terça-feira, 3 de junho de 2014

Desigrejando a fé

Uma das estranhas virtudes da vida cristã é a Salvação, significando primeiro que, ao morrer, você não habitará com o Diabo e seus comparsas; e segundo, significa que você é, aqui e agora, autorizado pelo Altíssimo para representá-Lo.

A primeira parte, bem interessante, quebra via contrato toda lei de causa e consequência. Você nasceu pecador, mas não vai para o inferno. Você não tem Deus como seu principal pensamento, mas será perdoado. Você desdenha o seu próximo (afinal, ele que busque a Deus), mas tudo certo. Você não vende tudo o que tem para sair a divulgar o reino de Deus, mas quem faria isso? Você não dedica seu tempo e esforços (e principalmente seus dividendos) a cuidar dos mais necessitados, mas afinal o que é que você está insinuando? O que você faz é comparecer à igreja, frequentar os grupos da igreja, tratar bem o(s) líder(es) da igreja. Seu contrato, se existe um, é com a igreja. E pode ser inclusive desfeito e mudado para um concorrente, caso a Salvação oferecida ali seja melhor e mais barata.

Nesse ponto você talvez pare de ler e pense: não, meu contrato é com Jesus. Ele, embora tenha prometido o Reino e Sua morada aos homens desse mundo, malemá prometeu isso nominalmente aos 12 que o seguiam e a um que arrebanhou na cruz. Aos 12, além disso, prometeu perseguição.

Mais uma vez, Jesus lhes disse: "Eu vou embora, e vocês procurarão por mim, e morrerão em seus pecados. Para onde vou, vocês não podem ir" ... "Vocês são daqui de baixo; eu sou lá de cima. Vocês são deste mundo; eu não sou deste mundo. Eu lhes disse que vocês morrerão em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou, de fato morrerão em seus pecados". (João 8.21-24) [falando aos Fariseus]

“Eu vim do Pai e entrei no mundo; agora deixo o mundo e volto para o Pai … Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo". (João 16.28-33) [falando aos discípulos]

Em outra ocasião, Jesus avisou que nem todo aquele que diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, reservando isso apenas aqueles que fazem a vontade do Pai (Mateus 7.21). Trata-se de um contrato de libertação na verdade com muitas cláusulas de exclusão. Especialmente porque amar a Deus e ao próximo não é coisa que a que sejamos ensinados ou pelas quais as pessoas nos recompensem. Na prática, significa abdicar de conforto, admiração e até respeito dos demais (o tal Mundo ao qual Jesus se referia). Mas sobretudo não há sequer uma ação única que Jesus atribua aos homens que possa os salvar; ao invés disso, ele sabiamente empunha que a condição “simples” para isso é crer Nele e fazer a sua vontade … não agora, nem ontem, mas todo o tempo. Simples? Eu diria que não: tomando Jesus por exemplo, significa abandonar toda e qualquer pretensão de sucesso social, levar amparo aos necessitados, se desfazer de tudo o que você tenha e seu próximo não e tomar até seu pior oponente por amigo, confiando que se há alguma justiça, ela será feita por Deus. Quem topa? Quem faz isso?

O segundo pilar da vida religiosa é talvez ainda mais notório. Ele coloca sobre os crentes (na igreja) a possibilidade de representar Deus. Isso poderia te dar a responsabilidade por todas as ocorrências boas e nefastas, farturas e pestes no mundo. Poderia também te capacitar a fazer as pessoas amarem, ou dar fé para quem só tem isso. Poderia te colocar como poderoso vingador dos oprimidos, libertador das nações e nomeador dos césares e pilatos do mundo. Mas, ao invés disso, parece simplesmente te dar o direito de supervisionar e punir quem não se enquadra numa listinha escrita (ou não) de regras sociais: que roupas usar, que palavras falar, que músicas ouvir, que alimentos comer, etc. E, como bom representante da direção divina no baixo clero, lhe caberia também punir os infratores, denunciá-los à santíssima congregação ou até ao venerável líder. Se Ele quiser levar ao Senhor isso, que o faça, e você certamente poderá apontar as desgraças de quem concede a Graça na vida do subversivo infrator.

Pois posso testemunhar que eles [os israelitas] têm zelo por Deus, mas o seu zelo não se baseia no conhecimento. Porquanto, ignorando a justiça que vem de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se submeteram à justiça de Deus. (Romanos 10.1-3)

Meus amados irmãos, tenham isto em mente: Sejam todos prontos para ouvir, tardios para falar e tardios para irar-se, pois a ira do homem não produz a justiça de Deus. (Tiago 1.19-20)

Lembremos, nós cristãos puríssimos e santificados pela igreja, que os açoites que Jesus recebeu foram por pedido e mérito do Sinédrio, o seleto grupo de sábios e santos sacerdotes judeus. Já dizia o profeta Isaías que o fruto da justiça é paz, tranqüilidade e confiança (Isaías 32.17). Bem o que se deu com o Sinédrio, e o que se dá em todas as relações onde um cristão aplica a justiça e chega para representar o justo Deus. Não?!

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PS: só um desabafo

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