e fizeram leis garantindo que essa diferença era certa, que DEUS desejava que alguns tomassem vinhos caros para o bem daqueles que cozem o pão no chão de terra. Se isso é verdade, porque se protegem ocultando os lugares que freqüentam, onde andam, onde instalam suas famílias... longe de todos? Escolheram o medo dos outros homens, daqueles todos a quem cada um deixou sem comer, sem estudar, sem conforto. O capitalismo premiou os que fizeram lucros, e aos pobres restantes esses aí disseram "NÃO TEMOS O QUE TE DAR".

Veja-se que  o fim do mundo é um passo clássico de seitas e igrejas. Mas preparar-se para ele é o idioma de ALGUNS HOMENS. Interpelam paranóicos, populistas e ambientalistas sobre isso. Se Deus diz que não teriam o controle, eles buscam quem diga diferente. Conduzem o rebanho de ovelhas mais materialista  pela predestinação calvinista que separa os eleitos (identificáveis por sua vigilância ativa e prosperidade financeira), dos condenados, vítimas de sua culposa frivolidade (e ruína econômica). Eleitos pelas próprias obras... Como deixariam que houvesse leis capazes de questioná-los?

Enfrentando a dura concorrência, as várias igrejas se irritam com esse fenômeno, argumentando que o treinamento material para sobreviver em meio ao caos não pode substituir o esforço espiritual para a salvação da alma. E quanto Deus pode investir em dinheiro, então?

MELHORE, SEMPRE

CERTOS HOMENS não professam particularmente a rejeição de um estilo de vida ou a desconfiança em relação a um governo suspeito de traição. Eles se consideram simples cidadãos que buscam objetos e posses úteis. Observa-se, entre as suas contribuições na sociedade, a recorrência de dois temas: a fuga para o isolamento e a desconfiança armada em relação aos “não escolhidos”. Aí até as igrejas se somam, emparedadas e com portas grossas. Os homens se tornam suspeitos porque poderiam se transformar em saqueadores, os ÍMPIOS porque se tornariam em seguidores do INIMIGO. Lá dentro, um coro de vozes vestidas de forma diferente e falando noutra língua grita mais alto: SOMOS MELHORES E MERECEMOS ENTRAR NA CASA DE DEUS.

MEDO

Mas como escolher um porto seguro no coração de um país do 3º mundo, cercado de gentes sem moral? Como se manter livre em um submundo autônomo de grandes casas e belos jardins? Um casal se orgulha de ter muros altos. Outro defende a formação de condomínios de alto-nível. Outro ainda propõe a transferência dos comércios para dentro dessas moradias de segurança máxima. Ao saírem dali, muitos viajam uma centena de quilômetros em cofres blindados até os centros de altos empreendimentos, ou simplesmente para os aeroportos, de onde se transportam para mundos mais condizentes na Europa e Estados Unidos.

O primeiro assunto nas conversas é a manutenção de patrimônios dentro do seu círculo. O segundo é o medo do outro, para o qual contratam empresas especializadas e constroem verdadeiros "bunkers de lazer", com todos os confortos sonháveis cercados de arame farpado, muralhas, fossos e até sem acesso por terra. Das torres de vigília armadas, esperam as hordas de miseráveis que tentarão violar seu santuário. Apesar dos recursos refinados, maioria torna-se consumidora de uma nova classe de produtos direcionados à segurança, que inclui desde carros blindados até comitivas para selecionar convidados e serviços "públicos" tão excludentes quanto possível. Alguns até apelam para o auxílio remunerado de professores, aprendendo as lições mais concretas sobre como fazer os amigos certos, como freqüentar os locais corretos, como conquistar o par adequado...

Constatações sobre a ganância financeira dos HOMENS são várias, mas sua representação individualista da autonomia e seu reflexo de fuga social oferecem poucas perspectivas de ação socializada para sua reintegração. Em verdade, o que ocorre é justamente ocuparem os postos de quem poderia lhes tratar! Mergulhados na ideologia neodarwiniana da luta de todos contra todos, a maioria dos HOMENS não poderia imaginar que uma simples redistribuição da riqueza seria mais eficaz do que a deslocação estratégica para evitar os horrores da suposta perseguição. Em suma, eles se recusa a se preparar para a continuação do mundo. Deus tenha piedade dos que são dirigidos por eles, loucos conduzindo cegos!

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Quem escreveu, diz que leu

1 “Subculture of Americans prepares for civilization’s collapse” [Subcultura de norte-americanos que se preparam para o colapso da civilização], Reuters, 21 jan. 2012.
2 “The End Of The World As We Know It” [O fim do mundo como o conhecemos], ou, para os iniciados,“Teotwawki”.
3 Por exemplo: Survivors: a novel of the coming collapse [Sobreviventes: uma novela do colapso que está por vir], Simon & Schuster, Atria Books, Nova York, 2011; e How to survive the end of the world as we know it [Como sobreviver ao fim do mundo como o conhecemos], Plume, Nova York, 2009.

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